REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10019458
Allana Barbosa Correa Gorzynski
Grazielle Novais Padrão Debes
RESUMO
A aplicação da toxina botulínica – tipo A, para a depressão nos músculos glabelares da face pode compor uma nova abordagem de tratamento. Os músculos corrugadores e prócero são essenciais nas expressões das emoções negativas, e ao relaxar esses músculos com a toxina botulínica – tipo A, conduzimos os pacientes a uma melhora rápida, forte e sustentada dos sintomas depressivos, em apenas oito semanas, com alta taxa de resposta e remissão. O mecanismo de ação da BoNT/A é inibir a liberação de acetilcolina nas terminações nervosas motoras. Isso leva a uma diminuição na contração muscular e à desnervação temporária do músculo. A BoNT/A é útil em condições em que há contração muscular excessiva, como depressão. Portanto, será de interesse determinar um tratamento potencial para aplicação de BoNT/A em transtornos psiquiátricos em geral. Em conclusão, este trabalho demonstra que a BoNT/A tem efeitos antidepressivos significativos. A modulação da atividade da amígdala pela BoNT/A também confere a esta terapia o potencial para tratar uma ampla gama de distúrbios psiquiátricos.
Palavras-chaves: Toxinabotulínica, depressão, modulação da amígdala, tratamento.
ABSTRACT
The application of botulinum toxin – type A, for depression in the glabellar muscles of the face can be a new treatment approach. The corrugator and procerus muscles are essential in the expression of negative emotions, and by relaxing these muscles with botulinum toxin – type A, we lead patients to a rapid, strong, and sustained improvement in depressive symptoms, in just eight weeks, with a high rate of response and remission. The mechanism of action of BoNT/A is to inhibit the release of acetylcholine in motor nerve endings. This leads to a decrease in muscle contraction and temporary denervation of the muscle. BoNT/A is useful in conditions where there is excessive muscle contraction, such as depression. Therefore, it will be of interest to determine a potential treatment for application of BoNT/A in psychiatric disorders in general. In conclusion, this work demonstrates that BoNT/A has significant antidepressant effects. BoNT/A’s modulation of amygdala activity also gives this therapy the potential to treat a wide range of psychiatric disorders.
Keywords: Botulinumtoxin, depression, amygdala modulation, treatment
1. INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), a depressão é um dos transtornos mentais mais comuns e acomete mais de 300 milhões de indivíduos no mundo todo (cerca de 5% da população). Ela é causada por interações complexas entre fatores sociais, biológicos e psicológicos. Trata-se de uma doença mais prevalente em mulheres e idosos, que tem como principais sintomas a sensação persistente de tristeza, irritabilidade, perda de interesse e prazer, falta de energia ou fadiga, diminuição da atenção, diminuição da autoavaliação, auto culpa, sentimentos de inutilidade, pessimismo, pensamentos ou comportamento de automutilação, distúrbios do sono e perda do apetite, que levam a incapacitação ou até mesmo ao suicídio.
Atualmente, a etiologia e a fisiopatologia subjacentes da depressão continuam em grande parte desconhecidas. Existem diversas hipóteses sobre a patogênese da depressão que foram propostas e testadas. A hipótese mais popular da patogênese da depressão é chamada de “hipótese da monoamina”, que propõe que a depressão resulta de um desequilíbrio de neurotransmissores como norepinefrina, serotonina e dopamina. A “hipótese da monoamina” parece ser apoiada pelo mecanismo de ação dos antidepressivos. Deste modo, o tratamento mais comum disponível para pacientes em estado depressivo é a medicação com antidepressivos que afetam a transmissão monoaminérgica em conformidade. Entretanto, pesquisas exaustivas não conseguiram descobrir um sistema de monoaminas disfuncional específico para pessoas deprimidas individuais. Com isso, mais de um terço dos pacientes apresentam baixa resposta aos tratamentos antidepressivos à base de monoaminas (ZHANG et al., 2021). Portanto, surge a necessidade de estabelecer novas formas de tratamento.
