O COMPLIANCE PENAL: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

CRIMINAL COMPLIANCE: INTRODUCTION ASPECTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8280774


¹Agenor de Lima Bento
²Demetrius Nichele Macei


RESUMO:

O presente ensaio trata do compliance como medida de prevenção e mitigação de riscos das companhias. Termo recente, o compliance refere-se a estar em conformidade com as regras e leis do país e, também, a criação de políticas e regras de conformidade e governança dentro das empresas. Ao longo do texto, se falou sobre legislações e decretos que possibilitaram a inauguração do compliance. O trabalho é bibliográfico e documental, de forma que pesquisa bibliográfica é aquela que consulta teorias e trabalhos científicos elaborados por outros autores. O objetivo deste trabalho é esclarecer e apresentar aspectos introdutórios sobre o compliance e o compliance criminal, sobre a governança e a conformidade, como forma de esclarecer suas principais polêmicas.

PALAVRAS-CHAVE: Compliance. Conformidade. Compliance criminal. Governança.

SUMMARY

This essay deals with compliance as a risk prevention and mitigation measure for companies. A recent term, the term compliance refers to complying with country rules and laws and creating compliance and governance policies and rules. Throughout the text, legislation and decrees were discussed that enabled the inauguration of compliance. The work is bibliographic and documentary. Bibliographic research is one that consults theories and scientific works prepared by other authors. The objective of this work is to clarify and present introductory aspects about compliance and criminal compliance, and about governance and compliance, as a way to clarify its main issues.

KEYWORDS: Compliance. Conformity. Criminal compliance. Governance.

1. Introdução

Instituto há pouco conhecido no Brasil, o compliance mereceu nossa atenção nos últimos anos, notadamente pela grande repercussão havida com as recentes crises, quebras societárias e escândalos empresariais e, por isso, houve criação de leis e regulamentos para impedir e disciplinar as atividades sociais.

O termo, compliance vem do inglês to comply, ou seja, estar em conformidade, adequado com regras e regulamentos nacionais e, até mesmo, internacionais.

De acordo com a Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI) (2009), o termo compliance “vem do verbo em inglês ‘to comply’, que significa ‘cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto’, ou seja, compliance é o dever de cumprir, estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos às atividades da instituição”.

Por isso que, uma estrutura de compliance é aquela “pelo qual uma organização consiga prevenir e detectar condutas criminosas/ilegais e, também, promover uma cultura que encoraje o cumprimento das leis e uma conduta ética” (SERPA, 2016, p. 59).

A criação e implementação de programas de conformidade deve ser um passo dado pela alta gestão da sociedade, fortalecendo as empresas e criando padrões de tomada de decisões.

Carvalho (2021, p. 573) argumenta que:

Não é difícil observar que um conceito confere maior ênfase a um ponto de vista ou a um elemento específico. Isso se deve, em parte, à variada gama de profissionais que se envolvem com o assunto governança corporativa, como administradores, economistas, contadores, profissionais com formação jurídica. Cada qual, com seu enfoque de formação específico e experiência, observa o fato e vislumbra elementos familiares. Essa prática não é prejudicial. Ao revés, parece-nos extremamente saudável, na medida em que é possível colher contribuições a partir de experiências diversas e possibilitar uma visão mais ampla do assunto e o amadurecimento da governança corporativa.

Contudo, a governança corporativa se vincula a como as decisões de gestão são tomadas.

2. Desenvolvimento

O termo governança corporativa, no Brasil, foi criado no final da década de 1990 e, no mundo, na década de 1980 (CARVALHO, 2021). Nos Estados Unidos, na década de 1980, surgiu um movimento de engrandecimento dos acionistas, da abertura de capital, de criação de fundos de investimentos e de pensão e o pedido de transparência nos negócios públicos.

Vários escândalos em termos mundiais mexeram com o mercado global, tais como o caso da General Motors e uma grande pressão de conselhos sobre gigantes do mercado, como IBM, American Express, etc.

O final da década de 1990 e o início da década de 2000 foram marcados por uma série de códigos de melhores práticas, tais como a revisão do Cadbury Report, o OECD Principles of Corporate Governance e a lei Sarbanes-Oxley Act.

