EXPLORANDO O TEATRO NA EDUCAÇÃO:ABORDAGENS PARA O DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DOS ALUNOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10020170


Alexandre Gandolfi Neto1


RESUMO

Este artigo explora três metodologias de ensino de teatro para apoiar o desenvolvimento pedagógico dos professores com seus alunos. As metodologias destacadas incluem a abordagem do professor-personagem de Dorothy Heathcote, o método do círculo concêntrico de Mark Danby e os jogos teatrais de Viola Spolin. Na abordagem do professor-personagem, os educadores assumem papéis ou personagens durante as aulas, criando um ambiente de aprendizagem envolvente e estimulante, o que fomenta um espaço seguro para atividades teatrais e também promove a participação dos estudantes. O método do círculo concêntrico é uma ferramenta pedagógica que envolve a criação de um tabuleiro com círculos concêntricos móveis conectados por um pino central, onde os alunos, ao jogar, selecionam opções de contexto para orientar atividades dramáticas, promovendo a criatividade e a improvisação. Por fim, os jogos teatrais de Viola Spolin enfatizam o brincar como uma ferramenta valiosa para o aprendizado teatral. Através deles é possível preparar os alunos para a atuação teatral, promovendo a cooperação e o respeito mútuo, além de desenvolver habilidades de percepção sensorial e explorar questões de cidadania e convivência. Em resumo, estas três abordagens para o ensino de teatro na escola permitem que os alunos experimentem e explorem a linguagem teatral de maneiras criativas e interativas. Cada abordagem possui suas próprias vantagens e pode ser adaptada de acordo com as necessidades e objetivos específicos do ensino teatral na sala de aula.

ABSTRACT

This article explores three theater teaching methodologies to support the pedagogical development of teachers with their students. The highlighted methodologies include Dorothy Heathcote’s teacher-in-role approach, Mark Danby’s concentric circle method, and Viola Spolin’s theater games. In the teacher-in-role approach, educators take on roles or characters during lessons, creating an engaging and stimulating learning environment that fosters a safe space for theatrical activities and promotes student participation. The concentric circle method is a pedagogical tool that involves creating a board with movable concentric circles connected by a central pin. Students, while playing, select contextual options to guide dramatic activities, promoting creativity and improvisation. Finally, Viola Spolin’s theater games emphasize play as a valuable tool for theatrical learning. Through them, it is possible to prepare students for theatrical performance, promote cooperation and mutual respect, develop sensory perception skills, and explore issues of citizenship and coexistence. In summary, these three approaches to teaching theater in schools allow students to experiment and explore the theatrical language in creative and interactive ways. Each approach has its own advantages and can be adapted according to the specific needs and objectives of theater education in the classroom.

RESUMEN

Este artículo explora tres metodologías de enseñanza teatral para apoyar el desarrollo pedagógico de los profesores con sus alumnos. Las metodologías destacadas incluyen el enfoque del profesor-personaje de Dorothy Heathcote, el método del círculo concéntrico de Mark Danby y los juegos teatrales de Viola Spolin. En el enfoque del profesor-personaje, los educadores asumen roles o personajes durante las clases, creando un entorno de aprendizaje atractivo y estimulante que fomenta un espacio seguro para actividades teatrales y promueve la participación de los estudiantes. El método del círculo concéntrico es una herramienta pedagógica que implica la creación de un tablero con círculos concéntricos móviles conectados por un pasador central. Los estudiantes, mientras juegan, seleccionan opciones contextuales para guiar actividades dramáticas, promoviendo la creatividad y la improvisación. Finalmente, los juegos teatrales de Viola Spolin enfatizan el juego como una herramienta valiosa para el aprendizaje teatral. A través de ellos, es posible preparar a los estudiantes para la actuación teatral, promover la cooperación y el respeto mutuo, desarrollar habilidades de percepción sensorial y explorar cuestiones de ciudadanía y convivencia. En resumen, estos tres enfoques para la enseñanza de teatro en las escuelas permiten a los estudiantes experimentar y explorar el lenguaje teatral de manera creativa e interactiva. Cada enfoque tiene sus propias ventajas y se puede adaptar según las necesidades y objetivos específicos de la educación teatral en el aula.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologias de ensino teatral. Professor-personagem. Círculo concêntrico. Jogos teatrais. Desenvolvimento pedagógico.

KEY WORDS: Theatrical teaching methodologies. Teacher-in-role. Concentric circle. Theatrical games. Pedagogical development.

