O MAL ESTAR NA DOCÊNCIA E O ABUSO DE MEDICAÇÕES 

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MAL ESTAR NA DOCÊNCIA E O ABUSO DE MEDICAÇÕES 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8330104


Márcia Cristina Moreira Soares1
Júlia Reis da Silva Mendonça2


Resumo

O presente artigo irá tratar do mal-estar que assola a docência na atualidade, bem como o uso abusivo de medicação por parte de professores. Pesquisas mostram que o universo educacional vem adoecendo de forma física e de ordem psicológica. Logo, analisaremos o contexto atual diante um cenário preocupante que vem assolando a vida desses profissionais, que relatam sentimentos de mal-estar e angústia e apresentam uma sintomatologia que muitas vezes o levam ao afastamento da sala de aula. Observamos, assim, que os sintomas apresentados pelos mesmo evidenciam uma causalidade psíquica, e que a psicanálise, portanto, tem muito a acrescentar nesse campo em relação a investigação dessa causalidade e a direção de tratamento ofertada a esses sujeitos.

Palavras-chave: Mal-estar, sofrimento psíquico do professor, medicalização.

Abstract

This article will deal with the discomfort that plagues teaching nowadays, as well as the use of abusive medication by teachers in the management of teaching. Because, research shows that the educational universe has been getting sick physically and psychologically. Therefore, we will analyze the current context in the face of a worrying scenario that has been plaguing the lives of dedicated professionals, these, who live in discomfort in the face of the anguish that imprison them to diseases, and which in turn, end precious careers early. We observed, therefore, that the symptoms presented by them show a psychic causality, and that psychoanalysis, therefore, has much to add in this field in relation to the investigation of this causality and the direction of treatment offered to these subjects.

Keywords:Unwell, psychological suffering of the teacher, medicalization.

1.INTRODUÇÃO

            O magistério é uma das profissões mais antigas que se tenha conhecimento. Em meados de 388-387 AC (antes de Cristo) na Grécia, berço da civilização, que temos os principais representantes da educação: Sócrates, Aristóteles e Platão, este, que fundou a primeira escola. Este local tinha como objetivos: o desenvolvimento intelectual do ser humano, a personalidade e a cidadania. Logo, a educação grega era centrada na formação integral do indivíduo. Assim, podemos compreender a grande importância do papel do professor no processo evolutivo da humanidade, pois as inspirações advindas destes mestres, ultrapassou o tempo e se consolidou como base na orientação de alunos em busca de conhecimento.

            Na atualidade, com a realidade brasileira, podemos observar que o cotidiano dos profissionais de educação é marcado por uma excessiva carga de trabalho, fazendo com que o professor chegue a exaustão devido a demanda de esforço, dedicação e pressão externa.  Observamos assim, que a sua jornada se torna altamente fatigante com a rotina escolar, esta que exige do professor flexibilidade e disponibilidades docente para atuação em diferentes escolas, variados turnos, na medida em que este objetivam melhores salário. Martins (2009) acrescenta:

O professor tem de prepará-las em casa, o que demanda tempo, corrigir provas e trabalhos, atividades que a lei não determina pagamento ao professor. Atividades extraclasse, prestadas na casa do professor, como de correção de provas e trabalhos, preparação de aulas, não são consideradas horas extras, até porque não há fiscalização do empregador nesse sentido e a atividade é externa. Daí por que nas normas coletivas se colocar outro pagamento chamado hora-atividade, que tem por fim remunerar a preparação de aulas do professor (p.82).

            Assim, como consequência, é visível o prejuízo à saúde física e mental do professor, transformando o trabalho, que deveria gerar prazer, em sofrimento (FERREIRA, 2011). Logo, esta categoria de profissionais tem sido apontada com uma elevada carga de estresse, ocasionando o mal-estar docente, situação esta que é constantemente apontada como motivo de abandono e desgosto com a profissão. Outro ponto importante é a proporção entre demanda de trabalho e remuneração, onde a todo momento o professor é estimulado, exigido para que congregue o máximo de conhecimentos, suprindo diferentes e constantes requerimentos. Além da angústia funcional, estresse, esgotamento emocional, depressão, despersonalização, frustração, sentimentos contraditórios, adoecimento mental e síndrome de “burnout”, onde o professor pode apresentar, ainda, quadros depressivos, irritabilidade, ansiedade, inflexibilidade, perda do interesse, e, também, sintomas físicos como: exaustão, fadiga, dores de cabeça, dores generalizadas, transtornos no aparelho digestório, alteração do sono, disfunções sexuais, entre outros. Diante de tais sintomas muitos professores recorrem ao uso de medicamentos, que pode variar de analgésicos e complementos minerais até ansiolíticos e antidepressivos, dependendo de cada caso (JBEILI, 2008). Podemos enfatizar também que professores estão expostos a alergias ao pó de giz, varizes e problemas de voz, os quais revelam quadros como irritabilidade, frustração e sensação de pouca realização pessoal. Assim, o professor diante de salários baixos, violência urbana, demanda de alunos e pais, da direção da escola, do desgaste fisico e mental e a falta de reconhecimento de sua atividade, acabam sendo acometidos de ansiedade e depressão. Curi (2008) afirma que quase 50% dos professores brasileiros apresentam sintomas de estresse ou depressão.

