PRÉ-NATAL DE ALTO RISCO E DE BAIXO RISCO: QUALIDADE DE VIDA DE GESTANTES ATENDIDAS EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA

High and low risk prenatal: quality of life of pregnant women attended in a reference center

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8375744


Patrícia da Silva Moia1; Adrielly Rodrigues Pinto de Castro1; Ana Maria Virgolino Moraes1; Camilly Moia Tocantins2; Daelen Freitas Pereira3; Everton Benedito Barbosa Monteiro4; Gabrielly Maria Valente Wanzeler3; Hianca Marcela Viana dos Santos3; Josivani Rodrigues Nabiça5; Karen Heloísa Xavier Rocha3; Maria Alessandra Valente Oliveira6; Maria José Chagas de Carvalho1; Paule Almeida da Gama2; Tatiane Pinho Viana1; Waldenira Gonçalves de Menezes3.


RESUMO

Esta obra tem como objetivo avaliar a qualidade de vida das gestantes de alto risco, do Centro de Referência Integral à Saúde da Mulher e da Criança em relação à qualidade de vida nas consultas de pré-natal. Adotou-se como metodologia uma revisão integrativa da literatura, onde apresentou-se como questão norteadora da pesquisa: Qual a qualidade de vida de gestantes de alto risco em comparação com gestantes de baixo risco gestacional? Pesquisa do tipo qualitativa, de cunho descritivo e exploratório, de forma transversal, realizada com nove mulheres grávidas. A coleta de dados seguiu duas etapas, a exploração do campo e a aplicação da entrevista. Para análise dos dados, aplicou-se a análise de conteúdo de Bardin. Entre os principais resultados observados, todas as gestantes apresentam importantes dificuldades, todavia, as de alto risco relatam problemas emocionais e associados ao modelo de cuidado biomédico e socioambiental, visto que descrevem suas dificuldades de chegar ao local de atendimento e, raramente, estão satisfeitas com sua qualidade de vida. Essa relação apresenta a sobrecarga que essas mulheres vivenciam e com as quais, por vezes, acabam por se acostumar. Este estudo nos possibilitou compreender um universo novo cheio de questões sociais, assistenciais e de humanização que precisam de atenção mais detalhada. A enfermagem faz parte desse contexto de forma direta na qual acompanha a gestante em todo o pré-natal, trabalhar com a sociedade em sua integralidade é um desafio diário, mas que nos constrói de dentro para fora na medida em que as vivências se partilham de amor, dor, perdas, vitórias, curas e lágrimas.

Palavras-Chaves: Gravidez de Alto Risco; Gravidez; Qualidade de Vida.

ABSTRACT

This work aims to evaluate the quality of life of high-risk pregnant women, from the Comprehensive Reference Center for Women’s and Children’s Health in relation to the quality of life in prenatal consultations. An integrative literature review was adopted as a methodology, where the guiding research question was: What is the quality of life of high-risk pregnant women compared to low-risk pregnant women? Qualitative, descriptive, and exploratory, cross-sectional research carried out with nine pregnant women. Data collection followed two stages, exploration of the field and the application of the interview. To analyze the data, Bardin’s content analysis was applied. Among the main results observed, all pregnant women present important difficulties, however, those at high-risk report emotional problems associated with the biomedical and socio-environmental care model, as they describe their difficulties in reaching the place of care and, rarely, are satisfied with your quality of life. This relationship presents the overload that these women experience and which they sometimes end up getting used to. This study allowed us to understand a new universe full of social, assistance and humanization issues that need more detailed attention. Nursing is directly part of this context in which it accompanies pregnant women throughout prenatal care. Working with society in its entirety is a daily challenge, but it builds us from the inside out as experiences are shared in love, pain, losses, victories, healings, and tears.

Keywords: Pregnancy, High-Risk; Pregnancy; Quality of Life.

INTRODUÇÃO

A assistência pré-natal desempenha um papel importante na detecção de problemas tanto na saúde materna quanto no desenvolvimento fetal. Contribui para uma gravidez saudável e minimiza os riscos para as mulheres grávidas. O pré-natal pode detectar possíveis doenças no corpo da gestante e anomalias no desenvolvimento do feto. Esse período também é uma oportunidade para as gestantes receberem orientações e tirarem dúvidas sobre os cuidados que necessitam durante a gravidez (Guedes et al., 2022). Em continuidade, é importante pontuar que para a maioria das mulheres, o pré-natal geralmente não consegue prever complicações durante o parto. Contudo, ao concentrarmo-nos na promoção da saúde e na identificação dos fatores de risco, as perspectivas de saúde materna podem ser melhoradas (Sampaio; Rocha; Leal, 2018).

Uma gravidez de alto risco ocorre quando a saúde da mãe ou do feto está em risco. A incidência de gravidezes de alto risco é de aproximadamente 15% e pode estar relacionada com fatores pessoais, determinados fatores socioeconómicos, doenças maternas passadas, experiência reprodutiva passada e/ou estado de gravidez atual. A assistência pré-natal de qualidade desempenha um papel importante na identificação de fatores prejudiciais à gravidez, na avaliação contínua dos riscos da gravidez e na intervenção precoce quando necessário. Neste contexto, é importante compreender as categorias que estão diretamente relacionadas com os estados de saúde e doença (Gadelha et al., 2020). As doenças maternas mais comuns incluem pré-eclâmpsia, eclâmpsia, hipertensão arterial crônica, diabetes gestacional ou pré-existente, prematuridade, isoimunização materna com fatores Rh, como hepatite B e C, e infecções sexualmente transmissíveis. Isto inclui sintomas (Guedes et al., 2022).

A principal política do governo em relação à gravidez foi a implementação da Rede Cegonha, introduzida pelo Decreto Legislativo nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Este compromisso inclui uma série de medidas destinadas a garantir cuidados de qualidade desde o planejamento reprodutivo até aos primeiros dois anos de vida. Crianças no âmbito do Sistema Integrado de Saúde (SUS). A Rede Cegonha consiste em quatro componentes principais: cuidados pré-natais, processo de trabalho de parto, cuidados pós-natais e cuidados infantis abrangentes, e transporte de saúde e sistema regulatório (Brasil, 2011).