PALABRAS CLAVE: Metodologías de enseñanza teatral. Maestro-en-personaje. Círculo concéntrico. Juegos teatrales. Desarrollo pedagógico.

Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir três metodologias de ensino do teatro na escola com a finalidade de contribuir com os professores no planejamento e desenvolvimento pedagógico com os alunos. Certamente, as metodologias apresentadas, não esgotam o amplo espaço de possibilidades do ensino e aprendizagem da área da Pedagogia do Teatro, mas foram escolhidas devido à sua facilidade de aplicação e à sua adequação ao ambiente escolar.

A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, inserida no campo dos estudos educacionais e artísticos, com o objetivo explicativo. Para atingir esse objetivo, o artigo apresenta o contexto que levou ao desenvolvimento de cada metodologia, explora sua aplicação em contextos escolares com base em estudos anteriores e analisa as contribuições de cada proposta.

As três metodologias abordadas são: o professor-personagem de Dorothy Heathcote, o círculo concêntrico de Mark Danby e o sistema de jogos teatrais de Viola Spolin. Cada uma oferece abordagens exclusivas para o ensino do teatro, promovendo o envolvimento dos alunos, o desenvolvimento de habilidades teatrais e a integração de conhecimentos de diversas disciplinas.

Neste artigo, exploraremos em detalhes cada uma dessas metodologias, destacando seus princípios, objetivos e benefícios. Ao final, esperamos oferecer instrumentos para os professores de teatro enriquecerem suas práticas de ensino e proporcionar uma experiência de aprendizagem significativa para seus alunos.

O Professor-Personagem como Facilitador da Aprendizagem

             O   professor-personagem é a tradução escolhida para a expressão inglesa “teacher-in-role”, desenvolvida pela professora Dorothy Heathcote e implementada no Brasil por Beatriz Angela Cabral. O professor-personagem é uma técnica que serve como um componente da metodologia de ensino conhecida como Drama, e que consiste na incorporação de papéis e personagens pelo(a) professor(a), enriquecendo o ambiente de aprendizagem e proporcionando um cenário favorável para o desenvolvimento do teatro educacional.

A técnica do professor-personagem consiste no docente assumindo papéis ou personagens durante uma aula. Isso permite que os educadores ofereçam uma experiência única aos alunos, tornando a aprendizagem mais envolvente e instigante. Além disso, cria um ambiente seguro para o desenvolvimento de atividades teatrais, estimulando a participação ativa dos estudantes. Desta forma o professor ao assumir o papel de personagem teatral poderá interagir com os alunos de diversas formas e em contextos diversos, criando um ambiente fictício para desafiar e questionar posturas, ações e atitudes.

Podemos evidenciar que, um dos principais benefícios do professor-personagem é que ao assumir um personagem em sala de aula, o professor consegue atrair e deter imediatamente a atenção dos alunos da turma. Isso ocorre devido ao impacto visual gerado pela utilização de mobilizadores diversos – acessórios, adereços, figurinos, etc -, que tornam a experiência mais instigante e envolvente. Conforme ressaltado por Cabral (1998, p. 22), “Quando um professor assume um papel ou um personagem, os alunos se relacionam com o assunto a serem investigados de forma diferente daquela vivenciada em uma situação de aprendizado convencional”. Esse envolvimento inicial é fundamental para criar um ambiente propício à aprendizagem significativa.

Outro fator interessante, é que a aplicação da proposta possui flexibilidade para ser desenvolvida tanto para turmas em geral quanto em pequenos grupos. O docente pode se apresentar como um obstáculo a ser superado pelos alunos em uma pesquisa ou prática teatral, promovendo a argumentação, a negociação e o compromisso como formas de resolução de desafios.

Cabral (1998, 23) propõe a classificação dos papéis do professor-personagem com base em sua função e status. As funções incluem procurar auxílio ou conselho, procurar informação, coordenar, desafiar e introduzir informação. O status de um cargo pode variar de alto (como rei ou diretor de escola), intermediário (como secretário ou membro da comunidade) e baixo (como pedinte ou aprendiz). Essa diversidade de funções oferece oportunidades para explorar diferentes contextos e desafiar os alunos de diversas maneiras.

