HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA: REVISÃO INTEGRATIVA

HUMANIZATION OF CARE IN INTENSIVE CARE UNITS: INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8302822


Bruna Longaray Dias 1
Diego Silveira Siqueira 2


Resumo

Introdução: A hospitalização em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) simboliza ao paciente e a sua rede familiar sentimentos de angústia e aflição, visto a incerteza e medos diante de uma ameaça à integridade da vida. Objetivo: Analisar fatores que interferem na qualidade da assistência e humanização em unidades de terapia intensiva. Método: Revisão integrativa da literatura, realizada no período de junho a agosto de 2023, a partir de buscas nas bases de dados LILACS e BDENF, vinculadas à Biblioteca Virtual em Saúde. Resultados e Discussão: A partir da análise dos estudos, foram identificados 3 eixos condutores, sendo estes: o uso das tecnologias do cuidado na UTI; comunicação interpessoal com pacientes e familiares; e sobrecarga psíquica do profissional de enfermagem intensivista. Jornadas exaustivas, escassez de recursos e ausência de preparo adequado levam profissionais a se sentirem insatisfeitos com a assistência prestada. Considerações Finais: Salienta-se a necessidade de reformulação nos modelos de gestão do cuidado para oferta de uma assistência humanizada e segura.

Palavras-chave: Unidades de Terapia Intensiva; Humanização da Assistência; Enfermagem.

1 INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Humanização (PNH), lançada em 2003 pelo Ministério da Saúde, têm entre seus objetivos garantir a aplicabilidade dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) em todos os serviços de saúde, através da análise de dificuldades, elaboração de serviços, comunicação e articulação setorial entre diferentes níveis assistenciais – visando a qualidade e efetividade do cuidado e condutas profissionais éticas e humanizadas entre os profissionais de saúde¹. A PNI compreende em suas diretrizes que a humanização é um processo intrinsecamente ligado à aspectos gerenciais e assistenciais do trabalho, sendo estes indissociáveis, pois impactam diretamente no cuidado prestado ao paciente, especialmente no âmbito hospitalar².

O período de hospitalização representa, para pacientes e familiares e/ou cuidadores, um grande fator estressor, visto que gera a desestruturação de suas rotinas prévias, requerendo adaptação a um ambiente novo, com normas e condutas atípicas. Somam-se a esta experiência sentimentos de angústia, medo e insegurança, relacionados à possibilidade de óbito ou dano permanente à integridade física do paciente³. Tais sentimentos mostram-se agravados diante de uma internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pois esta é destinada a pacientes considerados críticos e ou graves, que necessitam de monitorização contínua e cuidados intensivos4.

A UTI é um espaço de alta complexidade, onde uma ampla estrutura e o uso de tecnologias voltadas para o cuidado em saúde buscam garantir a monitorização contínua e manutenção das funções vitais de pacientes graves, objetivando sua recuperação. Pacientes críticos, por muitas vezes, encontram-se inconscientes de forma temporária ou permanente devido a eventos traumáticos de origem patológica ou acidental, em uso de dispositivos e necessitando de procedimentos altamente invasivos5. São habilidades essenciais aos profissionais de saúde atuantes neste contexto, o domínio das tecnologias de cuidado e capacidade de avaliação clínica criteriosa. Somadas às habilidades técnicas, a comunicação interpessoal e condutas humanizadas com pacientes, familiares e/ou cuidadores é extremamente fundamental, pois fortalece o processo do cuidado6.

No cotidiano das UTIs, a equipe multiprofissional oferta uma gama de cuidados ao paciente hospitalizado, contribuindo significativamente para a melhora do seu quadro,  reabilitação pós-alta hospitalar e acolhimento. No entanto, sabe-se que os profissionais da equipe de enfermagem são os que mais dispõem de tempo diário junto ao paciente e sua rede de apoio familiar e social7. Dessa forma, considerando os cuidados de enfermagem prestados ao paciente crítico e habilidades que os profissionais devem ter e desenvolver para a humanização do cuidado, o objetivo deste estudo foi “analisar fatores que interferem na qualidade da assistência humanizada em unidades de terapia intensiva”.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, metodologia de pesquisa que consiste na análise ampla de estudos sobre um determinado tema, para posterior síntese dos seus resultados, integrando-os de forma sistematizada e ordenada. O estudo foi estruturado a partir das seguintes etapas: escolha do tema e questão norteadora; estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; avaliação das informações a serem identificadas e coletadas nos estudos; análise crítica  dos estudos selecionados; interpretação e discussão dos resultados e apresentação da revisão8.

