ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DOS EXAMES HISTOPATOLÓGICOS DO COLO UTERINO REALIZADOS NO SUS DO DISTRITO FEDERAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8396518


Indra Liciane Nascimento de Freitas¹, Adriana Mendonça da Silva Alexandrino², Aline Pimentel Caldeira³, Isabella Rodrigues Vidal4, Luís Victor Moraes de Moura5, Ully Urzeda Basílio6


RESUMO

OBJETIVO: Analisar as informações sobre os exames histopatológicos do colo uterino realizados no Sistema Único de Saúde do Distrito Federal. MÉTODOS: Estudo transversal, descritivo, observacional realizado através de dados secundários do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, Sistema de Informação do Câncer, referentes aos anos de 2018 a 2022. Os dados coletados foram tabulados no software Excel 2021 e apresentados em gráficos e tabelas. RESULTADOS: Observou-se aumento da incidência de lesões malignas do colo do útero, partindo de 26 casos (2018) para 49 casos (2022), aumento de 88,46%, com um pico no ano de 2021, com 74 casos notificados via SISCAN. Dentre as unidades de saúde do Distrito Federal, o Hospital Regional de Sobradinho (HRS) destaca-se como o centro com maior quantitativo de biópsias realizadas no período, 984 procedimentos (25,55%), seguido pelo Hospital Regional de Ceilândia (HRC) com 850 (22,07%), Hospital Materno Infantil Dr. Antônio Lisboa (HMIB) 640 (16,62%) e Hospital Regional do Leste (HRL) 462 (12,00%). Entre as lesões precursoras, a mais prevalente foi a NIC III, totalizando 993 exames no período, o que corresponde a 42,36% dos casos. Elas foram mais prevalentes entre as pacientes de 20 a 59 anos (93,67%), com pico entre as de 30 a 39 anos. Já as neoplasias malignas foram mais prevalentes entre as pacientes de 25 a 69 anos (95,12%), com pico nas mulheres de 35 a 44 anos. CONCLUSÕES: Observou-se uma tendência de aumento da incidência do câncer de colo na região, o que ainda pode ser subestimado devido à baixa cobertura de colpocitologias de rastreio. O que torna flagrante a necessidade de ampliação da cobertura vacinal contra o HPV e do rastreamento citopatológico, na atenção primária. E, por conseguinte, as unidades de referência da atenção secundária devem receber especial atenção do poder público para o recrudescimento do potencial de realização de exames colposcópicos, biópsias e tratamento de lesões precursoras, objetivando a redução da incidência e morbimortalidade do câncer na região.

Palavras-chave: Neoplasia do colo do útero; Sistema Único de Saúde; Detecção Precoce de Câncer.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the information about the histopathological examinations of uterine cervix carried out by the Unified Health System of the Federal District. METHODS: Cross-sectional, descriptive, observational study carried out using secondary data from the Informatics Department of the Unified Health System, Cancer Information System, covering the years 2018 to 2022. The data found were tabulated in Excel 2021 software and presented in graphs and tables. RESULTS: Observe an increase the incidence of malignancy, going from 26 cases (2018) to 49 cases (2022), an increase of 88.46%, with a maximum at the year 2021, with 74 cases reported via SISCAN. Of the Health Units of the Federal District, the Hospital Regional de Sobradinho (HRS) is the center with the highest number of biopsies performed over time, 984 procedures (25.55%), following the Hospital Regional de Ceilândia (HRC) with 850 (22.07%), Hospital Materno Infantil Dr. Antônio Lisboa (HMIB) 640 (16.62%) and Hospital Regional do Leste (HRL) 462 (12.00%). Among the precursors lesions, the CIN III predominates, totaling 993 exams, which corresponds to 42.36% of the cases. The precursors lesion were more prevalent among patients aged 20 to 59 years (93.67%), with a peak in the age group of 30 to 39 years. Malignant neoplasms were more prevalent among patients aged 25 to 69 years (95.12%), with a peak among the patients aged 35 to 44 years. CONCLUSIONS: There is an increasing trend in the incidence of cervical cancer in the region, which may still be underestimated due to a low coverage of screening pap smears. So the need for amplification of the HPV vaccine and the spread of cytopathology is fundamental, within the scope of primary care. And, therefore, references secondary care units must receive special attention by the government to optimize the carry out colposcopic examination, biopsies and treatment of precursor lesions, aiming to reduce the incidence and morbi-mortality of the region by the cervical cancer.

