PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E INCIDÊNCIA DE SÍFILIS CONGÊNITA NO ESTADO DO PARÁ ANTES E APÓS A PANDEMIA DA COVID-19

EPIDEMIOLOGICAL PROFILE AND INCIDENCE OF CONGENITAL SYPHILIS IN THE STATE OF PARA BEFORE AND AFTER THE COVID-19 PANDEMIC

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8353286


Octávio Vieira Kishi1
Lucca Oliveira Gonçalves2


RESUMO

Desde a introdução das medidas de saúde pública relacionadas ao COVID-19, as notificações para a maioria das doenças notificáveis nacionalmente diminuíram em comparação com os anos anteriores. Distanciamento físico, restrições de viagem e ênfase na higiene provavelmente afetaram o número de notificações esperadas, com as maiores reduções observadas entre doenças transmitidas por contato pessoa a pessoa, como a sífilis e como consequência a sífilis congênita. O objetivo desta pesquisa consiste em avaliar e comparar a tendência da soroprevalência da sífilis congênita ao longo dos anos pandêmicos, ou seja, 2020, 2021 e dois anos anteriores, 2019, 2018, com o objetivo principal de descobrir as tendências da ocorrência da sífilis congênita no estado do Pará. Verificou-se nos dados analisados que, os casos de sífilis congênita apresentaram redução em todas as regiões do estado do Pará, com destaque para a região do Xingu, que antes da pandemia notificou 81 (4,7%) casos e após a pandemia 34 (2,8%) casos, uma redução de 58%. No geral o estado do Pará apresentou redução de notificações da sífilis congênita em 29,9%. O ano com mais diagnósticos de SC no estado do Pará foi 2019 (2.941 casos) e o menor foi 2021 (2.434 casos), com menos casos do que antes da pandemia. Em tempos de COVID-19 é importante garantir o acesso ao pré-natal, manter para todas as gestantes a oferta de teste rápido ou convencional para sífilis, realizar o seguimento das crianças expostas a sífilis e com sífilis congênita para garantir o acesso seguro e o acolhimento dessas crianças.

ABSTRACT

Since the introduction of public health measures related to COVID-19, notifications for most nationally notifiable diseases have decreased compared to previous years. Physical distancing, travel restrictions, and emphasis on hygiene likely affected the number of expected reports, with the greatest reductions seen among diseases transmitted by person-to-person contact, such as syphilis and, consequently, congenital syphilis. The objective of this research is to evaluate and compare the trend of seroprevalence of congenital syphilis over the pandemic years, that is, 2020, 2021 and two previous years, 2019, 2018, with the main objective of discovering trends in the occurrence of congenital syphilis in the state of Para. It was found in the analyzed data that cases of congenital syphilis showed a reduction in all regions of the state of Para, with emphasis on the Xingu region, which before the pandemic notified 81 (4.7%) cases and after the pandemic reduced to 34 (2.8%) cases, a reduction of 58%. In general, the state of Para showed a reduction in notifications of congenital syphilis by 29.9%. The year with the most CS diagnoses in the state of Para was 2019 (2,941 cases) and the lowest was 2021 (2,434 cases), with fewer cases than before the pandemic. In times of COVID-19, it is important to guarantee access to prenatal care, to maintain the offer of a rapid or conventional test for syphilis for all pregnant women, to monitor children exposed to syphilis and with congenital syphilis to guarantee safe access and reception of these children.

INTRODUÇÃO

A sífilis congênita (SC) é uma doença causada pela transmissão do Treponema pallidum, uma espiroqueta móvel, uma bactéria helicoidalmente enrolada, em forma de sacarolhas, com 6 a 15 micrômetros de comprimento e 0,1 a 0,2 micrômetros de largura que ocorre da mãe para o feto durante toda a gestação (RADOLF, 1996). A SC pode ser dividida em precoce, na qual os sinais e sintomas surgem até os dois anos de vida, ou tardia quando ocorrem após o segundo ano de vida. Os sinais e sintomas apresentados no recém-nascido, dependem do período no qual a mãe foi infectada – ou quando – ela recebeu tratamento para a infecção (WOODS,2005). 

A SC pode causar aborto espontâneo (perda do feto durante a gravidez), natimorto (um bebê nascido morto), prematuridade (um bebê antes de 37 semanas gestacionais), baixo peso ao nascer, ou morte logo após o nascimento. Além disso, a doença pode causar ossos deformados, anemia grave (hemograma baixo), fígado e baço aumentados, icterícia, distúrbios no sistema nervoso como cegueira ou surdez, meningite, e erupções cutâneas (WOODS,2005).