As buscas foram realizadas no mês de junho de 2023 nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Base de Dados em Enfermagem (BDENF), ambas vinculadas à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) Unidades de Terapia Intensiva, Humanização da Assistência e Enfermagem, combinados a partir do operador booleano AND.

A busca inicial resultou em 228 estudos, a partir dos quais foram aplicados critérios para chegar aos resultados esperados (representados na figura 1).

Figura 1 – Fluxograma da estratégia de buscas

Fonte: Autoria Própria, 2023.

Utilizaram-se, como critérios de inclusão: estudos publicados na íntegra nos últimos cinco anos (2018-2023), com temáticas relacionadas à humanização da assistência, uso de tecnologias em unidades de terapia intensiva e cuidados de enfermagem e nos idiomas português e inglês. Foram excluídos estudos incompletos, teses, dissertações, resumos simples e expandidos e artigos que fugissem à temática central da pesquisa, resultando em 43 estudos. Após a aplicabilidade dos critérios e leitura dos estudos, a amostra final consistiu em 12 artigos.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os 12 artigos que formaram a amostra foram organizados em um quadro sinóptico (Quadro 1), conforme título e ano de publicação, metodologia, objetivos e síntese das principais informações contidas no estudo.

Quadro 1 – Caracterização dos estudos selecionados conforme título e ano de publicação, metodologia, objetivos e síntese das principais informações contidas no estudo (Continua).

TÍTULO E ANOMETODOLOGIAOBJETIVOSSÍNTESE
Percepção da humanização dos trabalhadores de enfermagem em terapia intensiva (2018)9Estudo qualitativo com abordagem fenomenológica.Compreender a percepção dos trabalhadores de enfermagem que atuam em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) a respeito da humanização no ambiente de trabalho.  Predomínio de insatisfação com a assistência prestada, devido ao estresse e a sobrecarga laboral, gerados pela falta de comunicação vertical com a gestão.
Assistência humanizada: percepção do enfermeiro intensivista (2018)10Estudo qualitativo de cunho analítico  Analisar a percepção do enfermeiro intensiva sobre a assistência humanizada.Compreende-se a humanização como algo inerente à assistência, sendo necessário que os profissionais tenham acesso à estrutura e recursos para desempenhá-la da melhor forma.
Percepção dos profissionais de enfermagem intensivistas sobre a tecnologia dura no cuidado (2019)11Estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativaIdentificar a percepção da equipe de enfermagem sobre a tecnologia dura no cuidado em ambiente de unidade de terapia intensiva.  A tecnologia mostra-se benéfica e otimizadora, embora possa contribuir para uma visão mecanizada do profissional diante de aspectos como o acolhimento e o diálogo.

Quadro 1 – Caracterização dos estudos selecionados conforme título e ano de publicação, metodologia, objetivos e síntese das principais informações contidas no estudo (Continua).

TÍTULO E ANOMETODOLOGIAOBJETIVOSSÍNTESE
  Percepções da equipe de enfermagem acerca da humanização em terapia intensiva (2019)12  Estudo qualitativo.  Conhecer as percepções da equipe de Enfermagem acerca da humanização da assistência em Unidade de Terapia Intensiva.    A realização do processo de enfermagem no contexto da UTI contribui para a qualificação da assistência, planejamento do cuidado e melhoria da comunicação.
Promoção do cuidado espiritual pelo enfermeiro intensivista (2019)13Revisão Integrativa.Conhecer as estratégias utilizadas pelo enfermeiro intensivista para a promoção do cuidado espiritual do paciente.  O cuidado espiritual como um recurso que pode contribuir para a melhora do quadro clínico do paciente, enfrentamento da doença e conforto a pacientes e familiares.
Significado de conforto na perspectiva de familiares de pacientes internados em UTI (2019)14Estudo qualiquantitativo.Desvelar o significado de conforto na perspectiva dos familiares de pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) e conhecer os principais motivos de desconforto vivenciados por eles.Predomínio de sentimentos de insegurança e insatisfação, diante da escassez de informações prestadas pelos profissionais de saúde.
Necessidades humanas básicas em terapia intensiva (2019)15Estudo exploratório, descritivo, com abordagem quantitativa.Analisar o conhecimento da equipe de enfermagem acerca das necessidades humanas básicas dos pacientes críticos internos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sob a luz da teoria das necessidades humanas básicas de Wanda de Aguiar Horta.  A elaboração de um plano de cuidados que compreenda a recuperação gradativa da autonomia influencia no quadro clínico, evolução e recuperação do paciente.