Outra possibilidade é a chamada “hipótese da emoção” que foi proposta por Charles Darwin e William James, e em seguida chamada de “hipótese da propriocepção emocional” por Finze e Rosenthal, onde foi sugerido que as fibras nervosas aferentes da musculatura facial emitem informações emocionais para o cérebro de forma constante, revelando nosso estado emocional. Nessa hipótese, o cérebro usa feedback dos músculos faciais para fornecer informações emocionais (ZHANG et al., 2021).
A toxina botulínica do tipo – A (BoNT/A) é uma neurotoxina que paralisa as fibras musculares faciais, e que é usada também para a melhoria estética das rugas faciais. Qualquer tratamento que provoque aumento da autoestima também age positivamente na saúde emocional, no entanto, há evidências de que esse procedimento não é somente estético, mas também capaz de interferir nas emoções, visto que a musculatura facial não só expressa, como regula as emoções (FINZI, 2023).
A aplicação da toxina botulínica – tipo “A” (BoNT/A) nos músculos glabelares da face pode compor essa nova abordagem de tratamento. Vários estudos randomizados, controlados por placebo, duplo-cegos, examinaram a aplicação da toxina botulínica nos músculos glabelares (corrugadores e prócero) e a eficácia no tratamento da depressão. Por isso, com base em estudos anteriores, este trabalho irá analisar a segurança e eficácia da BoNT/A no tratamento da depressão (FINZI, 2023).
2. JUSTIFICATIVA
Uma grande parte da população mundial é acometida pela depressão, que causa grande sofrimento e disfunção aos pacientes, além de poder levar ao suicídio (SINGH; GOTHLIB, 2014). O tratamento da depressão consiste em medicamentos antidepressivos e acompanhamento psicológico, porém alguns pacientes não apresentam melhora, devido aos efeitos fracos e lentos dos medicamentos, além de que podem estar associados a efeitos colaterais, como ganho de peso, fadiga ou disfunção sexual, que acabam levando a descontinuação (MAKUNTS; WOLLMER; ABAGYAN, 2020). Com isso, há uma grande necessidade de estabelecer novas abordagens de tratamento.
Os músculos glabelares, corrugadores e prócero são essenciais nas expressões das emoções negativas, e ao relaxar esses músculos com a BoNT/A, conduzimos os pacientes a uma melhora rápida, forte e sustentada dos sintomas depressivos, em apenas oito semanas, com alta taxa de resposta e remissão (WOLLMER et al., 2022). A aplicação da BoNT/A para a depressão pode aliviar os sintomas e promover o bem-estar aos pacientes, além de ser uma ótima alternativa para os que se apresentam resistentes aos medicamentos.
3. OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS
3.1. Objetivos Gerais
O principal objetivo deste projeto é analisar a aplicação de toxina botulínica do tipo A em pacientes com depressão, reduzindo a experiência de emoções melancólicas.
3.2. Objetivos Específicos
Os objetivos específicos são: analisar o mecanismo de ação, a segurança da aplicação e a eficácia da toxina botulínica – tipo “A” no tratamento da depressão, e relatar a importância dessa nova abordagem de tratamento para essa doença.
4. METODOLOGIA
A metodologia seria no formato de revisão integrativa, em que são sintetizados resultados obtidos em pesquisas sobre determinado tema, oferecendo informações mais amplas. Foram utilizados dados e análises levantados nos artigos científicos que contenham temas relacionados como: enfrentando a depressão com toxina botulínica, dados revelam efeitos antidepressivos da toxina botulínica, neurociência da depressão, mecanismo de ação da toxina botulínica etc.
Com base nessas informações, iremos analisar os artigos científicos lançados de 2009 até 2023, que estão correlacionados ao tema, incluindo estudos de casos, para verificar o avanço do tratamento da depressão, com a aplicação da toxina botulínica – tipo “A”, nos idiomas inglês e português, das bases de dados PubMed, Scielo, Portal de Revistas da USP, MDPI, Cambridge University Press etc.