Tabela 1 – Funções do Professor-Personagem

Fonte: Cabral (1998)

Em relação ao status Cabral (1998, 23-24) esclarece que ao assumir um papel de nível alto, o professor assume o controle da situação porém poderá inibir que os alunos desenvolvam a responsabilidade pelo processo dramático, entretanto, esta pode ser a única forma de controlar uma turma inquieta ou com outros tipo de problemas de comportamento. Com um personagem de nível intermediário, o professor pode permitir o controle da situação dramática e a possibilidade de delegar a responsabilidade pelas atitudes à uma autoridade ausente, assim compartilha as responsabilidades com o grupo. Assumindo um papel de nível baixo o professor dependerá da boa vontade e da iniciativa da classe, sendo uma boa estratégia para fins de avaliação onde pode-se constatar o grau de familiaridade da turma com o assunto explorado.

Tabela 2 – Status do Professor-Personagem

Fonte: Cabral (1998)

A estratégia do professor-personagem costuma ser uma atividade de fácil aceitação pelos alunos, que acabam entrando em um processo dramático sem perceber. Ademais, aprofundam pesquisas de saberes diversos conduzidos por uma abordagem lúdica e criativa. Faz-se necessário que o docente elabore o planejamento das ações e das interferências que serão realizadas, para que a proposta funcione corretamente. Um requisito importante é a negociação anterior com os alunos para convencionar o momento da ficção, para isso utilizando como referência alguma peça de figurino, acessório, etc, que indique o personagem que o professor está representando. Dessa forma, através de elementos cênicos, o professor deixa claro para os participantes, quando está representando e quando não está representando um personagem.

Pode-se verificar a funcionalidade desta estratégia através de experiências de professores que já utilizaram o professor-personagem para o ensino do teatro na sala de aula. A estratégia do professor-personagem pode ser utilizada como uma opção proveitosa para a alfabetização estética em Teatro, além do mais, demonstra bastante eficácia em atividades interdisciplinares, pois propõe aos alunos pesquisarem conhecimentos e saberes para chegarem a concretização de um resultado ou produto final.

No contexto do estudo realizado por Cabral (1998,36), os estudantes deliberaram sobre a escolha do tema “cavernas” como elemento central para a condução de suas atividades investigativas. A seleção desse tema foi motivada pelo fascínio específico que as cavernas exercem sobre crianças, graças às imagens evocativas de mistério associadas a elas. A temática das cavernas revelou-se particularmente interessante por sua capacidade de permitir uma abordagem interdisciplinar, abrangendo tópicos relacionados ao meio ambiente, geografia, ecossistema, preservação, manipulação e comportamento coletivo. Dentro desta pesquisa o professor utiliza o professor-personagem para despertar o interesse do grupo, que neste momento já está pesquisando e se comportando como espeleólogos.

Um jornalista (o professor de teatro) visita cada laboratório e/ou escritório, entrevista e fotografa as equipes de espeleólogos para a “Revista Ciência”. Um representante da FATMA (um aluno de artes cênicas) visita cada equipe, para convidá-la a participar de importante encontro sobre preservação do meio ambiente e apresentar dados sobre o ecossistema das cavernas. Cabral (1998, 40)

Num segundo relato de experiência, a turma optou por investigar o tema “conchas e caramujos” e iniciou uma pesquisa aprofundada sobre esse assunto. Os estudantes assumiram o papel de cientistas e estabeleceram seus próprios laboratórios com o objetivo de investigar a estrutura, biologia e desenvolvimento das conchas. Para sistematizar o estudo, eles procederam à classificação das conchas e caramujos em famílias e especificações específicas, bem como consultar bibliografia especializada para categorizá-los de forma adequada.

Nesse contexto, o professor-personagem desempenhou o papel de um repórter que visitou cada laboratório e entrevistou os estudantes “cientistas”. Essas entrevistas visam a compreensão mais profunda do papel do cientista na sociedade e como a pesquisa científica influencia e é influenciada pelo contexto sociocultural. Ao término do primeiro encontro, uma segunda entrevista foi realizada em uma lagoa nas proximidades da escola, como parte do “trabalho de campo” dos “cientistas”, que observaram as espécies locais de moluscos. Essa segunda entrevista avaliada avaliou a evolução da autoconfiança e dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes ao longo da pesquisa (Cabral, 1998, 53).

A exposição desses relatos de experiência fornece uma compreensão das possíveis aplicações do professor-personagem na sala de aula. É importante ressaltar que essa não se limita às características peculiares e a metodologia pode ser adaptada de diversas maneiras, cumprindo diferentes funções pedagógicas. Este método destaca-se pela sua capacidade de estabelecer conexões entre a prática teatral e os conteúdos do currículo regular das instituições de ensino, tornando-se particularmente adequado para as séries iniciais.

