Avaliação do aumento dos quadros de depressão, dE ansiedade e do consumo de drogas psicoativas em pacientes durante e após pandemia do COVID-19

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8368438


Stéfanie Venturini Fanton1
Sarah Cristina Zanghellini Rückl1,2


RESUMO

Do final de 2019 até 2022, o novo coronavírus infectou e provocou a morte de milhares de pessoas em todo o mundo. Para reduzir a disseminação da doença, os governos adotaram diversas medidas, muitas das quais envolveram o isolamento social e a quarentena. A pandemia favoreceu o desenvolvimento e agravamento de transtornos psiquiátricos como transtornos ansiosos, de humor e transtornos por uso de substâncias, tanto de substâncias lícitas como álcool e medicamentos, quanto ilícitas. Os transtornos psiquiátricos são fatores de risco para doenças físicas e o uso indiscriminado de substâncias é um risco para saúde pública, trazendo prejuízos nas esfera social e econômica. O objetivo deste estudo foi descrever o aumento dos casos de depressão e de transtornos ansiosos juntamente com o uso de medicamentos psicoativos durante e após a pandemia do covid-19. Dessa maneira, foi realizada uma revisão integrativa da literatura e selecionados artigos publicados de revistas indexadas nas bases de dados Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine/NLM (MEDLINE) e National Library of Medicine/NLM (PUBMED). De acordo com os resultados, verficou-se que que a pandemia levou ao aumento dos casos de depressão e de ansiedade, além do consumo de drogas psicoativas muitas vezes sem acompanhamento médico adequado. Logo, foi possível concluir a necessidade de novos estudos para melhor compreensão dos danos provocados pela pandemia e implementação de programas de intervenção junto a comunidade na tentativa de diminuir novos casos e promover um melhor acompanhamento dos indivíduos.

Palavras-chave: Depressão, Ansiedade, Drogas psicoativas, Covid-19

ABSTRAT

Since the end of 2019, the new coronavirus pandemic has been infecting and killing thousands of people around the world. To reduce the spread of the disease, governments have taken a number of measures, many of which have involved social isolation and quarantine. The pandemic favored the establishment of disorders or psychopathological problems such as fear, anxiety, depression and panic, and these can cause major damage to physical and mental health. With regard to mental health, the pandemic has increased levels of anxiety and depression, raising the consumption of anxiolytic and antidepressant medications. Many individuals began to use licit and illicit substances, with or without medical supervision, which increases the risk of developing physical and psychological dependence and can generate serious side effects, thus presenting a risk to public health also in the social and economic sphere. Thus, the objective of this study was to describe the increase in cases of depression and anxiety along with the use of psychoactive drugs during and after the covid-19 pandemic. Thus, an integrative literature review was carried out and selected articles published in journals indexed in the Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine/NLM (MEDLINE) and National Library of Medicine/ NLM (PUBMED). The results found were that the pandemic significantly increased the increase in cases of depression and anxiety, in addition to the consumption of psychoactive drugs, often without adequate medical follow-up. Therefore, it was possible to conclude the need for further studies to better understand the damage caused by the pandemic and implement intervention programs with the community in an attempt to reduce new cases and promote better monitoring of individuals.

Keywords: Depression; Anxiety,  Psychoactive drugs, Covid-19

1. Introdução

A síndrome respiratória aguda grave causada pela Covid-19 (SARSCoV-2) foi descoberta em Wuhan na China em dezembro de 2019 e em pouco tempo espalhou-se pelo mundo todo, tornando-se uma emergência internacional (CARDOSO et al., 2021). Essa patologia teve efeitos devastadores em muitos países devido à sua contagiosidade e ao elevado número de pacientes com infecções graves e elevado risco de morte, necessitando de atendimento médico especializado em Unidades de Terapia Intensivos (UTI). Por este motivo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou Emergência Sanitária Global em janeiro de 2020 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2022).

Diante de um acontecimento de Saúde Publica de larga escala como este, causado por um vírus novo, houve a mobilização de esforços em diversas áreas médicas, para assegurar a apropriada providência de equipamentos e leitos nas UTIs.  Autoridades sanitárias e governamentais de todos os países alcançados pela pandemia, passaram a advertir e decretar medidas de quarentena, isolamento ou distanciamento social, e ainda o uso da máscara, lavar as mãos com água e sabão e usar álcool 70% (CAMPOS e COSTA, 2020).

