UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA DO SOFRIMENTO DOS IDOSOS DURANTE A PANDEMIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10015123


Pedro Vinicius de Souza Brito
Ivonise Fernandes da Motta


RESUMO

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, em 2025, os brasileiros serão a sexta população do mundo, com o maior número de idosos. Em um país com essa previsão, seria de esperar um comprometimento em relação ao bem-estar do idoso. Porém, não é isso o que aconteceu. O ano de 2020 ficará marcado como o ano de uma das mais drásticas epidemias já sofridas pela humanidade, o coronavírus. A chegada da pandemia ao Brasil tornou evidente a precária situação que muitos idosos sofrem e mais do que isso salientou uma série de estigmas em nossa sociedade sobre o papel do idoso. Buscamos discutir a abordagem psicanalítica em relação ao psiquismo dos idosos. Para isso, abordaremos quatro temáticas: a solidão, a dependência, o luto e a ansiedade. Por meio desses temas, defendemos a inserção dos idosos na análise psicanalítica, como uma via de tratamento. Sabemos que muitos dos traumas já existiam, mas com a pandemia, se tornaram mais evidentes.

Palavras-chave: Pandemia; sofrimento, idoso, psicanálise; longevidade.

Abstract

According to data from the World Health Organization, in 2025, Brazilians will be the sixth population in the world, with the largest number of elderly people. In a country with this prediction, a commitment to the well-being of the elderly would be expected. However, this is not what happened. The year 2020 will be marked as the year of one of the most drastic epidemics ever suffered by humanity, the coronavirus. It also made evident the precarious situation that many elderly Brazilians suffer and more than that highlighted a series of stigmas in our society about the role of the elderly. We seek to discuss the psychoanalytic approach in relation to the psyche of the elderly. For this, we will approach four themes: loneliness, dependence, mourning and anxiety. Through these themes, we defend the inclusion of the elderly in psychoanalytic analysis, as a way of treatment. We know that many of the traumas already existed, but with the pandemic, they became more evident.

Keywords: Pandemic; suffering, elderly, psychoanalysis; longevity.

O ENVELHECIMENTO NO BRASIL

De acordo com a Projeção da População, do IBGE, em 2043, 25% da população brasileira será idosa. O mesmo trabalho mostra que no ano de 2047, a população brasileira deixará de crescer. Esses números mostram que o envelhecimento populacional do Brasil está sendo mais rápido do que comparado com países desenvolvidos, estes tiveram quase um século para se adaptar a essas transformações. No Brasil, ainda há muito o que se fazer, o Estatuto do Idoso foi promulgado apenas em 2003 e sua implementação ainda está muito tímida.

A fragilidade social e institucional dessa população ficou evidente com o alastramento da pandemia do COVID-19. De acordo com a Organização Mundial da Saúde(OMS)(2020), pessoas acima de 60 anos e/ou aquelas com problemas de saúde, tais como, doenças no aparelho respiratório, doenças no coração, diabetes ou doença autoimune, pertencem ao grupo de risco. A indicação para essa população é para ficar em casa e evitar contato social. Longe de questionar a conduta a ser adotada, iremos abordar os efeitos na psiquê dos idosos dessa situação.

A nomenclatura dos idosos como grupo de risco, fez surgir uma verdadeira caça aos idosos que de alguma forma não respeitavam o isolamento social. Além disso, ainda havia aqueles que defendiam que os idosos fossem trancafiados em suas casas e o resto da população circulasse e devia apenas evitar o contato com os idosos. A visão preconceituosa em relação ao idoso foi o discurso que dizia: se o número de leitos disponíveis diminuir e tiver que escolher entre um idoso e um jovem, o jovem ganharia a vaga, pois o idoso já viveu o que tinha que viver.

Perante tamanhos ataques cometidos contra os idosos, buscaremos refletir como a psicanálise pode oferecer uma ferramenta de escuta para esses idosos.