A gravidez progride em diversas situações que podem afetar o processo gravídico. Portanto, é importante considerar fatores como histórico pessoal da gestante, história obstétrica, cultura, vida econômica e situação sociodemográfica para poder identificar precocemente os fatores de risco e fornecer o tratamento necessário. Diagnóstico para garantir um resultado perinatal satisfatório (Brasil, 2022). Diante disso, tem-se a seguinte questão norteadora: Qual a qualidade de vida de gestantes de alto risco em comparação com gestantes de baixo risco gestacional? Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida das gestantes de alto risco, do Centro de Referência Integral à Saúde da Mulher e da Criança (CRISMC) em relação à qualidade de vida nas consultas de pré-natal.

METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa do tipo qualitativa, de cunho descritivo e exploratório, de forma transversal. A pesquisa foi realizada no Centro de Referência Integral à Saúde da Mulher e da Criança (CRISMC), localizado no norte do Brasil. O Centro de Referência Integral à Saúde da Mulher e da Criança (CRISMC) possui uma sala específica para o atendimento das gestantes cadastradas no pré-natal. A equipe é composta por: duas técnicas em enfermagem e três enfermeiros(as), sendo um específico para os testes rápidos e sorologias e um médico obstetra. As ações foram realizadas na sala de atendimento supracitada, optando-se pelo período da manhã, levando em conta o horário de acesso ao local de pesquisa e o atendimento para as gestantes de alto risco.

Contou-se com a colaboração de nove gestantes de alto risco que eram acompanhadas pelos enfermeiros nas consultas subsequentes do pré-natal no CRISMC. O estudo foi composto por mulheres grávidas com idade entre 18 a 40 anos, cadastradas e atendidas de forma assídua na Unidade de Referência Materno-Infantil com as seguintes patologias: Ameaça de aborto, Síndrome hipertensiva Específica da Gestação (SHEG), Infecção do Trato Urinário (ITU), Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e Obesidade, que aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Após a qualificação e aprovação do Comitê de Ética e da aprovação da Secretaria Municipal de Saúde, a parte de campo da pesquisa teve início. Para a coleta de dados foi utilizada uma entrevista semiestruturada, com perguntas abertas na qual o investigador teve uma lista de questões ou tópicos para serem preenchidos ou respondidos. Esse roteiro foi dividido em duas partes, a saber: a) perfil sociodemográfico contendo dados pessoais, como: idade, estado civil, escolaridade e a renda familiar; e b) a entrevista – contendo perguntas abertas, visando deixar os questionamentos livres para discorrer a respeito da sua qualidade de vida da gestante e sobre a percepção da mesma acerca da atuação do enfermeiro no acompanhamento do pré-natal de alto risco, como segue.

1ª Etapa – Exploração do campo

O pesquisador tem a necessidade de se inserirem na rotina dos serviços da unidade em estudo, buscando acompanhar a qualidade de vida das gestantes de alto risco e criando um vínculo de confiança para então realizar a entrevista possibilitando, dessa forma, melhor comunicação entre pesquisadores e pesquisadas. Após a prévia ambientação, os pesquisadores informaram as participantes da pesquisa a respeito do tema em estudo e perguntaram se as mesmas concordavam em participar. 

O convite foi realizado através de um ofício expedido pela Universidade Paulista (UNIP), pólo Cametá/PA e as participantes que aceitaram, antes do início do roteiro da entrevista, reuniram-se com os em uma sala disponibilizada pela unidade, tendo em vista um ambiente propício no qual as explicações sobre objetivo da pesquisa foram prestadas e foi entregue o TCLE.

Este foi lido pelas participantes, a assinatura foi acompanhada pelos pesquisadores e uma via ficou com a equipe e a outra com cada uma das participantes. Posteriormente, houve a aplicação do questionário, no qual as respectivas gestantes responderam sobre qualidade de vida no período gestacional e acompanhamento do pré-natal de alto risco, bem como seus conhecimentos acerca do mesmo.

2ª Etapa – Aplicação da Entrevista

Os encontros ocorreram durante nove dias, sendo um dia para cada gestante, mas no primeiro dia houve um encontro com todas as participantes para apresentar a pesquisa e agendar as datas prévias (horários e dias das consultas agendadas na unidade para as gestantes). No segundo encontro houve a aplicação da entrevista em um ambiente privativo, permitindo, assim, a manutenção do sigilo ético exigido. É importante destacar que cada encontro teve estipulado entre 30 e 60 minutos.  

Para manter o anonimato, utilizou-se por substituir o nome das participantes por pseudônimos (adjetivos referentes às grávidas), a saber: Margarida, Jasmim, Rosa, orquídea e Hortência. As entrevistas foram gravadas em aparelhos celulares, com permissão das participantes, para depois serem transcritas e analisadas sendo que esses áudios foram arquivados para consulta e acesso somente dos pesquisadores.

Para uma análise de qualidade frente a interpretação dos dados, utilizou-se a perspectiva da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2016), cuja técnica visa alcançar procedimentos sistemáticos de comunicação como objetivo de descrever o conteúdo das mensagens, permitindo a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas.

Dessa forma, a análise de conteúdo foi composta por três etapas: 1ª) pré-análise; 2ª) exploração do material; e 3ª) tratamento dos resultados. A partir dessa proposta metodológica, busca-se discriminar e reter os textos significativos relativos ao estudo da temática sobre a qualidade de vida das gestantes de alto risco a partir do CEFOPE/DRS no município de Cametá/PA.

As participantes desta pesquisa poderão expor-se a riscos mínimos como: cansaço, desconforto pelas perguntas referentes à qualidade de vida das gestantes, constrangimentos e abalo psicológico. No entanto, o pesquisador deve deixar claro que o sujeito da pesquisa não precisa responder a qualquer pergunta ou parte de informações obtidas e vazamento de dados da entrevista se considerar ser de cunho pessoal ou se sentir desconfortável em responder.

Os benefícios são muitos, uma vez que o estudo permitirá: elucidar a qualidade de vida das gestantes atendidas na unidade – contribuindo assim, tanto para a comunidade quanto para as gestantes, possibilitando o acesso qualificado ao usuário do sistema; na gestação de alto risco, em que a gestante fica restrita para realizar qualquer atividade física em decorrência do repouso absoluto, por exemplo, pode-se realizar aulas de relaxamento focando a respiração – como acontece nas aulas de yoga; por fim, o profissional nutricionista poderia adaptar a dieta e efetuar acompanhamento baseado na realidade dessa gestante (o que refletiria na qualidade de vida, nesse período de tensão devido à gravidez de alto risco).