            Por sua vez, diante das doenças, podemos compreender que a depressão já é considerada um problema de saúde pública e de relevância crescente nas últimas décadas, um distúrbio desabilitante que reduz a produtividade profissional dos pacientes em 10% ao longo da vida (COUTINHO; NETO FILHO, 2010). Desse modo, muitos profissionais de educação estão a mercê do abuso de medicalização, um termo utilizado pelo filosofo Ivan Illich (1975), que observou a efetiva ação de saberes médicos em influenciar a autonomia do sujeito. Já para Focault (2010), o termo medicalização é uma forma de controlar a subjetividade e traduz formas de ser, através da institucionalização do corpo e da percepção do controle sobre o anormal ou normal. Isso faz criar comportamentos ditados por conhecimentos médicos, o que pode ser facilmente percebidos no ambiente escolar (FERREIRA, 2013). Diante dessa medicalização generalizada proposta pela psiquiatria de orientação biológica e incentivada pela mídia e pela ciência (principalmente via indústria farmacêutica) a psicanálise oferece uma direção de tratamento orientada pela causalidade psíquica, que está na base das formações sintomáticas.

2.SOBRE A MEDICALIZAÇÃO NA SOCIEDADE E NA ESCOLA

Dentro da literatura freudiana, pode-se entender o recurso à substância (dentre elas os medicamentos) como uma forma de solução diante do mal-estar, próprio da civilização. Em seu texto “O mal-estar na civilização”, Freud (1930/1996) enfatiza que a cultura produz por si só um mal-estar nos seres humanos, pois é observável um antagonismo entre as exigências da pulsão e as da civilização. Logo, o homem estaria fadado a renúncia da satisfação pulsional e, como consequência, a vida sexual e sua agressividade seriam severamente prejudicados. Com isso, o autor percebeu que a pulsão de agressão e de autodestruição seria o grande problema que a civilização enfrentaria. 

Em “Futuro de uma ilusão”, Freud (1927/1996) diz que apesar de todos os esforços da sociedade, sempre existirá uma parte da humanidade com algum tipo de patologia ou excesso pulsional, levando o indivíduo à dependência de alguma substância medicamentosa. Já que a civilização prioriza evitar o sofrimento e oferecer segurança, coloca então, o prazer, ou a satisfação pulsional, em segundo plano.

Com base na análise de Freud (1930/1996) quanto ao mal-estar, tão evidente na atualidade, é possível perceber que no contexto escolar, a medicalização tem sido utilizada por crianças em função de queixas como a indisciplina e a dificuldade de aprendizagem. Tais queixas caminham junto com o aumento de patologias e diagnósticos infantis descritas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e no Código Internacional de doença (CID).  Enquanto esse modelo de psiquiatria tem orientação biológica e universal e que, portanto, propõe um tratamento medicamentoso comum aos diferentes sujeitos enquadrados nos transtornos descritos, a psicanálise, desde Freud, destaca a importância da singularidade e da fala, para que se entenda a causalidade psíquica que está na base das formações sintomáticas.

Segundo Freud (1915/1996) não existem modelos, e sim a preciosa observação e investigação dos sintomas:

Só depois de uma investigação mais completa do campo de observação, somos capazes de formular seus conceitos científicos básicos com exatidão progressivamente maior, modificando-os de forma a se tornarem úteis e coerentes numa vasta área (p. 137).

Diante disso, o que nos veem chamando a atenção é a banalização dos diagnósticos, bem como a medicalização desmedida, que acabou por ser um conforto para a escola a partir do momento que deposita a responsabilidade somente no aluno e em sua familia do fracasso escolar. Algo catastrófico em uma sociedade, quando também nos deparamos com um corpo docente que apresenta tanto sofrimento psíquico quanto o alunado.

Com isso, a medicalização é uma discussão no âmbito das pesquisas desenvolvidas nas áreas da psicologia, da psicanálise e da psiquiatria, e que tem dividido muito as opiniões quanto ao uso de substancias medicamentosas, seja pelo professor, seja pelo aluno. Dessa forma, aqui, pretende-se fazer uma reflexão sob o viés da psicanálise sobre a medicalização e sua relação com a subjetividade. Neste contexto, Calazans e Lustoza (2008) defendem a tese de que a medicalização é uma proposta equivocada, uma vez que pretende objetivar algo que não é científico, o sujeito. Uma vez que, a sociedade e a escola são atravessados e constituídas por uma multiplicidade de fatores sociais, coletivos e afetivos, deslocando assim a questão para o sujeito e patologizando-o. E neste sentido, é preciso problematizar a construção e institucionalização de conceitos e categorias médicas que interferem nos processos de escolarização. Um mal que atinge não só a escola, mas a sociedade, uma vez que o sujeito em formação esta fadado a esteriótipos com fórmulas fabricadas, na ilusão de uma vida sem sofrimento e angústia. Eis o mal-estar da civilização de Freud, tão atual nos dias atuais.