PSICANÁLISE E SOFRIMENTO NA TERCEIRA IDADE

A psicanálise ligada ao idoso veio recentemente ganhando espaço dentro das discussões teóricas. Conforme explicam Santos, Albino, Santos, Granero, Barros e Farinelli(2018), um dos argumentos que defendem essa aplicação, é uma das primeiras lições de Freud(1915/1974): o inconsciente é atemporal. Ou seja, o fato de dizer que um idoso não deveria ser tratado pela psicanálise devido a sua idade, é um argumento que vai questionar o princípio acima mencionado. Alguns pesquisadores também lembrariam um outro ensinamento de Freud(1898/1976), que a psicanálise não deveria ser aplicada em pessoas acima de 50 anos, pois devido ao grande volume de conteúdo psíquico, levaria muito tempo para ser trabalhado na clínica. Aqui devemos lembrar do contexto histórico que envolvia essa determinação. De acordo com os dados do Office for National Statistics(ONS), no Reino Unido, entre final do século XIX e começo do século XX a expectativa de vida era de 51,5 anos para homens e 55,4 para mulheres. Em 2017, as Tábuas Completas de Mortalidade, disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), mostraram que a expectativa de vida dos brasileiros é de 72,5 anos para homens e 79,6 anos para mulheres. Podemos perceber o processo de envelhecimento da população como um fator a mais para defender o tratamento psicanalítico para esse grupo.

Com o avanço da idade alguns problemas mentais começam a se desenvolver. No caso de idosos em estado de confusão mental, Fontoni, Oliveira, e Kaneta(2014), aplicaram a técnica psicanalítica em idosos em hospital ortopédico, vítimas de fraturas ósseas que desenvolveram um estado confusional. Logo, a transferência, meio fundamental para ocorrer a análise, estaria prejudicada. Nesses casos, os autores propõem que os idosos sejam atendidos como psicóticos para fazer a escuta do discurso do idoso.

Mucida e Pinto(2014) debatem a questão do sintoma. Mostram que apesar das transformações que os sintomas podem apresentar ao longo do tempo, algo permanece fixo e insensível a passagem do tempo. E defendem que mesmo com as barreiras impostas pela velhice para a realização de alguns sonhos, o sintoma é o próprio reflexo dessa vontade recalcada. Em estudo posterior, Mucida(2016) elenca uma série de itens que precisam ser levados em consideração no atendimento ao idoso. Apesar da visão preconceituosa do processamento mental do idoso, na clínica, muitos idosos conseguem grandes progressos em um curto espaço de tempo. Um fato observado pela autora, os idosos usam do “fator velhice”, para justificar uma série impedimentos físicos, como uma forma de exigir um maior cuidado e atenção.(Mucida, 2016)

ADOECIMENTOS REFORÇADOS PELA PANDEMIA COVID-19

Solidão – Parece até estranho falar em solidão em um mundo em que a tecnologia oferece uma série de ferramentas para conectar as pessoas. É possível fazer chamadas por vídeo com pessoas em qualquer lugar no mundo. Essa tem sido a saída para muitos idosos de rever seus parentes e amigos. Entretanto, fica o questionamento sobre os impactos que esse isolamento necessário pode impactar na psique do idoso.

De acordo com Carmona, Couto, Scorsolini-Comin(2014), a solidão é um perigoso problema para os idosos. Essa situação de estar só pode desencadear uma série de doenças mentais e físicas, levando à depressão, ao uso de substâncias ilícitas e até mesmo às tentativas de suicídio. E o tema do suicídio dos idosos é muito grave, pois as taxas continuam aumentando nessa população, tornando uma questão de saúde pública.

Como lembrado por Tatit e Rosa(2013), no texto “mal estar na civilização”, Freud(1929/2006) explica que há um conflito interno no indivíduo que renuncia às suas pulsões em troca de viver em sociedade e ao viver com outras pessoas passa por uma identificação entre os membros e a uma padronização dos desejos. Houve um movimento histórico de socialização em que os indivíduos passam a se identificar com outras pessoas de seu grupo e formar relacionamentos. Por essa razão, a solidão é vista como uma dor, uma manifestação “do mal estar na relação social”.(Tatit e Rosa, 2013, p.137)