Antecipadamente, as gestantes que se dispuseram a participar da pesquisa foram orientadas quanto ao objetivo da pesquisa, de forma aberta, e foi requisitada sua permissão e consentimento para as ações. A pesquisa respeitou a Resolução nº 466, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 12 de dezembro de 2012, que zela pelas pesquisas envolvendo seres humanos. Além disso, este estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Paulista e aprovado com CAAE: 58689522.9.0000.5512.

Todas as entrevistadas fizeram leitura e aceitaram assinar o TCLE e se apontou a necessidade de assegurar a manutenção do sigilo e privacidade das participantes por meio do TCLE, assinado pelos pesquisadores e pelas participantes; a escolha do local da entrevista (um ambiente reservado no qual as participantes se sintam bem) e que foram tomados todos os cuidados para que, no momento da entrevista, estivessem apenas os envolvidos na pesquisa. Além disso, respeitou-se que caso a participante não quisesse responder algum questionamento, assim o fizesse – além do direito de desistir da pesquisa a qualquer momento sem punições/prejuízos. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As pessoas que aceitaram participar dessa pesquisa são mulheres cis (pessoas que se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram) e tidas enquanto gestantes de alto risco – aquela na qual a vida/saúde da mãe e/ou do feto têm maiores chances de serem prejudicadas pelo processo gestacional. Para uma melhor compreensão do perfil etnográfico das entrevistas produziu-se um quadro 1 que descreve como as mesmas se percebem a partir de suas realidades – sejam elas emocionais, raciais e/ou de classe. É preciso, no entanto, apontar que as participantes são mais do que seus financeiros e/ou estados civis e o quadro abaixo serve apenas de apoio ao leitor.

Quadro 1 – Dados sociodemográficos das participantes.

VARIÁVEISDADOS%MÉDIA (M)DESVIO PADRÃO (DP)
IdadeEntre 19-38 anos——28 anos5,8
Cor/Etnia08 mulheres Pardas 
01 mulher Quilombola 
8911————
Vícios08 mulheres não possuem
01 mulher é tabagista 
8911————
Escolaridade01 mulher tem Nível Fund. Completo.
01 mulher tem Nível Fund. Incompleto.
03 mulheres têm Nível Médio Completo.
02 mulheres têm Nível Sup. incompleto.
02 mulheres têm Nível Sup. Completo.
1111342222————
Ocupação04 mulheres não trabalham
02 mulheres são Técnicas de Enfermagem
01 mulher é pescadora
01 mulher é Manicure e Artesã
01 mulher não respondeu
4522111111————
Renda 03 mulheres têm menos de 1 Salário-Mínimo
03 mulheres têm entre 1 e 2 SM
03 mulheres têm entre 2 e 3 SM
33,3333,3333,33————
Moradia06 mulheres residem em casa própria
02 mulheres residem em casa cedida
01 mulher reside em casa de aluguel
672211————
Estado Civil05 mulheres em União Estável
02 mulheres são casadas 
02 mulheres são solteiras 
55,522,2522,25
——

——
Filhos04 mulheres estão na 1ª gestação
03 mulheres estão na 2ª gestação 
01 mulher está na 3ª gestação 
01 mulher está na 6ª gestação
44341111————
Problemas na gestação04 mulheres apontam deslocamento de placenta(associado a outros fatores)
02 mulheres apontam Sífilis
02 mulheres apontam Obesidade
01 mulher aponta posição inversa do feto
45
222211
————

Fonte: Elaborado pela autora (2023)

Pode-se observar que a variável idade aponta para uma não padronização de período gestacional, pois se observam grávidas tanto aos 19 quanto aos 38 anos. De acordo com Aldrighi et al. (2016), o Ministério da Saúde expressa que a maternidade após os 35 é considerada de risco para saúde tanto de mãe quanto de bebê, mas é cada vez mais comum que as mulheres adiem esse processo, pois focam “no mercado de trabalho [e] crescimento das oportunidades na educação, [adiando] o planejamento familiar [através de] métodos contraceptivos” (p. 513).  

Já em relação ao item cor/etnia, observa-se um auto desconhecimento sobre o conceito de racialização, pois das nove mulheres entrevistadas, oito apontam ser pardas – um conceito que, segundo Devulsky (2021), aponta que um determinado grupo que é considerado não branco, com “algum grau de mestiçagem (…) visível em algum traço físico peculiar” (p. 11). Assim, as pessoas que não são brancas, também não se percebem enquanto pretas e a única que se autodeclara negra, na verdade usa o termo quilombola – o que não deixa dúvida de que possui conhecimento de pertencimento, mas que se identifica apenas enquanto povo.  

Sobre os vícios, a maioria das entrevistadas (oito mulheres) aponta que não possui qualquer vício, mas uma diz ser tabagista. Segundo Bazotti et al (2016), 10% dos brasileiros gastam dinheiro com tabaco e seus derivados (cigarros, charutos, fumo para cachimbo etc.), sendo a maioria do gênero masculino e, não por acaso, são pessoas com pouca renda e baixa escolaridade. Além disso, esse hábito é mais comum em populações tradicionais, como a indígena e a negra – seja ela quilombola ou não.  

Em relação à escolaridade, observou-se uma disparidade entre as respostas, pois duas participantes se atem ao nível fundamental (completo e incompleto, respectivamente), três apontam ter o nível médio completo e quatro possuem nível superior – sendo duas com superior completo e as outras duas de forma incompleta. Assim, percebe-se que a maioria das entrevistadas (cinco) possui uma educação limitada e técnica, o que é uma consequência constante da estrutura social machista que deixa evidente o descompasso entre a situação de homens e mulheres no sistema educacional brasileiro.  

Sobre a ocupação (radicalmente interligada ao item escolaridades – supracitado), percebeu-se uma dicotomia nas respostas: de um lado, quatro mulheres disseram não ter ocupação, mas do doutro, as profissões foram as mais variadas possíveis, e em vários níveis educacionais. Além disso, é preciso pontuar que uma participante se absteve de responder.  

Observa-se que aquelas que disseram não ter uma ocupação focaram apenas nas relações de mercado de trabalho, ignorando o serviço executado diariamente dentro de suas respectivas moradias. Observa-se, assim, uma auto desvalorização tanto do serviço doméstico quanto da pessoa que o executa (como se não fosse nada), mas para Senicato, Lima e Barreto (2016), são as donas de casas as trabalhadoras mais susceptíveis a sobrecargas e adoecimentos, pois possuem prevalências de doenças crônicas, transtornos mentais e maiores taxas de mortalidade e, infelizmente, constituem a categoria ocupacional mais invisibilizada frente a tudo – inclusive aos tratamentos de saúde. 