5. REVISÃO INTEGRATIVA
A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida a partir da bactéria Clostridium botulinum, que sintetizam sorotipos de toxina de A até G, através das sete cepas existentes (SPOSITO, 2009). Desses sorotipos existentes, são comercializados somente os tipos A e B. A toxina botulínica do tipo A é a mais utilizada por ser mais potente e menos agressiva para o corpo humano, possuindo um tempo de ação maior. A toxina do tipo B é utilizada em casos raros de pacientes que apresentam resistência ao tipo A, mas seu tempo de ação é curto.
A toxina botulínica do tipo A é composta por duas cadeias proteicas (leve e pesada), ligadas por uma ponte dissulfeto. A cadeia leve é a porção que contém íon de zinco e aminoácidos, e é responsável por clivar a proteína do complexo SNARE, que impede a liberação de neurotransmissores. Já a cadeia pesada é responsável pelo tropismo aos neurônios e pela internalização da toxina no axônio (SPOSITO, 2009).
O mecanismo de ação da BoNT/A é inibir a liberação de acetilcolina nos terminais nervosos motores, levando a diminuição da contração muscular e a desenervação temporária do músculo, se tornando útil em condições em que existe excesso de contração muscular, como na depressão. Primeiramente, a BoNT/A se liga ao terminal nervoso colinérgico do neurônio, depois inicia-se o processo de internalização da molécula, e por fim, a inibição da exocitose do neurotransmissor (acetilcolina) acontece através de uma atividade proteolítica, que quebra as ligações da proteína SNARE, essencial para a liberação do neurotransmissor. Aproximadamente 2 meses após, o terminal nervoso se expande por brotamento, formando uma conexão sináptica com a junção neuromuscular, e a unidade motora nervosa se restabelece (SPOSITO, 2009).
A pele é composta por três camadas: a epiderme, que é a primeira camada da pele e a mais externa, faz contato direto com o meio ambiente; a derme que é a segunda camada, fica localizada embaixo da epiderme e é extremamente importante e rica em diferentes estruturas, como: folículo pilos sebáceo, vasos sanguíneos, terminações nervosas e glândulas sudoríparas e; a hipoderme (subcutânea), que é a última camada, onde ficam os adipócitos, célula responsável por armazenar as gorduras. Abaixo das três camadas da pele temos os músculos, onde a aplicação da toxina botulínica é feita (injeção intramuscular), portanto a agulha deve atravessar todo tecido cutâneo e adiposo para chegar ao tecido muscular (Figura 1).
Figura 1– Representação das camadas da pele e músculo.
Fonte: Freepik, 2010
Ao relaxar as fibras musculares da face, como os músculos corrugadores e prócero, por meio da aplicação de toxina botulínica – tipo “A”, pode bloquear a sinapse entre os ramos laterais dos neurônios motores e inibir a liberação de acetilcolina, levando a desnervação temporária do músculo afetado. Como na depressão, há uma hiperatividade dos músculos corrugadores, a paralisação destes com a aplicação de BoNT/A interrompe esse feedback proprioceptivo e reduz a capacidade de expressar emoções negativas, portanto reduz também a capacidade de as sentir, gerando um efeito positivo sobre o humor (WOLLMER et al., 2022). Em estudos comparativos do tratamento com a BoNT/A e com o antidepressivo sertralina, o efeito antidepressivo da BoNT/A foi melhor, já que obteve menor tempo de início e menos efeitos colaterais (ZHANG et al., 2021).
