REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8285038
Ronald Torres de Olinda1,3,4; Ana Paula Lopes da Silva2; Ester Moraes Dias2; Rafael Passos de Melo3; Dayana Rafaela Borges Almeida4; Wilmer Santos Martins Melo3; Júlia Rolla da Costa3; Caio Ferreira de Morais3; Anna Julia Monnás Monteiro Gomes3; Igor de Souza Andrade4
INTRODUÇÃO
A pele é o maior órgão do corpo, sendo composta por três camadas: derme, epiderme e hipoderme. Podendo estar sujeita às agressões de meios intrínsecos e extrínsecos que poderão causar o desenvolvimento das alterações em sua constituição. Essas alterações, quando provocam prejuízo nas funções da pele, são intituladas como feridas. Vale ressaltar que a evolução das feridas está diretamente relacionada aos fatores intrínsecos do paciente tanto quanto aos cuidados que a ele serão prestados (MELO; FERNANDES, 2011).
A classificação das feridas se deve aos fatores de etiologia, complexidade e tempo de existência. As mesmas não são apenas representadas pela ruptura da pele e do tecido celular subcutâneo mas, também, em alguns casos, por lesões em músculos, tendões e ossos. (SMANIOTTO, FERREIRA, ISAAC & GALLI, 2012).
No Brasil, as feridas acometem a população de forma geral, independente de sexo, idade ou etnia, constituindo assim, um sério problema de saúde pública. O surgimento de feridas onera os gastos públicos e prejudica a qualidade de vida da população, por causar alterações que provocam a desmotivação e a incapacidade para o autocuidado, e para as atividades de vida e de convívio social (BEDINA LF, et al., 2014).
O profissional de enfermagem tem o direito de praticar legitimamente a terapia de feridas. A profissão é assegurada em determinar os cuidados de enfermagem, considerando cientificamente o contexto do estado físico, social e psicológico para planejar a evolução do estado clínico do paciente. As avaliações de enfermagem são realizadas para identificar fatores que impedem a cicatrização de feridas, como presença de tecido necrótico, exsudato e para determinar coberturas adequadas para promover a cicatrização desse membro (SILVA, 2021).
A assistência de enfermagem no tratamento de feridas é realizada coletando informações sobre a idade do paciente, doença crônica e origem da ferida, observando a localização, tamanho (em centímetros, largura e profundidade), aspecto da ferida (tecidos presentes e margens), exsudato, grau contaminação e biofilme (COLARES, 2019).
Os curativos em feridas são elaborados para facilitar o processo de cicatrização e protegê-las das agressões externas. Os profissionais devem ter cuidado na limpeza e aplicação das coberturas nas feridas, atentando para as indicações e contraindicações, composição, efeitos e instruções de troca, pois o uso indevido pode causar danos. Curativos aplicados corretamente contribuem para a formação do tecido de granulação, atuam como barreira à entrada de organismos, realizam o processo de desbridamento e facilitam a cicatrização efetiva (KAPPLER, 2021).
O uso do concentrado de plaquetas para a recuperação de feridas crônicas é um método que vem apresentando eficácia nas mais diversas formas de recuperação tecidual. A técnica do curativo à base da matriz de fibrina rica em plaquetas (do inglês PRF – Platelet Rich Fibrin) é bem atrativa por ser uma técnica de curativo regenerativo que pode ser utilizado no próprio consultório sem a necessidade de intervenção cirúrgica, além de ser coletado, processado e usado no ato do curativo (EHRENFEST et al, 2009).
Consiste em uma técnica que tem potencial de acelerar a regeneração no tecido lesado de diversas etiologias. Tem-se observado pelo fato de ser uma matriz tecidual que contém elementos necessários para o processo cicatricial. Isso pode ser compreendido com o fato de servir como um carreador das células migratórias, proliferativas e de diferenciação. A alta eficácia também é comprovada com a observação da adição dentro dessa matriz de fatores de crescimento e fatores angiogênicos (CARVALHO et al, 2020).
Estudos mostram que uma das formas de acelerar o processo de cicatrização se dá pela formação de novos vasos na pele lesada, carregando cada vez mais fatores que agreguem para a recuperação deste tecido, acelerando o processo de regeneração (DING et al, 2017).
Cada vez mais o método PRF vem mostrando que, além de eficaz, é altamente biocompatível, não apresentando riscos de infecção para o paciente. Possui propriedades que suprimem a inflamação, reduz o sangramento tecidual e recupera os tecidos. A literatura já mostrou a eficácia da utilização da fibrina rica em plaquetas no fechamento do defeito sinusal bucal, pela sua alta eficácia regenerativa tanto de tecidos moles quanto de tecidos duros (CORREA, 2020).
