COMPLICAÇÕES OBSTÉTRICAS E NEONATAIS ASSOCIADAS À CANDIDÍASE VULVOVAGINAL EM GESTANTES

OBSTETRIC AND NEONATAL COMPLICATIONS ASSOCIATED WITH VULVOVAGINAL CANDIDIASIS IN PREGNANT WOMEN

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8345298


Bruna Thayná Lisboa dos Santos¹
Letícia Maria Vanderlei de Magalhães Soares¹
Larissa Isabela Oliveira de Souza²


RESUMO        

A colonização por fungos do gênero Candida em gestantes pode estar ligada a complicações na gestação, no parto e com o neonato. O objetivo deste estudo é avaliar as complicações obstétricas e neonatais decorrentes da candidíase vulvovaginal (CVV) em gestantes e as diversas formas de prevenção e tratamento. Foi realizada busca ativa no PubMed e Scielo utilizando os descritores Candida, candidiasis, “obstetric and neonatal complications” e “candidiasis in pregnant women” foram utilizados de forma isolada e em associação. Foram considerados para inclusão os artigos dos últimos dez anos em português e inglês; de estudos originais e revisões sistemáticas. Foram excluídos os artigos repetidos e que não estavam disponíveis de forma gratuita. A CVV emerge como uma preocupação significativa durante a gestação, especialmente em mulheres com fatores de risco como diabetes gestacional e disbiose. A interligação entre a colonização por Candida spp. e complicações obstétricas, como parto prematuro e ruptura prematura de membranas, destaca a importância de um diagnóstico precoce e tratamento adequado para garantir resultados maternos e neonatais positivos. Portanto, uma abordagem que leve em consideração essas múltiplas facetas é essencial para mitigar o risco de complicações decorrentes da CVV em gestantes e neonatos. A compreensão aprofundada dessas relações entre Candida spp., gestação e desfechos obstétricos e neonatais permite direcionar medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas, visando a saúde materno-fetal.

PALAVRAS-CHAVE: Candidíase vulvovaginal. Gestantes. Neonatais. Candida sp.

ABSTRACT

Colonization by fungi of the genus Candida in pregnant women may be linked to complications during pregnancy, childbirth and the newborn. The objective of this study is to evaluate the obstetric and neonatal complications resulting from vulvovaginal candidiasis (VVC) in pregnant women and the different forms of prevention and treatment. An active search was carried out in PubMed and Scielo using the descriptors Candida, candidiasis, “obstetric and neonatal complications” and “candidiasis in pregnant women”, which were used separately and in combination. Articles from the last ten years in Portuguese and English were considered for inclusion; of original studies and systematic reviews. Repeated articles that were not freely available were excluded. VVC emerges as a significant concern during pregnancy, especially in women with risk factors such as gestational diabetes and dysbiosis. The interconnection between colonization by Candida spp. and obstetric complications such as premature birth and premature rupture of membranes, highlights the importance of early diagnosis and appropriate treatment to ensure positive maternal and neonatal outcomes. Therefore, an approach that takes into account these multiple facets is essential to mitigate the risk of complications resulting from VVC in pregnant women and newborns. The in-depth understanding of these relationships between Candida spp., pregnancy and obstetric and neonatal outcomes allows directing preventive, diagnostic and therapeutic measures, aiming at maternal-fetal health.

KEYWORDS: Vulvovaginal candidiasis. Pregnant women. Neonates. Candida

1  INTRODUÇÃO

O gênero Candida é responsável pela maioria das infecções humanas causadas por fungos, especialmente, as infecções oportunistas. Infecções por esse gênero são chamadas de Candidíase. Os membros desse gênero incluem Candida albicans a mais frequente, a Candida glabrata resistente a medicamentos, a nova ameaça global à saúde pública Candida auris e outras espécies emergentes, como Candida tropicalis, Candida parapsilosis e Candida krusei (CHEW; THAN, 2016; LOPES; LIONAKIS, 2022).

A candidíase vulvovaginal (CVV) ocorre devido à proliferação excessiva de fungos pertencentes ao gênero Candida na mucosa do trato reprodutivo feminino inferior. Dentre os fatores de risco predisponentes para CVV estão relações sexuais, uso prolongado de antibióticos, gravidez, diabetes e estados imunossupressores decorrentes de condições como HIV (FREITAS et al., 2020). 

