ADESÃO À ATA DE REGISTROS DE PREÇOS ANÁLISE Á LUZ DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8415589


Paulo Henrique Américo Lucindo[1]


RESUMO

Este artigo analisa a respeito da adesão à ata de registro de preços, comumente conhecida como licitação “carona”, dentro dos princípios que norteiam a administração pública. A metodologia utilizada foi o método de abordagem documental, descritivo e bibliográfico. No desenvolvimento foi realizada uma uma análise do Sistema de Registro de Preços; decorrendo por uma abordagem dos freios existentes no Decreto nº 7.892/2013 acerca da adesão por órgão não participante e; por fim, o deslinde do trabalho com o desdobramento da ponderação das vantagens versus as críticas ao instituto em estudo, concluindo-se pela ilegalidade da figura do “carona”.

Palavras-chave: Licitação; Sistema de Registro de Preços; Adesão à Ata de Registro de Preços; Licitação Carona;

1. INTRODUÇÃO

A Lei nº 8.666/1993 dispõe das normas que regulamentam os contratos da administração pública para a aquisição bens e serviços, o que se denomina de licitação. Eis que a administração pública não pode por livre conveniência escolher, dentre os produtos disponíveis no mercado, a marca/fornecedor que mais lhe agrade sem qualquer critério objetivo de seleção.

A administração pública cotidianamente necessita de realizar contratos com particulares para o exercício de suas funções. Ocorre que o legislador previu que, a depender do objeto a ser licitado, o administrador poderia se lançar de um procedimento licitatório denominado Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 15, da Lei nº 8.666/1993, a fim de apenas deixar registrado no órgão ou entidade pública o preço de um produto ou serviço para uma eventual aquisição.

O Sistema de Registro de Preços visa privilegiar o princípio da eficiência que deve reger os atos administrativos, mas sem deixar de lado os demais princípios que também devem norteá-los.

Nesse contexto, em 23 de janeiro de 2013, foi publicado o Decreto Federal nº 7.892 que regulamenta o Sistema de Registro de Preços, esmiuçando todas as circunstâncias que devem ser observadas na sua realização.

Sucede que o art. 22 do Decreto acima referido prevê a hipótese da controversa adesão à ata de registro de preços ou, como mais comumente conhecido, licitação “carona”. Tal mecanismo permite que um órgão possa aderir a uma ata de registro de preços valida e finalizada, realizada por outro órgão, sem dela ter participado.

O cerne do debate permeia a legalidade ou não do instituto em até que ponto o discurso da economicidade e da eficiência devem se sobrepor aos demais princípios administrativos.

Sob esta vertente o presente artigo se desenvolverá discorrendo sobre o Sistema de Registro de Preços e, finalmente, adentrando à figura do “carona” analisando suas vantagens versus as críticas doutrinarias existente ao instituto.

2. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS – ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS (EFEITO CARONA)

Antes de adentrar na elucidação do efeito carona na licitação, prudente se faz discorrer a respeito do Sistema de Registro de Preços, no qual o efeito carona é exteriorizado, além de possibilitar um estudo mais abrangente sobre o tema.

O Sistema de Registro de Preços é previsto no art. 15, II, da Lei nº 8.666/1993 e regulamentado pelo Decreto nº 7.892/2013, tendo por escopo o registro formal de preços relativos à aquisição de bens e prestação de serviços para contratações futuras por entes da administração pública direta e indireta. (OLIVEIRA, 2019)

Já nas palavras de Mendes (2013, p. 224), conceitua-se registro de preços como:

É possível definir o registro de preços como o modelo de contratação destinado a atender de forma eficiente, às demandas da Administração caracterizadas pela marca da incerteza no tocante ao momento de sua efetiva ocorrência e/ou quantidade. Nesse sentido, o registro de preços é o instrumento legal que permite a melhor eficiência na gestão contratual, em razão de certas peculiaridades que caracterizam a demanda da Administração. (MENDES, 2013, p. 224)

Por sua vez, para Carvalho (2018, p. 510)

Conforme previamente explicado, em determinadas hipóteses, a Administração Pública realiza procedimento licitatório sem a finalidade imediata de contratação, mas tão somente para registrar os preços, para o caso de eventual contratação posterior. Acontece sempre que o Estado entende que um bem ou serviço é adquirido com muita frequência e, por isso, tem interesse em deixar um registro, no órgão, com o eventual fornecedor deste bem ou serviço. (CARVALHO, 2018, p. 510)

Nesse toar, a ata de registro de preços é o instrumento pelo qual vincula e obriga os termos para eventual e futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas, conforme preceitua o art. 2º, inciso II, do Decreto nº 7.892.2013. Tal registro será válido por período de até 12 (doze) meses, sem possibilidade de prorrogação dentro desse período, como fixado no art. 12, caput, Decreto nº 7.892/2013. (Brasil, 2013).