A SC é uma doença de notificação compulsória em território brasileiro desde 1986, o que significa os casos confirmados nas unidades de saúde devem ser notificados através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN.  

No Brasil, na última década, ocorreu uma tendência de aumento na taxa de sífilis adquirida até o ano de 2018, seguida de uma breve estabilidade interrompida apenas em 2020, ano em que foi observado um declínio no número de casos atribuído a pandemia de covid-19. Para a SC, houve um aumento de 2,2 vezes quando comparados os anos de 2015 e 2021 (BRASIL, 2022).

Os casos de sífilis congênita nos EUA diminuíram no início da pandemia de covid-19 em 2020, mas depois aumentaram acentuadamente pelo resto do ano, informaram os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA. O CDC alertou que os dados podem ser uma subcontagem por causa da pandemia. Durante a pandemia, muitos departamentos de saúde redirecionaram os funcionários para ajudar a controlar a covid-19, reduzindo assim o rastreio, e enfatizaram o diagnóstico e o tratamento da sífilis (KUMAR et al., 2022).

Os pesquisadores estimam que a sífilis congênita é um fator complicador em cerca de 1 milhão de gestações a cada ano em todo o mundo (SOARES et al., 2020). A doença contribuiu em grande parte para a morte infantil e foi responsável por 305.000 mortes perinatais em todo o mundo anualmente (ALMEIDA, 2020).

O trabalho em casa e os bloqueios para o controle do covid-19 podem aumentar a prevalência e incidência de Doenças Sexualmente Transmissíveis (hipótese), pois as chances de relação sexual são possivelmente aumentadas devido à disponibilidade e oportunidade, mas isso será decidido por múltiplos fatores relacionados à transmissão da infecção.

O objetivo desta pesquisa consiste em avaliar e comparar a tendência da soroprevalência da sífilis congênita ao longo dos anos pandêmicos, ou seja, 2020, 2021 e dois anos anteriores, 2019, 2018, com o objetivo principal de descobrir as tendências da ocorrência da sífilis congênita no estado do Pará.

MATERIAL E MÉTODOS

TIPO DE PESQUISA

Este é um estudo de pesquisa comparativa mista retrospectiva transversal. Os dados para este estudo foram obtidos da plataforma Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN e previstos por regressão linear para os ajustes necessários.

COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados do banco de dados eletrônico no sistema do DataSus (https://datasus.saude.gov.br/). Foram coletados dados relevantes de soropositividade como para bebês diagnosticados com sífilis congênita por ano no estado do Pará.

PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DOS DADOS

O período de estudo é de 1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2021 (previsto com o software Microsoft Excel usando dados do ano pandêmico de 2020 e dados disponíveis de 2021). Os dados foram coletados continuamente e verificados rigorosamente quanto à especificidade, mensurabilidade, disponibilidade, reprodutibilidade e pontualidade. As informações sobre o número de bebês diagnosticados com sífilis congênita foram coletadas dos registros eletrônicos do SINAN. Os dados foram coletados, observados e analisados com o software Microsoft Office e Stata. Foram incluídos todos os casos de bebês diagnosticados e tratados para sífilis congênita durante o período do estudo de acordo com os registros eletrônicos no SINAN.

Para cada ano em estudo, os números totais de variáveis são levados para análise e comparação. Uma vez que este estudo foi feito exclusivamente para avaliar os impactos da era da pandemia de covid-19 em bebês diagnosticados com sífilis congênita, diferentes agrupamentos relacionados a estes disponíveis no SINAN foram escolhidos. A prevalência de sífilis durante 02 anos pandêmicos (2020 e 2021) é comparada com 02 anos pré-pandêmicos (2018 e 2019).

ASPECTOS ÉTICOS

O presente artigo, bem como os procedimentos adotados ao longo da investigação não precisaram ser submetidos à análise do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, pois não trata de pesquisa envolvendo seres humanos ou animais.  

RESULTADOS

A tabela 1 mostra a distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, por região de saúde de notificação. Verifica-se que os casos de sífilis congênita apresentaram redução em todas as regiões do estado do Pará, com destaque para a região do Xingu que antes da pandemia notificou 81 (4,7%) casos e pós a pandemia reduziram para 34 (2,8%) casos, uma redução de 58%. No geral o estado do Pará apresentou redução de notificações da sífilis congênita em 29,9%.