A CVV é a infecção humana por Candida mais prevalente, afeta cerca de 75% de todas as mulheres pelo menos uma vez na vida. Além disso, a CVV recorrente (definida como mais de 3 episódios/ano) acomete quase 8% das mulheres em todo o mundo (AHMED et al., 2020). Além disto, a incidência de infecção por Candida spp. em gestantes é alta, cerca de 40% das gestantes podem ter candidíase, duas vezes mais elevada do que a taxa em mulheres que não estão gestantes (PEREIRA et al., 2022; WILLEMS, 2020).

A colonização por Candida em gestantes ocorre devido alterações metabólicas e hormonais, como altos níveis de glicogênio e estrogênio, que causam mudanças na microbiota trato genital feminino, tornando a vagina vulnerável a diversas e múltiplas infecções (SUÁREZ et al., 2018; BAGGA; ARORA, 2020).

Sintomas como corrimento vaginal, dor, prurido e disúria, são comumente associados à CVV, porém são inespecíficos e podem estar atrelados a uma variedade de outras infecções vaginais (GONÇALVES et al., 2016). As gestantes são mais propensas do que as mulheres não gestantes a desenvolver candidíase de forma sintomática, porém é válido destacar que a infecção pode ocorrer antes ou no início da gravidez, de forma assintomática e ainda permanecer sem ser detectada (AGUIN; SOBEL, 2015; ROBERTS et al., 2015).

O diagnóstico é comumente determinado de acordo com os sinais e sintomas clínicos da paciente, mas também são observadas as características da secreção vaginal. Contudo, visto que os sintomas não são específicos, exames laboratoriais como análise microscópica da secreção e cultura de secreção vaginal para confirmação da espécie do microrganismo, são indispensáveis para um correto diagnóstico, além de contribuírem no direcionamento para um tratamento eficiente (SCHALKWYK et al., 2015; DUARTE; FARIA; MARTINS, 2019).

Em mulheres com candidíase vulvovaginal, o tratamento recomendado geralmente é a utilização de agentes antifúngicos tópicos ou uma dose de 150 mg de fluconazol oral, porém, este último é frequentemente preferido pelas pacientes devido a conveniência de tomar uma única dose via oral. Entretanto, o uso de fluconazol por gestantes durante o primeiro trimestre foi associado a malformações musculoesqueléticas no bebê, por isso, deve ser utilizado com cautela durante a gestação (ZHU et al., 2020).

A colonização por Candida em gestantes pode estar ligada a complicações na gestação, no parto e com o neonato. Dentre as complicações obstétricas e neonatais associadas à CVV estão: parto prematuro, baixo peso do bebê ao nascer, candidíase congênita e corioamnionite (PEREIRA et al., 2022). A falta de diagnóstico precoce e tratamento adequado durante o pré-natal podem ser fatores que contribuem com essas implicações (PEREIRA et al., 2022). Existem evidências que o acompanhamento e a erradicação da candidíase durante a gravidez podem reduzir o risco de complicações (HAY; CZEIZEL, 2007).

Desse modo, buscaram-se respostas para a seguinte questão norteadora: Quais as complicações obstétricas e neonatais que são causadas pela candidíase vulvovaginal em gestantes? Desta forma, o objetivo geral deste estudo foi realizar uma revisão de literatura sobre as complicações obstétricas e neonatais associadas a CVV em gestantes.

2  METODOLOGIA

Foi definida a questão norteadora utilizando a estratégia PICO (LIRA; ROCHA, 2019), na qual, representa-se: a população/problema (P) gestantes com candidíase vulvovaginal, a intervenção (I) diagnóstico precoce e tratamento com antifúngicos, comparação ou controle (C) gestantes com CVV e sem, e por fim, outcomes ou resultado (O) complicações obstétricas e neonatais. Dessa forma, o questionamento base delineado foi: Quais as complicações obstétricas e neonatais que são causadas pela candidíase vulvovaginal em gestantes?

Com o questionamento base delineado, o desenvolvimento da presente pesquisa de revisão foi realizado de acordo com as seguintes etapas: (1) Pesquisa dos estudos na literatura; (2) Seleção dos estudos; (3) Extração dos dados; (4) Avaliação dos trabalhos; (5) Coleta e síntese dos dados coletados; (6) Avaliação qualitativa das evidências relatadas; e por fim (7) Discussão dos resultados. 