Key words: Cervical cancer; Unified Health System; Early Cancer Detection.

INTRODUÇÃO

O câncer de colo do útero (CCU) foi a quarta neoplasia maligna mais prevalente entre pessoas do sexo feminino no mundo segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), registrando, aproximadamente, 604 mil novos casos no ano de 2020, o que representa 6,5% de todos os diagnósticos de câncer em mulheres.1

No Brasil, figura como o terceiro tipo de câncer mais prevalente entre mulheres, excluindo-se os tumores de pele não melanoma.2 Para o ano de 2023, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima 17.010 novos casos no país, com uma taxa de incidência bruta de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres.1 Em 2022, no Distrito Federal, a incidência foi de 204 casos, resultando em uma taxa de 14,47 casos a cada 100 mil.1,2 

Quanto à mortalidade, em 2020 o câncer de colo uterino foi a quarta causa de óbito por câncer no Brasil, totalizando 6.627 mortes. Isso se traduz em uma taxa de mortalidade estimada de 6,12 óbitos por cada 100 mil mulheres.1,2 

O principal fator precursor da mutação das células cervicais é a infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV), sendo detectado em 99,7% dos cânceres de colo de útero.3 O tipo histológico mais prevalente é o de células escamosas que corresponde a cerca de 70% dos histopatológicos, enquanto 25% correspondem aos adenocarcinomas.4

Existem mais de 200 subtipos virais, que são divididos entre os de alto e baixo risco oncogênico. São exemplos dos de alto risco: o 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 53, 55, 58, 59, 64 e 68, destacando-se os subtipos 16 e 18 como os de maior potencial mutagênico.5 Dentre os de baixo risco, destacam-se os subtipos 6 e 11, como os mais frequentes.6,7 Esses são associados às lesões benignas displásicas e hiperproliferativas, comumente chamadas de verrugas genitais ou condilomas acuminados.6-8

Todavia, apesar da relevância da infecção pelo HPV no processo de carcinogênese, a transformação de células epiteliais normais para células cancerígenas também envolve outros fatores. Elementos ligados às características individuais parecem influenciar na regressão ou para a persistência da infecção bem como no progresso para lesões precursoras e câncer.8,9 Dentre os fatores de risco associados à progressão da doença incluem a infecção do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras condições imunossupressoras como o uso crônico de corticosteroides; uso prolongado de contraceptivos orais; tabagismo; multiparidade; higiene pessoal inadequada; deficiências nutricionais; condições socioeconômicas; fatores genéticos, ações da epigenética que podem influenciar a progressão da doença por inativação de genes supressores, por ativação de genes pró-cancerígenos; fatores ambientais; processos inflamatórios de etiologias variadas.10-12

Quanto às estratégias de prevenção, a vacina contra o HPV é uma estratégia de prevenção primária eficaz. Enquanto o rastreamento é uma estratégia de prevenção secundária, sendo recomendado pelo Ministério da Saúde (MS) a realização do exame citopatológico a partir dos 25 anos de idade até os 64, a cada três anos após dois exames com resultados normais realizados em anos consecutivos.6,11

Diante da presença de lesão de alto grau ou de persistência de lesão de baixo grau no exame citopatológico, a investigação faz-se necessária, lançando mão do exame colposcópico.11 A indicação de biópsia ou excisão da lesão surge após essa avaliação. Biópsia confirmatórias de lesão precursora devem ter como tratamento a excisão da zona de transformação (EZT) ou conização (carcinoma in situ).11

