A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA SOB O OLHAR DA ENFERMAGEM: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

OBSTETRIC VIOLENCE UNDER THE VIEW OF NURSING: AN INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8408667


Isadora Ribeiro Morales 1
Diego Silveira Siqueira 2
Camila Neumaier Alves 3


Resumo

Introdução: Objetivo: Identificar nas literaturas atuais as práticas de violência obstétrica e a importância da atuação da enfermagem frente à temática. Método:  Trata-se de uma revisão integrativa, com levantamento dos dados realizado entre março e abril de 2023 na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Encontrou-se 8 artigos. Resultados e Discussão: A partir da análise dos artigos, dividiu-se em três categorias, a violência obstétrica no contexto geral, (Des) Conhecimento de mulheres sobre a violência obstétrica e a atuação da enfermagem na violência obstétrica.  Considerações Finais: Evidencia-se a ausência de legislação que preconize e criminalize as práticas, foi possível observar também a fragilidade na formação acadêmica dos profissionais da saúde no contexto. O conhecimento superficial das parturientes sobre as práticas de violência e sobre seus direitos sexuais, e a importância da enfermagem para identificar e prevenir a violência obstétrica na assistência prestada.

Palavras-chave: Violência obstétrica. Parto. Enfermagem obstétrica. Enfermagem.

1   INTRODUÇÃO 

Desde os primórdios o patriarcado exerceu e ainda exerce o controle dos corpos e da sexualidade feminina. Nos tempos atuais essa temática ainda transita sobre a debilidade moral e a decisão a respeito do uso do seu aparelho reprodutivo1.

Antigamente o nascimento era um evento que ocorria no domicílio da parturiente, no seio familiar, realizado por parteiras auxiliando as mulheres no trabalho de parto. Com os desdobramentos da ciência essa prática tornou-se medicinalizada e institucionalizada, centrada no poderio do “saber médico” que as condiciona a acreditar em não ser capazes de conduzir o processo do trabalho de parto de forma natural. O intuito dos avanços tecnológicos na área da saúde, objetiva oferecer melhor qualidade de vida e segurança do paciente, no entanto está havendo uma incompreensão sobre o uso dessas tecnologias, ocorrendo a utilização indiscriminada de procedimentos muitas vezes desnecessários, concretizados pela falsa impressão de que quanto mais intervenções maior o cuidado. A partir deste contexto a institucionalização acabou por gerar malefícios danosos para as mulheres e seus filhos, com uma série de intervenções que causam sofrimentos físicos e psíquicos conhecidos como violência obstétrica2.

A violência obstétrica está atrelada a violência de gênero, essas práticas estão repletas de estereótipos culturais de desvalorização e submissão contra a mulher. É visto como fato que vem acontecendo há algumas décadas em setores públicos e privados, com o apoderamento dos direitos reprodutivos e a minimização da autonomia da gestante no processo do parto, violando seus direitos e trazendo à tona o descaso e desrespeito as parturientes na assistência prestada3.

De acordo com o Ministério da saúde (MS) os direitos fundamentais das mulheres e crianças na atenção ao parto e nascimento, integra o acesso a tecnologias apropriadas, com adoção de práticas fundamentadas em evidências, incluindo a privacidade, a liberdade na troca de posição durante o trabalho de parto, direito a acompanhante e a conservação de sua integridade corporal e psíquica. Apontando a importância do acesso as informações a respeito de seus direitos reprodutivos e a atenção qualificada e humanizada4.

A violência obstétrica ocorre de muitas maneiras a muitas mulheres, pode acontecer antes, durante e após o trabalho de parto. Caraterizada por negar direitos, negligenciar atendimento, negar assistência humanizada a situações de abortamento, negar privacidade, induzir a cesárea sem necessidade, realizar procedimentos médicos sem consentimento, procedimentos desnecessários, negar analgesia, impedir a movimentação da parturiente, impedir o contado da mãe com o recém-nascido (RN), agressão verbal como ofensas, humilhações e falas de cunho preconceituosos5.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência obstétrica é uma violação dos direitos humanos fundamentais. É reconhecido desde abusos verbais, procedimentos não consentidos, recusa em administrar analgésicos, violação da privacidade, restringir a presença de acompanhante, violência física, desrespeito, maus-tratos e negligência entre outros6.