Para a construção dos tópicos 3.1 e 3.2 foi realizada busca ativa no PubMed e Scielo utilizando os descritores Candida e candidiasis. Foram selecionados artigos dos últimos dez anos que estivessem disponíveis completos e de forma gratuita. Para a elaboração do tópico 3.3 e 3.4 também foi realizada busca ativa nos bancos de dados PubMed e Scielo, visando identificar artigos completos e disponíveis gratuitamente que abordassem as complicações obstétricas e neonatais associadas à candidíase vulvovaginal em gestantes. Os termos “obstetric and neonatal complications” e “candidiasis in pregnant women” foram utilizados de forma isolada e em associação. Foram considerados para inclusão os artigos de estudos originais e revisões sistemáticas, que abordem a relação entre candidíase vulvovaginal em gestantes e complicações obstétricas e neonatais e que estivessem completos. Foram excluídos os artigos repetidos e que não estavam disponíveis de forma gratuita. Os artigos foram selecionados em uma triagem inicial e submetidos à leitura completa para avaliação de sua adequação aos critérios de inclusão. Os dados extraídos dos artigos para elaboração dos tópicos selecionados foram organizados e sintetizados de forma descritiva. 

3  REVISÃO DE LITERATURA

3.1 Candida 

Leveduras pertencentes ao gênero Candida são patógenos oportunistas que ocasionam infecções denominadas candidíase, as quais variam de lesões superficiais a infecções disseminadas. Este gêneroé composto por mais de 200 espécies que normalmente habitam os mais diversos nichos corporais, como orofaringe, vagina, cavidade oral e dobras cutâneas. De todas as espécies de Candida, a que mais se destaca é a Candida albicans pelo fato da sua prevalência (ALVARES; SVIDZINSKI; CONSOLARO, 2007).

De forma geral, os fungos leveduriformes são identificados pela análise de suas características micromorfológicas e perfil bioquímico. A identidade morfológica da maioria dos isolados do gênero Candida consiste na observação de blastoconídios, pseudohifas ou hifas verdadeiras e clamidoconídeos (Candida albicans e Candida dubliniensis). Os testes bioquímicos têm como base a assimilação de nitrogênio e carboidratos (auxanograma), teste de uréia e fermentação de carboidratos (zimograma). O meio de cultura CHROMagar Candida permite a identificação presuntiva de espécies deste gênero e facilita o reconhecimento de culturas mistas baseado em características fisiológicas do isolado (SOARES, 2018).

A epidemiologia da candidíase depende da predisposição do hospedeiro (imunossupressão), carga parasitária e virulência fúngica, portanto, quando esses três fatores estão presentes, as espécies de Candida tornam-se mais virulentas e, portanto, patogênicas. Das cerca de 200 espécies, acredita-se que aproximadamente 10% sejam agentes etiológicos de infecções em humanos, sendo Candida albicans, Candida parapsilosis, Candida tropicalis, Candida glabrata, Candida krusei, Candida guilliermondii e Candida lusitaniae.  Entretanto, casos foram relatados de espécies emergentes como Candida dubliniensis, Candida kefyr, Candida rugosa, Candida chamata, Candida utilis, Candida lipolytica, Candida norvegensis, Candida inconspicua, Candida viswanathii (BARBEDO; SGARBI, 2010).

As infecções fúngicas causadas por espécies de Candida variam desde candidíase superficial da mucosa, como candidíase vulvovaginal (CVV) e candidíase orofaríngea, até infecções da corrente sanguínea potencialmente fatais, como candidemia. A candidemia é frequentemente relatada como consequência de disbiose intestinal, imunidade prejudicada do hospedeiro e terapia médica associada de alto risco, como terapia imunossupressora, cateteres venosos centrais ou intervenções cirúrgicas. Estima-se que a candidemia afete quase meio milhão de pacientes por ano em todo o mundo (SAHU et al., 2022).

3.2  Candidíase vulvovaginal  

A candidíase vulvovaginal é uma infecção da mucosa vaginal causada por fungos do gênero Candida, que vivem comensalmente na mucosa vaginal e tornamse patogênicos quando o ambiente apresenta boas condições para sua multiplicação (OLIVEIRA; TIGRE; TAVARES, 2008).

A CVV é uma condição patológica debilitante comumente caracterizada por coceira vulvar, queimação, disúria e corrimento vaginal. É considerada a segunda infecção vaginal mais comum, afetando 75–80% das mulheres pelo menos uma vez na vida (ROSATI et al., 2020).

Candida albicans é responsável por cerca de 85% a 95% das infecções por CVV e também pela maioria das CVV de recorrência (CVVR). Embora se estime que apenas 9% das mulheres com CVV tenham CVVR (NEAL; MARTENS. 2022). 