Na região glabelar estão os músculos corrugador (Figura 2) e prócero (Figura 3), responsáveis por algumas expressões faciais, e suas contrações estão associadas com emoções negativas, como a raiva, o medo, o sofrimento, a tristeza e a dor, sendo expressões predominantes em transtornos mentais, como a depressão, por exemplo. Charles Darwin cita a seguinte expressão “músculos do luto” (WOLLMER et al., 2022), envolvendo a contração muscular do corrugador e do prócero. O psiquiatra alemão Heinrich Schule, propôs o termo “O ômega melancólico” (SHORTER, 2018), que lembra a letra ômega (Ω), como característica facial de sofrimento (Figura 4) e (Figura 5), de pacientes que sofrem de transtornos mentais, incluindo a depressão.
Figura 2– Demonstração dos músculos corrugadores.
Fonte: Kenhub, 2022
Figura 3– Demonstração do músculo prócero.
Fonte: Kenhub, 2022
Em 1985, John Greden e sua equipe, encontraram padrões distintos de eletromiograma (EMG) nos músculos corrugadores, essa é uma das medidas mais precisas para analisar as emoções negativas. A atuação nos músculos corrugadores demonstra o sentimento negativo específico da valência (HELLER et al., 2011). Quando os participantes imaginavam situações de raiva ou tristeza, foram observados padrões de EMG diferentes de atividade muscular sobre os músculos corrugadores. A contração dos músculos corrugadores é essencial para franzir a testa, e apresenta estar diretamente associada com a experiência de afeto dos sujeitos. Aumenta com estados emocionais negativos e diminui com estados emocionais positivos. Sendo assim, pode-se esperar que pessoas deprimidas podem ter atividade muscular dos músculos corrugadores elevada. A EMG revelou que a atividade dos músculos corrugadores está aumentada na depressão. Michael Alan Taylor e Max Fink mencionaram os sinais de ômega (Ω) (SHORTER, 2018). Darwin apesar de não ser médico, percebeu que havia algumas características na fisionomia dos indivíduos melancólicos, que atestava seu estado mental, que podia ser confirmado com a dosagem de cortisol sérico e um teste de supressão de dexametasona positivo, servindo como indicadores de transtornos mentais.
Figura 4– Fotografia de paciente mostrando ‘perplexidade’ com sinal de ômega.
Fonte: Cambridge University Press, 2018
Figura 5– Fotografia de paciente mostrando sinal de ômega e dobra de Veraguth.
Fonte: Cambridge University Press, 2018
De acordo com a teoria do feedback facial, feita pelo psicólogo de Harvard e visionário William James, trazendo à tona a análise feita por Charles Darwin, que dita que a contração dos músculos faciais envia sinais aos centros emocionais cerebrais, as fibras nervosas do músculo podem transmitir informações relacionadas as emoções negativas para o cérebro, portanto as expressões faciais geram um feedback proprioceptivo, que reforçam as emoções expressas. James propôs que nossos músculos incorporam nossas emoções e que essa incorporação é parte essencial da emoção (WOLLMER et al. 2022).
As regiões estriatal e frontal tem como função modulação do tronco encefálico e das estruturas límbicas, que estão implicados na intermediação do comportamento emocional, consequentemente disfunções nesses circuitos influência na patogênese dos sintomas da depressão. Estudos de neuroimagem (ressonância magnética) em pacientes depressivos apontam anomalias estruturais na amígdala e hipocampo e anomalias funcionais no córtex cingulado anterior, córtex pré-frontal, amígdala, gânglios da base e giro parahipocampal, além de anormalidades nas conexões anatômicas e funcionais dessas regiões do cérebro (SINGH; GOTLIB, 2014). Além disso, em nível químico, os pacientes com depressão possuem menos transportadores de serotonina, menor adesão de receptores de serotonina e maior densidade de monoaminoxidase-A, e em nível cognitivo, o transtorno depressivo se associa com anormalidades no processamento de informações e funções como percepção, atenção e memória (NEVES, 2021).