No Brasil não há uma ferramenta legal eficaz que dissemine a informação, não existe uma legislação descrevendo os meios protetivos e preconizando a Violência Obstétrica. Existindo somente o Projeto de Lei n. 7.633/2014, que dispõe sobre a humanização da assistência à gestante e ao neonato no ciclo gravídico-puerperal e dá outras providências.7 Se faz necessário a conceituação da violência obstétrica em documentos legais que a definam e criminalizem3.

Importante destacar o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), instituído pelo Ministério da Saúde em de junho de 2000, que salienta as necessidades de atenção específica à gestante, ao recém-nascido e à mulher no período pós-parto, tendo como prioridades a redução da taxa de morbi-mortabilidade materna, peri e neonatal, acesso e melhoria na qualidade do pré-natal e da assistência ao parto, ampliar as ações já adotadas pelo Ministério da Saúde na área de atenção à gestante.8 Dispõem também da Rede Cegonha um programa do Sistema Único de Saúde (SUS), o trabalho busca oferecer assistência desde o

pré-natal, o planejamento familiar, parto e o puerpério, cobrindo até os dois primeiros anos de vida da criança, ofertando atenção integral e sistema logístico que se refere ao transporte e regulação9.

Ainda existem vários profissionais da saúde reproduzindo a Violência Obstétrica dentro do seu local de trabalho, pois não estão preparados e instruídos acerca do tema. 10 A atuação da enfermagem nesse contexto é essencial para o cuidado apropriado e efetivo a saúde, com a humanização da assistência prestada10. São eles os profissionais capacitados para acolher e proporcionar bem-estar e segurança à mulher no processo de trabalho de parto. No entanto existem muitas dificuldades no desempenho do enfermeiro, ocasionado pelas estruturas físicas hospitalares, as rotinas nas maternidades e a cultura centralizada no saber médico11.

O papel do enfermeiro é fundamental para a prevenção das violências, com dever de impedir as situações agravadoras à saúde da mulher e do bebê. Sendo este o profissional de grande compromisso pela educação contínua tanto para a equipe de enfermagem quanto para as mulheres10. Vale destacar que o enfermeiro exerce desempenho importante em todo processo gestacional, pois é quem desenvolve um vínculo maior com a gestante e com família11.

Com respaldo da Lei n. 7.498 de 25 de junho de 1986, “Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem”, preconiza que o enfermeiro pode atuar diretamente na assistência às gestantes, parturientes e puérperas, na identificação das distócias obstétricas e tomada de providências até a chegada do médico, na execução de episiotomia e episiorrafia, na assistência ao parto normal, executando partos sem distócias, fazendo o acompanhamento da evolução do trabalho de parto de forma ativa12.

Por meio da atuação da enfermagem é possível minimizar e identificar os fatores causadores, assim fazendo um planejamento das intervenções11. Se faz importante um cuidado humanizado e apropriado para à saúde no contexto do parto e nascimento, no intuito de prevenir o impacto negativo na qualidade de vida dessas mulheres frente a Violência Obstétrica. Dessa forma é necessário que o profissional proporcione uma assistência baseada na integralidade e humanização, minimizando práticas desnecessárias sem critérios13.

Para uma modificação deste cenário, é de suma importância que a enfermagem impulsione uma reforma na assistência prestada, incentivando um novo olhar baseado na humanização do cuidado14. Com o propósito de prevenir a violência obstétrica, se faz necessário o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, a sensibilização e orientação dos profissionais da saúde por meio de campanhas de prevenção e programas de capacitação, com avaliação contínua e permanente da assistência obstétrica prestada13.