C. glabrata  é considerada a segunda principal causa de CVV (aproximadamente 8% dos casos), enquanto C. krusei, C. parapsilosis e C. tropicalis constituem a maioria do restante. Os sintomas vaginais resultantes da infecção por essas espécies de Candida não albicans (CNA) são frequentemente relatados como sendo mais leves do que aqueles experimentados durante a CVV causada por C. albicans. No entanto, a resistência inerente à classe de medicamentos azólicos, bem como os mecanismos de resistência adquiridos, podem complicar o tratamento das espécies de CNA (WILLEMS et al., 2020).

Acredita-se que o início da maioria dos casos de CVV esteja associado a uma ampla gama de fatores predisponentes ou eventos desencadeantes, incluindo o uso de antibióticos, aumento dos níveis de estrogênio (por exemplo, contraceptivos orais com alto teor de estrogênio, terapias de reposição hormonal, gravidez), diabetes mellitus não controlada, atividades sexuais e roupas apertadas (YANO et al., 2019).

Em contraste com a candidíase invasiva e oral, a CVV é uma doença de mulheres imunocompetentes e saudáveis. Assim, a carga global de doenças é muito maior para a CVV do que para estas outras formas de infecção. É importante destacar que a taxa de incidência de CVV é praticamente impossível de estimar, visto que é subnotificada devido às opções de tratamento de venda livre que se mostram eficazes (WILLEMS et al., 2020).

No decorrer da gravidez, há um aumento da taxa de infecções oportunistas por Candida, causadas especialmente em decorrência de alterações endócrinas. Níveis elevados de estrogênio, progesterona e corticosteroides placentários afetam os mecanismos de defesa da vagina e promovem o desenvolvimento microbiano com a ajuda da deposição de glicogênio na área genital (GHADDAR N, et al., 2020; GHADDAR N, et al., 2019).

3.3  Associação da candidíase vulvovaginal com gestantes e neonatos   

Durante a gravidez, níveis hormonais elevados e acúmulo de glicogênio na vagina levam a um aumento na frequência de CVV, cerca de 2 vezes em comparação com mulheres não grávidas. Gestantes com diabetes mellitus gestacional, estão predispostas à colonização da vagina por Candida. A CVV pode causar infecção retrógrada, que dá origem a infecção intrauterina, corioamnionite e endometrite, causando aborto, parto prematuro e morte fetal intrauterina. A CVV gestacional sem tratamento pode causar lesão vaginal durante o parto, infecção puerperal e má cicatrização de feridas após corte perineal e cesariana (ZHANG et al., 2018).

A candidíase em recém-nascidos tem sido associada ao aumento do risco de complicações na gravidez, como ruptura prematura de membranas, trabalho de parto prematuro, corioamnionite e candidíase cutânea congênita. Colonização com Candida spp. em neonatos pode ocorrer por transmissão vertical durante o período perinatal ou por transmissão horizontal no berçário ou na unidade de terapia intensiva neonatal (GHADDAR et al., 2020).

Uma das complicações mais comuns encontradas na literatura na associação da CVV com gestantes e neonatos é o parto prematuro, definido como nascimento antes de 37 semanas de gestação (GIGI et al., 2023). A prematuridade tende a acarretar uma série de problemas de saúde em crianças, dentre os quais, problemas respiratórios, anemia, icterícia, enterocolite necrosante e problemas neurológicos. Também pode evoluir com morte neonatal, cuidados intensivos, hospitalização prolongada e até paralisia cerebral (SANGKOMKAMHANG et al., 2015).

Sule-Odu e colaboradores (2020) mostraram que as infecções durante o trabalho de parto não foram associadas ao parto prematuro, mas sim ao baixo peso ao nascer, que é considerado quando o bebê pesa menos de 2.500 g ao nascer. 

Cerca de 5 a 30% de todos os neonatos prematuros colonizados desenvolveram infecção invasiva por Candida durante sua permanência na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. A C. albicans desempenha papel importante na colonização neonatal nos primeiros dias de vida (GHADDAR et al., 2020).

Segundo Silgo (2021), a infecção intra-amniótica representa cerca de um terço de todos os partos prematuros, o risco desse desfecho é mais frequente em gestantes com disbiose. 