As pesquisas realizadas pelos alunos estão intrinsecamente ligadas à atividade teatral que permeia todo o processo educacional. Durante esse percurso, os estudantes também assumem papéis e personagens relevantes à temática em estudo. Ao concluir a fase de pesquisa, os alunos têm a oportunidade de compartilhar os resultados de suas investigações, seja por meio de apresentações teatrais ou através de comunicação oral que dão vida a narrativas criadas a partir do conteúdo explorado. Essa abordagem multifacetada demonstra o potencial do professor-personagem como uma ferramenta pedagógica que promove a interação entre o teatro e o currículo escolar, ao mesmo tempo em que estimula a criatividade e o envolvimento dos alunos.

O Círculo Concêntrico: Uma Abordagem para Envolvimento e Aprendizado

O método de ensino teatral dos círculos concêntricos, originalmente concebido pelo arte-educador Mark Danby no Canadá, encontrou sua introdução no contexto escolar brasileiro por meio dos esforços da arte-educadora catarinense Beatriz Ângela Cabral, professora na Universidade Estadual de Santa Catarina. Em um artigo colaborativo entre esses dois educadores, a metodologia é descrita como um conjunto de círculos concêntricos móveis, conectado por um pino central que possibilita a associação aleatória ou prescritiva de opções contidas nas categorias representadas por cada círculo (Cabral e Danby,1999, 2).

(…) Cada círculo então representa uma categoria referente a um conceito da área de conhecimento a ser focalizada, o qual por sua vez se divide em opções. A combinação de seleções, uma de cada círculo, resulta em uma estrutura que orientará a atividade dramática (Cabral e Danby,1999, 2)

Conforme mencionado por Danby, os círculos concêntricos foram concebidos e desenvolvidos com o propósito de servir como uma ferramenta pedagógica aplicável em múltiplos domínios educacionais, incluindo, mas não se limitando ao campo do teatro.

Nesse contexto metodológico, os estudantes são encorajados a criar seus próprios círculos concêntricos, os quais servirão como estrutura fundamental para as aulas de teatro. Esses círculos são concebidos de maneira a serem inspirados pelo tema ou abordagem que se torna o foco do trabalho a ser realizado com a turma.

Conforme ilustrado por Souza (2004, 33), os alunos em questão selecionaram o tema da violência e, com a mediação da professora, empreenderam um processo de negociação para a formulação dos critérios que orientaram a composição do círculo concêntrico. Ao final dessa fase, o círculo foi estruturado com as seguintes categorias:

● Tipos de violência: verbal, corporal, sexual e mental;

● Conflito: social, amoroso, psicológico, financeiro e familiar;

● Consequência: rebelião, brigas, desaparecimento, morte, gravidez, vingança e preconceito;

● Personagens: adolescentes, marginais, mulheres, policiais, bêbados, familiares e drogados;

● Lugar: escola, danceteria, favela, cadeia, carro, rua e casa.

Para essa configuração específica do círculo concêntrico, a professora e os alunos se dedicaram a uma pesquisa conjunta, explorando cada uma das categorias e esclarecendo eventuais dúvidas que surgiram ao longo desse processo colaborativo. A escolha do tema da violência pelos estudantes já revela uma característica do ambiente em que estão inseridos, o que justifica o interesse da turma em abordar esse tema em particular.

Ilustração 1 – Círculo Concêntrico

Fonte: SOUZA, J. Teatro, violência e adolescência. Florianópolis: dissertação apresentada no mestrado de teatro do Centro de Artes/UDESC, 2004.

O procedimento de aplicação desse jogo é da seguinte maneira: o ponteiro é acionado uma vez em relação a cada círculo, resultando na alteração constante das situações concebidas. Essas situações, por sua vez, são exploradas pelos estudantes com o propósito de elaborar cenas improvisadas ou dramatizadas. Isso confere à dinâmica da aula uma estrutura parecida com a de um jogo, no qual os alunos giram o ponteiro para determinar suas próximas ações ou representações cênicas.