Quadro 1 – Caracterização dos estudos selecionados conforme título e ano de publicação, metodologia, objetivos e síntese das principais informações contidas no estudo (Continua).

TÍTULO E ANOMETODOLOGIAOBJETIVOSSÍNTESE
Prioridades de pesquisa em enfermagem em cuidados críticos no Brasil: Estudo Delphi (2020)16Estudo descritivo, utilizando a técnica e-Delphi.  Analisar as prioridades de pesquisa em enfermagem em cuidados críticos no Brasil identificadas por especialistas e pesquisadores na área, bem como estabelecer o consenso dos tópicos sugeridos pelos experts.  A importância da produção científica sobre enfermagem em terapia intensiva, como um recurso de propagação de boas práticas baseadas em evidências científicas.
Visita na unidade de terapia intensiva: perspectivas de pacientes e familiares (2020)17Estudo qualitativo.Analisar a visita na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na perspectiva de pacientes e familiares.A visita hospitalar é um momento em que os familiares sentem-se aflitos, devido à falta de informações concisas e orientação por parte dos profissionais sobre o quadro clínico do paciente. 
Cuidado humanizado no contexto da unidade de terapia intensiva: compreensão da equipe de enfermagem (2020)18Pesquisa descritiva caracterizada por abordagem qualitativa, ancorada na Análise Temática proposta por Minayo.Compreender a percepção da equipe de enfermagem em relação ao cuidado humanizado prestado ao adulto na Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Público no município de Imperatriz-MA.  A prestação de uma assistência adequada é prejudicada por desafios estruturais, falta de insumos, desvalorização profissional, etc.

Quadro 1 – Caracterização dos estudos selecionados conforme título e ano de publicação, metodologia, objetivos e síntese das principais informações contidas no estudo (Conclusão).

TÍTULO E ANOMETODOLOGIAOBJETIVOSSÍNTESE
A comunicação entre a enfermagem e os pacientes em uma unidade de terapia intensiva: dilemas e conflitos (2022)19  Revisão integrativa da literatura.Refletir sobre o papel do enfermeiro sobre o modo como ocorre o processo comunicacional em UTI na relação com os pacientes sob seus cuidados através da relação dialógica.  A comunicação com o paciente responsivo, e o reconhecimento deste como um ser ativo no próprio cuidado, contribui para sua melhora clínica e reabilitação pós alta hospitalar.
A humanização do cuidado de enfermagem frente à utilização de tecnologias em unidade de terapia intensiva (2022)20  Revisão integrativa da literatura.Investigar se a desumanização está diretamente ligada às tecnologias, enquanto instrumentos para cuidar, ou às unidades de terapia intensiva, enquanto ambiente tecnológicos.  Recursos tecnológicos não são opositores, mas sim complementares e colaboradores, devendo serem utilizados sob o olhar crítico e embasado cientificamente dos profissionais.

Fonte: Autoria Própria, 2023.

Observou-se a predominância de estudos de abordagem qualitativa (7 estudos), três artigos de revisão e dois estudos de abordagem quantitativa. A partir da análise dos estudos, foram identificados 3 principais eixos condutores para a discussão desta revisão integrativa, sendo estes: o uso das tecnologias do cuidado na UTI; comunicação interpessoal com pacientes e familiares; e sobrecarga psíquica do profissional de enfermagem intensivista.

O uso das tecnologias do cuidado na UTI

O uso de diferentes tecnologias foi incorporado, ao longo do desenvolvimento socioeconômico e cultural, a inúmeros aspectos da vida cotidiana, contribuindo para a otimização de tempo, recursos e mão-de-obra, além de possibilitar maior efetividade e segurança na elaboração de diferentes tarefas e serviços. As tecnologias aplicadas ao cuidado em saúde trazem consigo uma discussão contemporânea pertinente, visto que sua utilização de forma responsável está inerentemente ligada a um fator humano – o profissional de saúde. Entende-se, assim, a tecnologia como um meio, e o profissional como o agente do cuidado a ser prestado20.