Em sequência, o artigo 3º do Decreto nº 7.892/13 enumera as hipóteses nas quais o Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado, se fazendo presente para a futura aquisição de serviços ou bens de uso corriqueiro e necessários ao efetivo desempenho das atividades realizadas nos órgãos da administração. (Brasil, 2013)

Em vista disso, o art. 4º do Decreto sob análise dispõe acerca da instituição de um procedimento denominado Intenção de Registro de Preços – IRP, cujo escopo é o registro e a divulgação dos itens que serão licitados aos demais órgãos ou entidades da administração, com o fito de intensificar a demanda e melhorar a oferta por parte dos licitantes. (SOUZA, 2018)

Registra-se que a publicidade da intenção de registro de preços é uma forma de diminuição de futuras adesões de órgãos não participantes do certame licitatório (licitação carona), eis que é uma oportunidade de outros órgãos participarem desde o início do procedimento licitatório e sem violar as bases principiológicas. (SOUZA, 2018)

O procedimento do Sistema de Registro de Preços poderá ser realizado na modalidade de concorrência, do tipo menor preço, nos termos da Lei nº 8.666/1993, ou na modalidade de pregão, nos ditames da Lei nº 10.520/2002 (art. 7º, do Decreto nº 7.892/2013). (BANDEIRA DE MELO, 2007)

A principal característica do Sistema de Registro de Preços é o planejamento de gastos corriqueiros de uma entidade administrativa com a finalidade de uma melhor adequação econômico-financeira; ou seja, está ligado diretamente à saúde financeira do órgão. Ressalvando o fato de que no procedimento licitatório não é necessário indicar a dotação orçamentária, apenas sendo exigida quando da conclusão do contrato. (OLIVEIRA, 2019)

No tocante a inexigência de dotação orçamentária, a Orientação Normativa nº 20, da Advocacia-Geral da União, evocada por Mendes (2013, p. 218):

A Orientação Normativa nº 20, da Advocacia-Geral da União, dispõe sobre o Sistema de Registro de Preços, especificamente sobre a inexigência de prévia dotação orçamentária para a realização de despesas. A AGU entendeu que, por tratar-se o referido sistema de mecanismo para a obtenção de preços junto ao mercado, e não de modalidade de licitação, basta haver previsão orçamentária, de modo que, ao tempo da assinatura do contrato, sejam indicados os recursos necessários à realização dos gastos. Com isso, restam garantidas a gestão fiscal responsável e a eficiência proporcionada pelo Sistema de Registro de Preços (Orientação Normativa nº 20, da Advocacia-Geral da União, de 1º de abril de 2009). (MENDES, 2013, p. 216)

Destarte, no art. 22 do Decreto nº 7.892/2013 dispõe acerca da utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidade não participantes, que é o denominado efeito carona. (OLIVEIRA, 2019)

Nesse cenário, o efeito carona na licitação diz respeito a possibilidade de um órgão ou entidade da Administração Pública utilizar cadastros de fornecedores já realizado por outro órgão ou entidade da Administração pelo Sistema de Registro de Preços. (ALMEIDA, 2019)

O professor Carvalho (2018, p. 510), por seu turno, traz a seguinte definição de “carona”:

Ocorre que em algumas situações, um órgão ou entidade pública que não participou da licitação que deu ensejo à ata pretende contratar com o licitante vencedor, por meio de adesão à ata de registro de preços feita por outra órgão. É o que a doutrina convencionou chamar de licitação “carona”. (CARVALHO, 2018, p. 510)

Já Mendes (2013, p. 235), por sua vez, estabelece:

Para fins de contratação pública, a palavra “carona” é o rótulo que qualifica a situação de um órgão ou entidade que se utiliza do registro de preços instituído por terceiro para obter bens e serviços sem ter participado do planejamento da contratação e da respectiva licitação. (MENDES, 2013, p. 235)

A finalidade de tal instituto jurídico é promover a celeridade na contratação pública, poupando a realização de um novo procedimento licitatório. O aproveitamento de uma licitação já sucedida preconiza o princípio da eficiência elencado no art. 37, da Constituição Federal/88, considerando que visa alcançar os mesmos resultados almejados em licitação já válida e finalizada. (OLIVEIRA, 2019)

Nessa perspectiva, Motta apud Mendes (2013, p. 246):

O autor entende pela possibilidade de utilizar o carona no Sistema de Registro de Preços, tendo em vista “as vantagens de um procedimento mais aberto e flexível, consentâneo com a expansão do universo potencial de fornecedores e com os cânones de economicidade e agilidade indispensáveis à aquisição de suprimentos para a Administração Pública. (MOTTA apud MENDES, 2013, p. 246)

Nesse sentido, Fernandes (2007, p. 8): “os fundamentos de lógica que sustentam a validade do Sistema de Registro de Preços e do sistema de ‘carona’ consistem na desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcançada a proposta mais vantajosa”.