Tabela 1: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, por região de saúde.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 1: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, por região de saúde.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

*Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

A tabela 2 mostra a distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, por ano de notificação. Verifica-se que houve redução no índice de SC, passando de 38,5 em 2018, para 33,3 casos para cada 100 mil habitantes em 2021. A figura 3 mostra a análise da tendência dos casos ao longo do período. Observa-se que a tendência é de redução nos casos notificados.

Tabela 2: Distribuição dos casos confirmados e índice de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, por ano de notificação.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 2: Distribuição dos casos confirmados e índice de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, por ano de notificação.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 3: Análise da tendência dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará.

Elaboração: Própria do autor (2023).

A tabela 3 mostra a distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a realização ou não do pré-natal. Verifica-se que houve redução no número de mães que realizaram o pré-natal nos anos pandêmicos, uma redução de 28,9%.

Tabela 3: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a realização do pré-natal.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 4: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a realização do pré-natal.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

A tabela 4 mostra a distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a faixa etária. Verifica-se que houve redução no número de casos em todas as faixas etárias, com destaque para a faixa etária de bebês com até 6 dias de idade, uma redução de -29,9%. Entre crianças com idade entre 7 e 27 dias, houve uma redução de -50% no número de notificações.

Tabela 4: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a faixa etária.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 5: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a faixa etária.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

A tabela 5 mostra a distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a realização do tratamento do parceiro. Verifica-se que houve redução no número de casos de SC entre aquelas mães cujos parceiros realizaram tratamento, uma redução de -35,6%.

Tabela 5: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a realização do tratamento do parceiro.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 6: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a realização do tratamento do parceiro.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

*Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

A tabela 6 mostra a distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a classificação final. Verifica-se que houve redução no número de casos de SC recente, uma redução de -26,6%, houve redução também dos casos de natimorto/aborto por sífilis, uma redução de -76,9%.

Tabela 6: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a classificação final.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

Figura 7: Distribuição dos casos confirmados de sífilis congênita, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ocorridos no estado do Pará, segundo a classificação final.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net. *Dados disponibilizados no TABNET em dezembro/2021.

DISCUSSÃO

Verificou-se nos dados analisados que, os casos de sífilis congênita apresentaram redução em todas as regiões do estado do Pará, com destaque para a região do Xingu que antes da pandemia notificou 81 (4,7%) casos e pós a pandemia reduziram para 34 (2,8%) casos, uma redução de 58%. No geral o estado do Pará apresentou redução de notificações da sífilis congênita em 29,9%. O ano com mais diagnósticos de SC no estado do Pará foi 2019 (2.941 casos) e o menor foi 2021 (2.434 casos), com menos casos do que antes da pandemia. Uma redução semelhante de -29% de sífilis congênita foi apontada por Domingues et al. (2020), no estado de São Paulo. Na China a taxa de incidência de SC diminuiu acentuadamente de 69,9 em 2013 para 11,9 em 2019 (DU et al., 2022)

Como a sífilis continua a ser uma doença facilmente tratável, a maioria dos casos de SC é observada em mulheres que não receberam cuidados pré-natais adequados ou receberam tratamento inadequado. Nos Estados Unidos, a taxa de SC estava no ponto mais alto em cerca de 100 casos por 100.000 nascidos vivos em 1991 e, em seguida, diminuiu até 2012 para 334 casos anuais totais (8,4 casos por 100.000 nascidos vivos) (SMULLIN et al., 2021).

No Brasil, segundo o Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), em 2016 foram notificados 20.474 casos de sífilis congênita, sendo 185 óbitos, entre 1998 e junho de 2018 foram notificados 188.445 casos de SC em menores de 1 ano de idade e 2.318 óbitos, evidenciando a importância comunitária dessa doença. Em geral, segundo dados apresentados no Boletim Epidemiológico da Sífilis de 2017, essas crianças são filhas de mães jovens, pardas (56,8%) e de baixa escolaridade (23,2% apresentavam da 5ª à 8ª série incompleta) (BRASIL, 2006a, 2006b).