A infecção fúngica intra-amniótica está frequentemente associada ao parto prematuro, morte fetal e resultados neonatais adversos. O fungo mais comum isolado do líquido amniótico de mulheres com parto prematuro espontâneo é Candida albicans. Entre tanto, C. parapsilosis, C. tropicalis e C. glabrata também foram isoladas do líquido amniótico e associadas à infecção fetal. O tratamento de infecção fúngica intra-amniótica melhora o resultado neonatal e foi proposto que se pode esperar que sua eficácia aumente quanto mais cedo a infecção for diagnosticada e o tratamento começar (PACORA et al., 2017).

Em relação às raras complicações, se destaca a corioamnionite por Candida, que se apresenta como inflamação aguda da membrana coriônica. A corioamnionite é uma complicação que pode levar a resultados neonatais adversos, dentre os quais, natimortos, parto prematuro, comprometimento do desenvolvimento neurológico e morte neonatal (MAKI Y, et al., 2017). 

A candidíase cutânea congênita também é uma complicação rara após o parto vaginal que afeta a epiderme e a derme dos recém-nascidos e se manifesta clinicamente como uma erupção maculopapular difusa envolvendo o sistema respiratório e os pulmões. Outra complicação rara é a endoftalmite endógena pósparto (FERNÁNDEZ-RUIZ M, et al., 2020; OBEMAIR HM, et al., 2020). 

No estudo de Feitosa (2008) com gestantes de baixo risco no município de Botucatu/SP, a de média idade foi de 25 e 27 anos, e história obstétrica de aborto espontâneo de 17,7%, cesariana anterior de 20,8%, parto prematuro de 12,7% e baixo peso ao nascer de 12,1%. Ao exame ginecológico, o conteúdo vaginal foi observado em 82,7% dos casos, 57,4% das mulheres tiveram pH normal, 19,4% tiveram teste de amina positivo e 48,8% tiveram gravidez ectópica. Em relação à candidíase, a prevalência neste estudo (9,0%) foi inferior à obtida por outros autores (Tristão, 2008 de 34,5% e Gondo, 2007 de 10,2%), assim como no estudo de Parveen (2008) que mostrou a prevalência de candidíase vaginal em gestantes de 38%, sendo 27% sintomáticas e 11% assintomáticas. 

Embora a incidência de CVV seja maior durante a gestação, a incidência é maior em multíparas e diabéticas. Embora a gravidez pareça ser um gatilho para CVV, ela não está relacionada à atividade sexual porque o patógeno é encontrado na microbiota vaginal normal, sugerindo que as mulheres grávidas devem ser rastreadas para candidíase independentemente dos sintomas (MENDES; KIFFER; PEIXOTO, 2007). 

Um estudo comparou sintomas relatados de vaginose bacteriana e candidíase. Coceira foi associada à vaginose bacteriana em 54% dos casos e candidíase em apenas 31%; queixas de odor genital foram associadas à vaginose bacteriana em 73% dos casos e candidíase em apenas 8% (LANDERS, 2004).

Candida albicans, a espécie que mais comumente causa CVV em mulheres grávidas, estava presente em 80% dos pacientes sintomáticos na Argentina (MUCCI et al., 2017). Em Burkina Faso, foi encontrada Candida sp. nos 229 esfregaços vaginais analisados, 22,71% das cepas foram maiores em pacientes sintomáticas, e de um total de 52 cepas encontradas, C. albicans foi a mais prevalente com 40,39%, enquanto um grande número de CNA: C. glabrata (32,69%), C. tropicalis (15,38%) e C. krusei (11,54%), além disso, pode-se ressaltar que C. glabrata é mais prevalente em pacientes assintomáticos (SANGARÉ et al., 2017).

3.4  Formas de prevenção na gestação 

Segundo Sangkomkamhang, et al. (2015), mulheres que foram rastreadas para infecção e tratadas para vaginose tiveram uma taxa menor de parto prematuro do que as mulheres que não foram rastreadas, 3% e 5%, respectivamente. Além disto, essas mulheres também apresentaram uma taxa reduzida de bebês com baixo peso ao nascer. Por outro lado, essa triagem tem sido descrita como tendo desvantagens, incluindo aumento da resistência a antibióticos e aumento dos custos do tratamento.

Silgo e colaboradores (2021) também enfatizaram que a triagem deve ser feita durante o primeiro trimestre e que disbiose na microbiota vaginal de mulheres grávidas são mais comuns do que para outras condições que são sistematicamente rastreadas, por exemplo, toxoplasmose, citomegalovírus e infecção assintomática (SILGO, et al., 2021).