Cabral e Danby, ao abordarem a possível analogia entre a estratégia dos círculos concêntricos e a dinâmica de um jogo, bem como a pertinência de gerar aleatoriamente um roteiro básico, afirmam que:

A forma dos círculos e a mobilidade do ponteiro central tornam esta estratégia similar a um jogo. Ao obter as seleções aleatoriamente, os participantes ficam protegidos contra o ‘olhar externo’. Eles sentem-se seguros para interpretar cada seleção à sua maneira, e para incluir informações pessoais sem medo de serem indevidamente criticados. O foco não está na sua escolha, mas sim em resolver o problema posto pelas seleções. Eles podem assim usar sua energia para interpretar o conjunto de seleções obtidas randomicamente (Cabral e Danby, 1999:5).

O emprego do círculo concêntrico proporciona aos alunos a oportunidade de, a partir da sequência de categorias previamente definidas ao iniciar o ponteiro, desenvolver uma variedade de exercícios teatrais. Essas atividades abrangem desde cenas fotográficas e teatro mudo até improvisações de cenas mais extensas, o que permite a exploração de diferentes aspectos do processo teatral.

Esta metodologia de ensino teatral tem se mostrado eficaz em ambientes de sala de aula, notadamente devido à sua semelhança com um jogo, o que desperta o interesse ativo dos alunos na atividade. Conforme relatado por Souza (2004, 33) em sua experiência pedagógica com os círculos concêntricos, essa abordagem pedagógica tem sido bem sucedida em estimular o envolvimento e a participação dos estudantes.

Tornou-se claro, nas apresentações, que os personagens eram inusitados e criativos, e as histórias, enfim, causaram impacto e alguns comentários, como “Professora, não é que essa coisa redonda faz com que os finais ficassem diferentes?”, “Que legal, nem consigo acreditar…” “Dá para a gente jogar de novo?”, e “Por que parece que vai ser sempre diferente?” Comentários como esses viabilizam a proposta, mostrando o seu valor. (Souza, 2004:38).

A utilização dos círculos concêntricos como estratégia pedagógica em sala de aula pode ser uma abordagem particularmente relevante para fortalecer os laços interpessoais entre os alunos. Esse fortalecimento é promovido pela experiência colaborativa de participação no jogo e pela necessidade de resolver desafios conjuntos. Além disso, esta metodologia oferece uma plataforma para a expressão das ideias individuais de cada aluno em relação ao tema tratado no jogo, o que por sua vez fomenta a avaliação de diferentes perspectivas sobre cada situação criada.

É importante destacar que essa abordagem pedagógica tem demonstrado eficácia, especialmente quando aplicada a grupos de adolescentes. Isso se deve ao seu potencial para contribuir para o desenvolvimento da identidade e do caráter dos jovens, uma vez que os envolvem ativamente na construção de conhecimento, na resolução de problemas e na exploração de diferentes pontos de vista. Portanto, a metodologia dos círculos concêntricos não apenas enriquece a experiência de aprendizagem, mas também fortalece as relações sociais e o desenvolvimento pessoal dos alunos.

O Método Viola Spolin e suas Aplicações no Desenvolvimento Criativo e Social

O conjunto de trabalhos produzidos por Viola Spolin representa, inquestionavelmente, um extenso e valioso compêndio de atividades e possibilidades que podem ser exploradas pelo arte-educador de teatro em ambientes de sala de aula.

Spolin é reconhecida como a avó norte-americana do teatro improvisado, tendo exercido influência marcante sobre a primeira geração de artistas dedicados a essa forma de expressão teatral. Inspirada pelos preceitos teatrais de Brecht e Stanislavski, Spolin é autora de uma série de textos voltados para a improvisação teatral.

Em sua obra escrita, é evidente a preocupação de Spolin em destacar que os jogos teatrais aplicados no contexto educacional não são meras distrações, mas ferramentas pedagógicas legítimas que transcendem a mera diversão escolar. Conforme observado por Cardoso (2007, 01), “Por meio deles é possível abordar conteúdos específicos de diversas disciplinas.” No entanto, isso não diminui a ênfase que Spolin atribuiu à importância do ato de brincar. Para a autora, o brincar é significativo, uma vez que, como ela enfatiza,

Através do brincar, as habilidades e estratégia necessárias para os jogos são desenvolvidas. Engenhosidade e inventividade enfrentam todas as crises que o jogo apresenta, pois todos os participantes estão livres para atingir o objetivo do jogo à sua maneira. (Spolin, 2007:30).

Assim, Spolin apoia tanto o potencial educacional dos jogos teatrais quanto a relevância intrínseca do ato de brincar na formação e no desenvolvimento dos participantes, enfatizando a liberdade dos participantes para alcançar os objetivos do jogo à sua maneira.

