REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8336544
Bruna Gomes Vasconcelos1
Romerito Neiva Fonseca
Juliana Araújo Arrais
RESUMO
O tumor de Frantz é uma neoplasia pancreática rara, comum em mulheres jovens e geralmente assintomático ou oligossintomático. O diagnóstico é confirmado por meio de tomografia ou ressonância de abdome. A terapêutica atual consiste na ressecção cirúrgica da lesão, preferencialmente por meio da via videolaparoscópica. O presente trabalho se configura como um estudo retrospectivo, por meio de uma série de casos, após acompanhamento de 3 pacientes submetidas a pancreatectomia corpocaudal no Hospital Dr Carlos Macieira no período de 2022 a 2023. Após análises de prontuário observou-se que o perfil das pacientes corrobora com as referências bibliográficas atuais no que diz respeito a características epidemiológicas e anatomopatológicas nos referidos casos.
PALAVRAS-CHAVE: pâncreas, Frantz, pancreatectomia
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo e que se configura como série de casos. Após uma breve revisão bibliográfica, foi realizado pesquisa em prontuário para coleta de dados referentes a parâmetros clínicos e epidemiológicos, características da lesão neoplásica, desfecho cirúrgico e complicações pós operatórias. Além disso, avaliou-se tempo de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e dias de internação hospitalar. Como critérios de inclusão, foram incluídos na amostra todas as pacientes submetidas a pancreatectomia corpocaudal no período supracitado. Não foram incluídas na amostra pacientes com diagnóstico não compatível com neoplasia pseudopapilar do pâncreas.
INTRODUÇÃO
Dentre as neoplasias pancreáticas descritas na atualidade encontramos um subtipo especialmente raro: a neoplasia sólida pseudopapilar, também conhecida como Tumor de Frantz. A entidade foi descrita pela primeira vez em 1959 pela Dra Virgínia Frantz (OMIAYLE, 2021). Estima-se que atualmente tal patologia represente 1-2% dos tumores exócrinos do pâncreas, 5–10% dos tumores císticos do pâncreas e 2–3% de todos os tumores pancreáticos, com um potencial de degeneração maligna de aproximadamente 15% (ROMERO, CÁRDENAS, VÁSQUEZ, 2021) (ALBUQUERQUE, et al, 2015). Também vem se observando um aumento da incidência de casos nos últimos anos, muito provavelmente pela maior detecção com os avanços dos métodos diagnósticos (OMIAYLE, 2021).
Ainda no que diz respeito a epidemiologia sabe-se que esse tipo de neoplasia é mais comum no sexo feminino (90% dos casos) acometendo principalmente mulheres jovens, na faixa etária entre 20-30 anos (MEIRA-JÚNIOR, et al, 2022). Alguns trabalhos mostram prevalência ligeiramente maior em mulheres negras e asiáticas (ROMERO, CÁRDENAS, VÁSQUEZ, 2021). Do ponto de vista anatômico acometem geralmente o corpo e a cauda do pâncreas, sendo um pouco menos comum em região de cabeça pancreática e processo uncinado. Embora atípico, apresentações extrapancreáticas também foram listadas, como acometimento de mesentério, omento, retroperitônio, ovário, estômago e duodeno (OMIAYLE, 2021).
A etiologia é incerta. Alguns estudos citam síndromes genéticas associadas a neoplasia, como por exemplo a polipose adenomatosa familiar (PAF) por mutação do gene APC. Demais fatores de risco não foram identificados até o presente momento. (MEIRA-JÚNIOR, et al, 2022).
Do ponto de vista histopatológico os trabalhos mostram que o tecido neoplásico é repleto de células, formando aglomerados papilares frouxos com núcleo fibrovascular central. Também apresentam células gigantes multinucleadas, macrófagos e detritos hemorrágicos produtos da necrose da lesão. Esse conglomerado de células se organiza em massas únicas, arredondadas e com pseudocápsula fibrosa. Tumores multicêntricos são raros. Seu tamanho pode variar de lesões pequenas de 0.5 cm até lesões grandes de 25 cm, com tamanho médio de 10 cm. O diagnóstico diferencial histológico com o adenocarcinoma costuma ser fácil, porém pode ser difícil quando se trata de tumores como o pancreatoblastoma, carcinoma de células nucleares e tumor neuroendócrino do pâncreas (OMIAYLE, 2021).