3.O SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS PROFESSORES

            Podemos analisar na ultima década a ascensão do sofrimento ou mal-estar do docente. Fato este com grande destaque no campo da educação brasileira.

            Codo (1999) após estudar amplamente a saúde mental e o trabalho do professor, constatou que o “burnout” (expressão do sofrimento psíquico e da deterioração afetiva da pessoa ou stress laboral crônico ) é a atual síndrome da desistência do professor, e consequentemente e um forte fator que levaria a falência da educação. Pois, tal síndrome tem como característica o prejuízo na relação com o trabalho, instituições e pessoas.

            Já Diniz (1998) em seus estudos a respeito do sofrimento de mulheres-professoras nas séries iniciais do ensino fundamental, constatou inúmeras queixas que revelavam a vivência de um profundo mal-estar. Pois, é notório a queixa quanto as condições de trabalho, dos alunos e do salário. E nos consultórios, foi constatado outro tipo de queixas, tais quais: diarréia, pressão alta, vômito, dores na nuca, na cabeça, na coluna, nas costas, dormência nas mãos, irritabilidade, choro fácil, depressão, ansiedade, insônia, desvio de função, além de transtornos mentais.  Sintomas estes, que embasam laudos a concessão de licença médica e o afastamento do docente da sala de aula, em especial a Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, revela a sua pesquisa.

Mas essa negação de qualquer mal-estar, pela escola, tem consequências: “a instituição, quando sutura o mal-estar, transforma-se [ela mesma] em fonte de mal-estar” (DINIZ, 1998, p.205).

            Ferreira (2013) diante ao mal-estar no ensino secundário em Portugal, constatou que o mal-estar está diretamente relacionado a crise atual da educação frente ao mundo com suas rápidas e continuas transformações transformações sociais, econômicas, políticas e culturais, levando então, uma crise de identidade na profissão docente.

            Ao analisar este tema, Esteve (1999) indica que as principais consequências do mal-estar do docente se apresentam a seguir em ordem crescente do ponto de vista qualitativo, e decrescente do ponto de vista quantitativo, ou seja, do número de professores afetados: 1. Sentimento de desajustamento e insatisfação perante os problemas reais da prática do ensino, em aberta contradição com a imagem ideal do professor; 2. Pedidos de transferência, como forma de fugir a situações conflituosas; 3. Desenvolvimento de esquemas de inibição, como forma de cortar a implicação pessoal com o trabalho que se realiza; 4. Desejo manifesto de abandonar a docência (realizado ou não); 5. Absenteísmo laboral, como mecanismo para cortar a tensão acumulada; 6. Esgotamento, como consequência da tensão acumulada; 7. “Stress”; 8. Ansiedade; 9. Depreciação do eu. Autoculpabilização perante a incapacidade de ter sucesso no ensino; 10. Reações neuróticas; 11. Depressões; e 12. Ansiedade, como estado permanente associado em termos de causa-efeito a diagnósticos de doença mental (ESTEVE, 1999, p. 113). E acrescenta:

A expressão mal-estar docente (malaise enseignant, teacher burnout) emprega-se para descrever os efeitos permanentes, de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a docência, devido à mudança social acelerada (ESTEVE, 1999, p. 98).

            No que tange as relações existentes de trabalho, prazer e sofrimento a partir da organização do trabalho, Dejours (1994) afirma que a existência de um “paradoxo psíquico do trabalho”, este é, para uns, fonte de equilíbrio; para outros, causa de fadiga e sofrimento. Logo, para que haja uma fonte de equilíbrio no trabalho, o trabalhador necessita de uma uma espécie de descarga apropriada de sua energia acumulada. O que levaria a possibilidade da diminuição da carga psíquica fatigante diante às necessidades do trabalhador. Caso contrário, estaríamos diante de uma energia pulsional acumulada, provocando então, sentimento de desprazer e tensão. E consequentemente, patologias a mente como graves perturbações, tais quais: a descompensação psiconeurótica e a descompensação somática.

            Diante de tal demanda, a psicanálise se apresenta com um de seus principais pilares: a escuta. Pois, é preciso ouvir a fala dos professores diante desta realidade. Pois, faz-se necessário a fala do professor e a necessidade que as pessoas têm de ser ao menos escutadas em seu trabalho diante ao sofrimento que acomete tais profissionais. Dolto (1980) aponta a importância de se ter um espaço de escuta na escola, onde os profissionais possam ser ouvidos e fazer ouvir a si mesmos. E com isso possam deixar falar um outro sujeito, o sujeito do desejo; do desejo que está “na origem da escolha profissional e na raiz do mal-estar que faz sintoma” (ALMEIDA, 2000, p.48). Segundo Dolto (1980), “a escuta psicanalítica permite que as angústias e as demandas de ajuda “sejam substituídas pela questão pessoal e específica do sujeito que lhe fala [ao psicanalista]” (p. 12).