A dinâmica em uma unidade de cuidados intensivos envolve um complexo aparato tecnológico, mantido em funcionamento ininterruptamente, possibilitando a monitorização e avaliação contínua das funções vitais e do quadro clínico, a fim de detectar precocemente intercorrências hemodinâmicas e neurológicas. A rotina altamente tecnológica, com pacientes não-responsivos ou em uso de dispositivos que comprometem a interação, pode ocasionar a mecanização da assistência e do olhar profissional. Profissionais intensivistas dividem-se entre compreender que tecnologias de saúde, especialmente na UTI, são grandes aliadas, mas não são capazes de substituir o acolhimento, diálogo e contato com o paciente. Ao passo que outros, passam a considerar a assistência a beira leito simplista e inferior aos parâmetros advindos da tecnologia11.

A Teoria das Necessidades Humanas Básicas (NHB), elaborada pela enfermeira brasileira Wanda de Aguiar Horta a partir da pirâmide de Maslow, compreende que os indivíduos possuem necessidades psicobiológicas e psicossociais que se fazem indispensáveis no ambiente hospitalar para um cuidado efetivo e integral. Dessa forma, mesmo pacientes submetidos a um cuidado em contexto tecnológico devem ter sua expressão e escolhas preservadas e estimuladas. O peso atribuído ao ambiente hostil da UTI pode fazer com que tais necessidades e cuidados fiquem em segundo plano, porém sua manutenção contribui para uma melhor evolução do quadro clínico e recuperação, dando ao paciente autonomia dentro de suas possibilidades e limitações15.

Comunicação interpessoal com pacientes e familiares

A comunicação efetiva é um instrumento básico para o desempenho do trabalho de enfermagem, sendo preconizada como uma das seis Metas Internacionais de Segurança do Paciente para uma boa assistência22. A comunicação entre enfermeiro e paciente e/ou familiar é uma das peças-chave para o cuidado, onde se reconhece o sujeito como um componente ativo na sua recuperação e manutenção da saúde, de forma a preparar o paciente para sua independência e qualidade de vida após a alta hospitalar. A ausência de explicações sobre seu quadro são componentes estressores ao paciente e seus familiares, no entanto o exercício de uma comunicação efetiva e empática se mostra comprometido por fatores como: despreparo devido à falta de treinamento e capacitação adequadas, falta de privacidade nos leitos, desfalques na equipe e etc.19.

A assistência a beira leito deve ser pensada para além de cuidados rotineiros e procedimentos de enfermagem, incluindo uma conduta acolhedora e humanizada, abrangendo assim a dimensão espiritual e social, importantes componentes do cuidado holístico e integral ao paciente. O cuidado espiritual não é exclusivamente voltado a uma doutrina ou religiosidade específicas, mas sim ao conforto e consolo diante das adversidades em uma UTI, por meio de uma comunicação ética e respeitosa com o paciente e sua família. Mantendo a sinceridade e respeito em relação à sua real condição e plano de cuidados, respeitando divergências culturais e sociais e permitindo a  presença de objetos de cunho sentimental13.

A visita aberta e o direito ao acompanhante são propostas da PNH, onde se reconhece a importância do vínculo social e afetivo do paciente com sua rede de apoio e com o seu mundo externo, sendo fatores que impulsionam a recuperação e contribuem para o auto-cuidado e preservação de sua saúde mental. Porém, embora seja garantida no plano, as visitações e o fluxo de acompanhantes são lamentavelmente vistos como uma obstrução e obstáculo ao desempenho do trabalho e rotina da equipe21. Faz-se necessário que a presença familiar seja vista como um fator que gera respostas fisiológicas positivas mesmo em pacientes não-responsivos. A organização do horário de visitas deve ser reformulada e esquematizada, para ser um momento em que os profissionais disponham de tempo, espaço e privacidade para fornecer informações claras e objetivas em uma linguagem facilitada, gerando conforto, segurança e acolhimento – sobretudo quando respondem às dúvidas dos familiares e ajudam a desmistificar as visões que os mesmos possuem sobre a UTI17.

No contexto da UTI, os familiares precisam ser pensados e considerados como indivíduos que também estão expostos e são afetados por uma experiência traumática, devendo também serem contemplados por ações de cuidado, acolhimento e conforto. Familiares sofrem com privação de sono, mudanças na sua vida e rotina prévias, ansiedade, expectativas e sentimentos negativos. Além disso, muitos desconhecem e são leigos em relação à rotina hospitalar, termos técnicos e parâmetros dos monitores, sendo importante que os profissionais lhes concedam informações adequadas14.