Ainda por esse ângulo, Carvalho (2018, p. 512):

Portanto, não obstante todas as críticas doutrinárias que sofre a possibilidade de adesão à ata de registro de preços, o fato é que a utilização do Sistema de Registro Preços importa uma série de vantagens para a Administração Pública e a possibilidade da realização de licitação “carona” é uma forma de otimizar as contratações realizadas pelos entes públicos, estando regulamentada e delimitada pelo Decreto nº 7.892/2013, ou seja, plenamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro. (CARVALHO, 2018, p. 512)

Observe-se que para haver o efeito carona é necessário respeitar alguns requisitos (art. 22 do Decreto nº 7.892/2013). Primeiro o órgão deve demonstrar a vantagem da utilização de uma ata de registro de preços já finalizada, em vez de realizar um novo procedimento licitatório. Segundo, deve haver o aval do órgão gerenciador, que é o responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e pelo gerenciamento da ata (art. 2º, III, do Decreto nº 7.892/2013). (Brasil, 2013)

Tais requisitos são tratados por Sampaio apud Mendes (2013, p. 245), nos seguintes termos:

Quando da contratação firmada com base em adesão a atas de registros de preços de outros órgãos, faz-se necessário a elaboração de termo de referência, no qual necessariamente deverá constar: a) diagnóstico da necessidade administrativa; b) caracterização do objeto a ser adquirido; c) motivação técnica capaz de justificar a contratação do objeto registrado na ata a que se pretende aderir como a solução mais adequada em vista da necessidade administrativa a ser atendida, sem qualquer direcionamento ou emprego de critério subjetivo; d) pesquisa de preços apta a demonstrar a compatibilidade dos valores a serem contratados com aqueles correntes no mercado fornecedor; e) motivação da vantajosidade do procedimento de adesão em vista de eventual instauração de procedimento licitatório específico. (SAMPAIO apud MENDES, 2013, p. 245)

De uma forma geral, em um primeiro momento, a intenção do instituto é boa e agradável aos olhos, porém a realização de uma licitação carona fere princípios jurídicos que devem ser sopesados, visto que os princípios são substratos fáticos que dão conteúdo as normas. (NIEBUHR, 2018)

2.1 Contenção a eventuais excessos previstos no Decreto nº 7.892/2013

Antes de adentrar às críticas direcionadas ao instituto em estudo é necessário discorrer que o Decreto nº 7.892/2013 em seu art. 22, traz a previsão de medidas que visam conter eventuais excessos na utilização do efeito “carona” por órgãos ou entidades da administração pública.

No ponto acima tratado houve grande evolução em relação a redação original do art. 22, §§ 3º e 4º do Decreto nº 7.892/2013, visto que reduziu de 100 para 50% o limite de contratações adicionais e a soma de todas as adesões não poderão ultrapassar o dobro do registrado na ata. (NIEBUHR, 2018)

Para simplificar, se um órgão faz licitação para uma possível aquisição de 1000 unidades de determinado produto, por exemplo, o órgão não participante poderá vir adquirir até 500 unidades e o total de adesões não poderá ultrapassar 2000 unidades. (MENDES, 2013)

Excetua-se, entretanto, o disposto no art. 22, § 4º-A, do Decreto nº 7.892/2013, o fato de que a diminuição dos limites do Decreto nº 9.488/2018 não alcançaram as compras nacionais, nas quais abarcam o limite adicional de até 100% para cada item registrado e o somatório de todas as adesões não excederão em cinco vezes o previsto em ata (Brasil, 2013).

Adiante, o § 6º do art. 22, do Decreto nº 7.892/2013, assevera que o órgão ou a entidade não participante deve respeitar o prazo de até 90 (noventa) dias para efetivar a aquisição ou a contratação requerida, após a autorização do órgão gerenciador. (Brasil, 2013)

Outro ponto, é a proibição dos órgãos e entidades da administração pública federal aderirem a ata de registro de preços de órgãos de esferas federativas diversas, municipal, estadual ou distrital (art. 22, § 8º, do Decreto nº 7.892/2013). Porém, registra-se, que a recíproca é válida, conforme preceitua o § 9º do dispositivo em comento (OLIVEIRA, 2019)

Ainda nesse contexto, Carvalho (2018) discorre que prevalece Orientação Normativa expedida pela AGU no sentido da impossibilidade de adesão de órgão federais às Atas de Registro de Preços realizadas também por entidades paraestatais, vejamos:

Orientação Normativa AGU nº 21:
Ementa: É vedada aos órgãos federais a adesão à Ata de Registro de Preços quando a licitação tiver sido realizada pela Administração Pública estadual, municipal ou do distrito federal, bem como por entidades paraestatais.

