THE INSTITUTIONAL DESIGN OF MUNICIPAL MANAGEMENT OF THE NATIONAL FOOD AND NUTRITION POLICY IN ALAGOAS: A LOOK FROM THE STANDPOINT OF TACKLING OBESITY
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8346593
Maria Kátia Silva de Mélo1
Thatiana Regina Fávaro2
Beatriz Adriele Rocha Teixeira de Souza3
Alan Victor da Silveira Gouveia4
Leiko Asakura5
Carine Conceição Souza dos Santos6
Lúcia Maria Acioli de Brito7
Jonas Augusto Cardoso da Silveira8
RESUMO
Apesar das áreas de alimentação e nutrição (A&N) do setor saúde serem estratégicas no enfrentamento da obesidade nos territórios, tem-se uma significativa lacuna sobre o desenho institucional da gestão municipal da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) nos estados. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever as características da força de trabalho envolvida na gestão da PNAN em Alagoas, identificando as ações setoriais no enfrentamento da obesidade, realizadas pelos municípios e a inserção profissional em espaços intersetoriais de gestão e de controle e participação social. Trata-se de um estudo transversal, realizado entre 12/2020 e 09/2021, cujo o público-alvo foram gestores(as) dos 102 municípios alagoanos responsáveis pela Organização da Atenção Nutricional. Avaliou-se as características demográficas e funcionais dos gestores e o desenho institucional adotado pelo município para a formulação e implementação das políticas e programas na área de A&N no âmbito do SUS e em espaços intersetoriais de gestão. Ainda, questionou-se sobre a inserção de ações de A&N em instrumentos formais de gestão. Dentre as 58 participantes, a maioria era mulher (91,4%), negra (65,5%), nutricionista (84,5%) e com vínculos frágeis (60%); apenas 24% tinham mais de cinco anos na função. Houve baixo envolvimento da área em comitês, comissões e conselhos intra e intersetoriais, expressando-se na baixa inserção de ações de A&N no planejamento em saúde para o município. Portanto, a precarização do trabalho no SUS se estende às esferas de gestão, comprometendo as possibilidades de ação e mobilização da força de trabalho no enfrentamento da obesidade em nível municipal.
Palavras-chave: Gestor em saúde; Avaliação de Recursos Humanos em Saúde; Manejo da obesidade.
INTRODUÇÃO
Em 2015, cerca de 107 milhões de crianças e mais de 603 milhões de adultos estavam com obesidade em todo o mundo, representando cerca 5,0% e 12,0% da população mundial, respectivamente1. No Brasil, a prevalência de obesidade em adultos aumentou em cerca de 10 vezes desde a década de 1970, passando de 2,7% em 1975 para 25,9% em 20192,3.
Assim como em outros países de média e baixa renda, o processo de transição da obesidade no Brasil é resultado das transformações dos ambientes alimentares, proporcionadas pela hegemonização de um sistema alimentar pautado pela produção e comercialização de alimentos ultraprocessados. Por sua vez, este modelo de produção, transformação e distribuição dos alimentos é fruto de movimentos políticos alinhados ao neoliberalismo que fragilizaram os sistemas de governança (ex. lobby do agronegócio e das indústrias de alimentos e o financiamento empresarial da candidatura de parlamentares), facilitando a penetração e a concentração do mercado por companhias transnacionais e dificultando a implementação de políticas públicas estruturais e efetivas de promoção da saúde e prevenção da obesidade4,5,6,7,8,9.
Dentre as diversas consequências desta conjuntura, têm-se a sobrecarga exercida sobre os sistemas de saúde decorrente dos cursos diretos e indiretos da obesidade e de doenças relacionadas. No Brasil, os gastos com hospitalizações, procedimentos ambulatoriais e em medicamentos para a hipertensão arterial, diabetes e obesidade, chegaram a somar em 2018, cerca de R$3,45 bilhões 10. Além disso, a estimativa realizada por Okunogbe et al foi de US $14 bilhões em gastos combinados públicos e privados com saúde, atribuíveis à obesidade para 26 doenças relacionadas à obesidade, havendo assim, um grande incremento, quando comparada a estimativa realizada por Bahia e cols, que era de US $221 milhões em 2010 para gastos 11,12,13.