O jogo teatral é uma atividade que, embora envolva regras, difere vantajosamente das abordagens autoritárias em que as regras são percebidas como imperativas e inquestionáveis. Na instituição lúdica do jogo teatral, as regras são concebidas como instrumentos de interação que visam promover a colaboração entre os participantes. Nesse contexto, as regras são determinantes como resultado de uma decisão livre e mutuamente consentida entre os jogadores, como destacado por Koudela (citado em Spolin, 2001, 11).

A autora enfatiza que os jogos teatrais têm como base a apresentação de problemas a serem solucionados, sendo justamente a natureza desses problemas que fornece o contexto para o desenvolvimento das atividades teatrais. Esse aspecto é fundamental para estimular a criatividade, a resolução de problemas e o engajamento dos participantes nos jogos teatrais.

Entre os elementos essenciais dos jogos teatrais, destacam-se o foco, a instrução e a avaliação, que desempenham papéis cruciais na dinâmica dessas atividades. O foco, por exemplo, é o componente que impulsiona o jogo e serve como um meio para que os participantes alcancem seus objetivos, muitas vezes apresentando um problema a ser resolvido. A estrutura das regras do jogo teatral engloba elementos como a estrutura dramática (onde, quem, o quê) e o objeto de foco, além do acordo de grupo. Essa estrutura é fundamental, conforme observado por Spolin (2007, 32), pois “Através do foco entre todos, dignidade e privacidade são mantidas e a verdadeira parceria pode nascer.”

Para auxiliar os jogadores na busca por uma solução focalizada para os problemas propostos, Spolin empregou a técnica de instrução. A instrução desempenha um papel orientador, incentivando os jogadores a manterem a atenção no foco do jogo. De acordo com a autora, a instrução pode assumir diferentes formas, sendo evocativa e repleta de possibilidades, atuando como uma atividade estimulante e provocadora (Spolin, 2007, 33).

A avaliação é o momento em que se realiza uma análise do que foi aprendido ou realizado ao longo do jogo. É importante ressaltar que essa etapa não deve ser centrada em julgamentos ou críticas, mas sim vista como uma oportunidade para o aprendizado contínuo. Nesse momento, professores e alunos/jogadores podem compartilhar ideias sobre como melhorar a execução das atividades de forma adequada.

Esses elementos são pilares fundamentais da proposta de jogos teatrais desenvolvidos por Viola Spolin. Além de ser uma ferramenta de criação teatral que estimula a criatividade, a liberdade e a intuição, os jogos teatrais oferecem aos alunos a oportunidade de reflexão sobre suas próprias ações e vivenciar uma variedade de situações conflitantes, contribuindo assim para o desenvolvimento pessoal e social dos participantes.

Os jogos teatrais apresentam uma diversidade de possibilidades que são aplicadas em diferentes momentos durante uma oficina de teatro, cada uma com um propósito específico. Entre esses momentos, destacam-se os Jogos de Aquecimento, cuja finalidade, como sugere a própria denominação, é preparar os participantes, elevar sua energia e eliminar distrações, concentrando-os no trabalho a ser desenvolvido na aula. Esses jogos podem ser realizados ao ar livre, incorporando elementos e cantos da cultura popular, envolvendo movimento físico, música agradável e uma dose de atuação (Spolin, 2007, 53).

Em outra etapa, são introduzidos os Jogos de Movimento Rítmico, que visam aquecer e focar na interação do grupo. Esses jogos ajudam os participantes a conscientizar seus movimentos corporais, explorando diversas formas de movimento e expressões físicas. Através desses jogos, os estudantes são incentivados a se sentirem livres para explorar (Spolin, 2007, 63).

Um jogo denominado “Caminhadas no Espaço” é introduzido para permitir que os participantes redescubram e redefinam o espaço da sala de aula, atribuindo-lhe novos significados e possibilidades de utilização. Isso também contribui para o desenvolvimento da consciência sensorial dos alunos. Esse jogo pode se concentrar na reinterpretação do espaço físico, assim como no contato físico com objetos ou na experiência de sentir o espaço com o corpo, incluindo atividades realizadas com os olhos vendados (Spolin, 2007, 63).

Dentro do conjunto de jogos teatrais, destacam-se os Jogos de Transformação, que incorporam uma orientação constante para que os participantes mantenham os objetos no espaço de forma metafísica, ou seja, fora de suas mentes. Isso permite a criação e a exploração de objetos imaginários durante o jogo.