            Com isso, podemos perceber o sofrimento faz parte da vida. E que segundo Freud, é inerente à condição humana. Porém, a escola não pode ser um lugar de produção de sintomas e de adoecimento, e sim de crescimento, de criação e também fonte de prazer e de realização pessoal dos sujeitos que ali estão. 

4. DA PSICANÁLISE DIANTE AO MAL-ESTAR DA DOCÊNCIA NA  ATUALIDADE

Freud (1930/1996) em “O mal-estar na civilização”, trouxe para a psicanálise uma profunda reflexão quanto a convivência em uma sociedade. Com isso, ele fez uma crítica a modernidade, uma vez que ele se referia “ao discurso civilizatório constituído no Ocidente desde o século XVIII e que assume uma feição marcadamente evolucionista desde a segunda metade do século XIX” (p.65). Freud (1930/1996) assinala que a civilização, a qual fazemos parte, é fonte de mal-estar, na medida em que exige do sujeito uma renúncia a satisfação pulsional. Encontramos algumas formulações anteriores sobre a relação da civilização com o mal-estar no texto “O futuro de uma civilização” onde Freud (1927/1996) assinala que a civilização é responsável por nossa desgraça “parece que toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e a renúncia a pulsão” (p.17). Da mesma forma, Freud (1927/1996) destaca que:

Tal como para a humanidade em geral, também para o indivíduo a vida é difícil de suportar. A civilização de que participa impõe-lhe uma certa quantidade de privação, e outros homens lhe trazem outro tanto de sofrimento, seja apesar dos preceitos de sua civilização, seja por causa das imperfeições dela (p.25).

Ainda que, a civilização tenha sido criada para nos proteger de eminentes ameaças, ela não conseguiu êxito neste quesito, pois continuamos a nos sentir infelizes, indefesos e inseguros, nos levando a indagação de como nos proteger da civilização. Logo, este descontentamento de Freud o levava naquela época a sua descrença na promessa da modernidade. Para Birman (2003) “o desamparo do sujeito seria o contraponto permanente à ideologia do progresso e do cientificismo iluminista” (p. 138).

            Logo, para Freud (1930/1996) o mal-estar de modernidade seria dotado de desamparo, que se daria pela racionalização do mundo pela ciência correlativamente com o esvaziamento da crença da divindade dos deuses projetariam no sujeito um desamparo originário e inevitável. Birman (2003) constata que “o mundo desencantado e sem Deus, marcado pela absoluta racionalização científica, produziu formas inéditas de desamparo quando as utopias do Iluminismo e da modernidade foram silenciadas” (p. 79).

            Na atualidade, observamos que o sujeito está marcado por uma perda da identificação ao pai (enquanto ideal do eu). Em função disso, o sujeito sai em busca de pessoas com quem possa se identificar imaginariamente, de modo que Bauman (2005) afirma que a perda da referencia do “eu sou eu” faz com que o sujeito mudar rapidamente de fala, vestimenta e posturas conforme o cenário (social) dita, o que configura uma modernidade cada vez mais líquida:

No admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam. As identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno vôo, usando os seus próprios recursos e ferramentas. O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente, “nem-um-nem-outro”, torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” – ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto (BAUMAN, 2005, p. 33).

            O magistério é mais uma das profissões expostas ao mal-estar, pois a docência se defronta com os tais tempos líquidos da modernidade, em que podemos observar uma  porcentagem elevada de professores com sintomas de mal-estar nas ultimas décadas. Assim, podemos constatar que o mal-estar do docente é um fenômeno da sociedade atual, diante das mudanças sociais que ocorreram nos últimos anos e que impactaram fortemente no comportamento dos alunos. Assim, observamos que os  desafios da docência são atravessados por sentimentos como a insatisfação, desinvestimento, desresponsabilização, desejo de abandonar a docência, absentismo, esgotamento, ansiedade, stress, neurose e a depressão no cotidiano do professor.

            A problematização do mal-estar da docência se defronta com uma cobrança excessiva, ainda que inconscientemente, dos próprios docentes em meio a demanda do estresse vivido. O que acarreta diretamente no desempenho de suas funções, pois trazem consigo um pensamento tradicional da perfeição do professor com todo seu conhecimento, além de ter que separar o lado profissional da vida pessoal. Onde jamais pode transparecer fraqueza ao alunado, este que, na maioria dos casos, faz cobranças demasiadas que afetam diretamente o psiquismo do docente.