Sobre as entrevistadas com ocupações formais, percebe-se uma divisão entre as profissões do cuidar versus as de sobrevivências. Assim, de um lado existem as Técnicas em enfermagem e manicures, que, por mais que vivenciem competências em graus de complexidade distintas, tratam do cuidar dos corpos. Sobre essas, Hirata (2016) aponta que vivenciam a constância do esquecer de si e essa realidade é tão antiga quanto a estrutura social patriarcal que, por muito tempo, reduziu as mulheres ao interior dos lares, restritas ao “trabalho de cuidado” (p. 53).  

Já do outro lado, aparecem às mulheres que se intitulam pescadoras e artesãs que vivenciam uma produção diária e sobrevivem do que ganham pelas mesmas. Sobre estas, além do estigma da pouca educação/letramento, existe a opressão de sua estrutura social/familiar específica: a rural. Para Conte e Balestra (2019), por mais que as temáticas de gênero e opressão não façam parte das conversas cotidianas entre as mesmas, a relação de dependência impostas é percebida e o trabalho braçal é o único meio de minimizar essa realidade.  

O item renda familiar apontou que três participantes vivenciam uma realidade de menos de um salário-mínimo, outras três ganham entre 1 e 2 e as demais recebem entre 2 e 3. Percebe-se que todas as entrevistadas compõem aquilo que o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) aponta enquanto Classe D, sendo consideradas pertencentes à camada mais pobre e, por conseguinte, vulnerável da população brasileira. Para Silva et al. (2020) essa realidade, além de ser a mais comum a per capita do Brasil (que concentra grandes riquezas nas mãos de pouquíssimos) é a que caracteriza a vida nas regiões tanto norte quanto nordeste. 

Por mais que a renda esteja diretamente ligada com a questão da moradia, observa-se que sete das entrevistadas (a maioria, aproximadamente 78%) possuem casa própria, mesmo que uma tenha sido cedida, e apenas duas vivem de aluguel. Segundo Silva (2014) esse fenômeno explica-se pela baixa densidade demográfica da região pesquisada, pois se não há uma disputa acirrada pelo metro quadrados, este possui um preço mais baixo que quando há uma alta densidade demográfica, como é o caso de regiões como Sul e Sudeste, por exemplo.  

Sobre os status civil, observa-se que a maioria das entrevistadas (cinco, o que corresponde a 55,5%) apontou vivenciar a união estável mesmo que uma das entrevistadas tenha usado o termo amasiada. Além disso, duas apontaram serem casas e as outras duas serem solteiras. Por esse tipo de união exigir menos burocracia (e, por conseguinte, menos gastos), acabou por ser mais utilizada principalmente por proporcionar seguridade as (os) cônjuges após separações, como: alimentação, guarda e herança, por exemplo.  

Em relação à prole, observou-se que quatro das mulheres entrevistadas encontram-se na primeira gestação, três estão na segunda, uma está na terceira e a última está na sexta. Bernardi, Féres-Carneiro e Magalhães (2018) apontam que é cada vez mais comum que as pessoas optem pela maternidade de forma mais tardia (mesmo que isso envolve algumas problemáticas, como foi anteriormente apontado por Aldrighi et al. (2016) ou mesmo que optem por não terem filhas(os) seja por estarem preocupados com o nascimento de crianças com malformação ou, como aponta Caetano, Martins e Motta (2016), por não querem viver essa experiência.  

Por fim, levando em consideração os problemas que levaram essas mulheres a serem percebidas enquanto gestantes de alto risco, observou-se que quatro delas (a maioria) relataram vivenciar o deslocamento de placenta, mas sendo associado a outros fatores, como: sangramento e posição do feto, por exemplo. Além disso, duas citaram o fator obesidade; duas, o adoecimento provocado pela Sífilis; e a última, a posição inversa em que o feto foi gerado. Camboim et al. (2017) apontam que, por mais que se considere a gestação algo natural para o corpo da mulher cis, existem alterações que sempre vão ocorrer, como:

“mudanças hormonais, metabólicas e físicas, (…) [e] modificações anatômicas, fisiológicas e bioquímicas. Essas transformações podem ocasionar (…) desequilíbrio funcional na gestante, favorecendo o surgimento de algumas [outras] patologias” (p. 247). 

Adentrando agora a Análise de Conteúdo, seguindo a perspectiva temática de Bardin (2016), observou-se a formação de três eixos temáticos que são agrupamentos de ideias/pensamentos similares (de pessoas diferentes, ou não) com objetivo de apresentar, de forma conjunta, o que mais se destacou e, por conseguinte, foi relevante para a pesquisa. Os eixos foram: (1) Qualidade de Vida (QV) da gestante; (2) Autocuidado da mulher; e (3) Autocuidado da Mãe. Para uma melhor compreensão do leitor, segue uma figura de apoio.

Figura 1 – Apresentação dos Eixos de Análise.

Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

Eixo I – Qualidade de Vida (QV) da gestante

Nesse eixo, observou-se que ao serem questionadas sobre QV, as gestantes dividiram-se em três vertentes: quem possuía QV; quem não possui QV; e aquelas que teriam dúvidas sobre essa vivência. Contudo, ao se analisar as explicações percebeu-se que as justificativas embasavam apenas o sim e/ou o não. Dessa forma, o Eixo I possui dois sub eixos, a saber: a) Qualidade de Vida na gestação e b) Inexistência de qualidade de vida na Gestação. No primeiro, observou-se a formação de quatro categorias: 1) Necessidades Básicas; 2) Cuidados Básicos; 3) Estrutura Social; e 4) Independência motora.  Já o segundo possui três categorias: 1) Ausência de Cuidados Básicos; 2) Limitações da Gravidez; e 3) Inadequação de Estrutura Social. Para uma melhor compreensão do leitor, a seguir existe uma imagem ilustrativa.

Figura 2 – Apresentação do Eixo Temático I

Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

Iniciando a discussão do Subeixo I (Qualidade de Vida na gestação), observa-se que a Categoria I (Necessidades Básicas) aponta que existem ações que são imprescindíveis para a vivência humana, principalmente no período gestacional. Para as entrevistadas, comer bem (comida saudável) e dormir/repousar adequadamente são sinônimos de uma gestação com QV, como segue: “Me alimento bem e durmo bem” (Participante 1).