Sobrecarga psíquica do profissional de enfermagem intensivista

A implementação da PNH compreende e busca difundir uma cultura de modificação do ambiente de trabalho, promoção e reformulação de uma gestão democrática e valorização do trabalhador como as bases para a humanização da assistência – pois profissionais em condições ideais e dignas de trabalho possuem subsídios para compreender a essência da humanização, construindo recursos para desempenhar seu trabalho da melhor forma. A política compreende que a humanização só é possível através da oferta concomitante de serviços e tecnologias de cuidado e gestão, ambientes com recursos, conforto e segurança e condições adequadas de trabalho9.

Profissionais enfrentam escassez de condições materiais e humanas, ocasionadas por uma gestão hospitalar deficitária, centralizada e hierarquizada, gerando escalas mal executadas que contribuem para uma sobrecarga laboral. Além disso, o cenário da UTI ocasiona estresse psíquico devido ao ambiente angustiante e rotina complexas, onde muitos profissionais relatam insatisfação com a assistência que desempenham, sentindo que seu processo de trabalho está afetado por não possuírem condições e recursos necessários18. A humanização compreende questões éticas ligadas aos cuidados e a relação dos trabalhadores diante do processo de trabalho na saúde, mas ironicamente, a perspectiva humana do cuidado é um dos fatores mais difíceis de serem implementados nas UTIs. Devido às características típicas, as condutas terapêuticas comumente são invasivas e agressivas, e o ambiente físico da UTI caracterizado por máquinas, dispositivos de longa permanência, pacientes inconscientes e fluxo quase inexistente de familiares e visitas levam a  despersonalização unilateral do ser humano10.

A Sistematização da Assistência em Enfermagem (SAE) é citada como uma das principais ferramentas para o trabalho assistencial e gerencial do enfermeiro intensivista, pois qualifica a assistência prestada, através de protocolos e rotinas para a administração e manejo adequado dos recursos tecnológicos e materiais da UTI. Além disso, possibilita ao enfermeiro identificar falhas e potencialidades na continuidade do cuidado prestado pela equipe, propondo assim melhorias que visam o alívio da sobrecarga, atividades de educação, comunicação e articulação com a equipe multiprofissional12. Além disso, há necessidade de ampliar horizontes na pesquisa em enfermagem sobre UTI, para uma perspectiva multidisciplinar que fuja do modelo exclusivamente centrado na medicina. A assistência de enfermagem em cuidados críticos e intensivos é fundamental, de forma que seus cuidados devem ser embasados em evidências científicas padronizadas e condizentes com o contexto da enfermagem – contemplando protocolos, dimensionamento pessoal, segurança do paciente, SAE e processo de trabalho e tomadas de decisão16.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da construção desta pesquisa, foi possível constatar a importância e complexidade do trabalho de enfermagem desempenhado nas Unidades de Terapia Intensiva, devido às características típicas deste ambiente de cuidado e habilidades exigidas para o manejo seguro e adequado do paciente crítico. O estudo permitiu identificar fatores de natureza gerencial e assistencial que impactam diretamente na humanização do cuidado prestado à pacientes e familiares, sendo possível constatar falhas na captação e oferta de recursos materiais e humanos, valorização do trabalhador, capacitação e suporte emocional e condições adequadas para o trabalho.

A composição desta revisão revela uma necessidade urgente de reforma dos modelos de gestão e cuidado, a fim de possibilitar segurança, conforto e qualidade para gestores, trabalhadores e usuários nos serviços de saúde, especialmente no âmbito da internação hospitalar e em cuidados críticos. Sugere-se o desenvolvimento de maiores estudos sobre a temática, de forma a impulsionar o conhecimento e a pesquisa científica na área de enfermagem e sobretudo em cuidados intensivos, gerando instrumentos de cuidado padronizados e embasados para uma melhor prática assistencial.

REFERÊNCIAS

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[1] Discente do Curso Superior de Graduação em Enfermagem Centro Universitátio Ritter dos Reis- Uniritter, Campus Canoas. e-mail: brunaalongaray@gmail.com

[2] Docente do Curso Técnico de Enfermagem do SEG Porto Alegre, RS. Doutor em Saúde da Criança (PUCRS). e-mail: diegosilveirasiqueira@gmail.com