Observa-se que as contenções previstas no Decreto nº 7.892/2013 e aperfeiçoadas pelo Decreto nº 9.488/2018 são válidas e necessárias, porém não retiram os vícios contidos na adesão à ata de registro de preços.

Fato é que o objetivo do instituto é o da economia e da desburocratização do Sistema de Registro de Preços, porém não é plausível, muito menos válido, que a justificativa de uma maior eficiência e economicidade se sobreponham a princípios legais.

Pois bem, após a análise das contenções previstas no Decreto nº 7.892/2013, passa-se a adentrar as críticas ao instituto.

2.2 Críticas à adesão a ata de registro de preços

Noutra perspectiva, porém, muitas são as críticas a respeito do tema em comento, as quais veremos adiante.

As críticas decorrem da violação de princípios jurídicos que regem a administração pública. Os princípios dispostos no art. 37, da CF/88 disciplinam a forma de atuação de toda a atividade administrativa, visando trazer bases ético-legais, também como uma forma de controle de seus atos. (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016)

Não bastasse isso, a Lei nº 8.666/1993 que institui as normas do procedimento licitatório, abarca em seu art. 3º diversos princípios a serem firmados com particulares na aquisição de bens e serviços. Dentre os princípios referidos, destacam-se o da legalidade, da isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório e o da competitividade. (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016)

O princípio da legalidade está ligado à extrapolação do poder regulamentar. A crítica baseia-se no fato de ser competência privativa do Presidente da República a expedição de decretos e regulamentos que corroborem à fiel execução das leis. O Poder Legislativo, por sua vez, após a realização de todo trâmite legal do processo de elaboração de uma lei, no caso, se não instituiu a figura do “carona”, não poderia o Presidente da República, por decreto, ampliar a interpretação dos dispositivos elaborados pelo legislador (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016).

Ainda nesse contexto, a controvérsia tangente ao princípio da legalidade também se embasa por ocasião da criação de um novo cenário de dispensa de licitação, visto que as hipóteses de dispensa estão elencadas em rol taxativo, no art. 24, da Lei nº 8.666/1993 e, por isso, só poderiam ter sido ampliadas por meio de lei e não por decreto como é o caso do Decreto nº 7.892/2013. Ademais, a contratação por adesão à ata de registro de preços fere o disposto no art. 37, XXI, da CF/88, no qual concerne que a dispensa de licitação somente ocorrerá nos casos especificados na legislação. (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016)

Adiante, no tocante ao princípio da isonomia, que tem como vetor o trato equânime entre todos os interessados em participar de um procedimento licitatório, é violado com a instituição do órgão “carona”, segundo bem elucidado por Mello, Policiano e Andrade (2016, p. 15):

Sendo assim, referido princípio é violado quando a figura da “carona” propicia ao beneficiário de uma Ata de Registro de Preços o direito de contratar com outros órgãos, sem licitação, em detrimento de outros potenciais interessados do mesmo ramo de atividade e com as mesmas condições jurídicas. (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016, p. 15):

Nesse cenário, Niebuhr apud Souza (2018, p. 49), preceitua:

Se não fosse para garantir o princípio da isonomia seria desnecessária e descabida a exigência antecedente e condicional à celebração de um contrato administrativo, se este assegura a igualdade de todos os interessados. Caso contrário, bastaria ser feita uma pesquisa de preços, adequando-se às necessidades da Administração. Toda a formalidade que é inerente à licitação pública, só tem sentido, se se respaldar na isonomia. (NIEBUHR apud SOUZA, 2018, p. 49)

Em seguimento, a adesão à ata de registro de preços extrapola o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, na medida em que propicia uma alteração ao quantitativo do bem ou serviço fixado no Edital. (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016).

Noutro toar, a figura do “carona” rompe com a competitividade justa entre os competidores licitantes, visto que ao restringir a livre concorrência elencada no art. 170, IV, da CF/88, privilegia o vencedor da ata de registro de preços em detrimento de outros interessados que poderiam participar e lograr êxito em um novo procedimento de registro de preços. (MELLO, POLICIANO E ANDRADE, 2016).