            Diante da modernidade liquida, descrita por Bauman (2005), cabe ao professor repensar seu papel na sociedade, refletindo sobre a perda ou enfraquecimento de vínculos de afetividade, a baixa estima de alguns professores, que não conseguem efetivar laços mais duradouros que tragam o aluno ao interesse pela matéria dada em sala de aula. O professor precisa lidar com estes desafios e não se sentir menosprezado, pois, o magistério é uma das profissões que mais exige o cuidado para com o próximo, não esquecendo obviamente de si:

O que todos nós parecemos temer, quer estejamos ou não sofrendo de ‘depressão dependente’, seja à luz do dia ou assombrados por alucinações noturnas, é o abandono, a exclusão, ser rejeitado, ser banido, ser repudiado, descartado, despido daquilo que se é, não ter permissão de ser o que se deseja ser. Temos medo de nos deixarem sozinhos, indefesos e infelizes. Tememos que nos neguem companhia, corações amorosos, mãos amigas. Receamos ser atirados ao depósito de sucata. O que mais nos faz falta é a certeza de que isso não vai acontecer – não conosco. Sentimos falta da garantia de exclusão da ameaça universal e ubíqua da exclusão (BAUMAN, 2005, p. 94).

            Podemos concluir que o mal-estar na docência em tempos líquidos de modernidade requer um atenção ampliada. Pois, o professor precisa compreender que ele precisa cuidar de si próprio e de sua saúde mental para melhor desempenhar sua função relacionada à docência. E que ele se compreenda como uma peça fundamental na construção do critico saber do aluno. E que acima de tudo, não possa ser tão rigoroso com seus próprios erros, amenizando então, a angustia de ser um profissional perfeito e aprendendo a lidar com suas frustrações. Cabendo-lhe o auxílio da psicanálise, que através da atenção minuciosa de um analista, pode lhe trazer a consciência das causas de tantas angústias que não só o assolam, mas também a sociedade atual, fadada a não ter soluções rápidas, prontas e sólidas em tempos líquidos diante do mal-estar da docência. 

5. ENTREVISTA COM PROFESSORA DIANTE AFASTAMENTO PROFISSIONAL

Trazemos aqui a entrevista com a Sra. Angela Almeida (nome fantasia), professora aposentada de geografia no município do RJ, 68 anos, moradora de Copacabana. Ela fez o ensino normal no colégio Carmela Dutra em Madureira, onde se formou em 1972 aos 20 anos de idade. Começou a lecionar como professora em dois colégios da região de Madureira a partir de 1973, atuando por mais de 30 anos dentro e fora sala de aula.

Por volta de 1994, já com seus 44 anos foi acometida pela “Síndrome do pânico”, e depois se declinou para a Alienação Mental, que se caracteriza quando (em razão de uma doença psíquica) ocorre a diminuição de processos cognitivos, ou seja, quando ocorre a perda significativa da aquisição de conhecimento nos fatores como o pensamento, a linguagem, a percepção (da realidade), a memória, o raciocínio e demais fatores relacionados ao desenvolvimento intelectual. Doença esta, que a afastou de todas as suas atividades que, segundo ela, tanto amava. por sentir pavor de entrar em uma sala de aula. Fator que, segundo ela, a entristece nos dias atuais.

Assim, afastada do Magistério, foi considerada a época como caso clinico de Alienação mental que segundo a portaria 1.675/MPOG, de 06/10/06, pelo seu Manual para Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais, prescreve que “alienação Mental é um estado de dissolução dos processos mentais (psíquicos) de caráter transitório ou permanente (onde o volume de alterações mentais pode levar a uma conduta antisocial), representando risco para o portador ou para terceiros, impedindo o exercício das atividades laborativas e, em alguns casos, exigindo internação hospitalar até que possa retornar ao seio familiar. Em geral estão incluídos nesta definição os quadros psicóticos (moderados ou graves), como alguns tipos de esquizofrenia, transtornos delirantes e os quadros demenciais com evidente comprometimento da cognição (consciência, memória, orientação, concentração, formação e inteligência)”.

Entende-se que a alienação mental não será decorrência de qualquer doença psiquiátrica, tampouco expressa uma patologia específica, vez que reflete o estado de “alteração completa ou considerável da personalidade, comprometendo gravemente os juízos de valor e de realidade, bem como a capacidade de entendimento e de autodeterminação, tornando o indivíduo inválido total e permanentemente para qualquer trabalho (Portaria 797 MPOG, de 22/03/2010)” (TRF 3ª Região, Órgão Especial, MS 0013142-03.2010.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Carlos Muta, julgado em 14/3/12, e-DJF3 Judicial 1 Data:20/3/12).

Diante de seu quadro clinico, foi aposentada por Invalidez aos 46 anos. Uma vez afastada de sua profissão no magistério, entrou em depressão e passou a ser medicada por um psiquiatra, sendo dependente até hoje de medicações a fim de amenizar o sintoma instaurado.

6.ENTREVISTA REALIZADA EM DEZEMBRO DE 2019

M: Sra. Angela, o que a motivou a docência?

A: Foram meus pais. Minha mãe era uma simples costureira e meu pai era sapateiro. Eles eram muito humildes, mas procuravam ajudar as pessoas ao nosso redor. No nosso bairro de Madureira na década de 60, vivíamos diante de muita pobreza e existiam muitos analfabetos. Foi então, que nos meninas da região eram motivadas da ensinar aquelas pessoas ao nosso redor. Foi então, ali por volta do meus 12 anos que comecei a ler efetivamente e pegar a clássica tabuada. Memórias marcantes de um tempo de inocência. Lembro-me de ver nos olhos daqueles operários e donas do lar uma esperança com a educação.