Cavalcanti, Mendes, Freitas, Martins, Lima, e Macêdo(2016) fizeram um estudo, com idosos que participavam em um centro de convivência. Em um questionário foram feitas perguntas relacionadas à percepção desses idosos perante a solidão. Ficou evidente o importante papel exercido pelos centros de convivência como uma ferramenta para fortalecer o bem estar físico, mental e o social. Capitanini(2000, como citado em Cavalcanti et al.,2016) fala sobre o pensamento generalizado da solidão no processo de envelhecimento. No círculo familiar que o idoso vive, muitas vezes os outros membros da família tem dificuldades em entender e se adaptar às mudanças que começam a surgir no idoso. E essa adequação da família é essencial, para proporcionar um envelhecimento saudável.

Por se tratar de um grupo de idosos que participavam de um grupo de convivência, cerca de 55% dos idosos disseram não se sentir sozinhos e a grande parte deles 78,73% moravam com seus familiares. Além disso, a mesma pesquisa demonstrou que idosos que se queixavam de solidão e tristeza, ao ingressarem em terapias comunitárias, passaram a ter mais sentimentos positivos e passaram encarar a vida de uma outra forma (Cavalcanti et al., 2016). Essas observações mostram a importância do convívio social para os idosos, a fim de terem uma outra forma de encarar as dificuldades impostas pelo envelhecimento. Pois, essa forma de exclusão dos idosos, muitas vezes caracterizada como um super proteção pode levar ao isolamento dessa população, o que contribui para o desenvolvimento ou agravamento de doenças mentais e físicas, além da ausência afetiva e emocional (Cavalcanti et al., 2016).

Um estudo semelhante foi feito por Lopes, Lopes, Camara(2010) em um Centro de Referência de Geriatria e Gerontologia Universitário. Dos idosos que participaram da pesquisa, 83,3% afirmaram que viver sozinho é um fator que pode fazer diminuir a qualidade de vida. A aposentadoria foi vista por 56,1% como um fator que desenvolve a solidão. Através do discurso dos participantes da pesquisa, foi possível identificar que quando o idoso é retirado do seu convívio social, não faz mais as atividades que anteriormente lhe davam prazer, passa a se tornar triste e delimitado.

Esta pesquisa também mostrou a importância do convívio familiar. É através dessa relação com os outros, que o idoso se sente inserido na sociedade, se vê como um indivíduo capaz. Aqui também foi notado, a importância do papel exercido pelo idoso dentro de sua família, sendo que o carinho e o respeito se mostram como questões decisivas para um final de vida feliz(Lopes et al.,2010).

Na pandemia, observamos uma série de relatos de idosos que estavam tristes, pois não podiam mais frequentar os espaços de lazer, não podiam ver seus familiares e amigos e principalmente, de terem sido isolados em uma bolha, que ninguém poderia abraçá-los e muito menos conviver com eles.

Dependência – Em seu estudo sobre o narcisismo, Freud(1914/1974) explica a relação do indivíduo com seu próprio corpo desde os seus primeiros dias de vida. A energia libidinal que de início era totalmente voltada para a própria criança, aos poucos vai tomando consciência que no ambiente existem outras pessoas além dela e passa a catexizar outras pessoas e objetos. Dentro desse fluxo de energias, o bebê aprende que não é em todo momento que chorará devido à fome, terá a sua disposição o seio da mãe para alimentá-lo. Essas percepções passam a influenciar o desenvolvimento do ego em relação ao ambiente externo e aprender, com o tempo, a ter que buscar por si mesmo para saciar as suas vontades.

Podemos pensar que passamos boa parte da vida sendo auto suficientes, desenvolvemos um estágio de narcisismo no qual entendemos que além de fazer o que queremos, podemos fazer quando queremos e muitas vezes sem ter que notificar a ninguém. E esse sentimento de independência é motor de energia e auto-estima do indivíduo, como nos explica Freud:

Parece-nos que a auto-estima expressa o tamanho do ego; os vários elementos que irão determinar esse tamanho são aqui irrelevantes. Tudo o que uma pessoa possui ou realiza, todo remanescente do sentimento primitivo de onipotência que sua experiência tenha confirmado, ajuda-a a aumentar sua auto-estima. (Freud, 1914/1974, p. 61)