Durante o período de 2009 a 2019 foram registradas 180.818 notificações de Sífilis Congênita em menores de um ano no Brasil. O ano em que ocorreu o maior número de notificações foi o ano de 2018 com 26.441 casos notificados, possuindo também a maior taxa de detecção correspondendo a 9,0 casos para cada 1.000 nascidos vivos, seguido por 2019 com 24.130 casos (SANTANA; SILVA, 2019).

Discutir todos os aspectos, fisiopatologia, bem como características clínicas, etc. não é possível neste único artigo. A realização de soro-amostragem durante a pandemia de covid19 é bastante difícil quando as viagens e o acesso doméstico são restritos pelas medidas de controle da Covid (DOMINGUES et al., 2020; BACKI et al., 2022). Gestantes e recémnascidos continuam buscando os serviços de saúde durante toda a pandemia devido às suas necessidades especiais. Os testes sorológicos são simples de realizar nas consultas e os testes para sífilis podem ser feitos com os volumes de sangue residuais de amostras coletadas para triagem clínica de rotina para doenças infecciosas maternas e anemia. O planejamento e a prestação de cuidados de saúde pré-natal durante pandemias como a COVID-19 representam desafios logísticos e clínicos significativos (RESENDE et al. 2022).

Segundo Silva (2021) e Formigosa et al. (2022), os fatores que contribuíram para a diminuição inicial na contagem de casos de sífilis congênita incluíram a triagem reduzida, visto que muitas clínicas de saúde fecharam totalmente ou limitaram as visitas presenciais apenas a pacientes sintomáticos. Sales (2022) afirma que muitas gestantes não apresentam sintomas, e a triagem é necessária para o diagnóstico e tratamento oportunos.

Além disso, a diminuição das consultas de rotina de saúde, redução nas consultas de pré-natal, o aumento do desemprego e a perda de seguro de saúde, bem como o kit de teste de DST e a escassez de suprimentos laboratoriais, podem ter reduzido a triagem durante a pandemia (DOMINGUES et al., 2020).

Os recursos foram limitados, pois foram transferidos para ajudar a controlar a propagação da COVID-19. Muitas unidades de saúde redirecionaram a equipe dos esforços rotineiros de vigilância e controle de DST para as atividades da COVID-19. A queda observada nos casos relatados de SC pode refletir desafios na manutenção das principais atividades de monitoramento da SC, incluindo investigação de casos, serviços de parceiros e notificação de casos (BACKI et al., 2022).

Além disso, como a COVID-19 pode se espalhar durante o contato sexual, as medidas de distanciamento social (por exemplo, pedidos de abrigo no local) foram usadas para mitigar a doença. Essas medidas podem ter influenciado os comportamentos sexuais, limitando a atividade sexual ou o número de novos parceiros sexuais, reduzindo assim a disseminação de sífilis. O medo de ser exposto à COVID-19 e o acesso limitado ao transporte público também podem ter afetado os comportamentos sexuais e levado as pessoas com sintomas de sífilis a atrasarem o atendimento (JUNIOR; PASSOS, 2021).

Sobre a realização do pré-natal, verificou-se que 58,5% das mães realizaram o prénatal na fase pré-pandemia e 41,5% fizeram o pré-natal. Uma taxa mais elevada foi encontrada por Resende et al. (2022) no município de Itumbiara, Goiás, quando 61,5% das gestantes fizeram o pré-natal. Essas informações são importantes para evitar oportunidades perdidas no diagnóstico e tratamento da sífilis na gestação, lembrando que o pré-natal é o melhor momento para interromper a transmissão vertical da sífilis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No geral o estado do Pará apresentou redução de notificações da sífilis congênita em 29,9%. Em tempos de COVID-19 é importante garantir o acesso ao pré-natal, manter para todas as gestantes a oferta de teste rápido ou convencional para sífilis, realizar o seguimento das crianças expostas a sífilis e com sífilis congênita para garantir o acesso seguro e o acolhimento dessas crianças.