O objetivo do estudo presente é identificar nas literaturas atuais as práticas de violência obstétrica, o conhecimento das parturientes acerca da temática e a importância da atuação da enfermagem frente a esse cenário.

2   METODOLOGIA 

Este estudo trata-se de uma revisão integrativa buscando identificar os objetivos propostos de maneira ordenada e sistemática. Esse tipo de estudo investiga o tema em materiais já elaborados, aprimorando e ajudando na reflexão e pensamento crítico sobre o assunto da pesquisa proposta.15

Para elaboração da revisão integrativa buscou-se primeiro determinar o objetivo específico através do levantamento de questionamentos importantes sobre o tema, buscando coletar informações primárias e aplicando critérios de inclusão e exclusão.15

A partir disso, o estudo foi delimitado a partir da pergunta norteadora: Qual a atuação da enfermagem frente à violência obstétrica? Para estabelecer a amostra proposta foram selecionados os seguintes descritores: VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, ENFERMAGEM OBSTÉTRICA, PARTO, SAÚDE DA MULHER como observado na Figura 1. Esses foram selecionados a partir da classificação dos descritores de Ciências da Saúde (DECS), utilizando o operador booleano “AND” para combinação acerca do tema no qual foram encontrados 139 resultados.

Foram selecionados, então, 19 artigos correspondentes ao tema proposto e após uma leitura minuciosa observou-se que apenas 8 respondiam ao objetivo do estudo. Como critérios de inclusão foram selecionados artigos com presença de descritor correspondente aos da pesquisa e texto completo disponível na íntegra. Não foram selecionados materiais científicos como teses, monografias, canais, congressos e artigos  que não respondem ao objetivo da pesquisa.

Foi realizada uma busca on-line em março de 2023 através da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) utilizando a base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), MEDLINE e Base de Dados de Enfermagem (BDENF).Fonte: Elaborada pela autora (2023).

Este estudo baseou-se na pesquisa em artigos publicados em revistas dos anos de 2013 a 2023, que apresentam artigos pertinentes ao tema, sendo eles: Revista Cuidarte, Revista Enfermagem UERJ, Enfermeria actual Costa Rica, Revista Baiana de Enfermagem, Revista Nursing São Paulo e Revista enfermagem UFPE online.

Figura 1 – Resumo da estratégia de busca e resultado do quantitativo da pesquisa.

Fonte: Autoria Própria, 2023.

3   RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os estudos selecionados para a análise estão apresentados no Quadro 1, de acordo com autor e ano de publicação, periódicos, títulos, objetivos e conclusões.