É importante destacar que o corpo humano é constituído de algumas necessidades básicas na qual segundo Cavalcanti et al. (2019) são “[…] classificadas em cinco categorias principais: fisiológicas, segurança, afiliação (pertencimento), estima e autorrealização” (p. 3). Assim, observa-se a necessidade de manter o equilíbrio do organismo em razão de manter a saúde do indivíduo.  

No entanto, para uma das entrevistadas, a QV associada à alimentação não necessariamente esteja ligada à qualidade da alimentação e sim a sua quantidade de refeições, como segue: “Tenho uma alimentação saudável. Todos os dias almoço, janto e lancho” (Participante 8). 

Observa-se que a fome segue prevalente em algumas partes do mundo, “no Brasil, a desnutrição alcançou até 5,2 milhões de brasileiros no triênio 2015-2017” como afirma Silva et al. (2020). Este delineado crescente atinge gestantes que por sua vez geram aumento dos conceptos nascidos de baixo peso pela carência de nutrientes durante a gestação, esse perfil segue particularmente em adolescentes. 

Em relação à Categoria II (Cuidados Básicos), observa-se a importância dos cuidados biomédicos para o processo de gestação das entrevistadas. Para elas, ter o acompanhamento técnico de medicina, enfermagem, nutrição e afins, é base para um processo saudável, como segue: “Está sendo boa, pois estou seguindo as orientações dos profissionais” (Participante 4). 

A gestante é acompanhada por uma equipe multidisciplinar no seu pré-natal, além disso, obrigatoriamente deve ser acompanhada por um médico da atenção primária. Nesse processo entre médico-paciente é estabelecido um vínculo de afeto, apoio, compreensão, respeito e valorização da vida bem como, gerando confiança e segurança durante os nove meses de cuidado e acompanhamento (Gomes, 2012). 

Além disso, o cuidado familiar (pais, filhos, cônjuge e afins) é tão importante quanto o técnico para essas mulheres, como se pode perceber: “Está boa, porque com esse parceiro (…), ele é mais cuidadoso comigo e com meus filhos” (Participante 9).  Entende-se que a mulher passa por várias mudanças no período gravídico sendo indispensável o apoio do seu companheiro e de sua família. “Nesse contexto, a família é percebida como um sistema de relações contínuas interligadas, instituída por laços de parentesco e por uma rede de apoio social para a sua própria sobrevivência” (Prates; Schmalfuss; Lipinski, 2015). 

A Categoria III (Estrutura Social) diz da sensação de seguridade que as entrevistadas sentem ao declararem que se encontram em casas limpas e com estrutura física segura, como segue: “tenho uma moradia boa” (Participante 2).  

Desde 1980 o conceito de vulnerabilidade dentro do universo em saúde traz definições enquanto ao risco de vida para o indivíduo sobre sua perspectiva social e ambiental. Que define uma população que sofre com a desigualdade por determinação estrutural. “É nesse sentido que se torna possível associar a vulnerabilidade à precariedade no acesso à garantia de direitos, proteção social […] e acesso a serviços e recursos para a manutenção da vida com qualidade” (Carmo; Guizardi, 2018). 

Por fim, a Categoria IV (Independência Motora) diz sobre a satisfação da gestante, mesmo sendo considerada de alto risco, em poder se locomover sozinha: “Consigo fazer as minhas coisas” (Participante 1). Durante a gravidez o desenvolvimento de sentimentos de mãe e filho são diversos, no entanto o instinto protetor de mãe é único e com processo de muitas mudanças e adaptações significativamente desencadeia fatores responsáveis que geram agravos de saúde mental na mulher. Fulano afirma que a depressão é muito comum durante a gravidez, esse transtorno alimenta-se pelas ocorrências negativas do dia-dia e por fatores sociodemográficos (Morais et al., 2017). 

Adentrando agora ao Subeixo II (Inexistência de qualidade de vida na Gestação), observa-se que sua primeira categoria versa sobre a ausência de cuidados básicos a partir da realidade biomédica e o quanto isso afeta a QV da gestante, como pode ser percebido na fala que segue: “só não está melhor, pois até o momento não tenho acompanhamento psicológico” (Participante 2). 

A gestação implica em novas interações afetivas (entre a gestante e o feto), pois envolve sentimentos a partir de “experiencias y percepciones de embarazo; unión en la construcción de la madre y el bebé de contatos e el embarazo y la sexualidade”. Assim, percebe-se que o acompanhamento psicológico é essencial no processo de gestação – principalmente em associação às equipes multiprofissionais da rede de apoio da grávida (Santos; Assis, 2019). 

Em relação à Categoria II (Limitações da Gravidez), percebeu-se que o processo gestacional levou essas mulheres a experimentarem dores e enjoos, assim como processos de limitações – o que aponta para fragilizações e/ou sensações de inutilidade, como segue: “No começo da gravidez tive perda de peso, pelve algia, astenia” (Participante 1), “estou sentido dor agora no final do oitavo mês, mas até o quarto eu sentia muito enjoo” (Participante 5). 

“Está sendo difícil porque sou uma pessoa ativa, sempre trabalhei e estudei ao mesmo tempo e a gravidez está dificultando minha vida profissional e estudantil. Não estou prestando mais concursos, nem formações ou trabalhando. Isso prejudica minha qualidade de vida” (Participante 6).  

Ademais, Camboim et al (2017), aponta-se que por mais que a gestação venha a ser considerado um processo natural para o corpo da mulher cis, a mesma existe adaptações biopsicossociais em um processo hormonal que, por vezes, existe constantes processos de adaptação. Costa (2018) aponta que absolutamente todos os processos de adaptação exigem gastos energéticos psíquicos, pois é necessário sempre justificar a mudança.  

Contudo, uma dessas gestantes aponta esperança de que esse processo doloroso seja finito e que, após o parto, as coisas possam voltar ao normal, como se percebe a seguir: “Mas acredito que depois do parto tudo volte ao normal” (Participante 6).  

Percebe-se nessa fala a esperança de que tudo volte ao normal (uma crença pautada no enfrentamento das adversidades que é base para se pensar a QV), pois o objetivo passa a ser a adaptação diante da adversidade.  Todos os indivíduos trilham essa jornada que é designada de resiliência, um processo que requer a capacidade de se adaptar diante das situações e a preservação da saúde mental como forma de proteção (Steen; Francisco, 2019).  

Por fim, a Categoria III (Inadequação de Estrutura Social) aponta que a QV dessas mulheres é cruelmente atravessada pela falta de estrutura social vinculada a estrutura social das moradias, como segue: “Não tenho uma moradia boa, pois vivo em um cômodo com meu companheiro e meus filhos e o banheiro ainda é aquele que fica do lado de fora da casa” (Participante 9). 