O diagnóstico é muitas vezes realizado de forma acidental. A grande maioria dos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos, apresentando sintomas vagos como dor e distensão abdominal. (HAJJAR, et all, 2020).De forma geral, a tomografia e a ressonância nuclear magnética (RNM) apresentam boa acurácia na caracterização da lesão. A tomografia evidencia grandes massas heterogêneas bem demarcadas, com componentes sólidos realçando na periferia e componentes císticos em seu interior, ocupando regiões mais centrais. Calcificações esparsas pelo parênquima podem ser observadas. Na RNM a lesão se apresenta como uma massa bem definida, com sinal heterogêneo, geralmente com hipersinal em T1 nas regiões onde se encontra detritos hemorrágicos e necróticos e hipersinal em T2 em áreas sólidas (OMIAYLE, 2021) (ERIC, et al, 20210). Com o advento de técnicas minimamente invasivas para diagnóstico o ultrasson endoscópico vem sendo usado como auxílio na investigação de neoplasias pancreáticas, tendo a citologia do aspirado uma sensibilidade de 85% e especificidade de 98% para tumores sólido-císticos (OMIAYLE, 2021)
A terapêutica atual consiste na ressecção cirúrgica do tumor por meio de pancreatectomia. Embora alguns estudos advoguem sobre a possibilidade de ressecções mais poupadoras com a enucleação da lesão, ressecção do pâncreas se mantém como única abordagem potencialmente curativa. A técnica utilizada irá depender da porção pancreática que contém a lesão. Tumores à direita dos vasos mesentéricos, ou seja, que acometem cabeça e processo uncinado serão tratados com gastroduodenopancreatectomia (Cirurgia de Whipple). Tumores à esquerda dos vasos mesentéricos serão abordados através da pancreatectomia distal por via convencional ou videolaparoscópica. (ERGUIB, et all, 2021) (WANG, 2022)
O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma doença rara do pâncreas, que foi tratada com segurança e eficiência por meio da cirurgia videolaparocópica em 3 casos de mulheres jovens no Hospital Dr Carlos Macieira (HCM) no período de 20222023.
CASO 1:
Paciente 25 anos procura o ambulatório de cirurgia do HCM com relato de dor abdominal há 7 meses. Nega outros sintomas, bem como comorbidades prévias.
Realizou RNM que evidenciou formação expansiva, de aspecto neoplásico, com captação homogênea de contraste, com restrição à difusão de moléculas de água, localizada adjacente ao corpo do pâncreas, em íntimo contato com a pequena curvatura gástrica medindo 4.6 x 4.2 x 3.9 cm. Não se observa plano de clivagem da lesão com a veia e artéria esplênica.
Realizou pancreatectomia corpo-caudal + esplenectomia VL. A cirurgia transcorreu sem intercorrências e/ou sangramentos. Foi utilizado clipes de hemolock para tratamento de veia e artéria esplênica e grampeador videolaparoscópico para secção do pâncreas, sem reforço com sutura. O pós operatório foi realizado em leito de UTI com alta da unidade intensiva no 1º dia pós operatório (DPO). Foi prescrito ceftriaxona no pós operatório imediato.
Durante a evolução foi observado taquicardia persistente, dreno abdominal com baixo débito e piora do leucograma no 2ºDPO. Em virtude do quadro foi optado pela realização precoce de tomografia abdominal sem grandes achados e escalonado o antibiótico para piperacilina-tazobactam (tazocin). Após introdução do novo antimicrobiano observou-se melhora da taquicardia. Como o dreno mantinha débito desprezível só foi possível dosar a amilase do seu conteúdo no 5º DPO com o valor de 95 U/l e a amilase sérica de 37 U/l.