Com a citação acima, podemos passar a discutir um dos principais pontos observados em nossa cultura em relação à velhice é motivo para diminuir a auto-estima do idoso. Há a percepção de (des)utilidade do idoso. Essa visão estigmatiza o idoso, como um objeto, que com o passar dos anos vai perdendo suas funções. Se por um lado, a velhice impõe algumas restrições motoras, o processamento mental não caminha na mesma velocidade. Como ensinam Santos et al.(2018, p.801) “é o dilema do corpo temporal com um inconsciente atemporal”. Para exemplificar essa relação, Santos et al.(2018) descrevem o caso clínico de uma idosa que teve toda sua vida dedicada ao trabalho. Seu pai e seu filho morreram enquanto realizavam seus ofícios. E no momento em que a idosa percebeu que não podia mais trabalhar devido a suas limitações físicas, sentiu que não estava honrando a memória de seus familiares e adoeceu. A mente dessa paciente não envelheceu junto com o corpo e por isso se culpava por não conseguir mais realizar as atividades que antes fazia. E foi através da clínica que possibilitou que ela conversasse a respeito desses sentimentos e da relação que tinha com o pai, o que possibilitou melhora em seu quadro de saúde.

Reis Filho e Santos(2007) citando Mucida(2004), a lógica que temos é da valorização do jovem, do belo, do novo. Dessa forma, não há espaço para o velho. De acordo com Mucida(2012), a ideia preconceituosa em relação à velhice, desenvolve nos idosos uma incidência maior de comportamentos que reforçam a visão trágica da velhice, eles deixam de se cuidar, perdem a vontade de fazer suas atividades e acabam abrindo espaço para o aparecimento de doenças.

Mucida(2016) mostra que todas essas concepções relacionadas ao definhamento do idoso, acabam por sua vez alimentando o superego dos idosos, enfatizando o pensamento punitivo e corroborando para o entendimento de que tal situação penosa é apropriada e merecida. Além disso, muitas vezes a visita domiciliar da equipe médica ou a ida ao hospital “é, muitas vezes, a única forma encontrada por alguns desses sujeitos de obterem a atenção, a escuta ou o amor do Outro”(Mucida, 2016, p.248). Essa observação se aproxima do estudo realizado por Genaro(2013), que as feridas que idosos traziam por muito tempo em seus corpos eram a ligação entre os idosos e o cuidado que eles recebiam na rede de saúde pública. Ir ao hospital, tinha um significado muito além de apenas tratar a ferida. E através da terapia, notou-se melhora na cicatrização em muitos casos observados.

Em seu estudo clínico, Reis Filho e Santos(2007) comentam sobre a percepção que muitos idosos têm ao se depararem com as imposições motoras devido à doença. Esses idosos não conseguem de forma independente visitar seus familiares e amigos, ficam presos em suas camas e aos poucos vão se definhando. Os autores comentam ainda, do despreparo de muitos profissionais com o manejo dessa população, mesmo sabendo das limitações dos pacientes, não tem paciência em atendê-los.

Na pandemia, foi preciso que a sociedade se organizasse para ajudar os idosos, aplicativos foram criados, formando uma rede de solidariedade. Afinal, os idosos precisam ficar em suas casas, esta é a recomendação. Não queremos aqui questionar as exigências em relação ao distanciamento social. Queremos despertar o olhar para esse idoso, que por muito tempo já era desprezado e que foi obrigado a se afastar do convívio social.

Luto – Um dos resultados do envelhecer é a perda. Como explicam Santos et al. (2018), as perdas podem estar relacionadas às transformações biológicas do corpo ou ao falecimento de pessoas próximas. Com o envelhecimento, se desenvolve a angústia devido ao complexo de castração, a menopausa e a dificuldade de ereção são situações que precisam ser trabalhadas juntamente com essa população. Pois, muitos idosos podem não aceitar as mudanças que exigem uma ressignificação de suas atitudes. Todas essas questões podem agravar quadros traumáticos e precisam ser discutidos na clínica.(Santos et al. ,2018)

Em seu estudo “Luto e Melancolia”, Freud desenvolve a argumentação referente a esses dois estados. Ele define luto:

O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto. (Freud,1917/1975, p.143).