Dessa forma, o isolamento social tornou-se relevante na tentativa de controle da disseminação. Entretanto o confinamento, além de reduzir a propagação da pandemia, teve vários impactos de longo alcance, incluindo a alteração do estilo de vida das pessoas através de medidas de restrições de mobilidade, implementação do trabalho remoto e da proibição de aglomerações de massa (DI DOMENICO et al., 2020).

A imprecisão sobre quantas pessoas contraíram a doença, o medo de se infectar e/ou infectar familiares, a taxa de letalidade, a incerteza sobre a eficácia dos tratamentos, geraram um sentimento de perplexidade e insegurança mundialmente (GALEA et al., 2020; MARAZZITI et al., 2021).

Além disso, a pandemia trouxe diversos acometimentos ao mundo em geral, como: desemprego, fome, medo, morte, a escassez de informações sobre o desfecho e duração da pandemia favoreceu o estabelecimento de desordens ou problemas psicopatológicos como medo, ansiedade, depressão, pânico (FEITOSA e JUNIOR, 2021).

Assim, estudos relataram que desde o início da pandemia, houve um aumento do sofrimento psicológico, sentimentos de angústia e incerteza, medo da morte, desmoralização, ansiedade, insônia, percepções distorcidas, comportamentos perigosos, incluindo aumento do uso de álcool e abuso de substâncias, bem como condutas de dependência de internet, entre uma grande parte de adultos, crianças e adolescentes em todos os lugares (TANG et al., 2020; SCHOU et al.; 2021).

Dessa forma, acredita-se que esta pandemia causou um aumento global em distúrbios como a depressão e a ansiedade, onde foram diagnosticados 53 milhões de novos casos de depressão e 76 milhões de casos de ansiedade em 2020 (ANDRADE et al., 2022).

Segundo Mao, 2020, ansiedade, depressão e delírio foram as manifestações psiquiátricas mais comuns. Entre os grupos mais afetados estavam as mulheres e os jovens, e destaca-se que os países mais atingidos pela pandemia refletiram os maiores aumentos nos registros desses distúrbios (PERETTI-WATEL et al., 2020). Com tudo isso, cresceu a busca por alívio dos sintomas de ansiedade e angústia, por meio de medicamentos. Entretanto, ressalta-se que o emprego indevido e irracional destes medicamentos pode acarretar efeitos deletérios à saúde, como: intoxicações graves, agravamentos de doenças prévias e reações adversas (ANDRADE et al., 2022).

  Sabe-se que constantes aperfeiçoamentos serão necessários para reduzir e tratar as sequelas da pandemia na saúde mental populacional, sendo as implicações do uso excessivo dos fármacos outro grande problema que pode sobrecarregar, ainda mais, o sistema de saúde. Nota-se que os efeitos consequentes da utilização crônica dessas substâncias, por meses ou anos, podem ocasionar dependência química – física ou psicológica – do usuário, sendo que a abstinência acaba prejudicando a vida social, por conta da irritabilidade, à insônia demasiada, mialgia, possíveis convulsões, entre outros efeitos adversos (FONTES et al., 2022; MELO et al., 2022).

Neste contexto, o objetivo deste artigo foi avaliar o impacto da pandemia do Covid-19 nos casos de depressão e de ansiedade e no uso de drogas psicoativas.

2. METODOLOGIA

Para a construção deste artigo, foi realizada uma revisão integrativa da literatura, no qual foram selecionados artigos publicados de revistas indexadas nas bases de dados Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine/NLM (MEDLINE) e National Library of Medicine/NLM (PUBMED) e sites oficiais como o Ministério da Saúde do Brasil e a Organização Mundial de Saúde.

Quanto ao delineamento do estudo, houve duas etapas nas quais foram divididas em: busca por artigos nacionais e internacionais nos idiomas português, inglês e espanhol, utilizando os descritores: depressive disorder, depressive, anxiety, consumption of antidepressants, psychoactive drugs, psychotropy medicines AND COVID-19, sendo encontrados 1.052 artigos ao total.  Posteriormente estes foram avaliados por meio de seus títulos e resumos, tendo como base os critérios de inclusão e exclusão anteriormente estabelecidos.

Os artigos que demonstravam relação ao tema, obedecendo aos critérios, foram adicionados ao estudo. Os textos selecionados para a revisão foram lidos na íntegra, interpretados e elaborou-se uma síntese das informações. Os artigos utilizados foram todos de livre acesso. Foram definidos como critérios para a inclusão no estudo artigos publicadas de 2020 a 2023, que apresentaram um ou mais descritores contemplados e nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram considerados como critério de exclusão trabalhos anteriores ao período pré-determinado de publicação, e aqueles que haviam sido realizados com crianças, adolescentes ou idosos. Após análise foram selecionados 33 artigos.