A amígdala é responsável pela detecção, geração e manutenção das emoções, bem como pelo reconhecimento de expressões faciais, ela é central na patogênese de muitos transtornos psiquiátricos, exames cerebrais apresentam de forma confiável que a atividade da amígdala está desregulada no transtorno depressivo grave (LOUREIRO et al., 2020). Além disso, foi mencionado que transtorno de ansiedade social, transtorno de pânico, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno limítrofe, apresentam disfunção na amígdala. Também foi informado que tratamentos que induzem efeitos antidepressivos rápidos desregulam rapidamente a amígdala. A aplicação de BoNT/A nos músculos faciais podem diminuir a atividade da amígdala em resposta aos estímulos emocionais, atribuída à redução da atividade nervosa motora associada a expressões faciais. Isso inicia um sinal para as fibras proprioceptivas do ramo óptico do nervo trigêmeo, esse sinal é retransmitido para o núcleo mesencefálico, que se conecta à amígdala e ao córtex pré-frontal ventromedial. Os dois centros cerebrais estão profundamente envolvidos na regulação emocional e nos modelos atuais de depressão. A amígdala possui fortes conexões mútuas com o hipotálamo e as regiões do tronco cerebral, que estão envolvidas no controle das funções do sistema nervoso autônomo. Há um circuito neuroanatômico pelo qual a contração dos músculos faciais afeta o sistema nervoso autônomo. A estimulação intracerebral direta da amígdala humana, aumenta a atividade do músculo corrugador (FINZI, 2023).
Pessoas que receberam a aplicação de BoNT/A nos músculos corrugadores e prócero, tiveram modulação da atividade da amígdala. Quando essas pessoas veem fotos de rostos bravos, a atividade da amígdala normalmente aumenta, essa resposta da amígdala diminuiu quando a contração do corrugador e do músculo prócero foi inibida pela aplicação da BoNT/A. Pesquisadores testaram a resposta da amígdala depois de um tempo suficiente para que o efeito da toxina botulínica na contração muscular tivesse desaparecido completamente. Foi descoberto que a atividade da amígdala havia retornado ao seu estado original, confirmando que a BoNT/A, de forma reversível, pode regular negativamente a atividade da amígdala (KIM et al., 2014).
A modulação reversível da atividade da amígdala pela toxina botulínica, é formado com a natureza reversível dos resultados clínicos da BoNT/A no tratamento da depressão. Um paciente com depressão grave crônica, foi tratado com BoNT/A, sua depressão entrou em remissão. Ela não compareceu à consulta de acompanhamento de três meses, quando ela foi atendida novamente, 10 meses após a aplicação da BoNT/A, sua depressão havia retornado completamente e seus músculos corrugadores haviam retornado à atividade. O retratamento com a toxina botulínica teve um efeito antidepressivo semelhante.
Se o conceito de propriocepção emocional é de fato verdadeiro ao mecanismo do efeito antidepressivo da toxina botulínica, então o local das aplicações da BoNT/A deve ser decisivo para o sucesso do tratamento da depressão. Deste modo, a aplicação da BoNT/A no músculo frontal (testa), deve melhorar os sintomas da depressão. Embora as evidências existentes apontem para a propriocepção emocional como o mecanismo do efeito antidepressivo da BoNT/A, isso não prova que outros mecanismos não estejam envolvidos nesse processo. Outras probabilidades incluem a melhoria da imagem, ligada a autoestima devido aos efeitos estéticos que a toxina botulínica proporciona. Entretanto, isso parece menos provável, uma vez que tanto as aplicações na região da glabela, como as aplicações na região orbicular dos olhos causem melhorias estéticas, apenas as aplicações feitas na região da glabela tiveram efeitos antidepressivos significativos. Esses locais são preferidos porque a desnervação dos músculos faciais pode reduzir a informação sensorial transmitida do trato trigêmeo para o tronco cerebral, reduzindo assim as conexões entre o tronco cerebral e a amígdala esquerda. Os mecanismos exatos pelos quais as aplicações na glabela de BoNT/A levam à modulação da atividade da amígdala ainda não foram esclarecidos.
Foram conduzidos 10 estudos clínicos sobre a aplicação da toxina botulínica – tipo “A” para o tratamento da depressão, em 5 países: Alemanha, Estados Unidos, China, Irã e França.