Cherix e Coelho Junior(2018) debatem sobre os desdobramentos do luto na vida do idoso. Os autores lembram que a clínica da velhice deve tratar não apenas das perdas físicas, mas também das perdas simbólicas. Alguns exemplos discutidos são a aposentadoria, limitações físicas, morte de pessoas próximas e com o tempo todas essas questões vão se acumulando no inconsciente do idoso. Dentro desse contexto de perdas, é importante para o indivíduo passar por todo esse processo de luto. De acordo com Cherix e Coelho Junior(2018), a interpretação de Freud sobre o luto e a melancolia defende que o ego precisa resgatar a energia que estava catexizada no objeto perdido para então conseguir investi-la em outro. Porém, esse exercício é doloroso, que resulta em mover a energia para novos relacionamentos sociais e nem sempre o idoso consegue enxergar essa possibilidade, vivendo em um contínuo estágio de luto.

Freud(1917/1975) explica a diferença entre a melancolia e o luto. O luto é caracterizado pela perda do objeto amado, relacionado com algo fora da pessoa. A melancolia é quando toda energia libidinal perdida no objeto volta para o próprio indivíduo. Esse movimento empobrece o ego perante o superego, o que muitas vezes possibilita o surgimento de várias doenças.

Analisando sobre um ponto de vista metapsicológico, podemos entender o esquecimento como um mecanismo de defesa. De certa forma, o ego não se separa do objeto perdido, uma vez que não tem mais o conhecimento em relação à realidade. Em outras palavras, o ego esqueceria que perdeu o objeto amado. Com esse esquecimento, não haveria o reconhecimento da perda, a pessoa não passaria pelas fases dolorosas do luto. Dessa forma, o processo de demência seria uma forma de superar o luto.(Cherix & Coelho Junior, 2018)

Muliyala e Varghese (2010 como citado por Cherix & Coelho Junior, 2018) fizeram um estudo buscando relacionar o processo de depressão com a demência. A depressão seria o passo inicial que possibilitaria o desenvolvimento de doenças neurológicas. Pelos dados dos autores, se um determinado paciente tivesse um histórico de depressão multiplicaria a possibilidade de ter demência.

Uma relação que surge no luto é o papel do narcisismo. Como estudamos anteriormente, a situação de dependência exige do idoso uma nova forma de encarar essa situação. Perante o luto, também seria necessário essa mudança de percepção. Caberia ao idoso entender e viver todo esse processo. Embora, sabemos que muitos idosos ao visualizarem a finitude de suas vidas, não conseguem desenvolver uma força interna para lutar contra a situação depressiva, a recusa por aceitar a realidade, busca alimentar o narcisismo para que esse se volte para o ego, podemos entender que esse enclausuramento alimentado pelo narcisismo resultaria no desenvolvimento da melancolia.

Além disso, um importante ponto discutido por Cherix e Coelho Junior(2018) é a saída inconsciente que muitos idosos têm para esquecer do que aconteceu:

Um sujeito pode aceitar o processo de aposentadoria, aceitar a perda do objeto real, mas manter as lembranças em relação a esse trabalho investidas para poder se reconhecer e ser reconhecido por algo que não existe mais no tempo presente, de modo concreto, mas que precisa manter-se existindo no tempo presente, de forma simbólica, para garantir a continuidade narcísica do sujeito.(Cherix & Coelho Junior, 2018, p.193).

Percebemos que o esquecimento das questões seria um mecanismo de defesa ou propriamente uma manifestação do narcisismo. Mais adiante lemos:

Nessa lógica, esse tipo de perda parece acarretar uma perda do Eu ou no Eu e, assim, aproximar-se do quadro da melancolia como descrito por Freud, inclusive com os sintomas de autodepreciação. Esse tipo de reação patológica diante da perda poderia, portanto, estar mais ligado à magnitude da perda e menos à história narcísica do sujeito (Cherix & Coelho Junior,2018, p.193).