As diretrizes de 2016 sobre o rastreamento do câncer do colo uterino do Ministério da Saúde, trazem como opção o “Ver e Tratar”, que consiste na realização da EZT mesmo sem o resultado de biópsia prévia, recomendado para pacientes com citologia evidenciando lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL), colposcopia com achados anormais maiores, junção escamocolunar (JEC) visível, lesão restrita ao colo e ausência de suspeita de invasão ou doença glandular. Essa estratégia é considerada viável e de boa aceitabilidade, reduzindo o tempo entre a captação da paciente e o tratamento, e levando a menores taxas de perda do seguimento.11

Nos casos de diagnóstico de câncer o tratamento pode variar entre intervenções cirúrgicas, uso de radioterapia/braquiterapia, quimioterapia ou na combinação desses, o que será orientado pelo estadiamento da doença, condições clínicas da paciente e desejo reprodutivo.6

Considerando a relevância epidemiológica do câncer de colo de útero, o presente estudo objetiva analisar os dados acerca dos exames histopatológicos do colo uterino realizados no Distrito Federal, buscando avaliar a razoabilidade do quantitativo de exames, a prevalência das lesões precursoras e das neoplasias malignas. Dessa forma, podendo oferecer subsídio para a otimização das políticas públicas voltadas ao rastreamento e tratamento do câncer na região.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal descritivo, com recorte temporal de 2018 a 2022, realizado através de dados secundários do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), onde os resultados dos exames histopatológicos do colo do útero são registrados em um formulário padronizado nacionalmente para captação dos dados a serem informados.

As seguintes variáveis foram analisadas: incidência das lesões precursoras e malignas por faixa etária; distribuição do tipo de biópsia por unidade de saúde; incidência das lesões precursoras e malignas diagnosticadas por biópsia do colo do útero no período. Sendo as informações extraídas segundo local de atendimento.

O estudo foi realizado com dados do Distrito Federal (DF), que abriga Brasília, a capital administrativa do Brasil. Possui uma área de 5.760,784 Km², população estimada de 2.817.068 pessoas pelo censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo, aproximadamente, 1.462.825 mulheres. O rendimento nominal domiciliar per capita gira em torno de R$ 2.913,00, o maior dentre os estados brasileiros. O seu índice de desenvolvimento humano (IDH) também ocupa a primeira posição, com um índice de 0,814.14

Possui 33 regiões administrativas, que são agrupadas em regiões maiores, seguindo o Decreto nº 37.515 de 26 de julho de 2016, alterado pelo Decreto nº. 38.982, de 10 de abril de 2018. Que instituiu o Programa de Gestão Regional da Saúde (PRS) do Distrito Federal. São elas:15

  • Região Norte: Sobradinho, Sobradinho II, Planaltina, Fercal.
  • Região Central: Asa Sul, Asa Norte, Lago Norte, Varjão, Cruzeiro, Sudoeste/Octogonal, Lago Sul.
  • Região Centro-Sul: Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo I, Riacho Fundo II, Park Way, Candangolândia, Guará, Setor de Indústria e Abastecimento SIA, Setor Complementar de Indústria SCIA/Estrutural
  • Região Sudoeste: Taguatinga, Vicente Pires, Águas Claras, Recanto das Emas, Samambaia.
  • Região Oeste: Brazlândia, Ceilândia.
  • Região Leste: Paranoá, Itapoã, Jardim Botânico, São Sebastião.
  • Região Sul: Gama, Santa Maria.

Destacamos que as unidades sem informações de exames histopatológicos no SISCAN não foram incluídas no estudo.

Os dados coletados foram tabulados no software Excel 2021 e apresentados em gráficos e tabelas. E, por ser um estudo que não envolveu diretamente seres humanos, e utiliza dados secundários de domínio público pertencentes ao SUS, não houve necessidade de submissão e aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), segundo a Portaria nº 466/2012.

RESULTADOS

Quadro 1. Distribuição das unidades de saúde do estudo, segundo o Programa de Gestão Regional da Saúde do Distrito Federal.