Quadro 1 – Estudos selecionados para a análise

Títulos/ Autor/AnoRevistaObjetivosMétodosConclusões
  Violência obstétrica à luz da Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado      Revista Cuidar te.  Objetivou-se analisar relatos de puérperas sobre violência obstétrica à luz da Teoria daEstudo transversal, abordagem qualitativa, desenvolvido em estratégias de Saúde da FamíliaO estudo pode guiar o profissional de saúde que presta assistência, desde o pré-natal e principalmente no
Cultural. Mello BLPL. et al 2022 16 Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural.com 10 puérperas. Os dados foram organizados e adaptados ao modelo Sunrise.parto, uma reflexão sobre suas práticas de cuidado, o qual deve considear o contexto em que essa parturiente está inserida.
  Vivências de sofrimento e prazer das acadêmicas de enfermagem nas maternidades. Progiant JM et   al 2019   17      Revista Enferm age m UERJ.    Identificar as vivências de sofrimento e de prazer dos acadêmicos de enfermagem frente à organização do trabalho das enfermeiras obstétricas na maternidadeEstudo exploratório e qualitativo, com 13 acadêmicas de enfermagem de uma instituição do ensino superior privado. Os dados analisados foram submetidos à análise de conteúdo e discutidos à luz do referencial teórico de Christopher DejoursSão necessárias estratégias pedagógicas aplicadas, com o intuito de constituir enfermeiras com atitudes transformadoras da realidade e dispostas a lutar pela valorização da enfermagem obstétrica.
  Violência obstétrica: uma revisão integrativa. Souza ACAT et al 2019 18      Revista Enferm age m UERJ.Revisar pesquisas brasileiras, identificando os tipos de violência obstétrica, possíveis causas observadas e o papel do enfermeiro nesse cenário.    Revisão integrativa realizada em 2018, com artigos brasileiros selecionados na Biblioteca Virtual em Saúde.A enfermeira obstétrica contribui para a redução dessa violência. É necessários mais investimentos na formação dessas profissionais para assim proporcionar assistência de qualidade no pré- natal e parto.
Conhecimentos Averiguar oTrata-se de umaNecessidade de
e experiênciasEnfermer iaconhecimentopesquisa descritivaimplementação de
de violênciaactual Costade mulheresde carátermedidas que
obstétrica emRicasobre aqualitativo,assegurem
mulheres que vivenciaram a experiência do parto. Nascimento SL et al 2019   19 violência obstétrica e verificar as formas de violência obstétrica vivenciadas por elas durante a parturição.realizada com 20 parturientes em maternidade filantrópica baiana.assistência humanizada e estratégias de empoderamento das mulheres de modo que passem a ser protagonistas no ato de parturição.
      Práticas convencionais do parto e violência obstétrica sob a perspectiva de puérperas. Campos VS et al 2020 20        Revista Baiana de Enferm ag em.    Compreender a experiência de puérperas com as práticas convencionai s do parto e violência obstétrica.  Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, realizado com oito mulheres em unidades de Atenção Básica de um município da Bahia. Os dados foram analisados conforme a técnica de Bardin.A assistência em algumas maternidades no município, mantém práticas convencionais de assistência ao parto, que, em muitos casos, constituem-se como violência obstétrica, diante da falta de evidências que apontem os benefícios e justifiquem seu uso.
  Percepção das parturientes sobre violência obstétrica: a dor que querem calar. Teixeira PC et al 2020 21        Nursing (S äo Pau lo).Identificar o conhecimento das mulheres sobre a violência obstétrica, e se conseguem identificar as ações, e detectar         os impactos físicos e psicológicos.      Foi realizado um estudo do tipo descritivo, exploratório com abordagem quali- quantitativa.É necessário que os profissionais que prestam assistência a esse grupo tenham maior adesão a cursos de atualizações para um melhor conhecimento científico acerca da assistência.
    Conhecimento de enfermeiros da atenção primária acerca da violência obstétrica. Silva MI,    Nursing (Sä o Pau lo).  Investigar o conhecimento de enfermeiros da atenção primária à saúde acerca da violência    Estudo de caráter de descritivo- exploratório com abordagem qualitativa, desenvolvido com sete  É necessário incorporar a temática no curso de graduação em Enfermagem, além de uma melhor capacitação dos
Aguiar RA 2020 22 obstétrica.enfermeiros de duas unidades básicas de saúde do Distrito Federal, Brasil.profissionais para uma abordagem satisfatória acerca da temática no contexto da atenção primária à saúde.
  Mulher e parto: significados da violência obstétrica e a abordagem de enfermagem. Oliveira, Elias, Oliveira   2020   23      Revist a enfer mag em UFPE online .    Compreender o significado da violência obstétrica para mulheres.Um estudo qualitativo, com abordagem fenomenológica heideggeriana, com mulheres em fase reprodutiva. Realizou- se a coleta de dados por meio de entrevistas gravadas, analisadas sob a perspectiva da fenomenologia.Evidenciou-se a necessidade de um fortalecimento da consulta de pré-natal proporcionada pelo enfermeiro, abordando temas diversos e reflexivos, e ofertando uma saúde integral de qualidade, curativa e preventiva.

Fonte: Autoria Própria, 2023. 