O diagnóstico de candidíase não pode ser feito apenas com base nos sintomas, devendo ser realizados exames laboratoriais diagnósticos para confirmação e posterior tratamento antifúngico (TELLAPRAGADA C, et al., 2017).

Para o tratamento da CVV, geralmente é utilizado o antifúngico oral fluconazol, porém, Bérard e colaboradores (2019) observaram que a droga é prejudicial quando administrada em altas doses durante o primeiro trimestre da gravidez e está associada a um alto risco de aborto espontâneo e fechamento anormal do septo ventricular. As mulheres assintomáticas não são candidatas ao tratamento de acordo com a literatura, mas é importante considerar a triagem e posterior tratamento para essas mulheres (NNADI DC e SINGH S, 2017; TELLAPRAGADA C, et al., 2017; BRANDÃO LDS, et al., 2018; GHADDAR N, et al., 2020; BÉRARD A, et al., 2019).

Outro ponto a ser enfatizado é a importância do monitoramento do uso de antifúngicos, pois seu uso inadequado pode promover resistência aos antifúngicos. Além disso, deve ser considerado o tratamento de gestantes assintomáticas para evitar desfechos neonatais. Por esta razão, é importante considerar a triagem de todas as mulheres grávidas para que um diagnóstico possa ser feito e o tratamento oferecido (BÉRARD A, et al., 2019; BRANDÃO LDS, et al., 2018; ROBERTS CL, et al., 2015).

O tratamento precoce durante a triagem no primeiro trimestre gestacional apresenta os melhores resultados, como a redução da prematuridade, que é um dos maiores e mais comuns problemas obstétricos observados atualmente associados a CVV (SILGO LT, et al., 2021; TELLAPRAGADAC, et al., 2017).

Além do nascimento prematuro, é bem conhecido que a probabilidade de recém-nascidos a termo desenvolverem candidíase oral ou “dermatite das fraldas” durante o primeiro ano de vida aumenta naqueles que são colonizados através da transmissão materna para neonatal durante o parto vaginal. Portanto, o tratamento antifúngico profilático pode ser recomendado em casos com colonização assintomática durante as últimas semanas de gravidez para prevenir a transmissão ao recém-nascido durante o parto vaginal. Isto reduz significativamente o risco de candidíase oral e dermatite das fraldas de 10% para 2% na 4ª semana de vida (FARR et al., 2021).

Diante do quadro geral abordado pelos estudos da literatura, considera-se necessário um programa de triagem para gestantes para discutir tratamento eficaz para que não ocorram complicações e desfechos neonatais adversos devido à infecção por Candida durante a gravidez.

4  CONSIDERAÇÕES FINAIS   

Em suma, a candidíase vulvovaginal (CVV) emerge como uma preocupação significativa durante a gestação, especialmente em mulheres com fatores de risco como diabetes gestacional e disbiose. A interligação entre a colonização por Candida spp. e complicações obstétricas, como parto prematuro e ruptura prematura de membranas, destaca a importância de um diagnóstico precoce e tratamento adequado para garantir resultados maternos e neonatais positivos. A presença de Candida spp. em recém-nascidos, seja através da transmissão vertical ou horizontal, traz à tona a necessidade de medidas de prevenção e controle rigorosas em unidades neonatais. A associação entre infecções fúngicas intra-amnióticas e parto prematuro reforça a importância de estratégias de vigilância e intervenção para minimizar o impacto dessas infecções na saúde fetal. Além disso, compreender os fatores de risco e os sintomas associados à CVV é crucial para um diagnóstico preciso e um tratamento eficaz. A variabilidade nas manifestações clínicas e nos métodos de diagnóstico ressalta a necessidade de abordagens individualizadas para o cuidado de gestantes e neonatos. Portanto, uma abordagem que leve em consideração essas múltiplas facetas é essencial para mitigar o risco de complicações decorrentes da candidíase vulvovaginal em gestantes e neonatos. A compreensão aprofundada dessas relações entre Candida spp., gestação e desfechos obstétricos e neonatais permite direcionar medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas, visando a saúde materno-fetal.

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1Graduandas de Biomedicina pelo Centro Universitário Cesmac
bruna_thayna2314@hotmail.com

1Graduandas de Biomedicina pelo Centro Universitário Cesmac
leticiaawanderley9@gmail.com

2Dra. em Biociências e Biotecnologia em Saúde
Docente de Biomedicina do Centro Universitário Cesmac
larissa.oliveira@cesmac.edu.br