O primeiro estudo mostrou que a aplicação de 29 unidades de BoNT/A nos músculos glabelares levou a remissão de sintomas depressivos em pacientes do sexo feminino. Os pacientes receberam 7 unidades no músculo prócero, 6 unidades bilateralmente na parte medial dos músculos corrugadores e 5 unidades bilateralmente na parte lateral dos músculos corrugadores. Essa dosagem é quase 50% maior, à usada regularmente para o tratamento estético de rugas glabelares em mulheres e foi escolhida para aumentar a probabilidade de inibição muscular completa. Por outro lado, o tratamento estético, muitas vezes não visam a inibição muscular completa. Quando os efeitos paralisantes da BoNT/A passaram, após alguns meses, os sintomas depressivos retornaram, porém, a reaplicação da toxina levou à remissão (FINZI, 2023).
O segundo estudo mostrou que durante 6 semanas, 74 pacientes relataram uma taxa de resposta à BoNT/A de 52%, contra 15% para o grupo placebo. Dos 74 pacientes, 31 foram mantidos com os antidepressivos orais preexistentes. A taxa de remissão de 27% foi significativa. A relevância do pré-tratamento nos músculos em repouso (sem contração forçada) não foi correlacionada com a melhora dos sintomas de depressão. Estes resultados sugerem que a melhoria estética das rugas não desemprenhou um papel no mecanismo de ação (FINZI, 2023).
O terceiro estudo teve resultados semelhantes, com uma taxa de resposta da toxina botulínica de 45%, contra 5% para o placebo. Esse foi um estudo cruzado; após 12 semanas, o grupo placebo recebeu BoNT/A. Durante o período de acompanhamento de 24 semanas, ambos os grupos tiveram melhorias significativas nos sintomas depressivos após as aplicações de BoNT/A (FINZI, 2023).
O quarto estudo, foi um ensaio clínico randomizado, com 28 pacientes sofrendo de depressão grave no Irã, com duração de 6 semanas. Durante às seis semanas, o grupo de BoNT/A melhorou significativamente em relação ao placebo (FINZI, 2023).
O quinto estudo, foi um ensaio clínico randomizado de fase 2, com 120 pacientes usando 30 unidades de BoNT/A, durante 24 semanas, que relataram que o grupo melhorou significativamente, entre a 3 e 9 semanas, e próximo do alcance em 6 semanas. Entretanto, um ensaio simultâneo de 50 unidades não alcançou significância estatística. É direito de nota que a taxa de resposta ao placebo neste ensaio foi maior do que em todos os outros ensaios. O estudo também excluiu pacientes que já haviam experimentado ou estavam atualmente medicados com antidepressivos orais; esses critérios de exclusão, foram diferentes dos outros estudos, provavelmente contribuíram para a alta taxa de resposta ao placebo, o que pode dificultar a separação estatística de qualquer tratamento antidepressivo do placebo (FINZI, 2023).
O sexto estudo mostrou uma comparação do efeito da BoNT/A na ansiedade e na depressão em 90 pacientes com espasmos hemifacial, contra 90 pacientes com blefarospasmos essencial benigno. Ambos os grupos tiveram melhora na ansiedade e na depressão 2 meses após a aplicação da BoNT/A (FINZI, 2023).
O sétimo estudo em 89 pacientes deprimidos com doença de Parkinson, mostrou uma comparação do efeito da Sertralina, contra o efeito da BoNT/A. A toxina botulínica não foi inferior à Sertralina após 2 meses, e teve uma menos incidência de reações adversas (BoNT/A – 11% e Sertralina – 29%) (FINZI, 2023).
O oitavo estudo comparou a Sertralina com a BoNT/A para depressão em 76 pacientes, durante 12 semanas. Ambos os grupos melhoraram de forma semelhante, porém, o grupo de BoNT/A melhorou mais rapidamente e teve menos efeitos colaterais (BoNT/A – 15% e Sertralina 33%) (FINZI, 2023).