A Violência Obstétrica no contexto geral

A Violência Obstétrica pode ser vista e denominada como violência institucional ou violência de parto, cometida durante o ciclo gravídico-puerperal compreendendo a violência sofrida por mulheres18. É visto como um episódio comum no cenário brasileiro, transcorrido em várias dimensões da assistência, acontecendo de forma velada e silenciosa por ser uma temática complexa e com limitação de informações acerca do assunto16.

A utilização de práticas mecanizadas e isentas de humanização configura uma assistência baseada nos maus tratos, perpetuando uma cultura social de receio das parturientes de não ter condições fisiológicas para partejar, obrigando a mulher a incorporar uma postura passiva frente os procedimentos adotados16. Nesse cenário, a violência obstétrica é caracterizada como qualquer dano físico, verbal ou psicológico ocorrido durante o período gravídico-puerperal20.

Em diversos âmbitos da assistência, as violências podem ocorrer de forma física, verbal, psicológica e sexual16. A violência obstétrica é compreendida por ofensas verbais, apropriação do corpo feminino, realização de procedimentos desnecessários, privação de acompanhante, banalização da dor e a violação de privacidade18. De caráter psicológico configura-se a ausência de suporte emocional, rispidez, abandono, humilhação, afastamento da mãe e do RN e a ausência de informações pertinentes ao processo16. É compreendido como violência verbal todo tratamento grosseiro, ameaças, repressões, gritos e falas de cunho preconceituosos24. Pode ser considerado violência física qualquer procedimento realizado sem o consentimento prévio da parturiente, o descumprimento de boas práticas, privação de movimentos, a não utilização de analgesia quando tecnicamente indicada, manobra de Kristeller e realização de episiotomias de rotina, percebe-se então que a violência física está relacionada a negligência da assistência16,24.

A episiotomia e a manobra de Kristeller são vistas como um dos vilões na humanização do parto, com sua realização de forma rotineira e sem indicação clínica. A episiotomia é um corte cirúrgico feito no períneo, sua ocorrência tem finalidade de facilitar a passagem do bebê no parto vaginal, essa prática realizada sem necessidade clínica pode afetar a vida pessoal e sexual da parturiente, levando a incontinência intestinal, perda de sensibilidade, frouxidão da região perineal e dor na relação sexual. A realização da Manobra de Kristeller tem como objetivo acelerar o nascimento e posicionar o bebê, consistindo na aplicação de pressão no fundo do útero, podendo causar fratura de ossos e rompimento do útero podendo levar à morte materna e fetal5.

Com a utilização indiscriminada de procedimentos intervencionistas sem critérios técnicos para realização, percebe-se que essas práticas vem sendo compreendidas como convencionais na assistência ao parto, como restrições desnecessárias, puxos dirigidos, toques vaginais excessivos, cesarianas eletivas, realização de amniotomia precoce, a desvalorização das queixas das parturientes, a falta de esclarecimento acerca dos procedimentos adotados, o uso de ocitocina para induzir e estimular as contrações rítmicas, com a finalidade de acelerar o processo de dilatação e o trabalho de parto20.

A concretização da violência obstétrica pode ser associada com a negação ou não reconhecimento da violência, e pelo despreparo institucional e profissional, a hierarquização do cuidado, a medicalização, o nível socioeconômico e a escolaridade das mulheres18. Essas situações refletem condutas violentas adotadas no âmbito da saúde e do cuidado, com práticas revestidas por atos de violência obstétrica, refletindo diretamente no julgamento sob o manejo da assistência prestada à parturiente gerando sentimento de insatisfação frente aos serviços de saúde16.

