LUXAÇÃO CONGÊNITA BILATERAL DO JOELHO: SÉRIE DE CASOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8431365


 Dr. Thiago Coelho Paim de Lima1
Laura Maria dos Santos Ribeiro Bordignon2
Felipe Rodrigues de Carvalho3
Amanda Oliveir Poty4


RESUMO

Neste trabalho é reportado uma série de três casos de recém-nascidos, do sexo feminino com luxação bilateral dos joelhos, submetidos ao tratamento conservador com imobilizações gessadas e suspensório de Pavlik, obtendo a redução do joelho. Em um dos casos, havia displasia do desenvolvimento dos quadris e pé torto congênito concomitantemente.

A luxação congênita do joelho é um acometimento raro, de diagnóstico clínico, complementado com radiografias e ecografia. O tratamento preconizado pode ser conservador com imobilização gessada seriada se iniciado precocemente ou cirúrgico se houver malformações ou insuficiência ligamentar. Quando associado a outras afecções como em um dos casos, há necessidade de planejamento de correção seriada das deformidades.

PALAVRAS-CHAVE: Luxação do joelho; Displasia do desenvolvimento do quadril, Pé torto congênito 

INTRODUÇÃO 

A luxação congênita do joelho (LCJ) é uma anomalia rara que se integra no grupo das deformidades de hiperextensão do joelho, sendo característico o deslocamento anterior    da tíbia em relação ao fêmur com graus variáveis de perda de contato entre estas duas superfícies articulares1.

Associa-se com frequência a outras anomalias músculo-esqueléticas, sendo as mais comuns a displasia do desenvolvimento do quadril (DDQ) e o pé torto congênito (PTC), assim como tambem pode estar associada a artrogripose e Síndrome de Larsen.Além disso, apresenta uma incidência de 1:100000 entre os nascidos-vivos, sendo mais comum no sexo feminino, na proporção de 10:3 6. Um terço dos casos é bilateral e os outros dois terços apresentam uma equivalência em relação aos lados 6 .

Quanto a etiologia da luxação congénita do joelho, muitos fatores foram discutidos tanto intrínsecos quanto extrínsecos, tais como a posição anómala do feto durante a gestação, que devido a patologia neuromuscular ou estados de hiper flacidez resultam em hiperextensão congénita e subsequente atrofia e fibrose do quadríceps crural . Outros fatores como a apresentação pélvica, alteração do côndilo femoral, além de causa hereditária, foram levantadas, porém a etiologia exata dessa anomalia ainda permanece incerta .

Clinicamente os pés apresentam-se próximo ao ombro ou boca do recém-nascido e os côndilos femorais são palpáveis na fossa poplítea. O diagnóstico é complementado com estudo radiográfico com o estabelecimento da relação femorotibial e avaliação de eventuais desvios rotacionais2. Pode ser utilizado também a ecografia que é utilizada para avaliar a relação cartilaginosa entre os ossos, a ressonância magnética é utilizada para avaliar partes moles (ligamentos, meniscos, cartilagem articular) , a pneumoartrografia avalia a bolsa supra-rotuliana e a eletroneuromiografia orienta no diagnóstico dos equilíbrios musculares primários e secundários 4.

A classificação de Leveuf & País é dividida em três graus, onde o primeiro grau identifica uma luxação anterior mínima, na qual o joelho pode ser fletido de 45º a 60º e hiperextensão de 10º a 20º, o segundo grau apresenta luxação moderada, um mínimo contato da tíbia com o fêmur, uma hiperextensão do joelho de 20º a 40º, além de poder fletir até a posição neutra, o terceiro grau surge com uma luxação anterior completa, caracterizada pela perda total de contato entre a tíbia proximal e o fêmur distal 6. Já a classificação de Finder se divide em grau I, que representa uma hiperextensão fisiológica e tem prognóstico de correção quando a criança atinge oito anos de idade, no grau II temos uma hiperextensão simples, que persiste na idade adulta, o grau III surge com uma subluxação anterior, onde o joelho se apresenta hiperestendido e resiste à flexão além da posição neutra, o grau IV é raro e grave, podendo atingir graus acentuados, já o grau IV é associado a variantes complexas como a artrogripose, Ehlers-Danlos e outros 4.