Carmona et al.(2014) trabalham o sentimento de desamparo dentro do processo de envelhecimento. Essa situação de desamparo é a matriz da angústia, uma vez que as várias perdas durante a vida geram uma série de questões psíquicas que acabam levando os idosos a se sentirem desamparados. Outro fator que desperta o desamparo é a negação da velhice pela própria pessoa, quando percebe sua real situação e até mesmo de parentes próximos que se negam a ver as mudanças em seus idosos. De fato, a velhice é negada por grande parte da sociedade. Tal ideia foi sintetizada por Simone de Beauvoir: “Talvez seja (a velhice) dentre todas as realidades, aquela cuja noção puramente abstrata mantemos durante maior lapso de tempo” (Beauvoir, 1976, como citado por Cocentino & Viana,2011 p.595). A falta de se ver velho pode ser entendida como:

A percepção da velhice normalmente acontece de “fora para dentro”, ela vem de fora, por parte de outra pessoa, de um espelho ou de alguma situação presente no cotidiano. Estamos falando que a velhice não é reconhecida pela própria pessoa de imediato, ela é algo do externo, tanto que os psicanalistas falam do “susto ao espelho” como um momento de surpresa e não reconhecimento frente à própria imagem. (Barbieri, 2003, como citado por Cocentino & Viana,2011 p.595).

Mucida(2004, como citado por Santos et al., 2018) aprofunda a discussão sobre a velhice e o estádio de espelho. A autora ressalta que cada pessoa envelhece de uma forma peculiar e única, mas tendo como relação a imagem que o Outro retorna.

Mucida(2016) reforça que o luto não está apenas relacionado a uma morte física, abrange perdas visíveis e invisíveis, perda de relacionamentos e outros conteúdos que não necessariamente estão vinculados ao corpo. Porém, explica a autora, é apenas admitindo o luto do que se perdeu que é possível realocar a libido. Cocentino e Viana(2014) também enfatizam o ponto que o luto não está apenas vinculado a perda de uma pessoa:

O objeto perdido na velhice, no tocante às perdas orgânicas, pode ser, por exemplo, a acuidade visual e auditiva, o vigor físico, a beleza juvenil – extremamente valorizada na sociedade ocidental, a memória, a elasticidade e a potência sexual. Também o status alcançado por meio do desenvolvimento da atividade profissional, o convívio constante com colegas de trabalho e ainda a redução de proventos constituem possíveis objetos perdidos na aposentadoria.(Cocentino & Viana, 2014, p.596).

Inúmeras pessoas perderam a vida devido aos desdobramentos da pandemia. Os idosos precisam da ajuda clínica para conseguirem superar essas situações de luto. E como vimos acima, o luto não está apenas relacionado a pessoas, também está relacionado às perdas que os idosos tiveram das atividades que podiam fazer, de ficarem presos em casa solitários. Todos esses lutos precisam ser trabalhados na clínica psicanalítica.

Ansiedade – uma das preocupações em relação à saúde mental das pessoas nessa pandemia. Porém, não é uma situação que começou no momento atual. A humanidade enfrenta esse comportamento desde muito tempo. Freud estudou sobre as origens da ansiedade e até mesmo sua definição:

A ansiedade é uma reação a uma situação de perigo. Ela é remediada pelo ego que faz algo a fim de evitar essa situação ou para afastar-se dela. Pode-se dizer que se criam sintomas de modo a evitar a geração de ansiedade. (Freud, 1926/1976, p.123)

Podemos ver a menção ao perigo e à criação de sintomas. Os idosos em suas casas têm medo do que pode acontecer com eles, seus conhecidos e familiares. O perigo da pandemia está na mente de todas as pessoas e os sintomas são noticiados diariamente. Os idosos estão aflitos perante a tantas notícias referentes ao que está acontecendo, ao que vai acontecer e, principalmente, quando vai acontecer.