M: E o que mais te marcou neste período?

A: Quando comecei a ler e a estudar as regras de nossa gramática, percebi que podia contribuir para todos ao meu redor. Então, me dediquei a leitura constante de livros, os quais abriram a minha mente para minha vocação.

M: Foi naquele momento que a Sra. sentiu que sua vocação seria o Magistério?

A: Na verdade me considerava uma normalista, com a mudança, fomos para o conceito do Magistério. E sim, em meio toda aquela transição, percebi que meu papel era ensinar. Saber que podia ajudar as pessoas com a educação sempre foi minha maior motivação. E isso me fez vencer muitos desafios da pobreza naquela época.

M: O que você gostava de ensinar?

A: Eu gostava de ensinar inicialmente regras da língua portuguesa e tabuada. Era bem simples. Eu sempre tive uma didática e paciência como as crianças, jovens e adultos, pois todos tinham muita vontade de ler e escrever, além de fazer contas. Naquela época, muitos pais ficam também nas salas as vezes para aprender alguma coisa. Nos professoras tínhamos muitos pais presentes quando podiam. Eles também tinham um interesse em aprender, ainda que fosse o mínimo possível. E isso me inspirava…

M: Quando a Sra. começou a lecionar?

A: Na verdade comecei muito antes de entrar na escola normal. Eu já ajudava nas tarefas de casa e também nas lições de meus coleguinhas ao meu redor. E creio que isso me direcionou ao Magistério. Pois, eu e minhas colegas por volta dos 14 anos já tínhamos em mente que queríamos entrar na escola mais famosa da região, chamada Carmela Dutra. Esta, que iniciava todas as meninas normalistas. Era o nosso sonho na época, pois sempre via as moças com seus uniformes elegantes. E eu dizia para mim mesma, que um dia vestiria aquele uniforme. Fator que muito me motivou e com meus 15 anos entrei na escola normal. Anos dourados em minhas lembranças.

M: A Sra. disse que iniciou sua carreira ensinando Português e regras da tabuada, o que a fez mudar de interesse ao ensino da Geografia ?

A: Sempre amei os livros com suas historias, regras gramaticais e tabuada, mas quando comecei a estudar o mapa do Brasil, comecei a me interessar por todo território nacional, já que naquela época muitas pessoas vinham do Norte e Nordeste para o subúrbio do RJ. E aquela gente tinha histórias de vida, expressões, cultura e arte. Então, isso me motivou a estudar Geografia do Brasil e do mundo.

M: O que mais marcou a Sra. no período de sua docência ?

A: Certamente o brilho no olhar daquelas crianças, jovens e adultos. Via a esperança no olhar deles. A cada aprendizado, a cada risco de lápis, a cada apagar de borracha… Todos estes fatores marcaram minha vida. Quando via uma criança escrever as primeiras palavras, um jovem e um adulto resolver um problema de matemática, sentia em meu coração um alivio e emoção somados. (Neste momento a Sra. Angela chora emocionada com estas lembranças)

M: Diante de tantas memórias lindas de sua docência, a Sra. compreende como a síndrome apareceu pela primeira vez em sala de aula?

A: Não posso dizer com exatidão. Só posso dizer que me vi ali diante deste precipício. Foi um mal que me acometeu repentinamente. Só me lembro de estar bem diante das tarefas que sempre fiz com amor. Mas, derrepente numa manhã antes de ir para escola senti um aperto no coração. Algo estranho, pois nunca tinha sentido aquilo antes.  

M: Quais foram os sintomas que apareceram?

A: Comecei a sentir uns calafrios, dores no pescoço. Até achei que tinha pegado uma resfriado. Daquele dia em diante, nunca mais fui a mesma, pois chegando na escola, paralisei e comecei a chorar desesperadamente sem parar. E os alunos vieram me socorrer. Não tinha controle daquilo e me levaram para a sala da diretora. Achei mesmo que estava com alguma doença, logo fui direcionada para um hospital, mas não fui diagnosticada com nada. E após fazer inúmeros exames. A conclusão que chegamos que eu estava tendo um crise nervosa diante das tarefas. Mas, eu sabia que não era aquilo. Eu amava o que estava fazendo. E aquela dor foi me tomando. Algo se apoderou de mim sem controle. Ali me vi completamente tomada por algo que desconhecia. E comecei a tomar remédios para os nervos. Não consegui mais sair de casa. Passei a ter medo dos som alto, de vozes, de grandes movimentações ao meu redor. Ficava tremendo e com muito medo diante do mundo ao meu redor. Algo incontrolável.

M: A Sra. teve apoio de sua familia, amigos e colegas?

