VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: CULTURAL E INVISÍVEL

OBSTETRIC VIOLENCE: CULTURAL AND INVISIBLE 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8326553


Vitória Raissa Rodrigues Ferreira1
Edna Marques Bezerra da Hora Vidal1
Natália Pereira Cordeiro1
Nara Ferreira dos Santos1
Willian dos Santos Silva1
Pedro Ivo Torquato Ludgerio2
Luciano Moreira Alencar3
Maria Misrelma Moura Bessa4
Sharlene Maria Oliveira Brito5


RESUMO 

Objetivo: Analisar os fatores que levam a elevada incidência de violência obstétrica às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal destacando a importância da educação em saúde para prevenção deste agravo. Método: trata-se de uma revisão integrativa da literatura, de abordagem qualitativa que utilizou a estratégia PICo para  contextualização da pergunta norteadora a fim de filtrar e direcionar a coleta de dados para a construção de um estudo primário. Resultados: foram encontradas 731 publicações indexadas no total. Posteriormente a uma leitura minuciosa da amostra parcial 16 artigos foram selecionados para compor a revisão, sendo esta amostra final  analisada, sintetizada e organizada utilizando um quadro-síntese definido conforme o  sistema Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation, de maneira adaptada. Considerações finais: a disseminação de conhecimentos sobre a  violência obstétrica e sobre a humanização da assistência ao parto, é fundamental  para possibilitar uma assistência holística e de qualidade para as mulheres no ciclo gravídico-puerperal. 

DESCRITORES: Violência Obstétrica; Violência Contra a Mulher; Educação em  Saúde. 

ABSTRACT 

Objective: to analyze the factors that lead to a high incidence of obstetric violence against women during the pregnancy-puerperal cycle, highlighting the importance of  health education to prevent this problem. Method: this is an integrative literature  review, with a qualitative approach that used the PICo strategy to contextualize the  guiding question in order to filter and direct data collection for the construction of a  primary study. Results: 731 indexed publications were found in total. After a thorough  reading of the partial sample, 16 articles were selected to compose the review, and  this final sample was analyzed, synthesized and organized using a summary table  defined according to the Grading of Recommendations Assessment, Development and  Evaluation system, in an adapted manner. Final considerations: the dissemination of  knowledge about obstetric violence and the humanization of childbirth care is essential  to enable holistic and quality care for women in the pregnancy-puerperal cycle. 

DESCRIPTORS: Obstetric Violence; Violence Against Women; Health Education.  

1 INTRODUÇÃO 

A vivência de uma gravidez continua sendo um processo muito desafiador, permeado de mudanças e dificuldades, onde se espera que a mulher passe por diversas alterações tanto físicas quanto psicológicas, desde o início da gestação até  o seu desfecho. Os problemas mais comuns enfrentados por mulheres nesse estado  estão relacionados principalmente às mudanças psicológicas, sendo a de maior  apresentação a ansiedade, que é prevalente principalmente no decorrer da gestação  quando se pensa no momento da parturição e da vida pós-parto.1

Diferente do que se vê hoje, o modelo de parto, até o final do século XIX e  começo do século XX, era completamente diferente, sendo este realizado  majoritariamente de maneira domiciliar, com a presença de parteiras e outras  mulheres da família, com o mínimo de intervenções em seu curso, já que não se tinha  grandes estudos e conhecimentos a respeito de práticas que poderiam ser realizadas para acelerar esse processo, nem para melhorar a qualidade da assistência prestada  à mulher em trabalho de parto, sendo um cuidado totalmente baseado no empirismo.2-3 

Com o passar do tempo, avanços na área médica possibilitaram uma revolução  do cenário de parto, levando o ato de parir para os hospitais, a fim de melhorar as  condições de saúde das gestantes e parturientes, assim como dos neonatos. Através da criação do parto cesáreo, do uso de técnicas assépticas neste momento, o uso de  fórceps, medicamentos e outros cuidados especializados, foi possível se ter partos mais rápidos e eficientes, evitando um grande sofrimento para a mulher.1 

A hospitalização do parto trouxe muitos benefícios, tanto para a parturiente,  quanto para o bebê, como a redução da taxa de mortalidade materno-infantil durante  o parto e a redução de agravos relacionados a esse processo, mas, também trouxe  alguns malefícios, como a Violência Obstétrica (VO) praticada pelos profissionais  dentro das instituições de saúde em todo o processo de pré-parto, parto e pós-parto.4 