3. Resultados e Discussão

3.1- Depressão e ansiedade associadas ao covid-19 e uso de psicoativos

3.1.1- Aumento no número de casos de depressão e ansiedade

A depressão é um transtorno mental associado a sentimentos de incapacidade, irritabilidade, pessimismo, isolamento social, perda de prazer, déficit cognitivo (memória e raciocínio ficam prejudicados), baixa autoestima e tristeza, que interferem na vida diária. Ela afeta as capacidades de trabalhar, dormir, estudar, comer, socializar, entre outros. Esse transtorno é caracterizado por sentimentos negativos e que persistem por pelo menos duas semanas, causando prejuízos (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2023). Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, 2023, essa é a principal causa de incapacidade em todo o mundo.

Em relação a ansiedade, Ferreira 2020, a define como um quadro patológico que provoca no paciente uma preocupação exagerada sobre situações do cotidiano nos quais costumam apresentar características de medo e ansiedade em excesso, além de perturbações comportamentais relacionadas. Esta passa a ter preocupações com diversas situações e pensamentos negativos que se apresentam de maneira exacerbada, apresentando os sintomas como fadiga, dificuldades de concentração, irritabilidade, falta de ar, sensação de perigo, aumento ou queda de pressão arterial, mal-estar, entre outros.

A forma como as pessoas reagem em uma situação de crise, como as pandemias, pode variar grandemente, determinando não apenas os cuidados dirigidos a elas, mas também o envolvimento das mesmas na condução de problemas e busca de soluções (MALLOY- MUNIZ et al., 2020).

Diferentes níveis de desamparo, tristeza, frustração e solidão foram registadas e são ainda agravadas pelo autoisolamento/quarentena, falta de diversidade de opções de estilo de vida, desinformação e problemas econômicos, que podem levar a comportamentos mais prejudiciais, incluindo automutilação, suicídios ou a pensamentos suicidas (BHUIYAN et al., 2020). Sabe-se que acontecimentos marcantes estão condicionados a alterações do comportamento, ao se considerar questões psicossociais. Dessa forma, são esperados o crescimento de sentimentos de estresse e inquietação (FEITOSA  e JUNIOR, 2021).

A percepção de risco inerente ao anúncio de uma pandemia pode desencadear mudanças cognitivas e emocionais que preparam os indivíduos para a autoproteção. Li et al.2020, sugerem que em situações como pandemias, é comum o aumento da frequência de emoções e interpretações negativas, comportamento de esquiva e estigmatização de pessoas que apresentam os sintomas, além de aumento na conformidade/obediência as orientações das autoridades. Na atual pandemia, os autores analisaram os termos mais frequentemente usados por internautas usando a rede social Weibo (em amostra de 17.865 usuários), antes e depois de 20 de janeiro de 2020, evidenciando um aumento significativo do uso de palavras relacionadas ao medo, ansiedade e indignação, além do decréscimo do uso de palavras relacionadas as emoções positivas (MALLOY-DINIZ et al., 2020).

Posto que esses eventos podem impelir o aparecimento de condições pré-existentes, sobretudo em indivíduos já acometidos por alguma patologia psicossocial, considera-se o presente período pandêmico como fator de risco para seu desencadeamento. A identificação rápida desses transtornos é importante ao se considerar uma intervenção precoce e eficaz (FEITOSA  e JUNIOR, 2021).

Vários dados foram acumulados sobre os efeitos do confinamento na saúde mental. A quarentena em massa provavelmente aumentou a ansiedade da comunidade, uma vez que aumentou a percepção do perigo, reduziu a sensação de segurança e certeza, causou sentimentos de solidão, imprevisibilidade e falta de segurança e de controle sobre a própria vida (MARAZZITI et al., 2021). Além disso, o isolamento forçado impôs uma mudança drástica no estilo de vida, com a perda de hábitos, atividades de lazer e prazer, vínculos sociais, e alguns indivíduos com a perda do emprego tornaram-se mais propensos ao tédio, à frustração e ao fracasso. Alguns dos primeiros estudos sobre o efeito do confinamento demonstraram um aumento da prevalência de sintomas e perturbações psiquiátricas, especialmente sintomas depressivos, ansiedade e insônia, bem como uma maior necessidade de apoio psicológico (PERETTI-WATEL et al., 2020; MARAZZITI et al., 2021).