A: Sim, na época estava casada e tinha um filho adolescente. Meu falecido marido era corretor de imóveis. Ambos não entendiam o porque daquilo, mas procuram me apoiar no que podiam, pois comecei abandonar as tarefas do lar e todas as motivações. Meus colegas de trabalho achavam que problemas nos nervos com o dia a dia. Naquela época não se falava na palavra estresse. Desconhecíamos estes termo. Mas, me vi num tempo muito difícil, pois perdi completamente toda minha motivação. Foi um período de muita dor para mim, para minha familia e amigos, pois nenhum médico dizia o que eu tinha exatamente. Foi quando suscitaram que era uma mal espiritual. Ai me levaram para igrejas, centros e etc. Com o propósito de uma solução, mas foram apenas apoios paliativos. Eu melhorava momentaneamente, mas passado 2h e voltava a sentir todos os sintomas de novo. E o medo de tudo e de todos me rondavam com se fosse um monstro. Hoje, falo isso com mais calma após ter iniciado minhas intensas medicações e minha terapia com o psiquiatra.

M: O que a medicalização e a terapia te auxiliaram na mudança de seu estado clinico?

A: Eu passei a tomar inúmeras medicações de tarja vermelha e depois fui para de tarja preta. Medicações que na verdade me drogavam. Me sentia tonta, como se estivesse bêbada. Passei fazer inúmeros exames e nada. Tive que me afastar todas as minhas atividades. Inclusive a escola, fator me levou mais ainda a meu declínio, pois deixava o meu Amor de lado. Me senti traindo todos os alunos. Foi o pior momento de minha vida! Me senti covarde, pequena e inerte a vida. Só melhorava temporariamente com a medicação, mas tudo voltada ainda mais forte e me paralisava totalmente. Comecei a receber visitas, foram quase dois anos, quando tive que me afastar de vez da escola. E meu marido entrou com processo de analise de minha situação junto ao INSS, pois eu precisava de uma parecer de uma junta medica para dizer qual seria o caminho a tomar. E após uns 6 meses de investigação, meu laudo diagnosticou problemas mentais que me incapacitavam a uma vida social. Isso caiu como uma bomba no meu colo, pois me sentia indefesa e impotente diante desta doença que me controlava. Então, me aposentaram por invalidez. 

M: Com a sua aposentadoria, como se tornou sua vida?

A: Fui para uma prisão que desconhecia totalmente os motivos. Comecei a tomar várias comprimidos. E meu marido e filho se tornaram meus enfermeiros. Tinha queda de humor e muito desânimo. Foram uns 3 anos assim. Quando fui orientada a ir a um psiquiatra que também era psicanalista. Ele começou a diminuir as doses dos medicamentos e tínhamos sessões de análise. Foi quando comecei a ter uma certa noção da minha vida. Comecei a me situar, ainda que lentamente. Este Dr. era diferente, pois ele conversava mais comigo. E não era só o medicar, tínhamos sessões descontraídas. Algo que não sentia há tempos, ainda que minha família e amigos se esforçassem. Foi quando comecei a fazer análise, que para mim era só para pessoas malucas, mas eu não era maluca, só estava doente. 

M: O que a sessão de análise contribuiu para o seu antigo caso e seus sintomas?

A: Creio que o estabilizar de minha doença foi aos poucos, ainda sinto os sintomas, mas não como antigamente. E com a análise pude falar de todas as minhas aflições de todos estes anos, pois passei a ver o mundo cinza, sem cores. E isso muito me incomodava. Mas, com a terapia e com menos remédios na minha cabeceira, comecei ver uma luz no fim do túnel. Com as sessões, passei a refletir sobre questões intimas, coisas que estavam guardadas, desde o tempo de minha infância. Questões mal acabadas. Frustrações que me prendiam no passado. Ainda que meus pais tenham sido tão amorosos. Algo inexplicável mesmo. Que até hoje não sei explicar. Mas, apenas dizer que após anos de muito sofrimento. Comecei a me erguer. Abrir a janela. Respirar o ar. Vê as cores do mundo. Creio que por uns 12 anos, tive muitas oscilações de humor. E sou muito grata a minha família que souberam lidar com esta doença em minha vida. Foram anos de muita angústia por me sentir totalmente impotente diante dessa doença paralisante. 

M: O que a Sra. aprendeu com sua doença ?

A: Aprendi e aprendo a cada dia que todos nós estamos suscitáveis a doenças mentais que se manifestam. Ainda sofro um pouco, mas agora só tomo Rivotril, somado a uma dieta rigorosa e exercícios de hidroginástica. Os quais, amenizam a minha oscilação. Mas, hoje sou um pouco mais independente. Ainda que viúva, meu filho me da muito apoio. Embora, seja dependente de meu filho para todos assuntos burocráticos, pois nunca mais fui autônoma. Ainda que faça minhas atividades de forma independente.

M: E a docência? Como a Sra. a vê, após ter se afastado dela? 

A: Hoje, prefiro olha-la com admiração, pois ela é grandiosa. Eu compreendi em análise que eu fiz o meu papel e contribui para muitas vidas. E esta reflexão me fez respirar com mais ânimo. Ainda que ele ainda sofra algumas alterações. A escola para mim é um templo. E lá alcancei minha graça. Não enxergava isso antes, mas com as conversas com o Dr. e todas as nossas reflexões, pude concluir que tudo na vida é realmente tão fulgaz e momentâneo.