Frequentemente são vistos relatos de mulheres que passaram pelo pré-natal, parto ou puerpério permeadas por violência, tornando o ato de parir, o momento com a maior somatória de experiências traumáticas relacionadas. A VO, além de traumatizante, se tornou um grande fator de risco relacionado à mortalidade materno fetal, sendo responsável pela diminuição da qualidade da assistência obstétrico neonatal, e reduzindo a confiabilidade das mulheres nos profissionais de saúde,  demonstrando ser cada vez mais necessário que haja uma reviravolta neste cenário  para que esses indicadores negativos se revertam.5 

Com base nas pesquisas realizadas e com a conceituação da violência obstétrica, surgiram questionamentos sobre os principais fatores que motivam a violência obstétrica às mulheres no processo de gravidez, parto e puerpério e como a educação em saúde pode ser um fator de proteção. 

Provavelmente, pode existir uma multifatorialidade que motiva a incidência da VO, desde fatores que dizem respeito aos profissionais de saúde, até os que se tratam  da mulher e da sociedade. Um deles é a defasagem no processo de educação em saúde, tanto para profissionais quanto para as mulheres, o que deixa uma brecha para  uma maior ocorrência deste tipo de violência. 

Portanto, saber os fatores motivadores da aplicação de práticas consideradas  violência obstétrica às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal é essencial para haver a criação e implementação de ações mais eficazes, principalmente relacionadas  à prevenção e intervenção nesse contexto independentemente da origem dessas  reações violentas, sejam elas de atitudes e comportamentos ou de condições  políticas, educacionais, econômicas, sociais e/ou culturais.6,1 

Sabendo disso, a educação em saúde entra como um fator protetor e integrador, que possibilita às pessoas envolvidas no processo de gravidez e parturição, desenvolver um senso crítico a respeito da assistência prestada, principalmente no que tange a violência obstétrica, além de criar um vínculo de confiança entre o profissional e a mulher, dando a mesma, subsídios para prevenção  de agravos voltados a VO, tornando a mesma protagonista de seu cuidado durante  todo o ciclo gravídico-puerperal.7 

Portanto, o presente estudo objetiva analisar os fatores que levam a elevada incidência de violência obstétrica às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal destacando a importância da educação em saúde para prevenção deste agravo. 

2 MÉTODO 

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, de abordagem qualitativa, que por ter um método criterioso e amplo, visa identificar os conhecimentos existentes  sobre o determinado tema, além de fornecer informações a respeito da temática pesquisada, de maneira direcionada a definir conceitos, e analisar a temática, resultando em contribuições significativas para a ciência e para a prática clínica.8,9

Para seleção do material para compor o corpo teórico da pesquisa, foi feita uma  busca nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrievel System Online  (MEDLINE), Base de Dados de Enfermagem (BDENF) e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), dentro da Biblioteca Virtual em Saúde  (BVS), de estudos científicos que apresentassem informações a respeito da violência  obstétrica direcionada às mulheres que estão dentro do ciclo gravídico-puerperal,  utilizando-se da estratégia PICo para contextualização da pergunta norteadora “Quais  os principais fatores que motivam a violência obstétrica às mulheres no processo de  gravidez, parto e puerpério no Brasil, e como a educação em saúde pode ser um fator de proteção?”, a fim de filtrar e direcionar a coleta de dados para a construção de um  estudo primário como mostra no quadro abaixo (Quadro 1). 

Quadro 1 – Estratégia PICo 

Fonte: Elaborado pelo autor, 2023.

Os descritores em ciências da saúde (DeCs) utilizados na busca foram: em português, Violência Obstétrica, Violência Contra a Mulher e Educação em Saúde, em inglês, Obstetric Violence, Violence Against Women and Health Education, e em espanhol,Violencia Obstétrica, Violencia Contra la Mujer y Educación para la Salud. Estes foram cruzados de três maneiras para obtenção da amostra da pesquisa. Primeiramente cruzou-se Violência Obstétrica e Violência Contra a Mulher, posteriormente Violência Obstétrica e Educação em Saúde, e por fim Violência Contra  a Mulher e Educação em Saúde. Entre estes cruzamentos utilizou-se o operador booleano AND. 