O nono estudo, realizado em 82 pacientes, durante 12 semanas, comparou a BoNT/A em 61 pacientes, contra o placebo em 21 pacientes. A BoNT/A demonstrou uma melhora significativa em relação ao grupo placebo (FINZI, 2023).
O décimo estudo, foi um estudo randomizado simples-cego, pacientes deprimidos resistentes ao tratamento, 58 pacientes foram tratados com aplicações na região da glabela (prócero e corrugadores) ou aplicações na região orbicular dos olhos. Durante as 6 semanas, as pontuações de depressão no grupo de BoNT/A melhoraram (FINZI, 2023).
Embora essa revisão integrativa de artigos científicos demonstrem a eficácia da BoNT/A para a depressão, o mecanismo deste efeito terapêutico permanece obscuro. Experimentos em ratos descobriram que a BoNT/A pode melhorar significativamente o desempenho da depressão em ratos submetidos a testes de natação forçada, teste de suspensão da cauda e teste de campo aberto. Os efeitos de melhoria da depressão da BoNT/A foram associados ao aumento dos níveis de expressão de serotonina e fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e BDNF/quinase regulada por sinal extracelular (ERK)/ligação de elemento no cérebro de camundongos. (imóvel comercial). via proteica (CREB). Mais pesquisas são necessárias para determinar se a BoNT/A pode modular neurotransmissores em pacientes com depressão (ZHANG et al., 2021).
A aplicação de BoNT/A nos músculos glabelares e no músculo orbicular dos olhos demonstrou ser uma prática segura. Por ser um procedimento estético mundialmente utilizado, a segurança da aplicação da BoNT/A nos músculos faciais ao redor dos olhos foi reconhecida. A incidência de reações adversas após a aplicação é baixa, sendo os efeitos colaterais mais comuns cefaleia (1,1%) e eventos oculares (0,4%), como ptose, edema palpebral, olhos secos e espasmos musculares periorbitais. No entanto, a duração é curta e os sintomas são toleráveis para os pacientes.
Este trabalho confirma a eficácia e segurança da BoNT/A como tratamento para a depressão. Porém, a dosagem ideal de BoNT/A para o tratamento da depressão não foi ainda totalmente estabelecida. O tratamento com BoNT/A nos músculos glabelares (prócero e corrugadores) e no músculo frontal, parecem diminuir a atividade da amígdala em indivíduos normais. Na população de pacientes com depressão, a BoNT/A provavelmente está normalizando a atividade disfuncional da amígdala. Existem menos dados sobre o tratamento dos homens, mas eles parecem responder tão bem quanto as mulheres (FINZI, 2023).
6. CONCLUSÃO
Em conclusão, este trabalho demonstra que a toxina botulínica tem efeitos antidepressivos importantes e significativos. Os antidepressivos monoamina orais são comumente usados no tratamento clínico da depressão e a BoNT/A como uma possível nova abordagem de tratamento precisa ser comparada com os antidepressivos existentes no mercado. A BoNT/A afeta os processos emocionais no SNC através dos músculos da expressão facial, pela interrupção do ciclo de feedback proprioceptivo emocional. A modulação da atividade da amígdala pela BoNT/A também confere a esta terapia o potencial para tratar uma ampla gama de distúrbios psiquiátricos. Sendo assim, será de interesse determinar um tratamento em potencial da aplicação da BoNT/A nos transtornos psiquiátricos em geral (FINZI, 2023).
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BoNT/A– Toxina botulínica – Tipo “A”
EMG– Eletromiograma
SNC– Sistema nervoso central
Revisão integrativa apresentada como exigência para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso I, do curso de Biomedicina da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Palma Urbano e coorientação da Profa. Ms. Silvana Flora de Melo.
Coordenador do Curso de Biomedicina: Prof. Daniel Moreno Garcia
Professor da Disciplina de TCC: Profa. Ms. Priscila Ferreira Silva