Regional de SaúdeRegiões administrativasUnidades de saúde com dados no SISCAN sobre histopatológicos do colo do útero
NorteSobradinho Sobradinho II Planaltina FercalHospital Regional de Sobradinho (HRS) Hospital Regional de Planaltina (HRPL) Policlínica Planaltina
CentralAsa Sul Asa Norte Lago Norte Varjão Cruzeiro Sudoeste/Octogonal Lago SulHospital Materno Infantil Dr. Antonio Lisboa (HMIB)
Centro-SulNúcleo Bandeirante Riacho Fundo I Riacho Fundo II Park Way Candangolândia Guará Setor de Indústria e Abastecimento SIA Setor Complementar de Indústria SCIA/EstruturalPoliclínica Núcleo Bandeirante Hospital Regional do Guará I Policlínica Riacho Fundo I
SudoesteTaguatinga Vicente Pires Águas Claras Recanto das Emas SamambaiaHospital Regional de Taguatinga
OesteBrazlândia CeilândiaHospital Regional de Ceilândia
LesteParanoá Itapoã Jardim Botânico São SebastiãoHospital Regional do Leste Policlínica da Atenção Secundária Paranoá Policlínica de Atenção Secundária de São Sebastião
SulGama Santa MariaHospital Regional de Santa Maria
Unidade da atenção terciária, referência distrital.Hospital de Base do Distrito Federal
Fonte: Sistema de Informações de Câncer (SISCAN)

A Tabela 1 evidencia que quatro unidades de saúde se destacam na realização de procedimentos para exames histopatológicos. São elas, respectivamente: Hospital Regional de Sobradinho (Norte), Hospital Regional de Ceilândia (Oeste), Hospital Materno Infantil Dr. Antônio Lisboa (Central) e Hospital Regional do Leste (Leste). O que sugere serem referências em suas respectivas regionais.

Quanto aos tipos de procedimentos realizados, 2.357 (61,22%) correspondem às biópsias do colo do útero, seguido por conizações com 500 procedimentos (12,98%), 419 EZTs pós-biópsia (10,88%), “Ver e tratar” foram 342 registros (8,88%). Apenas 6 das 15 unidades informaram a realização de EZTs (Tabela 1).

Tabela 1. Tipos de procedimentos para exame histopatológico do colo do útero, segundo unidade de saúde, de 2018 a 2022.

Gráfico 1. Proporção de lesões precursoras em exames histopatológicos, entre 2018 e 2022.

Fonte: Sistema de Informações de Câncer (SISCAN)

Entre as lesões precursoras, classificadas pelo grau de displasia das Neoplasias Intraepiteliais Cervicais (NIC), a mais prevalente foi a NIC III, totalizando 993 exames no período, o que corresponde a 42,36% dos casos, seguida do NIC I com 821 (35,02%), e NIC II, com 530 exames (22,61%) (Gráfico 1). Foram mais prevalentes entre as pacientes de 20 a 59 anos, totalizando 93,67% dos casos, com aumento dos números até a faixa etária de 30 a 39 anos e posterior queda conforme o avanço etário (Tabela 2).

Já as lesões malignas, foram mais prevalentes entre as pacientes de 25 a 69 anos (95,12% dos casos), com pico nas mulheres de 35 a 44 anos (Tabela 3). Foram reportados 146 diagnósticos de carcinoma epidermoide invasivo (53,09%), seguido do epidermoide microinvasivo (14,90%)e do adenocarcinoma in situ (14,2%). Tiveram menores números de resultados notificados o adenocarcinoma invasor e o carcinoma epidermoide “impossível avaliar invasão”, respectivamente, 28 (10,18%) e 21 (7,63%).

Tabela 2. Resultados de lesões precursoras, segundo faixa etária, entre 2018 e 2022.