Os achados bibliográficos foram selecionados através do uso do fluxograma PRISMA adaptado (Figura 1), focando em estudos que respondessem à pergunta norteadora já supracitada. 

Os estudos passaram por três filtragens dentro do componente PRISMA, sendo  a primeira passando-os por critérios, sendo os de inclusão: estar em língua  portuguesa, inglesa ou espanhola, e ter sido publicado no período de 2018 a 2023.  Além disso, para o terceiro cruzamento, foi utilizado como critério de inclusão os filtros  de assunto principal: “Violência Contra a Mulher”, “Saúde da Mulher”, “Saúde Pública”,  “Estratégias de Saúde Nacionais”, “Atenção Primária à Saúde”, “Mulheres”, “Violência  de Gênero”, “Cuidados de Enfermagem”, “Assistência Integral à Saúde”, “Educação  em Enfermagem” e “Direitos Humanos”, para que assim fosse possível delimitar  melhor os assuntos apresentados pelos estudos achados dentro deste cruzamento, possibilitando uma amostra final mais específica para a pesquisa em questão.

Para os critérios de exclusão foram: não atender aos objetivos do trabalho, não responder à questão norteadora do mesmo e estar indisponível ou duplicado nas bases de dados da BDENF, LILACS e MEDLINE dentro da BVS. Também foram excluídas notas técnicas, estudos de revisão e guias de prática clínica. 

Após essa primeira seleção, a segunda filtragem da amostra oriunda do primeiro passo foi feita selecionando-se os estudos por títulos e resumos, restando os que se encaixam na temática do presente estudo. Por fim, a terceira filtragem consistiu em ler a resultante de artigos da segunda filtragem de maneira integral, o que culminou na amostra final que foi componente essencial na construção do corpo teórico da  pesquisa. 

Figura 1 – Fluxograma PRISMA

Fonte: Fluxograma PRISMA adaptado, 2020.

3 RESULTADOS 

Na primeira parte, referente à busca em base de dados, foram encontradas 731 publicações indexadas no total, destas, 125 resultaram do cruzamento entre “Violência Obstétrica” e “Violência Contra a Mulher”, 59 artigos do segundo cruzamento entre “Violência Obstétrica” e “Educação em Saúde” e 547 do terceiro cruzamento entre “Violência Contra a Mulher” e “Educação em Saúde”. 

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão supracitados nos cruzamentos em questão, foi obtida uma amostra parcial de 211 estudos, onde, 132 estavam duplicados nas bases de dados escolhidas. Depois de uma análise preliminar da amostra restante, 80 destes foram eliminados pela leitura do resumo e título e por  não se enquadrar na temática desta pesquisa. 

Posteriormente a uma leitura minuciosa da amostra parcial dos 52 artigos restantes, 36 foram descartados por não atender a questão norteadora e 16 foram selecionados para compor a revisão, sendo esta amostra final analisada, sintetizada  e organizada utilizando um quadro-síntese definido conforme o sistema GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation), que  contém o nome do autor, ano de publicação, título do periódico, título do artigo, local  da publicação nível de evidência e principais resultados da publicação conforme  detalhamento do Quadro 2.10 

QUADRO 2 – Instrumento de coleta de dados dos estudos selecionados, Juazeiro do  Norte, Ceará, Brasil, 2022

4 DISCUSSÃO

4.1 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 

Apesar de muitos benefícios, a hospitalização do parto e as novas maneiras para parir, que surgiram por volta do século XX, trouxeram algumas práticas, atualmente vistas como danosas para saúde materno-fetal e que hoje se enquadram como Violência Obstétrica (VO).11 

O cenário obstétrico da atualidade posiciona a mulher como um ser submisso, frágil e passivo perante os profissionais de saúde, os colocando como “donos do  saber”, o que propicia o acontecimento do parto como um procedimento mecânico e desumanizado, onde a figura protagonista deixa de ser a mulher e passa a ser o profissional de saúde .3 

Não obstante, no momento do parto, é muito comum que sejam realizadas  práticas consideradas desnecessárias e que muitas vezes não possuem  embasamento científico nenhum, se enquadrando assim na VO, como o caso do  enema, da episiotomia, da manobra de Kristeller, e mesmo da cesárea de rotina.2 