Nestas condições, verifica-se que o “carona” padece de legalidade, considerando que se um órgão ou entidade não cumpre os requisitos para realizar uma contratação dentro das hipóteses dos arts. 24 ou 25 da Lei nº 8.666/1993 (casos de dispensa e inexigibilidade, respectivamente) ou de contratação direta, se valem de uma terceira via (não amparada legalmente) para alcançar um fim sem respeitar o meio, no caso, a realização de um procedimento licitatório. (MENDES, 2013)

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Sistema de Registro de Preços regulamentado pelo Decreto nº 7.892/2013 é uma importante ferramenta de simplificação e desburocratização das contratações realizadas pela administração pública, tendo em vista que um procedimento licitatório ordinário é moroso e oneroso aos cofres públicos.

Em que pese a legalidade do Sistema de Registro de Preços, o art. 22 do Decreto nº 7.892/2013 disciplina a polêmica figura do “carona” nas contratações realizadas pela administração pública.

Apesar de bastante controverso, tal instituto beneficia a celeridade, eficiência e economia, uma vez que faz-se uma adesão a uma ata que cumpriu todos os requisitos legais e abarca o mesmo objeto almejado pelo órgão não participante.

Ocorre, entretanto, que em prol dos benefícios acima elencados acarreta em violações a diversos princípios jurídicos-administrativos que devem ser levados em consideração na análise da licitação “carona”.

O primeiro princípio a ser confrontado é o da legalidade, visto que além de usurpar os limites do poder regulamentar, exercendo competência adstrita ao Poder Legislativo, formula uma nova hipótese de dispensa de licitação (art. 24, Lei nº 8.666/1993, rol taxativo).

Em seguimento, o segundo princípio a se destacar é o da isonomia que, por consequência, reflete nos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e o da competitividade.

Quer dizer que quando um órgão adere a uma ata de registro de preços, na qual ocorreu todo o trâmite legal, esta-se privilegiando o ganhador da ata que poderá vir a lucrar muitas vezes mais do que o inicialmente previsto. Além do mais, priva-se a realização de um novo certame de registro de preços em que se propiciaria a participação de interessados em concorrerem em igualdade de condições e, por consequência, os princípios da competitividade e da livre concorrência. (MUKAI, 2009)

Significa dizer que a crítica pautada na possibilidade de o órgão ou entidade desvirtuar a vantagem posta a sua escolha, por poder analisar diversas atas de registros de preços de diferentes órgãos, deve ser uma das máximas a levar a sua invalidação.

Ora, a premissa baseada nos princípios da moralidade e da boa-fé que regem a administração pública deve ser altamente valorada na intenção dos agentes públicos; porém tendo em vista a sistêmica tradição nacional de agentes públicos se valerem de interesses pessoais em prol do interesse público é necessário que a administração, no caso realizado pelo Poder Legislativo, aumente as cautelas a fim de inibir eventuais práticas ilícitas.

Infelizmente, a sociedade tem presenciado inúmeros casos em que agentes públicos se aproveitam das posições que ocupam para lograrem vantagens pessoais. Apesar das barreiras existentes no art. 22, III, do Decreto nº 7.892/2013 limitarem o quantitativo de adesões a atas por órgãos não participantes, não impede o poder de escolha dado a estes órgãos.

Nesse aspecto, Niebuhr apud Mello, Policiano e Andrade (2016, p. 16):

O carona é o júbilo dos lobistas, do tráfico de influência e da corrupção, especialmente num país como o nosso, com instituições e meios de controle tão frágeis. Os lobistas e os corruptores não precisa, mais propor o direcionamento de licitação; basta proporem o carona e tudo está resolvido. (NIEBUHR apud MELLO, POLICIANO E ANDRADE, p. 16, 2016)

É melhor pecar pelo excesso do que pela falta, salvaguardando o fato de que não está incentivando a burocratização exacerbada, muito menos a desconfiança desregrada, apenas está se buscando melhores formas de aproveitamento do interesse público sobre o privado.

Em arremate, utilizando-se o método da ponderação, conclui-se que além de o efeito “carona” possuir mais malefícios do que benefícios, é ilegal. O objetivo do instituto não pode ser de gerar um sistema de aquisições pela administração de forma desenfreada e desregulada, mas sim proporcionar celeridade e economia aos cofres das entidades públicas, desde que não haja a confrontação de princípios basilares da atividade administrativa.

4. REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei n. 8.666/90, de 21 de junho de 1993. Normas para Licitações e Contratos da Administração Pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 12 dez. 2019.

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[1] Graduado em Direito Universidade Federal de Goiás – UFG.