Entre 60 e 64 anos161,9540,75151,51
Entre 65 e 69 anos91,1020,3880,81
Entre 70 e 74 anos50,6110,19101,01
Entre 75 e 79 anos20,2410,1900,00
Acima de 79 anos00,0000,0020,20

Gráfico 2. Proporção de lesões malignas em exames histopatológicos, entre 2018 e 2022.

Fonte: Sistema de Informações de Câncer (SISCAN)

Tabela 3. Resultados de lesões malignas, segundo faixa etária, entre 2018 e 2022.

Entre 70 e 74 anos00,0064,1100,0000,0000,00
Entre 75 e 79 anos12,4421,3700,0000,0013,57
Acima de 79 anos12,4453,4200,0000,0000,00
Fonte: Sistema de Informações de Câncer (SISCAN)

Fonte: Sistema de Informações de Câncer (SISCAN)

Gráfico 3. Série histórica do número de exames histopatológicos com diagnóstico de câncer do colo uterino, entre 2018 e 2022

Fonte: Sistema de Informações de Câncer (SISCAN)

O Gráfico 3 traz o número de exames histopatológicos com laudo de câncer de colo do útero, no Distrito Federal, entre 2018 e 2022. A linha de tendência demonstra que, analisando o período como um todo, há tendência de aumento da neoplasia saindo de 26 casos (2018) para 49 casos (2022), aumento de 88,46%, com um pico no ano de 2021, com 74 casos notificados via SISCAN.

DISCUSSÃO

Foi identificado que quatro unidades de saúde se destacam na realização de procedimentos para exames histopatológicos do colo do útero. Elas se localizam na Região Norte (Hospital Regional de Sobradinho), Oeste (Hospital Regional da Ceilândia), Central (Hospital Materno Infantil de Brasília) e Leste (HRL). Juntas, totalizam 2.936 procedimentos (81,14%) no período de 2018 a 2022. Já as regiões Centro-Sul, Sudoeste e Sul possuem um quantitativo inferior de procedimentos, sendo 9 unidades, que somam apenas 682 (18,85%) procedimentos em 5 anos, uma média de, aproximadamente, 20 procedimentos ano/unidade.

Nota-se que o Hospital de Base do Distrito Federal possui apenas 1 (um) registro no período. No entanto, é importante enfatizar que se trata de uma unidade de atenção terciária, referência distrital no tratamento clínico-cirúrgico do câncer de colo do útero, portanto, não se dedica ao rastreio e diagnóstico da neoplasia.14,15

Para que se obtenha sucesso na redução da morbimortalidade pelo CCU, é fundamental a detecção precoce da doença, o que se inicia na atenção primária, que deve garantir uma cobertura adequada da colpocitologia oncótica na população de risco padrão (mulheres de 25 a 64 anos, segundo o Ministério da Saúde).13,16

No âmbito da ateção secundária, partindo do princípio da equidade e universalidade, idealmente, os serviços devem ser distribuídos de modo a permitir o acesso amplo e facilitado a todas as mulheres aos procedimentos de biópsia e tratamento de lesões precursoras, quando indicado. As barreiras de acesso aos serviços da atenção secundária, que são geradas pela má distribuição de serviços ou indisponibilidade deles, ou baixa capacidade de absorção da demanda por recursos humanos e/ou insumos insuficientes, incorrem em longas filas de espera, peregrinação das mulheres em busca pelos serviços, por conseguinte, gerando atraso do diagnóstico e tratamento.16,17

Quanto aos tipos de procedimentos para coleta do material para os exames histopatológicos, destacam-se neste estudo as biópsias, procedimento com o propósito de investigação diagnóstica, que podem ser realizadas com o uso pinças para biópsias incisionais (ex.: Pinça saca-bocado, Gaylor-Medina, de Baliu) ou pela biópsia excisional com alça através da cirurgia de alta frequência (CAF).18,19

Já a ezérese da zona de transformação e conização são procedimentos realizados para o tratamento das lesões precursoras, podem ser realizados com o uso de bisturi frio ou também por CAF, sendo essa a técnica mais aplicada para a realização de EZTs.19