Em muitos casos os profissionais preferem ir contra a fisiologia do corpo da parturiente e acelerar o processo de parto, muitas vezes visando o benefício próprio, apenas para serem liberados para outras atividades vistas como mais lucrativas, o  que contribui significativamente para o aumento do número de cesáreas sem  indicação clínica e para manter um modelo de parir mais intervencionista.3 

Para Leite et al. 13, devido a esses atos desrespeitosos, abusos e violências infligidas às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal serem tão comuns, é que a  VO passou a ser vista como uma forma muito grave de violência de gênero que vai  contra os direitos humanos e o direito das mulheres, além de ser considerada um grande problema de saúde em escala global. 

4.2 A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 

A violência por si só remonta aos tempos pré-históricos e é comum desde o  surgimento da raça humana, mas a violência contra a mulher, de maneira específica, só passou a ser considerada algo ímpar por volta da década de 90, sendo denominada violência de gênero e tendo como principal fator motivador comportamentos inerentes de um pensamento arcaico, construído por meio de uma cultura sexista, machista e patriarcal, difundida pelo Estado, instituições religiosas, escolas, família e sociedade,  tendo como exemplos: a escravidão sexual nos períodos de guerra, a violência doméstica, o assédio sexual, o estupro e a coerção dos diretos reprodutivos.14,13 

Por mais que muitos marcos históricos tenham conseguido conquistar e  consolidar leis de proteção à mulher, como a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, de 1993, e a Convenção de Belém do Pará, em 1996,  algumas sociedades ainda naturalizam e mantêm o comportamento violento com as mulheres como algo cultural e intrínseco a alguns locais, como nas instituições que  prestam serviços de saúde.15 

Por muitas vezes, o comportamento violento direcionado a mulher é algo bem  tolerado nesses serviços, principalmente quando se fala da violência dentro do cenário  de gravidez e parturição, já que os atos de VO que advém do processo de medicalização praticados com as mulheres, são vistos pela sociedade como  procedimentos comuns e rotineiros que devem ser realizados durante o parto e puerpério.16 

Para Nascimento et al. 17 toda essa violência obstétrica praticada é sustentada  por diversos fatores, como: a cultura de sociedade patriarcal e a violência de gênero,  o parto sem humanização, a falta de tecnologias aplicadas à saúde, o cuidado sem embasamento científico, a falha no processo de educação em saúde dos profissionais  e pacientes, entre outras coisas; sendo o principal deles a falta de conhecimento da  mulher a respeito de seus direitos reprodutivos e da violência obstétrica no ciclo  gravídico-puerperal, o que leva elas a passarem por situações traumáticas, que  quando não causa a sua morte, pode causar a de seu concepto. 

Borges et al. 18 e Campos et al. 16 dizem que apesar de muitas mulheres  relatarem ter passado por experiências desagradáveis nos serviços de saúde, durante  sua gestação e parto, nem todas conseguem identificar o que seria uma prática  considerada VO, e devido à cultura do tratamento grosseiro contra a  gestante/parturiente nas instituições de saúde ser tão comumente naturalizado pela  sociedade, é que essas mulheres encaram qualquer situação desconfortável  enfrentada nesses serviços como algo normal e necessário para se dar à luz a seu filho. 

4.3 TIPOS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 

Apesar de não existir um consenso que tipifique e categorize a VO, é possível subdividi-la, de maneira didática, em quatro categorias principais, sendo elas:  violência física, violência verbal, violência institucional e violência psicológica.19,2 

4.3.1 Violência Física

Partida da prática intervencionista desnecessária ao corpo da mulher sem o  seu consentimento e que potencialmente possa lhe causar algum dano físico ou dor,  a violência física dentro do cenário de parto é muito comum, tendo como principais  exemplos praticados: exames de toque vaginal feitos de maneira excessiva e por  vários profissionais diferentes, restrição da posição de parto, negação da ingesta de  líquidos e alimentos pela parturiente sem indicações clínicas reais, manobra de kristeller, uso de fórceps sem indicação clínica, administração de ocitocina, imobilização da parturiente, episiotomia sem consentimento, entre outras.20 

4.3.2 Violência Verbal 

Segundo Nascimento et al. 21, muitas mulheres, apesar de negarem conhecer  o termo VO, relatam que sofreram dentro das instituições de saúde, em grande  maioria, a violência verbal, sendo esta realizada mediante comentários grosseiros e  desrespeitosos, gritos e ofensas, proferidos por profissionais de saúde a essas pacientes, desde o momento da triagem até o pós-parto, o que gera um sentimento  negativo nas pacientes, as fazendo se sentir desrespeitadas, objetificadas, humilhadas e diminuídas em uma fase de sua vida a qual deveriam ser acolhidas e  tranquilizadas. 