O tratamento preconizado pode ser conservador com imobilização gessada seriada ou cirúrgico com técnicas de alongamento do aparelho extensor2. A redução mais precoce permite uma remodelação mais adequada. A classificação de Leveuf & Pais também auxilia na condução do tratamento, onde no grau I é indicado manipulação progressiva e manutenção com gesso até atingir 90º, após isso utiliza-se o suspensório de Pavlick até os 4 meses, no grau II é recomendado o alongamento do quadríceps para facilitar a redução do joelho e no grau III é indicado a redução aberta com liberação de estruturas contraturadas, alongamento do quadríceps e reconstrução do ligamento cruzado anterior 6. Já a classificação de Finder define os graus I,II e III como conservadores e os demais graus como cirúrgico 4.

O intuito deste estudo é relatar os três casos de luxação congênita de joelho com associação com pé torto congênito direito e displasia do desenvolvimento de quadril, os quais foram tratados de modo conservador e com acompanhamento ambulatorial.

DESCRIÇÃO DOS CASOS

CASO 1

Recém-nascido, sexo feminino; nascido 40 semanas e cinco dias, parto normal, realizado  oito consultas pré-natais. Ao nascimento observada hiperextensão bilateral do joelho e incapacidade de realizar flexão dos joelhos. Não apresentava outras alterações ao exame físico. Diagnosticada após avaliação da ortopedia com luxação bilateral dos joelhos.

Realizada redução por tração leve e força posterior à tíbia e anterior ao fêmur no sexto dia de vida e mantida estabilização dos joelhos em flexão com suspensório de Pavlick. Realizado ultrassom de joelhos que não evidenciou malformação. Após três semanas lactente foi reavaliado em ambulatório sendo observado redução estável retirado suspensório de Pavlik e realizado seguimento ambulatorial com manutenção da redução.

CASO 2

Recém-nascido , sexo feminino nascido 40 semanas, parto normal ,    com diagnostico de luxação congênita bilateral dos joelhos, com hiperextensão bilateral do joelho e incapacidade de realizar flexão dos joelhos. Exames de radiografia e USG dos joelhos não mostraram malformação congênita, realizada redução com sucesso, mantida com suspensório de Pavlik. 

Foi realizado acompanhamento em ambulatório, onde foi observado joelhos com redução mantida com estabilidade. Foi retirado suspensório de Pavlik e realizada ecografia dos quadris para rastreamento seletivo para  displasia de desenvolvimento do quadril.

CASO 3

Recém-nascida, do sexo feminino, nascida de  parto normal, com seis dias de vida, encaminhada pela pediatria devido a deformidade em joelhos e pé direito, foi  avaliada pela equipe da ortopedia pediátrica. Exame físico evidenciava teste de Barlow e pistonagem bilateral positivos com limitação de abdução dos quadris, luxação congênita bilateral dos joelhos, instável e pé torto congênito à direita, Pirani 6. Realizada radiografia de membros inferiores com achados de acetábulo displásico bilateralmente e pé direito em posição de cavo  e de equino  . Realizado diagnósticos de luxação congênita bilateral de joelho, pé torto congênito direito e displasia do desenvolvimento de quadril bilateral.

Realizada redução e imobilização gessada inguinomaleolar de joelhos durante sete dias, quando posteriormente foi substituído por suspensório de Pavlik e acompanhado em ambulatório semanalmente.

Durante o acompanhamento houve baixa adesão ao tratamento, o suspensório foi retirado sem orientação médica e em muitos episódios foi observado o suspensório incorretamente posicionado.Após 5 meses de acompanhamento foi realizada ecografia, em que foram observados os seguintes parâmetros:  em quadril direito, o ângulo alfa com 66 graus e beta com 72 graus; e em quadril esquerdo, ângulo alfa com 88 graus e beta com 70 graus. Com resolução da displasia de quadril, foi iniciado tratamento do pé torto congênito pelo método de Ponseti de forma satisfatória.

Com 1 ano e 3 meses a paciente ainda não andava, somente engatinhava e ficava de pé com apoio. Estava em uso de férula de Dennis-Browne somente durante o sono. Ainda apresentava subluxaçao dos joelhos, com Lachman positivo, hiperextensão e subluxação ao realizar extensão total, pés e quadris sem alterações. Em seguimento para programação de cirurgia de reconstrução ligamentar dos joelhos e resolução da instabilidade.

DISCUSSÃO

A proporção de 17 casos para cada 1 milhão de crianças nascidas vivas permite definir a luxação congênita do joelho como um acometimento raro, principalmente uma apresentação bilateral .