Dentro da lógica do SUS, a multidimensionalidade da obesidade e de outras doenças crônicas não-transmissíveis se coloca como um grande desafio para a gestão pública, uma vez que existem restrições orçamentárias e limitações legais para o setor saúde poder intervir de modo efetivo sobre a situação. Neste contexto, além das atribuições usuais, a gestão em saúde deve assumir um novo papel de articulação intersetorial, coordenando tecnicamente os processos de trabalho envolvidos na construção de cidades saudáveis.14
Mas, ainda assim, retomando a perspectiva intrasetorial, a gestão municipal deve propor e estabelecer redes de atenção à saúde e linhas de cuidado que atendam às necessidades de saúde das pessoas, segundo as especificidades dos territórios. Portanto, quando pensarmos na integralidade do cuidado, deveremos associar automaticamente a aperfeiçoamento e coordenação do trabalho em equipe.15
A escassez ou má gestão de recursos financeiros e humanos, vínculos profissionais frágeis e poucas oportunidades de educação permanente e continuada para capacitação dos gestores, estão associados a baixa resolutividade da atenção primária na promoção da saúde e na prevenção e na reversão da obesidade. Como consequência desses fatores, tem-se gerado uma demanda aumentada dos níveis secundário e terciário para o tratamento das complicações decorrentes destas doenças, elevando de forma expressiva os gastos em saúde pública 13.
A gestão em saúde, portanto, desempenha papel crucial para todas as etapas de funcionamento do SUS, tendo por propósito primordial a produção de decisões uma vez que se refere a um processo complexo e que envolve qualificação, motivações, interesses, intuição, conhecimentos e habilidades por parte dos gestores 12. O ato de gerir ações em saúde, trata-se, assim, de uma atividade de comando único sobre o sistema de saúde nas esferas municipal, estadual e nacional, exercendo as funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria e a assertividade no processo de tomada de decisão está diretamente ligada com a capacidade técnica e visão política do gestor 16.
Apesar de ser uma área-chave para o enfrentamento do cenário de epidemiológico, atualmente, tem-se uma significativa lacuna sobre as condições de trabalho e a inserção do corpo técnica da área de alimentação e nutrição dentro do setor saúde. A construção de um diagnóstico situacional poderá fornecer caminhos para a qualificação de gestores e gestoras, possibilitando a atuação de forma organizada, efetiva e engajada à responsabilidade social e à democratização do Sistema Único de Saúde 17.
Portanto, o objetivo deste estudo foi identificar as características da força de trabalho envolvida na gestão da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) no Estado de Alagoas, identificando as ações setoriais no enfrentamento da obesidade realizadas pelos municípios e a inserção destes (as) profissionais em espaços intersetoriais de gestão e controle e participação social.
MÉTODOS
Desenho e contexto do estudo
Trata-se de um estudo transversal focado no diagnóstico da gestão municipal da PNAN no Estado de Alagoas. Os dados utilizados são provenientes do eixo “Pesquisa e Desenvolvimento” de um projeto maior intitulado “Enfrentamento e controle da obesidade no âmbito do SUS: processos formativos como estratégia para aprimorar a organização da atenção nutricional em Alagoas”, financiado por meio da Chamada CNPq/MS/SAS/DAB/CGAN nº 28/2019. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (CAAE: 39583620.2.0000.5013) e conduzida de acordo com os princípios éticos descritos na Resolução nº466/2012 e suas complementares (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Saúde).