No 7ºDPO optou-se por realizar nova TC de controle que evidenciou coleção fluida de 15.2 x 8.5 x 10.3 localizada em região epigástrica, em íntima relação com o pâncreas e com a câmara gástrica. No 8º DPO a paciente foi submetida a uma drenagem percutânea com a radiologia intervencionista com saída imediata de 800 ml. No 10º DPO realizamos nova dosagem da amilase com valor de 78 U/l e sérica de 51.98U/l.
No 10º DPO como o dreno mantinha baixo débito a paciente foi submetida a nova TC que mantinha coleção de 13.2 x 7.4 x 6.9 cm, unilocular, com extensão a retrocavidade dos epíplons e com dreno bem alocado. O dreno foi lavado e aspirado para garantir melhor drenagem. Nos dias subsequentes o dreno manteve-se funcionante. A paciente finalizou 15 dias do uso do tazocin. No 19º DPO foi solicitado uma ultrassonografia de controle que evidenciou uma coleção residual de 5cm no maior eixo. Nos dias subsequentes a paciente apresentou 2 picos febris, taquicardia, vômitos e piora do leucograma. Foi introduzido meropenem e vancomicina, coletado culturas e realizado TC de controle sem grandes achados. Optado pela retirada do dreno. Após um ciclo de 10 dias de antibiótico a paciente recebeu alta. No retorno ambulatorial trazia consigo o resultado do histopatológico que evidenciou neoplasia epitelial de células amórficas em arquitetura papilar compatível com neoplasia sólida pseudopapilar (pTNM pT2 N0). A paciente segue em acompanhamento até a data atual sem nenhuma intercorrência.
CASO 2:
Paciente 27 anos procura o ambulatório de cirurgia do HCM com relato de dor em andar superior do abdome com irradiação para dorso, náuseas, vômitos e plenitude gástrica há +/-8 meses. Refere ainda perda de 12 kg nesse período e sintomas colestáticos. Nega comorbidades prévias. RNM de abdome superior evidencia lesão unilocular, bem delimitada, com sinal heterogêneo e áreas de elevado sinal em T1, as quais podem corresponder a conteúdo hemático ou mucinoso, localizada na cauda pancreática, medindo 3.4 cm. Sem dilatação do ducto pancreático principal.
Realizou pancreatectomia corpo-caudal + colecistectomia por colelitíase + esplenectomia VL. A cirurgia transcorreu sem intercorrências e/ou sangramentos. Foi utilizado hemolock para tratamento da artéria esplênica e grampeador videolaparoscópico para secção do pâncreas, sem reforço com sutura, e secção da veia esplênica também com grampeador. O pós operatório foi realizado em leito de UTI com alta da unidade intensiva no 1º dia pós operatório (DPO). Foi prescrito ceftriaxona e metronidazol no pós operatório imediato.
Durante a evolução a paciente se mantinha em bom estado geral e sem queixas. A dosagem da amilase do dreno no 1º DPO foi de 3614 U/l. No 3º DPO paciente abriu quadro de taquicardia leve e piora do leucograma e da proteína C reativa e a amilase do dreno caiu para 355 U/l, sendo optado por escalonar o antibiótico para tazocin com melhora do quadro clínico e laboratorial. Após término do esquema antibiótico paciente recebe alta no 7º DPO. No retorno ambulatorial trouxe consigo o histopatológico que evidenciou neoplasia epitelial em arquitetura papilar, restrita ao parênquima pancreático, com margem de ressecção cirúrgica livre de comprometimento neoplásico e sem invasão angiolinfática ou perineural. Estadiamento pT2. A mesma segue em acompanhamento até a data atual sem nenhuma intercorrência.
CASO 3:
Paciente 15 anos procura o ambulatório de cirurgia do HCM com relato de dor em andar superior do abdome e perda de peso não quantificada há 2 meses. Nega comorbidades prévias.
RNM de abdome superior evidencia volumosa lesão expansiva pancreática ocupando o corpo e transição corpo/cauda, solidocística, com várias áreas hiperintensas em T1 (hemorragia ou conteúdo hiperproteico), deslocando bastante e afilando a veia esplênica posteriormente, bem como comprimindo a câmara gástrica medindo 8.8 x 7.5 x 7.7 cm (volume 270 ml), e se insinuando na retrocavidade dos epiplons. A lesão determina atrofia da cauda pancreática e leve dilatação do ducto de Wirsung.