Um exemplo desses jogos é o lançamento de uma bola invisível para um parceiro de jogo, o que auxilia os participantes a compartilhar e estabelecer contato com os outros. Esses jogos têm objetivos claros, tais como desenvolver a capacidade de sentir e manipular o espaço, explorar formas de comunicação não verbal, despertar a comunicação invisível entre os jogadores, promover o acordo dentro do grupo e incentivar a participação conjunta (Cardoso, 2007, 3 ).

Conforme observado pela autora dos jogos teatrais, é nesse processo de tornar visível o invisível que a magia do teatro se inicia (Spolin, 2007, 77). Esse aspecto ressalta a capacidade única do teatro de dar forma a objetos e situações que só existem no mundo da imaginação, permitindo que os participantes explorem e compartilhem essas criações de maneira coletiva, contribuindo para a riqueza da experiência teatral.

Além dos jogos teatrais que têm como objetivo o reconhecimento e a exploração do espaço, dos objetos e da interação do corpo com esse espaço, os quais são categorizados pela autora como aquecimento, a sequência inclui jogos que visam conscientizar os participantes sobre outra dimensão do corpo humano: os sentidos.

Estes são primordiais para a linguagem teatral, haja vista que, os adereços e cenários são passíveis de transformarem-se em objetos distintos do que realmente são, assim, paredes de tijolos podem ser feitas de papelão. Nesse processo, não basta que os atores se comportam como se esses objetos fossem reais, é necessário senti-los como tais.. (CARDOSO, 2007: 04)

Esses jogos têm objetivos múltiplos, incluindo o desenvolvimento da capacidade de prestar atenção às ações da cena, a conscientização das diversas propriedades de um objeto, o aprimoramento da capacidade de observação e memorização, e o aprimoramento dos sentidos da audição e visão. Eles desempenham um papel crucial no treinamento dos atores para aperfeiçoar suas habilidades de percepção sensorial e, ao mesmo tempo, estimular a exploração do mundo teatral através dos sentidos.

Há ainda outras características cruciais no método de jogos teatrais desenvolvido por Viola Spolin. Nesses jogos, destaca-se a ênfase dada ao trabalho em equipe, à colaboração mútua, à solidariedade e à negociação coletiva, elementos que transformam o teatro em um espelho da vida social. Essa abordagem permite a introdução de conceitos fundamentais de cidadania e convivência no ambiente escolar, conforme descrito por Cardoso (2007, 4), ao analisar esses jogos:

[…] a maioria traz à tona a “exigência” de colaboração e ajuda mútua entre os jogadores. Especialmente nos “Jogos com parte de um todo”, essa característica encontra-se mais delineada: “Quando um jogador percebe que ele não pode puxar a corda sem ter alguém para esticá-la do outro lado”. A própria expressão tornar-se “parte de um todo”, já vem associada à necessidade de responsabilidade, interação, observação, etc. (CARDOSO, 2007: 04)

Esses jogos não apenas preparam os alunos para a atuação teatral, mas também promovem valores de cooperação, trabalho em equipe e respeito mútuo, enriquecendo a experiência de aprendizado tanto no teatro quanto na vida cotidiana.

Além dos jogos propostos por Viola Spolin para o ensino do teatro em ambiente escolar, a autora também oferece uma metodologia completa para ensaios e apresentações públicas, que abrange desde a seleção do texto até a preparação do grupo, incluindo a criação de personagens, a escolha de figurinos e adereços, entre outros aspectos relevantes.

A capacidade de assumir o papel de outros personagens e enfrentar situações de conflito proporciona aos participantes a oportunidade de vivenciar uma realidade distinta, livre de preconceitos e suposições. Isso implica uma responsabilidade singular, na medida em que os jogadores devem tomar decisões enquanto representam os papéis dos personagens durante o jogo. Essa abordagem não apenas aprimora as habilidades teatrais, mas também promove uma compreensão mais profunda da diversidade humana e das complexidades das relações interpessoais.

Este método de ensino tem sido amplamente difundido entre os arte-educadores brasileiros, demonstrando ser de grande relevância para a prática pedagógica nas instituições escolares. Ele possibilita uma relação mais profunda com a linguagem teatral e promove a interdisciplinaridade, enriquecendo a experiência educacional dos alunos.