Trabalho de HALPIN, 2021, demonstrou que mesmo indivíduos sem morbidade de saúde mental previamente diagnosticada relataram sintomas de ansiedade e depressão pós-covid-19. Um estudo de revisão de Arab-Zozani de 2020 que avaliou pacientes em acompanhamento até 4 meses pós-COVID-19 demonstrou que o sintoma de saúde mental mais frequente foi a ansiedade, com prevalências pós-covid-19 variando de 6,5% a 63%. O segundo sintoma psicológico mais frequente foi a depressão, com prevalências variando entre 4% e 31% no mesmo período de tempo do estudo anterior (SHANBEHZADEH et al.; 2021).

De Graaf e colaboradores, 2021, relataram que a ansiedade e/ou depressão foi maior em pacientes em recuperação de COVID-19 grave e que o tempo de internação se correlacionou com sintomas depressivos. Outro estudo de 2021 relatou uma correlação entre sintomas depressivos e gravidade da doença inicial (SCHOU et al., 2021, ALEMANNO et al., 2021).

Um estudo realizado em 2021, por Mazza que avaliou pacientes após covid-19 descreveu que os principais fatores associados à depressão foram sexo feminino, história psiquiátrica prévia e psicopatologia. Quando avaliado o grupo de indivíduos mais afetados por tais problemas estes foram as mulheres em fase adulta. Anualmente 9,5% das mulheres e 5,8% dos homens são afetados pelo episódio depressivo. O diagnóstico de depressão foi realizado com base nos sintomas relatados pelos pacientes tendo como referência o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e Classificação Internacional de Doenças (CRUZ et al., 2020).

Pesquisa realizada no Brasil, pelo Ministério da Saúde avaliou a situação da saúde mental da população em geral durante a pandemia da COVID-19.  A partir de um questionário on-line, foi realizado um rastreio de transtornos mentais, entre eles; depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. E observou que 74% declararam ter sintomas de ansiedade moderada, 26,8% de depressão moderada e 12,3% em sua forma mais grave, além disso 34,8% dos brasileiros  entrevistados  declaram  ter  passado transtorno de estrese pós-traumático (PIGA et al., 2021).

Desde o começo da pandemia da Covid-19, a prevalência de diagnósticos de depressão ou ansiedade aumentou em quase 50% na população brasileira, chegando a afetar sobretudo, adultos jovens na faixa entre 18-29 anos e mulheres na faixa entre 18-30 anos. Isso foi exposto nos estudos de Piga et al. (2020), Melo et al. (2022) e Lima et al. (2021), realizado em várias regiões do Brasil em 2020, onde destacaram que durante o período de isolamento social em 2020, evidenciou-se aumento de 6,6 vezes no diagnóstico de depressão e 7,4 vezes da ansiedade no país.

Os sintomas relacionados ao estresse (ansiedade e depressão ) e o delírio foram associados a um aumento de aproximadamente 4 vezes nas chances de desenvolver comprometimento neurocognitivo (MENDEZ et al., 2020) e aumento da mortalidade, por isso é importante considerar a reabilitação psiquiátrica para sobreviventes pós-Covid-19 e medidas para fortalecer os fatores de proteção, e ainda um suporte que atue como mecanismos de amortecimento do estresse (SHANBEHZADEH et al., 2021).

3.1.2- Uso de medicamentos psicoativos

Os impactos psicológicos resultantes do estresse abalaram a saúde mental e emocional das pessoas e muitas vezes se apresentaram através de transtornos de humor como depressão e ansiedade (SALARI et al., 2020).

Estudos tem sugerido que em situações de pandemia como a causada pelo   Coronavírus, a incidência destas doenças mentais pode aumentar significativamente, o que tem como consequência o aumento da busca por   tratamentos médicos e medicamentos antidepressivos e ansiolíticos (RIBEIRO et al., 2020).

Conforme Lima (2020), as comunidades mais pobres foram as que mais sofreram com as estratégias políticas do isolamento social, passando a ter maior consumo de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas; assim, como uso incorreto de medicamentos sem prescrições médicas correndo o risco de intoxicação.