O art. 6º da Constituição Federal é explícito quando aponta que é dever do Estado disponibilizar “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” enquanto direitos sociais (Brasil, 1988). Isso se aplica a toda à população, independentemente de raça, gênero, classe social e afins, mas se percebe que, na prática, a população periférica, e negra, sempre será a mais afetada pelos descasos públicos (Araujo; Caldwell, 2020).

Eixo II – Autocuidado da mulher

Nesse eixo, percebeu-se a formação de dois subeixos: a) (Auto)Cuidados; e b) O fator negativo da gestação. Cada um possui, respectivamente, três categorias e no primeiro encontram-se: (1) Rede de Apoio; (2) Saúde Mental; e (3) Fé. Já no segundo subeixos, as categorias que surgiram foram: (1) Ausência de Rede de Apoio; (2) Saúde Mental; e (3) Invalidez Temporária. Para uma melhor compreensão do leitor, segue uma ilustração de apoio.

Figura 3 – Apresentação do Eixo Temático II

Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

Em relação ao primeiro sub eixo[AutoCuidados) à primeira categoria diz respeito a rede de apoio que ajuda essas gestantes em situação de risco a superar os momentos de frustração e ou medo. Nesse caso, os companheiros foram apontados enquanto base como segue: “Ele é quem me dá forças e apoio nesse momento” (Participante 2); “meu convívio é tranquilo, pois existe entendimento dos dois lados” (Participante 5); e “Ele trabalha o dia todos e sempre pergunta se estou seguindo as recomendações do médico” (Participante 8).  

A assistência ao pré-natal visa o acompanhamento da mulher e de seu companheiro, cabe ressaltar que a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) tem o objetivo de estimular o companheiro a ser presente nas consultas de pré-natal e compreender a importância positiva que gera sua participação no nas consultas durante o período gravídico (Brito et al., 2021). 

A Categoria II (Saúde Mental), por sua vez, aponta o quanto essas mulheres batalham cotidianamente para minimizarem suas situações limites (biopsicossociais) e tentarem se manter emocionalmente saudáveis, como segue: “Eu estou bem. Sigo todas as orientações necessárias” (Participante 1) e “aos poucos vou tentando me controlar, porque sei que o stress está prejudicando sua saúde” (Participante 6).   

Observa-se nessas falas a utilização de estratégias de enfrentamento frente àquilo que lhes desestabilizam, seja isso um agente biológico (como a patologia que enfrentam) ou o desencadeante emocional, como o stress. Logo, essas estratégias vão sendo construídas subjetivamente a partir das demandas cotidianas frente aos desencadeantes de stress e são essenciais para a manutenção da saúde mental.   

Já a Categoria III (Fé), aponta como o lado espiritual é intrínseco aos obstáculos vividos por essas mulheres, pois mesmo quando as mesmas se encontram em situações extremas, buscam nesse viés espiritual por meios de continuar seguindo como segue: “apesar da carga horária de trabalho, Deus me deu forças para continuar” (Participante 7) e “fiquei apreensiva no começa, mas com a ajuda de Deus tudo normalizou” (Participante 8).  

Diante dessa característica tem-se “[…] à fé religiosa, com o intuito de recuperar-se do agravo, o paciente se sentirá mais feliz e com outra disposição para enfrentar a doença, podendo, desta forma, provocar alteração em seu quadro” (Sousa Junior; Teixeira, 2019). A espiritualidade é capaz de manter a paz interior gerando forças para o indivíduo concluir seu cuidado de saúde.  

Adentrando agora o subeixo II (O fator negativo da gestação), observa-se que a Categoria I (Ausência de Rede de Apoio) traz o quanto essas mulheres, por vezes, encontram-se perdidas sem, como segue: “meu emocional está muito abalado e (…) eu não tenho um companheiro” (Participante 3) e “meu emocional está sempre abalado quando se trata de (….) família” (participante 6).   

Dentre as inúmeras mudanças na vida da mulher, as transformações físicas e emocionais geram sentimento de tristeza e solidão na qual exigem mais atenção da rede de apoio. Aceitar a presença da criança na dinâmica familiar e adaptar os vínculos com a família de origem, o parceiro e o entorno são alguns dos obstáculos enfrentados durante esse período de mudança na estrutura familiar (Zanatta; Pereira; Alves, 2017). 

A Categoria II (Saúde Mental) aponta o quanto às entrevistas encontram-se afetadas pela bomba hormonal que a gravidez provoca, assim como pelas patologias adquiridas por elas, e como esses sentimentos as levam a pensar muito sobre a morte e a possível perda de seus bebês, como segue: “cada vez que eu sangro vem o medo de perder mais um bebê e a preocupação em saber se ele está bem” (Participante 2); 

“Estou muito abalada com tudo que estou passando por conta do pré-natal de risco e o diagnóstico de sífilis. (…) No início tive medo de morrer ao contrair o vírus” (Participante 3); ademais, “o mental está muito abalado por conta do diagnóstico (…). não esperava esse diagnóstico. (…) mexeu muito com o psicológico por ficar pensando, imaginando, que eu ia morrer” (Participante 4);

“Não estou bem por conta da gestação. Sinto dores na coluna, cansaço nas pernas e desconforto na barriga. Além disso, sempre penso na cirurgia [cesariana e] preferiria o parto vaginal. Fico aflita e penso que vou morrer (…). Não quero mais ter filhos” (Participante 9). 

Mediante exposto, percebe-se o quanto é comum que gestantes, principalmente as de alto risco, vivenciem sintomas de Transtornos Mentais Menores como ansiedade e depressão, por exemplo (Kliemann; Böing; Crepaldi, 2017). A supracitada ainda aponta que é muito comum que mulheres nesses episódios possuam um histórico de abortos e mesmo que necessitam, de forma extrema, de redes de apoio para fortalecimento do estado emocional.

Por fim, a Categoria III (Impossibilidade Temporária) aponta o quanto essas mulheres, gestantes de alto risco, encontram-se em situações limitantes de tudo. Nessa pesquisa, as principais reclamações giram em torno das abstinências, obrigatórias e por recomendação médica, de atividades físicas, laborais e sexuais como segue: “por recomendações médicas, estou sem vida sexual ativa até completar seis meses” (Participante 2), “Não pratico nenhum tipo de atividade física e me sinto preguiçosa e indisposta para caminhar” (Participante 3) e “desde o primeiro mês de gestação não consigo manter relação sexual. (…) como estou sedentária, estou ganhando muito peso o que está me levando a obesidade” (Participante 6). Ademais, falar que mesmo a gravidez sendo percebida como algo comum, a mesma traz muitos problemas biofísicos.