E só posso contribuir ao mundo com minha presença menos dolorosa. Hoje, não consigo mais lecionar, mas trago em meu coração tantos amores, que por um longo período na escuridão desta doença, me fez esquecer do brilho do olhar de tantos que também se iluminaram com o saber. E isso e o que mais me deixa feliz, ainda que meu quadro seja oscilante, pois uma hora estou bem, outra ainda me sinto com medo, porém mais leve graças a terapia e minhas reflexões do que fui no passado e do que sou no presente.

M: Com a análise e o menor uso de medicação a fizeram sentir melhor?

A: Não estou totalmente curada, mas com sintomas amenizados graças a soma de meus esforços, juntamente com a terapia e todo apoio que tive ao longo de minha vida. E o simples fato de não tomar tantos medicamentos me tranquiliza o coração. Pois, naquela época que comecei o tratamento, os medicamentos eram muitos agressivos ao meu organismo, fazendo eu ter novos problemas de saúde. Passei a ter sérios problemas de estômago, alucinações, insônia e outros efeitos colaterais absurdos que mais contribuíam para retardamento do que minha evolução no meu tratamento.

M: Hoje, a Sra. aos seus 68 anos como se vê após o deixar a Docência em nome da doença e suas medicações ?

A: Eu jamais deixei a Docência, ela sempre foi autônoma e itinerante. Minha contribuição foi efetiva. E temos hoje muitos soldados que lutam pela boa educação neste pais. Tenho certeza disso! Agora, quanto a doença que me assolou por muitos anos, ela simplesmente me paralisou, porém, não me enterrou. Estou aqui, agora… E enquanto eu puder auxiliar alguém, ainda que com minha limitações, creio que ainda serei útil ao mundo, mesmo que de maneira restrita. Pois, sou uma Normalista que traz na minha bolsinha um lápis e uma borracha. Componentes estes sempre dispostos a auxiliar alguém, anda que com toda tecnologia a mão, não abro mão de continuar a riscar linhas. Estas, que são a identidade de cada um, pois um lápis e uma borracha escrevem historias e apagam erros. Foi o que refleti em terapia. Que meus erros e momentos difíceis na minha história não podem ser apagados com uma borracha, mas sim reescrito com meu lápis. E a vida segue com novas letras, novos versos e poesia. E assim é a Vida…  

7.CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Diante do exposto, é possível concluir com base no texto “Análise Terminável e Interminável” de Freud (1937), texto este basilar que contempla com veemência as profissões impossíveis que estão visivelmente presente na atualidade, que educar, governar e psicanalisar estão bem longe de uma realidade tangível. Uma vez que o professor se posiciona através do uso da linguagem, esta que escapa ao falante, o deixa sempre com uma sensação de não completude e por vezes, com uma sensação de impotência diante do outro.

            Assim, percebemos que a psicanálise oferece contribuições importantes ao cenário educacional, na medida em que coloca que todos os sujeitos, inclusive os professores, estão submetidos a um mal-estar estruturante, que se busca solucionar de diferentes formas, dentre elas o recurso a medicação; e que educar é uma profissão impossível, na medida em que o educador é marcado tanto por uma impossibilidade ou por uma impotência, na medida em que não tem como dar conta da demanda do outro. E que por sua vez, este conflito interno, na maioria dos casos, irá gerar sensações de fracassos e frustrações e com isso, a possibilidade de angústia. Logo, os sintomas serão visíveis, e com eles a busca pelas medicações, que se coloca como uma saída ou solução diante da dura realidade em que o docente não consegue sustentar diante de seu desejo impossível de ser alcançado. E com isso, estaremos sempre diante de um grande mal estar da docência e, consequentemente o uso da medicações serão quase que sempre uma alternativa aos profissionais que não sustentam a dor de suas incapacidades e frustrações diante das exigências volumosas da escola, dos alunos e da sociedade em si.

            Porém, a psicanálise estaria a disposição para contribuir com suas ferramentas ao oferecer a escuta a este docente, dentro de um contexto em que ele mesmo se compreenda na sociedade e entenda a origem de seu sofrimento psíquico. Onde ele possa compreender a demanda sem se abalar tão significamente, a ponto de chegar a um esgotamento psíquico e por sua vez, encontrando nas drogas ou medicações a única alternativa de remediar algo que irremediável: a satisfação pulsional plena, que é algo impossível, inalcançável, posto que o sujeito é marcado por uma falta estrutural, tal como Freud demonstra em sua análise acerca do mal-estar na civilização.

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1Pós-Graduanda do Curso de Psicanálise e Saúde Mental da Universidade Candido Mendes.

2Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFMG). Psicóloga Hospitalar do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP-UFF). Docente dos cursos de especialização do SEPAI/Instituto São Zacharias de Estudos e Pesquisas/UCAM.