(Des) Conhecimento de mulheres sobre a violência obstétrica

Diante deste cenário de violência, perpetua-se a falta de autonomia dessas mulheres sob a assistência prestada e o desrespeito do seu direito de escolha garantido por lei, com uma série de decisões verticalizadas de cuidados intervencionistas e profissional-centrado. Ao contrário dos procedimentos intervencionistas desnecessários, que passam muitas vezes despercebidos pela falta de conhecimento da população em geral acerca da temática, as agressões verbais, psicológicas, abandono e o descaso da assistência são rapidamente sentidas pelas mulheres estabelecendo um sentimento de insatisfação do serviço prestado14.

Percebe-se que a falta da escuta ativa e da atenção adequada, faz com que as mulheres se sintam desassistidas durante o trabalho de parto, gerando uma série de preocupações com o estado de saúde do recém-nascido. A violência faz parte do cotidiano dessas mulheres atendidas em unidades hospitalares, infelizmente é uma realidade atual das maternidades, retrata-se desde a triagem até o período pós-parto, por parte de diversos profissionais com formações acadêmicas diferentes19.

De acordo com um estudo realizado, foi evidenciado que 29% das participantes relataram ter sido submetida a Manobra de Kristeller, quanto a liberdade de posição para parir 83% das mulheres não puderam escolher a melhor posição para o parto, em relação ao consentimento e informação 57% das mulheres afirmaram não ter tido explicação das condutas tomadas e autorização para realização das mesmas. Quando questionadas sobre a presença de acompanhante de livre escolha, 14% tiveram esse direito violado e só puderam ser acompanhadas por outras mulheres, no que diz respeito as informações devidas 64% das participantes entrevistadas relataram não terem sido instruídas durante o pré-natal21.

Realizando uma síntese dos resultados obtidos nas entrevistas desenvolvidas nos estudos, pode-se perceber que as mulheres possuem um conhecimento limitado e muito superficial acerca do termo e do assunto abordado, assim naturalizando as condutas e procedimentos compreendidos pelas puérperas como rotineiros e dentro da normalidade, em sua maioria relacionam a violência obstétrica apenas a sua forma física e verbal. Os resultados apontam o desconhecimento das mulheres sobre seus direitos sexuais e reprodutivos, e a falta de protagonismo durante o processo de parturição19,21.

A atuação da enfermagem na violência obstétrica

Diante disso, percebe-se a necessidade da avaliação do conhecimento acerca do assunto e identificação das violências, como uma forma de reconhecer a existência do problema. Dessa forma, identificou-se o despreparo desses profissionais sobre essa temática, fazendo necessário o entendimento do enfermeiro e a incorporação para além da educação em saúde dessa população, informando quanto aos direitos e sendo uma boa fonte de informação para as gestantes durante o acompanhamento do pré-natal22.

De acordo com uma pesquisa realizada com enfermeiros que atuam em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no Distrito Federal, os resultados obtidos indicam que a compreensão acerca da violência obstétrica e suas práticas é superficial, sendo realizada uma abordagem deficiente no pré-natal. Apesar de terem uma percepção frágil, conseguiram retratar algumas condutas e possíveis consequências das violências para as mulheres, relataram ainda ser favoráveis a algumas práticas convencionais consideradas abusivas22.

Com a finalidade de promoção e prevenção da violência obstétrica, faz-se necessário o fortalecimento da consulta de pré-natal com o intuito de abordar outras dimensões da mulher, abordando temas reflexivos, ofertando uma saúde integral de qualidade e preventiva. Deve-se conscientizar o profissional sobre a importância do seu papel, fazendo cumprir as políticas públicas, também cabe ao enfermeiro assegurar a dignidade da mulher durante todo atendimento, atuando de forma humanizada e protegendo sua dignidade assegurada pela Política Nacional de Humanização (PNH). Respeita-se assim o protagonismo da parturiente, e o enfermeiro faz valer a sua autonomia e sua visibilidade no cuidado a saúde da mulher23.