Alagoas situa-se na região nordeste do Brasil, ocupa uma área de 27.778,506 km² e a população estimada em 2021 foi de 3.365.351 habitantes. O estado é composto por 102 municípios e está dividido em 03 (três) mesorregiões (Leste, Agreste e Sertão). Do ponto de vista da territorialização do SUS, o estado está organizado em 10 (dez) Regiões Sanitárias:
1ª Região (Leste): Maceió (capital), Barra de Santo Antônio, Barra de São Miguel, Coqueiro Seco, Marechal Deodoro, Messias, Paripueira, Pilar, Rio Largo, Santa Luzia do Norte, Flexeiras e Satuba;
2ª Região (Leste): Jacuípe, Japaratinga, Maragogi, Matriz de Camaragibe, Passo de Camaragibe, Porto Calvo, Porto de Pedras, São Luis do Quitunde e São Miguel dos Milagres;
3ª Região (Leste): Murici, Campestre, Colônia Leopoldina, Jundiá, Novo Lino, Branquinha, Ibateguara, Joaquim Gomes, Santana do Mundaú, São José da Laje e União dos Palmares;
4ª Região (Leste): Chã Preta, Mar Vermelho, Paulo Jacinto, Pindoba, Quebrangulo, Viçosa, Atalaia, Cajueiro e Capela;
5ª Região (Leste): Anadia, Boca da Mata, Campo Alegre, Junqueiro, Roteiro, São Miguel dos Campos e Teotônio Vilela;
6ª Região (Leste): Feliz Deserto, Igreja Nova, Penedo, Piaçabuçu, Porto Real do Colégio, São Brás, Coruripe e Jequiá da Praia;
7ª Região (Agreste): Arapiraca, Batalha, Belo Monte, Campo Grande, Coité do Nóia, Craíbas, Feira Grande, Girau do Ponciano, Jaramataia, Lagoa da Canoa, Limoeiro de Anadia, São Sebastião, Taquarana, Traipú, Major Isidoro, Olho d’Água Grande e Jacaré dos Homens;
8ª Região (Agreste): Belém, Cacimbinhas, Estrela de Alagoas, Igaci, Maribondo, Minador do Negrão, Palmeira dos Índios e Tanque d’Arca;
9ª Região (Sertão): Canapi, Carneiros, Dois Riachos, Maravilha, Monteirópolis, Olho d’Água das Flores, Olivença, Ouro Branco, Palestina, Pão de Açúcar, Poço das Trincheiras, Santana do Ipanema, São José da Tapera e Senador Rui Palmeira; e
10ª Região (Sertão): Água Branca, Delmiro Gouveia, Inhapi, Mata Grande, Olho d’Água do Casado, Pariconha e Piranhas.
Segundo o inquérito sobre a vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel) de 2019, a prevalência de obesidade na população adulta de Maceió foi 20% (17,3 – 22,7 IC 95%)18. Ao considerarmos a última edição da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019), as prevalências de excesso de peso e obesidade na região nordeste foram, respectivamente, 55,1% (51,1; 59,1 IC95%) e 17,9% (16,9; 18,9 IC95%)3.
Coleta e gestão dos dados
A coleta de dados para o diagnóstico da gestão municipal da PNAN ocorreu entre dezembro de 2020 e setembro de 2021. O público-alvo da pesquisa foram gestores e gestoras responsáveis pela organização da atenção nutricional dos 102 municípios alagoanos. Apesar do(a) gestor(a) poder ser auxiliado(a) por outros(as) colegas para o fornecimento das respostas, foram considerados como gestor(a) de referência, em ordem de prioridade, aqueles(as) responsáveis por coordenações de Alimentação e Nutrição, Atenção Básica de Saúde/Atenção Primária de Saúde ou outros setores que acumulem tais atribuições.
A mobilização dos potenciais participantes do estudo foi organizada por meio de diferentes estratégias, incluindo a participação em reuniões do Conselho Intergestor Bipartite (CIB), dos dois Comitês Intergestores Regionais (CIR), envio de ofícios às Secretarias Estadual e Municipais de Saúde, contato telefônico com secretários e secretárias municipais de saúde e divulgação da pesquisa por e-mail, redes sociais e aplicativo de mensagens instantâneas em grupos de trabalhadores da saúde.
Antes do envio do link com o formulário eletrônico, estabeleceu-se contato com o(a) gestor(a) a fim de apresentar e esclarecer eventuais dúvidas sobre a pesquisa. No formulário eletrônico, o termo de consentimento livre e esclarecido era apresentado na primeira página e, em caso de aceite, o questionário se tornava disponível para preenchimento.
O instrumento de pesquisa foi um questionário autoaplicável, eletrônico e semiestruturado elaborado pela rede nacional de pesquisadores com projetos aprovados nas Chamadas CNPq/MS/SAS/DAB/CGAN nº 26/2018 e nº 28/2019 e corroborado pela Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde. Estas chamadas se situam na diretriz “Pesquisa, Inovação e Conhecimento em Alimentação e Nutrição” da PNAN.
O questionário foi hospedado na plataforma Survey Monkey (Momentive, Estados Unidos) e composto por três blocos: 1) caracterização do município (localização no estado e porte populacional); 2) caracterização do gestor (sexo, raça/cor da pele, área de graduação, função, tipo de vínculo e tempo no cargo); 3) descrição do desenho institucional adotado pelo município para a formulação e implementação das políticas e programas na área de alimentação e nutrição no âmbito do SUS, além da participação em espaço de gestão intersetorial e de participação e controle social dos setores da saúde, educação, assistência social e segurança alimentar e nutricional. Ainda, questionou-se sobre a inserção da alimentação e nutrição em instrumentos de gestão do SUS nos municípios.