Eixo III – Autocuidado da mãe

O último eixo possui dois sub eixos, a saber: a) Rede Técnica de Apoio; e b) Dificuldades Técnicas, sendo que esse último dividido em duas categorias, a saber: (1) Incapacidade Técnica no Dispositivo; e (2) Dificuldades Estruturais de Transporte. Como nos outros eixos apresentados, segue uma ilustração de apoio ao leitor.

Figura 4 – Apresentação do Eixo Temático III.

Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

Em relação ao primeiro subeixo (Rede Técnica de Apoio) observa-se que as gestantes possuem muita confiança nas recomendações que recebem de profissionais do dispositivo que frequentam, principalmente no que tange a área de medicina, enfermagem e nutrição como segue: “estou sendo bem avaliada, seguindo as recomendações da enfermagem e do obstetra, em repouso, fazendo as medicações que foram prescritas para o tratamento, os exames necessários e as vacinas” (Participante 1).

Já em relação ao segundo, e último, subeixo (Dificuldades Técnicas), observa-se que a Categoria I (Incapacidade Técnica no Dispositivo), aponta justamente o oposto do que trazido anteriormente, pois aqui as gestantes falam sobre suas frustrações com o tipo de atendimento que recebem no dispositivo: “tem as consultas, mas sem uma dieta, orientações e cuidados em relação à obesidade” (Participante 6).

“Na última consulta com o médico, ele chamou a Técnica de Enfermeira para medir minha barriga. Foi a primeira vez que eles fizeram isso, mas era pra ter sido feito em todas as consultas. Achei que o médico não dava muita atenção talvez por excesso de trabalho. Às vezes eu falava as coisas e ele não dava atenção, não estava ouvindo. Gostei mais da parte da enfermagem: a enfermeira perguntava, anotava. Ela anotou tudo que eu contava no meu cartão” (Participante 5).

“No início tive dificuldade para acompanhamento no centro (…), por não comprovar complicações nas gestações anteriores. [Tinha que ir] à capital do estado, para onde fui encaminhada. Passava mal nas viagens (…) e fazia acompanhamento particular porque passava muito mal também pela idade” (Participante 7). 

  O Sistema Único de Saúde (SUS) é regido por princípios e diretrizes que garantem universalidade ao usuário enquanto acesso ao serviço de saúde. Nesse contexto, “os usuários buscam nos serviços de saúde algo ou alguma ação dos profissionais de saúde que resolva, ou pelo menos minimize, o problema que o levou a procurar aquele serviço” (Gomide et al., 2018).

Por fim, a última categoria (Dificuldades Estruturais de Transporte) apontou para as deficiências de transporte do Estado, que implica em ainda mais fragilizações para os atendimentos dessas gestantes já tão fragilizadas pelas complicações de seus processos gestacionais, como segue: “a minha dificuldade é em morar na zona ribeirinha e tem que pegar transporte até a cidade” (participante 1); “a dificuldade que encontrei foi a física, ao deslocar até o centro (…) de moto e ter que subir escada” (Participante 2); e “devido morar na zona ribeirinha, (…) são muitas horas de viagem, sacolejos, sentada, aguentando dores, calor e fome” (Participante 4). 

Mediante ao contexto geográfico, caracteriza-se como população ribeirinha pela “[…] longa distância em relação aos centros urbanos e a proximidade com a floresta favorecem as atividades econômicas de subsistência, como a pesca, o extrativismo e a agricultura familiar”. As localidades são desprovidas de farmácia, atendimento hospitalar, instituições bancárias e muitas localidades sem energia elétrica, portanto, as gestantes sujeitam-se a deslocar-se para encontrar serviço de saúde (Cabral; Cella; Freitas, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na construção desse manuscrito pode-se observar o quanto as gestantes de alto risco entrevistadas passam por dificuldades, sejam essas biomédicas e socioambiental (as dificuldades de chegar ao atendimento e/ou a qualidade desses) ou emocionais (necessidade de repouso, impossibilidade de seguir com a gravidez e mesmo a ausência de apoio de familiares/amigos). Essa relação apresenta a sobrecarga que essas mulheres vivenciam e com as quais, por vezes, acabam por se acostumar.  

Contudo, as mesmas demonstram como conseguem construir resiliência (fé e acolhimento de familiares) e continuar, mesmo quando pensam que estão muito cansadas. Assim, percebe-se que ao falar sobre Qualidade de Vida (QV), mesmo que as mesmas desconhecem a teoria, essas entrevistadas apontam que a tem, pois em todas as entrevistas é comum perceber que as mesmas apontam o que já trilharam e onde esperam chegar com falas abarrotadas de esperança.  

É preciso, contudo, apontar que o dispositivo que constituiu essa pesquisa precisa ter profissionais mais empáticas(os), pois foi comum perceber descasos por parte da equipe médica (profissionais técnicos(as) envolvidos(as) nas ações de acolhimento das gestantes). Por mais que isso seja sintoma de sobrecargas das(os) profissionais, é preciso destacar o impacto dessas ações em pessoas biopsicossocialmente fragilizadas.  

Este estudo nos possibilitou compreender um universo novo cheio de questões sociais, assistenciais e de humanização que precisam de atenção mais detalhada. A enfermagem faz parte desse contexto de forma direta na qual acompanha a gestante em todo o pré-natal, trabalhar com a sociedade em sua integralidade é um desafio diário, mas que nos constrói de dentro para fora na medida em que as vivências se partilham de amor, dor, perdas, vitórias, curas e lágrimas.

REFERÊNCIAS

ALDRIGHI, Juliane Dias; et al. As experiências das mulheres na gestação em idade materna avançada: revisão integrativa. Revista da Escola de Enfermagem da USP., vol. 50, no. 3. 2016, p. 509-518. 

ARAUJO, Edna Maria; CALDWELL, Kia Lilly. Por que a COVID-19 é mais mortal para a população negra? In: Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO. Grupo Temático (GT) Racismo e Saúde. Brasília. 2020.

BARDIN, L. (2016). Análise de conteúdo. 3ª Edição. Edições 70. Lisboa.