4.3.3 Violência Institucional 

A violência institucional está diretamente relacionada à forma como a gestante  é recepcionada nas instituições de saúde e vai desde a possibilidade do acesso às maternidades até o recebimento do atendimento. No Brasil, apesar de existir a Lei n. 11.634 de 27 de dezembro de 2007, que regulamenta o acesso das gestantes a uma  maternidade de referência, enfatizado pela Rede Cegonha através da integração do pré-natal com os demais serviços de saúde, ainda é possível dizer que muitas mulheres enfrentam dificuldades para ter acesso às maternidades e usufruir de seu  direito à saúde previsto na Constituição Federal.22 

Pesquisas ainda salientam que a dificuldade de acesso às maternidades e o deslocamento inoportuno em busca de vagas nesses serviços, assim como a falta de apoio às gestantes, as falhas no referenciamento e a inexistência de profissionais qualificados para o atendimento tem como consequência o retardo no acolhimento da mulher, o que pode levar a um grande risco para a saúde materno-fetal.22

4.3.4 Violência Psicológica 

Dentro do cenário obstétrico também é possível identificar diversas atitudes de  profissionais que se enquadram dentro da violência psicológica, esta por sua vez está diretamente ligada a atos que vão agir de modo a abalar a saúde psíquica da mulher, como na omissão de informações e orientações a respeito da gravidez e trabalho de parto e a negligência do cuidado, principalmente no momento do parto, o que gera ansiedade e preocupação na gestante/parturiente.21 

4.4 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA  OBSTÉTRICA  

A deficiência no processo de educação em saúde tanto dos profissionais, quanto das pacientes, no cenário obstétrico, deixa brecha para uma má assistência à  saúde e um cuidado desumanizado, o que pode levar a grandes problemas durante a gravidez e o parto, deixando mulheres cada vez mais vulneráveis a más profissionais com condutas duvidosas.23 

Ainda segundo Silva et al. 23, a falta de informação e a defasagem do conhecimento científico para prática clínica de profissionais assumem uma grande  parcela no acontecimento de recomendações clínicas infundamentadas e muitas  vezes danosas, sendo um grande exemplo disso a recomendação de parto cesáreo  agendado para pacientes, que além de não ter benefícios para saúde da mãe e do neonato comprovados, só contribui para agregar lucros socioeconômicos ao profissional de saúde. 

Consonante a isso, pesquisas indicam que quando a paciente também não tem um prévio conhecimento a respeito do cenário obstétrico no que tange a seus direitos  e sobre o que é a violência obstétrica e seus tipos, ela fica suscetível a acreditar que práticas desnecessárias e violentas são normais, e que inclusive servem de auxílio  em seu momento de parto, podendo citar como exemplo, o fato do uso da ocitocina  sem consentimento prévio e a manobra de kristeller não serem visualizados por essas mulheres como algo danoso e sim como algo digno de agradecimento, já que para elas isso “acelerou” o nascimento de seus filhos.20 

Não obstante, é possível afirmar que essa dificuldade de reconhecimento da vivência da violência no parto pelas mulheres é muito complexa, multifatorial, e também, dependente de uma grande linha tênue entre a mulher reconhecer ser vítima de agressão e nomeá-la como uma violência, já que o fato do reconhecimento dos  direitos das mulheres a escolha, recusa e consentimento é um conceito recente, e  ainda não se fixou de maneira permanente à cultura tanto dos profissionais quanto  das próprias mulheres, o que influencia diretamente no processo de identificação e  denúncia da VO.2 