Freud continua:

Seja como for, podemos observar uma ou duas coisas sobre o sentimento de ansiedade. Seu caráter de desprazer parece ter um aspecto próprio – algo não muito óbvio, cuja presença é difícil de provar e que, contudo, ali se encontra com toda probabilidade. Mas além de ter essa característica especial difícil de isolar, observamos que a ansiedade se faz acompanhar de sensações físicas mais ou menos definidas que podem ser referidas a órgãos específicos do corpo…. Os mais claros e mais frequentes são os ligados aos órgãos respiratórios e ao coração. Eles proporcionam provas de que as inervações motoras – isto é, processos de descarga – desempenham seu papel no fenômeno geral da ansiedade.(Freud, 1926/1976, p.126)

Nessa leitura, vemos os efeitos da ansiedade no corpo das pessoas, sensações físicas relacionadas ao sentimento de ansiedade. E falando da população idosa, devemos lembrar que problemas no coração, na pressão, respiratórios, precisam ser remediados o quanto antes. Apesar dessa urgência, muitos idosos estão evitando ir ao hospital quando tem uma crise, pois eles estão com receio de contrair o coronavírus, o que infelizmente aumenta a chance de óbitos em seus lares.

É característica dos idosos o fato de já terem vivenciado diversas situações econômicas e sociais em suas vidas. Mudança de regimes políticos, crises econômicas são apenas alguns exemplos de fases que afetaram a maior parte dos idosos brasileiros. Porém, a pandemia que estamos passando é uma situação que dificilmente os idosos podem ter anteriormente enfrentado. Dessa forma, não há um exemplo vivido para ajudar no enfrentamento da presente situação. E é dentro desse contexto que a ansiedade aumenta.

Como vimos nas seções anteriores, o processo de envelhecimento é marcado por perdas físicas e simbólicas. Já discutimos a perspectiva do luto. Agora, o sentimento que invade é a ansiedade de quando toda essa situação irá acabar. A vacina é vista como a solução dos problemas, ao mesmo tempo que nos noticiários há indícios de uma possível segunda onda de transmissão. Em meio a esse tumulto de informações, os idosos continuam enclausurados, almejando o momento que poderão novamente voltar para suas atividades.

De acordo com Nascimento Júnior, Tatmatsu, e de Freitas(2020), além da desconexão social, a desconexão virtual. Muitos idosos não tinham contato com a tecnologia de computadores e celulares para se comunicarem. Foi com a pandemia que tiveram a ajuda de parentes e amigos para aprenderem a utilizar essas ferramentas. E ainda assim tiveram de aprender e ressignificar as relações físicas por virtuais como uma maneira de se sentirem pertencentes à sociedade. Outro ponto levantado pelos autores é a dosagem de informação. É importante conversar com os idosos sobre as fake news e permitir que os idosos tenham um canal de comunicação, para conversarem sobre alguma notícia que lerame evitar que aumente ainda mais a ansiedade gerando um maior sofrimento.

Conclusão

O mundo está ficando velho. No Brasil, esse processo foi muito mais rápido do que quando comparado com países desenvolvidos. E as políticas brasileiras não acompanharam essa velocidade, o que reflete na falta de proteção institucional de grande parte da população idosa.

Com a pandemia, os idosos precisam ficar em suas casas, longe de suas famílias e amigos, pois são do grupo de risco. Essa proteção, que é necessária, faz aumentar ou surgir novos traumas decorrentes deste isolamento.

Além disso, ficou evidente uma série de preconceitos e estigmas em relação ao idoso, chegando ao ponto de existir discursos que defendiam trancafiar os idosos, para que o resto da população pudesse circular e ainda um discurso mais violento, de que se faltassem leitos, os jovens teriam prioridade, mostrando a visão de desutilidade de grande parte da sociedade em relação ao idoso.

Perante a todo esse panorama e como tentamos discutir ao longo do trabalho, a psicanálise é uma ferramenta que deve ser implementada no tratamento dos traumas que os idosos já tinham antes da pandemia, desenvolveram com a pandemia e até mesmo passarão a ter no momento em que a pandemia passar.

A expectativa de vida teve um enorme aumento no tempo em que estamos, quando comparamos ao contexto em que Freud dizia que a psicanálise não deveria ser aplicada aos idosos. Por essa razão e por entender que o inconsciente é atemporal, abrimos as portas do setting analítico para receber a população idosa a fim de auxiliar no tratamento de seus traumas.

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