A cirurgia de alta frequência está estabelecida na prática clínica como eficaz e de primeira escolha na realização de EZTs, assim como conizações, devido à possibilidade de ser realizada em ambulatório, sob anestesia local, com menor taxa de complicações, como sangramento aumentado, e menor tempo cirúrgico.19,20

Neste estudo, apenas 6 das 15 unidades relataram a realização de EZTs. Isso pode estar relacionado às limitações de acesso aos insumos para realização da cirurgia de alta frequência, como também de profissionais com treinamento específico

Em algumas instituições brasileiras comumente se encontra, nos serviços de saúde do SUS, bisturis elétricos (uso de ginecologia) subutilizados ou sem uso, notadamente pela falta de eletrodos, além de outros acessórios.Dentre possíveis razões, estão a falha na gestão dos recursos ou não acompanhamento das inovações incrementais.19

Foi evidenciado que as lesões precursoras foram mais prevalentes entre os 20 e 59 anos, no entanto, o CCU foi mais prevalente a partir dos 25 até os 69 anos. Essa informação está em consonância com a literatura, que mostra que há elevada prevalência do HPV entre mulheres menores de 25 anos, sendo próxima a 55%,21 no entanto, raros casos evoluirão para CCU antes dessa idade, sendo a maioria diagnosticada após os 40 anos.22 Isso porque é necessária uma longa janela de tempo entre o contágio, que se dá com o início da vida sexual, até a evolução para o câncer, um período de 10 a 15 anos, segundo os estudos de coorte.21-23 Por isso, o início do rastreio é recomendado a partir dos 25 anos.13

Dentre as neoplasias malignas, o diagnóstico mais prevalente foi de carcinoma epidermoide invasivo (53,09%), seguido pelo carcinoma epidermoide microinvasivo(14,90%)e o adenocarcinoma in situ (14,2%). O carcinoma epidermoide microinvasivo possui o melhor prognóstico dentre os apresentados, no entanto, correspondeu a apenas 14,90% dos diagnósticos. O que pode evidenciar um diagnóstico mais tardio, consequentemente levando a piores desfechos clínicos.24,25

O Gráfico 3 mostrou tendência de aumento dos exames com laudo de CCU. Em contrapartida, dados de Sistema de Informações Ambulatoriais mostram uma queda da cobertura de exames citopatológicos de rastreio entre 2012 e 2019, na população de 25 a 64 anos, saindo de 0,63 para 0,17. O cenário foi agravado na vigência da pandemia pela COVID-19, com uma queda de 44% da razão de exames entre 2019 e 2020.26

CONCLUSÃO

No presente estudo foi observado que quatro unidades concentram mais de 70% dos procedimentos para exames histopatológicos em apenas 4 regiões de saúde do Distrito Federal, podendo denotar má distribuição do acesso e pontencial sobrecarga dos serviços. Nota-se também uma tendência de aumento nos casos de câncer de colo de útero, dado que pode estar subestimado devido à possibilidade de subnotificação pelas unidades de saúde do SUS, além de muitas mulheres recorrerem à realização de exames no setor privado devido à dificuldade de acesso. Os diagnósticos em estadios mais avançados podem ter como causa a baixa cobertura de colpocitologias de rastreio. Portanto, faz-se necessária a ampliação do rastreamento colpocitológico na atenção primária e da cobertura vacinal. Na atenção secundária, as unidades de referência devem receber especial atenção do poder público para o recrudescimento do potencial de realização de exames colposcópicos, biópsias e tratamento de lesões precursoras, objetivando a redução da incidência e morbimortalidade do câncer na região.

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Médica Residente do Programa de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional de Sobradinho¹
Médica Preceptora do Programa de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional de Sobradinho²
Médica Residente do Programa de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional de Sobradinho³
Médica Residente do Programa de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional de Sobradinho4
Médico Residente do Hospital Materno Infantil de Brasília5
Médica Residente do Programa de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional de Sobradinho6