METODOLOGIA
As informações contidas neste trabalho foram obtidas por meio da revisão do prontuário, e com a devida autorização do paciente em questão, por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Vale ressaltar que a técnica de curativo utilizando fibrina rica em plaquetas é regulamentada pelo Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (COREN-DF), pelo Parecer de nº 011/2023.
Os curativos utilizados neste tratamento, foram realizados de forma exclusiva com a fibrina rica em plaquetas (PRF), não sendo empregado nenhum outro tipo de intervenção.
A ferida foi limpa apenas com gaze estéril embebida de solução fisiológica a 0,9% em temperatura ambiente. A preparação da cobertura autóloga foi feita com aproximadamente 12ml de sangue venoso periférico, que foi coletado em seringa com agulha e, em seguida, armazenado em um tubo falcon estéril e sem anticoagulantes. Os tubos foram colocados de forma equilibrada na centrífuga (Modelo Montserrat – 80-2B) e o material foi processado na programação de 2.700rpm por 12 minutos, conforme descrito por Choukroun e Cols. (2001). Ao término da centrifugação, o tubo com sangue venoso era retirado da máquina e a membrana de PRF movida com uma pinça anatômica estéril para uma compressa de gaze estéril, onde era limpo dos resquícios de células vermelhas e, logo após, colocado no leito da ferida (previamente limpa). As trocas dos curativos eram feitas a cada 5 (cinco) dias.
Figura 1. Descrição do procedimento para obtenção e aplicação do PRF. (A) Coleta de sangue venoso em tubo sem anticoagulante, (B) Centrífuga das amostras por 12 minutos a 2.700 rpm, (C) Coleta da fibrina formada na camada superior. Retirado o excesso de plasma com auxílio de gaze estéril, (D) Aplicação do PRF na ferida, previamente limpa, como cobertura primária. Seguido da oclusão da ferida com gaze estéril (cobertura secundária) e atadura (ou filme transparente).
RELATO DE CASO
Paciente M.J.S., sexo feminino, 60 anos, tabagista, hipertensa, nega diabetes mellitus. Analfabeta, possui perda total da acuidade visual do olho direito e parcial do olho esquerdo. Dependente de auxílio para realização de atividades de vida diária. Em situação de vulnerabilidade social, possui moradia em região rural de difícil acesso.
A paciente deu entrada no posto de saúde de Lagoa de Formosa – GO, no dia 04/11/2022, devido à queimadura no dedo indicador da mão esquerda, mas devido à dificuldade de acesso à unidade de saúde, não conseguiu boa adesão ao tratamento.
A avaliação da paciente foi solicitada no dia 01/06/2023, aproximadamente 7 (sete) meses desde a origem da ferida, ainda sem apresentar melhora. Na avaliação inicial, a ferida apresentava curativo oclusivo com “mix de ervas medicinais” produzido e aplicado pelo cônjuge da paciente. Após retirar o curativo, foi medida a ferida, apresentando aproximadamente 8cm x 2cm e presença predominante de tecido necrótico (95%), com grande comprometimento da mobilidade do membro e relatos frequentes de dores na região.
Após avaliação, o tratamento com PRF foi iniciado no mesmo dia, realizando a troca do curativo a cada 5 (cinco) dias (Figura 2). Na primeira troca, a técnica de scare foi empregada para melhor penetração do PRF no tecido necrótico. Na segunda troca, o tecido necrótico apresentou menor aderência, sendo possível realizar desbridamento mecânico de 90% do tecido. Já na terceira troca foi retirado todo o tecido necrótico, de forma espontânea, o restante estava aderido na gaze. Na quarta troca em diante o tecido de granulação estava presente de forma extensa e progressiva.
Foram realizadas ao total 8 (oito) trocas de curativo, com início no dia 01/06/2023 e alta no dia 11/07/2023. Na última visita a ferida já se encontrava fechada, sem sinais de secreção. A mobilidade continua prejudicada, apesar de apresentar pequenos movimentos com os dedos. A paciente foi orientada sobre a importância de realizar movimentos contínuos, conforme orientado pela fisioterapia e foram passadas as informações quanto ao cuidado com a ferida.