Análises
A fim de contrastar os conjuntos de municípios de acordo com suas características geográficas, econômicas e sociais, os municípios foram agrupados de acordo com o porte populacional (mais de 150 mil habitantes; entre 30 mil e 50 mil habitantes; menos de 30 mil habitantes) e a divisão das mesorregiões (leste, agreste e sertão alagoano). As estimativas foram geradas a partir de estatísticas descritiva no software Stata/SE 15 (StataCorp, TX, EUA).
RESULTADOS
Dos 102 municípios alagoanos, 58 aceitaram participar da pesquisa (em um município o profissional contatado se recusou a participar do estudo e em 43 municípios não se obteve retorno do(a) gestor após cinco tentativas de contato). Entre os municípios incluídos no estudo, 46 eram de pequeno (até 30 mil habitantes), 10 de médio (entre 30 mil e 50 mil habitantes) e 2 de grande porte (mais de 150 mil habitantes, incluindo a capital). Ao consideramos as divisões das mesorregiões, 13 municípios eram do Agreste, 31 do Leste e 14 do Sertão alagoano.
Na Tabela 1, está descrito o perfil demográfico, técnico e funcional dos(as) gestores municipais da PNAN. A maioria das participantes eram mulheres (91,4%), negras (65,5%) e nutricionistas (84,5%). Nesta amostra, a função desempenhada por mais de 55% dos gestores era a de Coordenadora/Referência de Alimentação e Nutrição, seguido da Coordenação da Atenção Básica/Atenção Primária à Saúde (27,6%); ainda, 12% se identificaram com Nutricionistas, as quais desempenhavam suas funções em municípios de pequeno porte. Quanto ao tipo de vínculo e tempo na função, cerca de 60% dos gestores tinham vínculos frágeis, independentemente do porte populacional e da região geográfica do estado, e 50% da amostra atuavam na função entre um e cinco anos; o Leste alagoano, região que incorpora a região metropolitana de Maceió, foi aquela que apresentou o maior percentual de profissionais com mais de cinco anos no exercício da função (35,5%).
Quanto ao envolvimento da área de Alimentação e Nutrição em grupos, comitês, comissões e conselhos, observou-se que a participação foi relativamente baixa (Tabela 2). Dentre os espaços de gestão intersetorial, a menor taxa de participação da área de Alimentação e Nutrição dos municípios ocorreu em relação ao Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE (23,6%); por outro lado, observou-se que a maior taxa de participação ocorreu no grupo de trabalho intersetorial do Programa Saúde na Escola – PSE (53,7%). O envolvimento em conselhos setoriais de participação e controle social foi ainda menor, apenas 28,3%, 13,2%, 11,3% e 7,5% participavam, respectivamente, no Conselho Municipal de Saúde – CMS, Conselho de Alimentação Escolar – CAE, Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS e Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional – CMSAN (Tabela 2). Além disso, 83% das gestoras reportaram que os temas de alimentação e nutrição não faziam parte das discussões realizadas no âmbito das Conferências Municipais de Saúde (dados não apresentados em tabelas).
Em relação ao conjunto de ações desenvolvidas pela área de Alimentação e Nutrição para a prevenção e controle da obesidade nos municípios, observou-se elevada frequência (>70%) entre todas as questionadas. As ações de educação alimentar e nutricional e de prevenção e controle do sobrepeso e obesidade foram aquelas em que os municípios de todas as mesorregiões reportaram realizar com mais frequência (Tabela 3). O envolvimento da área em ações intersetoriais foi maior no âmbito do PSE (90,9%) em relação ao acompanhamento das famílias assistidas pelo Programa Bolsa Família – PBF (70,4%); no entanto, em ambos os casos, houve uma ligeira tendência de redução na frequência destas atividades em função da redução do porte populacional dos municípios (Tabela 3).
Quanto ao incentivo à qualificação, 56% das entrevistadas relataram ter disponibilização de carga horária para participação em atividades de educação continuada e permanente; para as formações voltadas para a prevenção e o cuidado da pessoa com sobrepeso e obesidade, foi relatado que as principais formas eram por meio de eventos de atualização técnica (oficinas e seminários) e pela plataforma UNASUS (dados não apresentados em tabelas).
Este estudo também identificou que somente 16% dos municípios uma Política ou Plano Municipal de Alimentação e Nutrição. Além disso, apenas cerca de metade dos municípios dispunham de protocolos, guias ou manuais próprios voltados para a Atenção Primária em Saúde, sendo que 85,2% das gestoras indicaram a presença de conteúdos relacionados a prevenção e tratamento do excesso de peso em adolescentes, adultos, idosos e crianças nestes documentos (dados não apresentados em tabelas).