Além disso, com o aumento considerável de alterações mentais, cresceu a busca por alívio dos sintomas de ansiedade e angústia, por meio de medicamentos. Os antidepressivos mais usados foram: a fluoxetina, o citalopram, a paroxetina, a sertralina, a fluvoxamina e o escitalopram. O efeito antidepressivo acontece pelos inibidores seletivos da recaptação da serotonina, que atuam evitando a remoção da serotonina da fenda sináptica, localização em que esse neurotransmissor cumpre suas atuações. Assim, a serotonina continua disponível por mais tempo, originando evolução no humor destes pacientes (ANDRADE et al. 2022).

Fontes et al. (2022) e Lima et al. (2021) afirmaram em seus estudos que muitos fatores colaboraram para o progressivo uso de medicamentos pela população brasileira no período de pandemia da Covid-19, como a vontade de aumentar a expectativa de vida, prevenir problemas relativos à saúde, o acesso fácil aos fármacos e o aumento de transtornos de humor determinados por ansiedade e depressão. Uma análise dos dados sobre vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor no Brasil demonstraram que houve um crescimento de 13,8% de janeiro a julho do ano de 2020 quando comparados ao mesmo período no ano anterior (MELO et al., 2022).

É provável, portanto, que a porcentagem de indivíduos que utilizam os fármacos de forma irracional também tenha crescido no Brasil após a pandemia. Essa constatação é pertinente, já que Alves e colaboradores (2021) mostraram que houve um aumento na venda de diversas classes de psicotrópicos no país, como o antidepressivo bupropiona (137%), amitriptilina (41,5%), escitalopram (37,9%) e trazodona (17,4%). Ainda, os mesmos autores perceberam que 15,6% da população consumiu medicamento psicotrópico sem a prescrição médica (ALVES et. al, 2021).

Outro trabalho indicou um aumento de 25% no número de estudantes universitários que começaram a fazer uso de ansiolíticos benzodiazepínicos durante a pandemia da Covid-19, e que 8% destes foram automedicação (FONTES et al., 2022).

O consumo excessivo dos psicofármacos, seja por automedicação ou erro de prescrição profissional, provoca diversas complicações aos indivíduos, com tolerância ao medicamento, intoxicações, farmacodependência e interações indevidas com outros fármacos, conforme descrito por Alves e colaboradores em 2021.

Ao ser analisada a prevalência de sintomas ansiosos, depressivos e de estresse, de acordo com o consumo de psicotrópicos, foi observado maiores prevalências em quem relatou fazer uso tanto de antidepressivos, quanto de ansiolíticos. É importante alertar que pacientes com doenças psiquiátricas e que abusam de substâncias se encontram em grupo de risco para o suicídio. Pessoas que relatam sintomas de ansiedade, situações de insegurança, medo exacerbado, e problemas financeiros associados à Covid-19 também estão sob maior risco de suicídio (MELO et al., 2022).

Sabe-se que constantes aperfeiçoamentos serão necessários para reduzir e tratar as sequelas da pandemia na saúde mental populacional, sendo as implicações do uso excessivo dos fármacos outro grande problema que pode sobrecarregar, ainda mais, o sistema de saúde. Nota-se que os efeitos consequentes da utilização crônica dessas substâncias, por meses ou anos, podem ocasionar dependência química – física ou psicológica do usuário, sendo que a abstinência acaba prejudicando a vida social, por conta da irritabilidade, à insônia demasiada, mialgia, possíveis convulsões, entre outros efeitos adversos (FONTES et al., 2022; MELO et al., 2022).

Somado a isso, a longo prazo, são relatados efeitos como amnésia e disfunção cognitiva. Sabendo que, de modo geral, qualquer medicamento que atue sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) pode causar dependência, o uso irresponsável dos psicofármacos não é diferente, trazendo a dependência psicológica e dificultando ações médicas que corrijam esse problema (NUNES, COSTA e MOROMIZATO, 2020).

4. Considerações finais

Com base nos dados expostos é possível concluir que a pandemia do covid-19 promoveu alterações significativas na saúde mental das pessoas, apresentando um aumento dos casos de depressão, de ansiedade e do uso de drogas psicoativas.

Dessa forma, é necessário programas que visem preservar a saúde mental e ainda alertar e informar a população a respeito do uso indiscriminado de drogas psicoativas.

Além disso, estudos complementares para maior compreensão e tempo de segmento após o covid-19 também são necessários.

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1Curso de Formação em Psiquiatria/Hospital Vida, Londrina/Paraná.
Email correspondente: stefanie_fanton@hotmail.com

2Universidade Federal do Paraná/Departamento de medicina Forense e Psiquiatria