Figura 2. (A) Ferida no dia da avaliação inicial (01/06/23), com presença de tecido necrótico por toda sua extensão. Além disso, é possível notar a presença do “mix de ervas” realizado pelo cônjuge. (B) Primeira troca do curativo (06/06/23). (C) Segunda troca do curativo (11/06/23). (D) Terceira troca do curativo (16/06/23). (E) Quinta troca do curativo (26/06/23). (F) Oitava troca do curativo (11/07/2023).
DISCUSSÃO
A utilização da fibrina rica em plaquetas já é algo bem descrito na literatura para aplicações na odontologia, inclusive sendo regulamento desde 2015 pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO – Resolução 158/201541). Atualmente o COREN-DF também regulamentou a técnica, mas dessa vez aplicado ao tratamento de feridas. Apesar do parecer favorável, sua aplicação em feridas crônicas ainda necessita de estudos clínicos, com boas metodologias, para comprovar de fato seus efeitos.
No caso descrito, foi evidente os efeitos cicatrizantes apresentados pela fibrina rica em plaquetas, em um curto tempo, considerando que se tratava de uma ferida existente há praticamente 7 (sete) meses com outras tentativas de tratamentos, utilizando curativos convencionais, mas sem sucesso. A não aplicação de outros produtos no tratamento nos garante que todo resultado foi decorrente do PRF.
Além dos efeitos cicatrizantes do PRF, podemos destacar seu baixo custo, algo que o torna uma alternativa acessível a pessoas de diversas classes sociais.
Mas analisando o curativo de forma completa, podemos afirmar que não se trata de um curativo perfeito, ainda que haja diversos benefícios, há também limitações que precisam de atenção. Como por exemplo, trata-se de um curativo muito exsudativo. E mesmo que alguns profissionais utilizam gazes ou prensa para secá-lo, existem estudos que demonstraram que ao fazer isso, há perda da quantidade de fatores de crescimento no PRF (CRISCI et al, 2018), e ao não retirar o excesso do exsudato, há maior risco de maceração das bordas da ferida.
Outro ponto importante é a falta de estudos que limitem a quantidade de PRF por ferida. Sabemos que o sangue não é uma fonte infinita de recursos, por isso é necessário que novos estudos investiguem a relação da quantidade de sangue necessária por ferida e as possíveis consequências da coleta do sangue necessário. Na literatura é possível encontrar diversos estudos que utilizaram quantidades diferentes de PRF, chegando a até 24 (vinte e quatro) para um único tratamento. O que pode parecer benéfico para cobrir a necessidade do curativo na ferida, mas não foi investigado se essa quantidade de sangue coletada causou algum tipo de anemia no paciente. O trabalho de Nedra e Cols (2019) revela que a cada 50ml de sangue retirado de um paciente, aumenta em 18% a chance do mesmo apresentar anemia iatrogênica. Isso é um dado que deve ser levado em consideração, já que o curativo de PRF será feito de forma recorrente.
CONCLUSÃO
O cuidado com a ferida é de total autonomia do profissional enfermeiro, pois este possui o conhecimento científico para tratar esta patologia, tendo um cuidado holístico com o paciente para otimizar o processo cicatricial e prevenir o surgimento de novas fontes de feridas, retomando a autonomia do paciente em questão.
Neste relato foi possível comprovar que a técnica de curativo utilizando PRF tem um grande potencial de acelerar o estágio cicatricial, além do seu efeito sobre a necrose presente na ferida. Porém sua aplicação pode apresentar limitações ou fatores prejudiciais para a cicatrização da ferida, sendo necessários mais estudos clínicos utilizando a técnica mencionada no caso.
REFERÊNCIAS
BINIDA LF et al. Estratégias de promoção da autonomia e autocuidado das pessoas com feridas crônicas. Rev. Gaúcha Enfermagem, 2014; 35(3): 61-64. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rgenf/a/83FChw7wwxPhLdmPyyf9KZL/?lang=pt . Acesso em: 14/08/2023.
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EHRENFEST, D. M. D; RASMUSSON, Lars; ALBREKTSSON, Tomas. Classification of platelet concentrates: from pure platelet-rich plasma (P-PRF) to leucocyte- and platelet-rich fibrin (L-PRF). Cell Press, Sweden, v. 27, n. 3, p. 158-167, jan./2009.
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1Universidade de Brasília, UnB, Brasília, Brasil
2Universidade Católica de Brasília, UCB, Brasília, Brasil
3Centro Universitário de Brasília, CEUB, Brasília, Brasil
4Faculdade Anhanguera de Brasília, FAB, Brasília, Brasil