Por fim, nossos resultados indicaram uma baixa inserção da agenda de alimentação e nutrição nos diversos instrumentos de gestão do SUS. No entanto, ao considerarmos os recortes populacionais, observa-se que quanto menor o porte, menor foi a frequência da previsão das ações de alimentação e nutrição nos instrumentos de planejamento setorial (Figura 1).
DISCUSSÃO
O presente estudo possibilitou conhecer o perfil dos gestores da área de Alimentação e Nutrição das secretarias municipais de saúde de Alagoas e as estruturas de gestão das ações relacionadas à alimentação e nutrição no contexto do enfrentamento da obesidade em Alagoas. Este foi o primeiro estudo com abrangência estadual a tratar da organização das ações de alimentação e nutrição em Alagoas e um dos poucos que se debruçou sobre esta ótica e com abrangência estadual no Brasil19,20,21.
Este estudo evidenciou que as mulheres (e negras) eram maioria na gestão das ações de alimentação e nutrição nos municípios alagoanos investigados, fato que também foi observado em outros estudos20,21. Considerando que 84,5% das gestoras eram nutricionistas, tal resultado ocorreu dentro do esperado, uma vez que, segundo o último levantamento do Conselho Federal de Nutrição realizado em 2021, 94,1% das nutricionistas são mulheres22. Apesar deste dado corroborar a presença crescente da mulher em cargos de gestão, ocupando cada vez mais espaços que antes eram estritamente masculinos, é importante salientar que nem sempre a expectativa estatística é refletida na realidade. Levantamento recente feito pela Organização Mundial da Saúde identificou que, apesar de as mulheres representarem cerca de 70% da força de trabalho global, apenas 25% ocupam cargos de gestão23.
Quanto aos vínculos funcionais, foi identificado que a maior parte das respondentes estavam lotadas em cargos de gestão. Apesar do público-alvo do estudo ser gestores(as) de ações de alimentação e nutrição, notou-se que 12,1% das respondentes declararam seu vínculo como “nutricionistas” nos municípios. Apesar de não termos mais dados para explorar esse aspecto em particular, a experiência com pesquisa e extensão em nutrição em saúde pública nos permite hipotetizar que a função primária destas servidoras nos municípios é na assistência, destinando pequena parte de sua carga horária para responder às demandas da gestão. Outro achado relevante foi que menos da metade das profissionais envolvidas na gestão eram servidoras públicas concursadas e que apenas ¼ das gestoras estavam a mais de 5 anos na função.
A construção deste cenário de gestores(as) com pouco tempo de experiência e submetidos a vínculos frágeis – quando não improvisados – e instáveis pode representar uma barreira no entendimento das especificidades referentes a execução de políticas públicas, inclusive na compreensão dos agentes políticos envolvidos nas diferentes esferas de decisão19. Trata-se de um achado muito relevante do estudo, pois ele indica que a fragilização da força de trabalho no SUS não está apenas na assistência, mas também nos espaços de gestão. As trocas da Administração Pública e os desgastes políticos durante os interstícios de quatro anos representam uma ameaça constante ao fortalecimento das estruturas gerenciais no SUS24.
Outro potencial problema ligado à fragilidade dos vínculos pode estar refletido no engajamento e participação destas gestoras em comissões e conselhos. A participação das coordenações de alimentação e nutrição em conselhos e outras instâncias deliberativas são ações extremamente relevantes, pois a partir delas é possível conhecer, entender e analisar as necessidades de saúde da população através dos mais importantes olhares: os dos usuários do SUS. Tal afastamento limita ou impede que a agenda da prevenção e do cuidado da pessoa com sobrepeso e obesidade ganhe escala dentro dos municípios, como pode ser observado a partir dos resultados referentes à inserção da temática nos instrumentos formais de planejamento e gestão do SUS.
Por outro lado, nota-se que nos municípios de grande porte (Maceió e Arapiraca), as metas de alimentação e nutrição estavam presentes no Plano Plurianual, na Programação Anual de Saúde, no Plano Municipal de Saúde e nos Relatórios de Gestão, fato que pode estar ligado ao nível de estruturação do município (vínculo, tempo de trabalho e consolidação da área)25.