Realizou pancreatectomia corpo-caudal + esplenectomia VL. A cirurgia transcorreu sem intercorrências e/ou sangramentos. Foi utilizado hemolock para tratamento da artéria esplênica e grampeador videolaparoscópico para secção do pâncreas, sem reforço com sutura, e secção da veia esplênica. O pós operatório foi realizado em leito de enfermaria. Foi prescrito ceftriaxona e metronidazol no pós operatório imediato.
Durante a evolução a paciente se mantinha em bom estado geral e sem queixas. A dosagem da amilase do dreno no 1º DPO foi de 380 U/l, caindo para 140 U/l no 4º DPO. A paciente recebeu alta com dreno vigilante no 4º DPO com retorno no 7º DPO para sua retirada. O histopatológico é sugestivo de neoplasia pseudopapilar sólida do pâncreas, com extensão tumoral limitada ao pâncreas, sem invasão angiolinfática ou perineural e com margens cirúrgicas livres. O estadiamento pelo TNM será realizado após estudo imunohistoquímico. Segue em acompanhamento sem intercorrências até o momento.
DISCUSSÃO:
O tumor de Frantz é uma neoplasia rara do pâncreas, apresentando ainda poucos estudos sobre seu comportamento, diagnóstico e conduta terapêutica. Ainda assim o presente trabalho conseguiu listar 3 casos operados com sucesso no hospital Carlos Macieira. Analisando o perfil dos pacientes observamos que vai de encontro com os dados da literatura, com 100% da amostra sendo representada pelo sexo feminino (predomínio em mulheres) e com idade média de 21 anos. Todos os casos apresentavam lesão única e com tamanho médio de 5.6 cm. Com relação ao período de internação a média de dias em UTI foi de 0.66 dias e a média de internação foi de 13.3 dias. A cirurgia foi realizada por via laparoscópica em todos os casos. Apenas 1 paciente apresentou fístula pancreática do tipo B (com necessidade de intervenção), sendo prontamente atendida pela equipe de radiologia intervencionista com abordagem minimamente invasiva. De acordo com o histopatológico 100% da amostra foi tratada de forma curativa e seguem com acompanhamento periódico.
REFERÊNCIA
ALBUQUERQUE, Gisela Pereira Xavier et al. Hepatic metastasis in Frantz’s tumor: A case report. International Journal of Surgery Case Reports, 71, 66–69, 2020.
ERGUIBI, Driss et al. Solid pseudopapillary neoplasm of the head of the pancreas: A case report.Annals of Medicine and Surgery, 69, 102708, 2021.
ERIC, Dragan et al. Laparoscopic enucleation of Frantz’s tumor of the pancreas: Case report and literature review. Annals of Medicine and Surgery, 64,102221, 2021.
HAJJAR, R. et al. Giant splenic cyst and solid pseudopapillary tumour of the pancreas managed with distal pancreatectomy and splenectomy. Ann R Coll Surg Engl, 102: e91–e93, 2020.
MEIRA-JÚNIOR, José Donizeti. Pancreatic solid-pseudopapillary neoplasm in patients with familial adenomatous polyposis. ABCD Arq Bras Cir Dig., e1718. 2022.
ROMERO, Monserrat del Carmen Valencia et al. Frantz tumor in a 58 year old woman; case report and literature review. Annals of Medicine and Surgery, 68,102625, 2021.
WANG R, Li J, Tan CL, Liu XB, Chen YH. Prospects and applications of enucleation in solid
pseudopapillary neoplasms of the pancreas. World J Gastrointest Oncol, 14(7): 1227-1238, 2022.
TORRES, Orlando Jorge et al. Performance of Laparoscopic Pancreatoduodenectomy for Solid Pseudopapillary Tumor of Pancreas. The American Journal of case reports, 17, 894-898, 2016
1Médica formada pela UFMA e concluinte do 3º ano do programa de Cirurgia Geral pela SES-MA. São Luís- MA. Email: brunavascg@gmail.com.