No contexto das pandemias de COVID-19, o fortalecimento da resposta de emergência aos surtos regionais de COVID-19, a adoção de cuidados clínicos seguros, rápidos, precoces e de alta qualidade para que 100% das gestantes recebam serviços de teste de sífilis no prénatal, garantindo a disponibilidade de tratamento e fortalecendo o manejo em circuito fechado de gestantes e recém-nascidos infectados com sífilis são as principais medidas para determinar a eficácia monitoramento para reduzir a sífilis congênita.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ana Beatriz Machado de. Mortalidade infantil por sífilis congênita na Região Metropolitana de São Paulo. 2020. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

BACKI, Ana Luiza Gay; PEREIRA, Luiz Carlos Gomes; LOCATELLI, Claudriana. Incidência de sífilis na gestação antes e durante a pandemia da COVID-19 no estado de Santa Catarina e sua relação com o IDH. Research, Society and Development, v. 11, n. 15, p. e248111537239-e248111537239, 2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para controle da sífilis congênita: Manual de bolso. Brasília: Ministério da Saúde; 2006a. Acessado em 18 de janeiro de 2023. Secretaria de Vigilância em Saúde. Disponível em:

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. Acessado em 05 de janeiro de 2023. Secretaria de Vigilância em Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-deconteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2022/boletim-epidemiologico-desifilis-numero-especial-out-2022/@@download/file/boletim_Sifilis%202022_internet.pdf.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretrizes para controle da sífilis congênita: Manual de bolso. Brasília: Ministério da Saúde, 2006b. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/10001021676.pdf. Acessado em 18 de janeiro de 2023.

DOMINGUES CSB, Duarte G, PASSOS MRL, Sztajnbok DC das N, MENEZES MLB.

Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: sífilis congênita e criança exposta à sífilis. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2021;30(Epidemiol. Serv. Saúde, 2021 30(spe1)). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1679-4974202100005.esp1

DOMINGUES CSB et al. Sífilis e sífilis congênita em tempos de COVID-19. BEPA. Boletim Epidemiológico Paulista, v. 17, n. 201, p. 65-75, 2020.

DU, Fangzhi; ZHANG, Ruili; WANG, Qianqiu. Eliminating mother-to-child transmission of syphilis: Chinese practice before and during covid-19 pandemics. Chinese Medical Sciences Journal, v. 37, n. 1, p. 67-72, 2022.

FORMIGOSA, Caio de Araújo Corrêa; BRITO, Caio Vinícius Botelho; NETO, Oscar Sampaio Mello. Impacto da COVID-19 em doenças de notificação compulsória no Norte do Brasil. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 35, p. 11-11, 2022.

JUNIOR, José Eleutério; PASSOS, Mauro Romero Leal. COVID-19 and Sexually Transmitted Infections. What are the consequences?. Brazilian Journal of Sexually Transmitted Diseases, v. 33, 2021.

KUMAR, Dr et al. What is the impact of covid-19 pandemic era on Pregnant Women seropositivity for Syphilis among women attending antenatal care in India and number of babies diagnosed with Congenital Syphilis?. Available at SSRN 4020141, 2022.

LANCET, The. Congenital syphilis in the USA. Lancet (London, England), v. 392, n. 10154, p. 1168, 2018.

RADOLF, Justin D. Treponema. Medical Microbiology. 4th edition, 1996.

RESENDE, Karla Pereira et al. A incidência da sífilis congênita no município de Itumbiara,

Goiás, no período de 2015 a 2020: possíveis impactos da pandemia causada pelo SARSCoV-2. Research, Society and Development, v. 11, n. 8, p. e11911829471-e11911829471, 2022.

SALES, Flaviane de Oliveira. Sífilis congênita: uma pandemia além da Covid-19. 2022.

SANTANA, Ana Lívia dos Santos; SILVA, Grazielle Roberta Freitas da. SINAN: instrumento de avaliação da sífilis gestacional no Brasil. 2019.

SILVA, Jéssica Coelho Balmant. SÍFILIS: índices epidemiológicos e controle em duque de Caxias, no Rio de Janeiro, durante a pandemia pelo Covid-19. Revista Brasileira de Biomedicina, v. 1, n. 1, 2021.

SMULLIN, Carolyn et al. A Narrative Review of the Epidemiology of Congenital Syphilis in the United States from 1980–2019. Sexually transmitted diseases, v. 48, n. 2, p. 71, 2021.

SOARES, Karllian Kerlen Simonelli et al. Análise espacial da sífilis em gestantes e sífilis congênita no estado do Espírito Santo, 2011-2018. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29, p. e2018193, 2020.

WOODS CR. Syphilis in Children: Congenital and Acquired. Seminars in Pediatric Infectious Diseases. 2005 Oct;16(4):245–57.


1 Residente do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade, Centro Universitário do Pará (CESUPA) octaviovk@hotmail.com, Belém-Pará

2Mestre em Cirurgia e Pesquisa Experimental pela Universidade do Estado do Pará Telefone