Diversos são os desafios no enfrentamento da obesidade, onde as principais ações desenvolvidas para esta finalidade deveriam atuar visando afetar diretamente condutas não só individuais como coletivas, envolvendo diversos seguimentos da sociedade e objetivando especialmente a ampliação do acesso à informação continuada e adequada sobre alimentação.
Nesse estudo foi observado que os temas relacionados ao enfrentamento do sobrepeso e obesidade estavam frequentemente presentes nas ações de alimentação e nutrição desenvolvidas nos municípios. Contudo, uma limitação sobre este achado está na ausência de informações sobre a frequência, abrangência e as abordagens adotadas no desenvolvimento destas ações26.
Apesar da taxa de resposta de ~60%, nossa amostra foi capaz de reproduzir a distribuição dos municípios em Alagoas segundo o porte populacional e mesorregiões. Inicialmente, atribui-se a ausência da totalidade de municípios na adesão à pesquisa devido a aplicação dos questionários durante o período da pandemia de Covid-19, quando muitas equipes foram remanejadas para atender as demandas relacionadas à crise sanitária. Outros fatores que podem ter contribuído foram a fragilidade dos vínculos de trabalho, o baixo grau de organização das ações de alimentação e nutrição nas secretarias de saúde e o acúmulo de funções das referências municipais de alimentação e nutrição. Especificamente quanto a este último item, o que se observou foi a presença de profissionais da APS (geralmente, nutricionistas) que se desdobram fazendo a gestão das ações de alimentação e nutrição nos municípios, ou então, uma única pessoa responsável pela gestão de diversas políticas, programas e estratégias.
Este índice de retorno foi semelhante ao encontrado por outros estudos que abordaram gestores da saúde, como foi o caso de Arcari et al no Rio Grande do Sul (59,8%), Luna no Mato Grosso (52,5%) e superior ao encontrado por Souza em Minas Gerais (40,0 %)21,27,28.
Portanto, o perfil do gestor que estava atuando à frente das ações de coordenação de alimentação e nutrição municipais era composto, em sua maioria, por mulheres, pardas, graduadas em nutrição, contratadas temporariamente e atuando a menos de 5 anos na função. Além disso, as pautas e ações relacionadas à alimentação e nutrição, não estavam presentes na maioria dos instrumentos de gestão, demonstrado pouco preparo da gestão na proposição e efetivação dessas ações de prevenção e controle da obesidade em Alagoas.
Por esse motivo, visando buscar a melhoria na qualidade das ações nos municípios, seria necessário oferecer condições de trabalho com vínculos sólidos, apoio da gestão central, além de qualificação desses gestores, especialmente, no campo político, a fim de promover as agendas da área. Também é preciso fortalecer junto a gestão municipal o papel da coordenação de alimentação e nutrição, enfatizando a importância dessas ações de alimentação e nutrição na melhoria das condições de saúde da população.
AGRADECIMENTOS
À toda equipe do projeto e ao CNPQ pelo financiamento.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
A autora Maria Kátia Silva de Mélo realizou seu TCC, o qual deu base para o artigo. Apoiou desde o planejamento da pesquisa e na coleta e análises e dos dados, assim como na redação do artigo. Os autores Thatiana Regina Fávaro e Jonas Augusto Cardoso da Silveira atuaram com orientadores do trabalho, apoiaram no planejamento do estudo, orientaram a coleta de dados e apoiaram na análise dos dados e redação do artigo. Os autores: Beatriz Adriele Rocha Teixeira de Souza, Alan Victor da Silveira Gouveia, Leiko Asakura, Carine Conceição Souza dos Santos e Lúcia Maria Acioli de Brito, participaram das coletas, análise dos dados obtidos e redação do artigo.
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Tabela 1. Caracterização dos gestores responsáveis pelas ações de Alimentação e Nutrição nos municípios do Estado de Alagoas de acordo com o porte do município e divisão por mesorregiões
Tabela 2. Análise da participação da área de Alimentação e Nutrição em processos decisórios de planejamento e gestão, nos municípios alagoanos.
Tabela 3. Frequência de temas relacionados a área de Alimentação e Nutrição em ações dos municípios de Alagoas.
Figura 1. Presença das ações de alimentação e nutrição em instrumentos de planejamento e gestão do SUS nos municípios do Estado de Alagoas.
1Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3041-4381
2Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7275-3245
3Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8873-4428
4Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0473-0409
5Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3782-2182
6Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0504-7401
7Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas. Maceió, Alagoas, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8855-2595
8Departamento de Nutrição, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3838-6212