É uma metodologia de ensino abrangente que aborda a tríade essencial para o ensino de artes, permitindo que os participantes tenham a oportunidade de apreciar, produzir e criticar. Durante o jogo teatral, os alunos não apenas apreciam as performances uns dos outros, mas também participam ativamente na criação enquanto jogam e exploram o teatro. Posteriormente, realizam a investigação e análise crítica, avaliando os resultados de todo o processo ocorrido durante o encontro. Essa abordagem holística enriquece a compreensão das artes e promove um aprendizado mais profundo e significativo.

Considerações Finais

Neste artigo, exploramos três metodologias de ensino do teatro na escola que têm o potencial de enriquecer a experiência educacional dos alunos e promover o desenvolvimento de habilidades essenciais. Através da análise das propostas do professor-personagem de Dorothy Heathcote, do método dos círculos concêntricos de Mark Danby e do método de Viola Spolin, pudemos perceber como o teatro pode ser uma ferramenta poderosa para o ensino-aprendizagem em ambientes escolares.

O professor-personagem, apresentado por Dorothy Heathcote, oferece uma abordagem única para envolver os alunos, transformando a sala de aula em um espaço de descoberta e exploração. Ao incorporar papéis e personagens, os educadores podem capturar a atenção dos alunos e criar um ambiente propício para o desenvolvimento de atividades teatrais, promovendo a participação ativa e a aprendizagem significativa. Além disso, a flexibilidade dessa metodologia permite sua aplicação em uma variedade de contextos, tornando-a uma opção útil para o ensino do teatro.

Os círculos concêntricos de Mark Danby, trazidos ao contexto brasileiro por Beatriz Ângela Cabral, conseguiram uma estrutura dinâmica para as aulas de teatro. Essa metodologia envolve os alunos na criação de círculos concêntricos que representam categorias relacionadas ao tema em estudo. Girando um ponteiro central, os estudantes selecionam aleatoriamente elementos dessas categorias para orientar suas atividades teatrais. Isso não apenas estimula a criatividade, mas também promove a resolução de problemas e a colaboração, tornando-se particularmente eficaz com grupos de adolescentes.

Por fim, o método de Viola Spolin destaca a importância do jogo teatral como uma ferramenta pedagógica legítima. Spolin enfatiza que os jogos teatrais não são meras distrações, mas sim atividades que podem ser aplicadas em diversas áreas educacionais, permitindo a exploração de conteúdos específicos de várias disciplinas. Além disso, os jogos teatrais promovem a colaboração, a criatividade e a auto expressão, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e social dos participantes.

Em todas essas metodologias, o teatro não é apenas uma forma de arte, mas uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais. Os alunos envolvidos nessas práticas têm a oportunidade de explorar sua criatividade, desenvolver empatia, aprimorar suas habilidades de comunicação e aprender a trabalhar em equipe. Além disso, o teatro pode ajudar os estudantes a se tornarem cidadãos mais críticos e conscientes, capazes de compreender e abordar questões complexas da sociedade.

Em última análise, o ensino do teatro na escola não se limita ao palco, mas se estende para a vida cotidiana dos alunos. As metodologias apresentadas neste artigo oferecem abordagens pedagógicas inovadoras que podem enriquecer o currículo escolar, promover a participação ativa dos estudantes e prepará-los para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. O teatro, com suas técnicas e práticas, pode ser uma ferramenta transformadora na educação, capacitando os alunos a explorar o mundo, descobrir sua própria voz e criar mudanças significativas em suas vidas e na sociedade.

REFERÊNCIAS

CABRAL, B.   A.   Drama:   contexto   e   circunstância.   Revista   Arte   em   Foco, Florianópolis, volume 1, fascículo 1, pag. 19-50.

CARDOSO, M. A. (2007). Jogos Teatrais na sala de aula: um manual para o professor. Fênix – Revista De História E Estudos Culturais, 4(2), 1-5. Disponível em <https://www.revistafenix.pro.br/revistafenix/article/view/733>. Acesso em: 02/10/2023.

SOUZA, J. Teatro, violência e adolescência. Florianópolis: dissertação apresentada no mestrado de teatro do Centro de Artes/UDESC, 2004.

SPOLIN, V. O jogo teatral no livro do diretor. São Paulo: Perspectiva, 2001.

__________. Jogos teatrais na sala de aula: o livro do professor. Tradução de Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2007.


1Universidade do Estado de Santa Catarina
Doutor em Teatro
xandign@gmail.com