Por mais que ainda não exista, no cenário brasileiro, uma lei que unifique a VO  como uma violação do direito da mulher, é indispensável que se compreenda que  existem algumas leis que resguardam a mulher contra atos de VO, como na lei n.º 1550 de 15 de março de 2016, do município de Sobral no Ceará, que tipifica e proíbe  atos de violência obstétrica, sendo um direito dela acioná-las caso se sinta desrespeitada, ofendida ou humilhada, responsabilizando assim as pessoas que  praticaram tal ato e obrigando-as a repará-los.16,1 

Desse modo, é possível dizer que a disseminação de conhecimentos sobre a Violência Obstétrica e sobre a humanização da assistência ao parto, com embasamento científico, por meio de ações de educação em saúde, tanto para  profissionais quanto para as pacientes, é fundamental e necessária para possibilitar uma assistência holística e de qualidade para as mulheres no ciclo gravídico puerperal, possibilitando assim a redução da incidência de VO por profissionais e melhorando o conhecimento das pacientes acerca dos seus direitos quanto a sua  gravidez, parto e puerpério.3, 23 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Em suma, é possível dizer que existem diversos fatores responsáveis por elevar a incidência de violência obstétrica às mulheres, como, por exemplo, a sociedade culturalmente estruturada no modelo patriarcal; a prática da violência de gênero; o cuidado de saúde prestado sem base científica, sem humanização e sem o uso de tecnologias aplicadas à saúde, e principalmente, a falha do processo de educação em saúde tanto para profissionais quanto para as pacientes acerca dos  direitos reprodutivos das mulheres e da violência obstétrica. 

Além disso, a ausência de leis brasileiras, em âmbito federal, que estabeleçam e especifiquem direitos para as mulheres em relação a VO se torna outro fator facilitador para o acontecimento desta violência de maneira impune, sendo imprescindível que haja um aprimoramento legislativo para haver uma defesa justa  das vítimas deste agravo. 

No tocante à educação em saúde, ao ter uma defasagem em sua continuidade, os profissionais de saúde ficam sujeitos a exercerem uma prática assistencial saturada de ações que são consideradas VO, assim como, ficam passíveis de repassar informações errôneas para as usuárias de seu serviço. 

Não obstante, pacientes, sem um processo de educação em saúde de qualidade, ficam à mercê de uma má assistência pelo desconhecimento da VO  propriamente dita e de seus direitos perante a essa prática, podendo facilmente  acreditar que práticas desnecessárias e violentas são normais, e que vão “auxiliar” principalmente em seu processo de parturição. 

Por fim, é possível dizer que, por mais atual que seja a temática da VO, a propagação de conhecimentos sobre esta temática, através da educação em saúde, é indispensável para que se crie um modelo de assistência, a gravidez e ao parto,  fundamentada e humanizada, possibilitando assim a melhora do conhecimento dos  profissionais e das pacientes acerca dos direitos da mulher dentro do ciclo gravídico puerperal, e a redução da incidência dos níveis de VO praticada nas instituições de  saúde.

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21.Nascimento SL do, Pires VMMM, Santos N de A, Machado JC, Meira LS,  Palmarella VPR, et al. Conhecimentos e experiências de violência obstétrica em mulheres que vivenciaram a experiência do parto. Enferm. actual Costa Rica (Online). [Internet]. 2019 [acesso em 11 de abril de 2023]; (37):66–79. Disponível em: http://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1409- 45682019000200066 

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1Curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE
ORCID: 0000-0001-9422-1733

1Curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE
ORCID:0009-0004-8717-1802

1Curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE
ORCID: 0000-0001-7016-7701

1Curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE
ORCID: 0000-0002-2825-3806

1Curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE
ORCID:0009-0007-1513-350X

2Enfermeiro, especialista em Infectologia, Associação Caririense de Luta Contra  Aids, Juazeiro do Norte – CE.
ORCID: 0000-0002-6452-3615

3Enfermeiro, Mestre em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Centro  Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE. 
ORCID: 0000-0002-8778-8763

4Enfermeira, Doutora em Ciências da Saúde, Centro Universitário Paraíso – UniFAP,  Juazeiro do Norte – CE.
ORCID: 0000-0003-4867-3485

5Enfermeira, Mestre em Bioprospecção Molecular, Centro Universitário Paraíso – UniFAP, Juazeiro do Norte – CE.
ORCID: 0000-0003-4768-3032