BAZOTTI, Angelita; et al. Tabagismo e pobreza no Brasil: uma análise do perfil da população tabagista a partir da POF 2008-2009. Ciência & Saúde Coletiva., vol. 21, vol. 1. 2016, p. 45-52.

BERNARDI, Denise; FÉRES-CARNEIRO, Terezinha; MAGALHÃES, Andrea Seixas. Entre o desejo e a decisão: a escolha por ter filhos na atualidade. Contextos Clínicos., vol. 11, no. 2. 2018, p. 161-173.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acessado em 10 de setembro de 2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. Manual de gestação de alto risco [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Acessado em 15 de outubro de 2022. 

BRASIL. Portaria nº 1459 de 24 de junho de 2011. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde a Rede Cegonha. Diário Oficial da União; 2011. Acessado em 20 de novembro de 2022.

BRITO, Jaqueline Guimarães Elói, et al. Participação do companheiro da gestante nas consultas de pré-natal: prevalência e fatores associados. Cogitare enferm., vol. 26, n. e75169, 2021.

CABRAL, Ivone; CELLA, Wilsandrei; FREITAS, Silvia Regina. Comportamento reprodutivo em mulheres ribeirinhas: inquérito de saúde em uma comunidade isolada do Médio Solimões, Amazonas, Brasil. Saúde debate, vol. 44, no. 127, 2020.

CAETANO, Carolina; MARTINS, Maristela Santini; MOTTA, Romilda Costa. Família Contemporânea: Estudo de Casais Sem Filhos por Opção. Pensando Famílias., vol. 20, no. 1. 2016, p. 43-56.

CAMBOIM, Josilene de Souza; et al. Patologias que mais acometem as gestantes: Análise Documental. Temas em Saúde., vol. 17, no. 3. 2017.

CARMO, Michelly Eustáquia do; GUIZARDI, Francini Lube. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad. Saúde Pública., vol. 34, no. 3. 2018.

Cavalcanti, Ana Carolina Varandas et al. Terapias complementares no trabalho de parto: ensaio clínico randomizado. Rev. Gaúcha Enferm., v. 40, 2019.

CONTE, Fabiana; BALESTRA, Juliana. A vida da mulher no campo: trabalho e (in)dependência. Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA; Instituto Latino-Americano de Arte, Cultura e História –ILAACH; Curso de História (Licenciatura). 2019. 

COSTA, D. G. C. Trabalho, Prazer e Adoecimento: a ambivalência do cotidiano laboral por trabalhadores afastados. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. 2018.

DEVULSKY, Alessandra. Colorismo. 1 ed. São Paulo: Editora Jandaira. 2021.

GADELHA, Ivyna Pires, et al. Determinantes sociais da saúde de gestantes acompanhadas no pré-natal de alto risco. Rev Rene., vol. 21, no. e42198. 2020.

GOMES, Annatalia Meneses de Amorim, et al. Relação médico-paciente: entre o desejável e o possível na atenção primária à saúde. Rev. Phisy., vol. 22, no. 3. 2012. 

GOMIDE, Mariana Figueiredo Souza et al. A satisfação do usuário com a atenção primária à saúde: uma análise do acesso e acolhimento. Interface, vol. 22, n. 65, 2018.

GUEDES, Helisamara Mota, et al. Gestação de alto risco: perfil epidemiológico e fatores associados com o encaminhamento para serviço especializado. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, vol. 12, no. e4219. 2022.

HIRATA, Helena. O trabalho de cuidado: Comparando Brasil, França e Japão. Ensaios. Revista Internacional de Direitos Humanos., SUR 24., vol.13, No. 24. 2016, p. 53 – 64.  

Kliemann, Amanda; Böing, Elisangela; Crepaldi, Maria Aparecida. Fatores de risco para ansiedade e depressão na gestação: Revisão sistemática de artigos empíricos. Mudanças – Psicologia da Saúde, vol. 25, no. 2, 2017.

SAMPAIO, Aline Fernanda Silva; ROCHA, Maria José Francalino da; LEAL, Elaine Azevedo Soares. Gestação de alto risco: perfil clínico-epidemiológico das gestantes atendidas no serviço de pré-natal da maternidade pública de Rio Branco, Acre. Rev Bras Saúde Mater Infant., vol. 18, no. 3. 2018, p. 559-566. 

SANTOS, Nádia Valéria Moreira; ASSIS, Cleber Lizardo de. Psicologia e gravidez: o papel do psicólogo a partir de uma pesquisa-intervenção junto a mulheres grávidas do interior de Rondônia, Brasil. Integración Académica en Psicología., vol. 7, no. 20. 2019, p. 59-45.

SENICATO, Caroline; LIMA, Margareth Guimarães; BARROS, Marilisa Berti de Azevedo. Ser trabalhadora remunerada ou dona de casa associa-se à qualidade de vida relacionada à saúde? Caderno de Saúde Pública., vol. 32, no. 8. 2016. 

SILVA et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciência Saúde Coletiva., vol. 25, no.9. 2020.

SILVA, Wellington Souza. Densidade demográfica. Centro Universitário Fundação Santo André – FSA. 2014.

SOUSA JUNIOR, Paulo de Tarso Xavier; TEIXEIRA, Selena Mesquita de Oliveira. A importância da espiritualidade no tratamento de pacientes oncológicos: uma revisão de literatura. Revista Interdisciplinar de Promoção da Saúde, vol. 2, n. 1, p. 61-69, 2019.

STEEN; Mary; FRANCISCO, Adriana Amorim. Bem-estar e saúde mental materna. Acta Paul Enferm., vol. 32, no. 4, 2019.

ZANATTA, Edinara; PEREIRA, Caroline Rubin Rossato; ALVES, Amanda Pansard. A experiência da maternidade pela primeira vez: as mudanças vivenciadas no tornar-se mãe. Pesqui. prát. psicossociais, vol. 12, no. 3, 2017.


1Bacharelado em Enfermagem. Universidade Paulista. Pará, Brasil;
2Fonoaudióloga, Universidade da Amazônia (UNAMA). Pará, Brasil;
3Enfermagem, Universidade do Estado do Pará (UEPA). Pará, Brasil;
4Bacharel em Enfermagem, Universidade da Amazônia (UNAMA). Mestrado em Epidemiologia e Vigilância em Saúde, Instituto Evandro Chagas. Pará, Brasil;
5Licenciatura e Bacharelado em Enfermagem, Universidade Federal do Amapá. Pará, Brasil;
6Enfermeira, Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ). Pará, Brasil.