O diagnóstico é estabelecido imediatamente após o nascimento, apesar de toda a evolução dos métodos de imagem pré-natais. A LCJ representa um desafio terapêutico, pois o tratamento deve ser precoce e iniciar-se pelos métodos conservadores1. Nos casos 1 e 2 foi possível realização de tratamento conservador com redução imediata sendo possível a manutenção com suspensório de Pavlick não sendo necessário imobilização gessada seriada. Os casos de luxação mais simples e não sindrômicas costumam responder de forma satisfatória ao tratamento conservador com imobilização em série e geralmente têm um melhor prognóstico em comparação com as luxações associadas  com outras afecções como ocorreu no caso 3 associação com Displasia do Desenvolvimento dos Quadris, Pé torto congênito unilateral e instabilidade acentuada dos joelhos após redução por insuficiência ligamentar. 7 A sequência de correções quando há associação de deformidades é fundamental. Há necessidade primeiramente de corrigir a hiperextensão dos joelhos e mantê-los em flexão para possibilidade de tratamento da instabilidade dos quadris com o suspensório de Pavlik. 

Quanto à possibilidade de tratamento cirúrgico, Sachtleben e Cols descreveram técnica de reconstrução ligamentar para resolução da instabilidade por insuficiência ligamentar congênita do cruzado anterior REF. Normalmente pacientes com insuficiência congênita do LCA possuem uma incisura femoral e uma grande espinha tibial, nos casos em que a grande espinha tibial impede o acesso a incisura femoral, normalmente faz-se uma osteoplastia com uma broca redonda artroscópica de 5,5 mm, usada para primeiro diminuir o tamanho da espinha tibial, após isso a broca é usada para alargar o entalhe intercondilar ou criar um entalhe se este estiver ausente 8.

Em pacientes com placas de crescimento abertas, toma-se cuidado para não danificar a fise distal do fêmur, por isso a fluoroscopia pode ser usada para verificar a segurança no local antes da  expansão do entalhe superior. Depois de realizada essa modificação da anatomia, a reconstrução ligamentar pode proceder como planejado 8. Para o caso 3 há possibilidade de realizar esse tipo de reconstrução a depender em grande parte da maturidade e do diagnóstico subjacente da paciente.

CONCLUSÃO

O diagnóstico precoce da LCJ é ponto chave para a definição terapêutica, prognóstico do paciente e sucesso do tratamento. Vale destacar a importância do exame ortopédico integral para exclusão de outras deformidades associadas. 

Outro fator importante é a relevância dos estudos sobre tal comorbidade pois devido a baixa incidência dessa afecção, a mesma possui poucos trabalhos científicos relacionados e não há protocolo estabelecido.

REFERÊNCIAS

  1. ARAUJO, Luísa Neiva  e  ALMEIDA, Eduardo.Luxação congênita do joelho: que abordagem? Revisão teórica e experiência de um Hospital Pediátrico. Nascer e Crescer [online]. 2012, vol.21, n.1, pp.13-18. ISSN 0872-0754
  2. Lopes, Mafalda, and Pedro Beckert. “Luxação bilateral congênita do joelho. Um caso clínico.” Revista Clínica do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca 1.2 (2014): 44-46.
  3. 12. Cheng CC, Ko JY. Early reduction for congenital dislocation of the knee within twenty-four hours of birth. Chang Gung Med J 2010; 33: 266-72
  4. VIEIRA EA, FERREIRA RB, TALLARICO JGT. Luxação congênita do joelho: revisão crítica do tratamento cirúrgico Relato de um caso bilateral. Rev Bras Ortop. 1996;31(5):.
  5. SIZINIO, Herbert. Ortopedia e Traumatologia: princípios e prática. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. 
  6. FREITAS FILHO, Alexandre Mourão Feitosa et al. Luxação congênita de joelho: um relato de caso. Luxação congênita de joelho: um relato de caso, p. 1-388–416.
  7. KUMAR, Abilash et al. Luxação congênita do joelho no nascimento-Um caso extraordinário de redução espontânea. Revista Brasileira de Ortopedia, 2020.
  8. Sachleben BC, Nasreddine AY, Nepple JJ, Tepolt FA, Kasser JR, Kocher MS. Reconstruction of Symptomatic Congenital Anterior Cruciate Ligament Insufficiency. J Pediatr Orthop. 2019 Feb;39(2):59-64. doi: 10.1097/BPO.0000000000000940. PMID: 28178094.