É evidenciada a fragilidade existente na formação dos profissionais, são necessárias novas estratégicas pedagógicas aplicadas na prática em enfermagem, promovendo a articulação do campo de ensino teórico com o campo laboral. Torna-se necessário incorporar a temática no curso de graduação em Enfermagem, com o propósito de problematizar e contextualizar a realidade dos serviços de saúde, expondo com o ensino pratico as condições oferecidas pela organização do trabalho, no intuito de formar profissionais capacitados para uma abordagem satisfatória acerca do contexto17.

No propósito de prevenção da violência obstétrica, é importante a incorporação de boas práticas a equipe de enfermagem, incluindo um vocabulário acessível para melhor entendimento da mulher, descrevendo o quadro clínico e intervenções a serem realizadas, minimizando práticas desnecessárias, adotando medidas alternativas e não invasivas para alívio da dor, exercendo uma escuta ativa e orientando sobre seus direitos sexuais e reprodutivos. Faz-se importante para que ocorra um atendimento integral e de qualidade, o preparo da equipe multidisciplinar, abordando temas como a humanização e a ética23

4   CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, conclui-se que a violência obstétrica como uma violação dos direitos humanos fundamentais na prestação da assistência a mulher em todo período gravídico- puerperal, decorrentes da não utilização de boas práticas de humanização no cuidado preconizados na PNH, acarretando danos a integridade física, psicológica e moral.

Após a discussão dos estudos selecionados é possível perceber a impregnação dessas práticas revestidas por violência, sendo naturalizadas pelas mulheres e consideradas convencionais de rotina. A naturalização é decorrente da fragilidade e do desconhecimento acerca da temática, devido à escassez de informações e a falta de legislação no Brasil que preconize tais atos e os criminalizem. Nota-se também a debilidade na formação acadêmica dos enfermeiros, manifestando a falha na capacitação profissional e na articulação do meio teórico com o prático laboral.

Deve-se conscientizar o profissional da enfermagem da importância do seu papel como educador, exercendo o fortalecimento do pré-natal como um instrumento instrutivo abordando assunto reflexivos, de outras dimensões da saúde da mulher, as mudanças no seu corpo, utilizando o Plano de Parto como uma ferramenta relevante, aonde a parturiente expressa seus desejos e expectativas sobre o processo de trabalho de parto e também condutas a serem evitadas, dessa forma assegurando o direito de escolha e devolvendo seu protagonismo.

Entende-se a importância da atuação da enfermagem para a prevenção e o combate da violência obstétrica, sendo o enfermeiro o profissional mais capacitado para atuar de forma humanizada e proporcionar um atendimento digno. O enfermeiro é um elemento indispensável para a remodelação da assistência à parturiente e o recém-nascido, pois é o membro da equipe de saúde capaz de educar, incentivar a promoção e a implementação de boas práticas na assistência, além de possuir a virtude de empoderar as mulheres e ser um instrumento informativo para todo o processo de gravídico- puerperal.

No decorrer desse estudo pude constatar a carência de artigos abordando a temática, principalmente estudos relacionados as condutas de enfermagem para a prevenção e o combate à violência obstétrica, em sua maioria limitando-se a artigos que apenas caracterizam os práticas e condutas da violência obstétrica.

Sugiro então novas pesquisas e discussões no âmbito acadêmico e assistencial trazendo assim o assunto como uma problemática de saúde pública, dando enfoque na abordagem do tema em especializações de obstetrícia, consolidando assim uma assistência baseada nas evidências científicas, promovendo um atendimento ético e humanizado.

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1. Enfermeira pelo Curso Superior de Graduação em Enfermagem Centro Universitátio Ritter dos Reis- Uniritter,
Campus Zona Sul.. e-mail: isadora.ribeiro.morales@gmail.com

2. Docente do Curso Técnico de Enfermagem do SEG Porto Alegre, RS. Doutor em Saúde da Criança (PUCRS).
e-mail: diegosilveirasiqueira@gmail.com 

3. Docente do Curso Superior de Graduação em Enfermagem Centro Universitátio Ritter dos Reis- Uniritter
Doutora em Enfermagem (UFPel). e-mail: camilaenfer@gmail.com