O Cadbury Report foi criado em 1991 pelo inglês Adrian Cadbury e traz uma série de recomendações do The Committee on the Financial Aspects of Corporate Governance, objetivando criar regras claras e básicas para evitar e mitigar riscos e falhas na governança corporativa, seu texto serviu de base para a criação de outras regras de governança, como a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da União Europeia e dos Estados Unidos.

Carvalho (2021, p. 564), ensina que:

O principal objetivo da comissão de notáveis liderado por Sir Adrian Cadbury foi recomendar práticas capazes de resgatar a confiança dos investidores na honestidade e na accontability das companhias listadas, ou seja, das companhias de capital aberto, e seus trabalhos estavam focados nas demonstrações financeiras. A criação da comissão teve como grandes motivadores os escândalos envolvendo o grupo Coloroll, o consórcio Asil Nadir’s Polly Peck, e o grupo Maxwell. O produto dos trabalhos da comissão foi um relatório: Report of the comitee on the financial aspects of corporate governance. O relatório ficou conhecido como o primeiro código de boas práticas e governança corporativa no mundo e influenciou profundamente as práticas brasileiras na medida em que o IBGC desenvolveu código similar e, inclusive, recebeu a visita do Sir Adrian Cadbury para esclarecer o conceito de boa governança18. O relatório da comissão parte da visão de governança corporativa como o sistema pelo qual as companhias são dirigidas e controladas. Além disso, propõe o estabelecimento das funções dos acionistas, do conselho de administração, dos diretores e dos auditores, ressaltando os deveres da alta direção na composição de ações estratégicas para supervisionar o desenvolvimento do negócio e reportar aos acionistas as suas ações. Os conselhos de administração estão sujeitos às leis, regulações e às deliberações dos acionistas nas assembleias gerais.

No âmbito da OCDE, esta criou os seus Princípios, que possui vários objetivos, tais como:

auxiliar os decisores políticos a avaliar e melhorar o enquadramento jurídico, regulamentar e institucional para o governo das sociedades, de modo a apoiar a eficiência económica, o crescimento sustentável e a estabilidade financeira. Tal é conseguido, principalmente, através dos incentivos aos acionistas, aos membros do conselho e aos executivos, bem como aos intermediários financeiros e aos prestadores de serviços, adequados ao desempenho das suas funções dentro de um quadro de controlo e equilíbrio. Pretende-se que os Princípios sejam concisos, compreensíveis e acessíveis à comunidade internacional. Com base nos Princípios caberá às iniciativas governamentais, semigovernamentais ou do sector privado avaliar a qualidade do enquadramento de governo das sociedades e desenvolver disposições imperativas ou voluntárias mais detalhadas que possam ter em conta as diferenças económicas, jurídicas e culturais, específicas de cada país.

Os Princípios da OCDE foram aprovados pelos ministros representantes dos países em 1999 e, então, tornaram-se uma referência internacional para decisões de políticos, investidores, sociedades e outros sujeitos com interesses em negócios.

Ensina Carvalho (2021, p. 444):

Após sete anos, a OCDE também contribuiu significativamente com o tema. Com a primeira manifestação de uma entidade internacional e intergovernamental sobre a governança corporativa, em 1999 oferece uma publicação gratuita: OECD Principles of Corporate Governance. Essa publicação é um grande marco na medida do seu pioneirismo, riqueza de análise e fortíssima influência que exerce até os correntes dias. Ela propõe uma primeira contribuição a ser construída a partir das profundas alterações econômicas e sociais da década de 1990, da necessidade de que as corporações utilizem o seu capital de modo eficiente, e de uma visão contextualizada da governança corporativa, ou seja, a governança corporativa como uma parte de um contexto econômico muito maior, incluído e dependente de políticas macroeconômicas e do grau de competitividade dos produtos e dos fatores de mercado. Também ressalta a sua dependência da produção de normas, de aspectos regulatórios, institucionais e de meio ambiente, sem perder de vista uma responsabilidade social abrangendo a ética empresarial, observando o cuidado com o meio ambiente e com os interesses sociais de cada comunidade na qual as operações ocorram e, ressaltando, ainda, a importância do impacto reputacional na longevidade da empresa.

Houve, também, a revisão dos princípios, que nas palavras de Carvalho (2021, p. 578):

A revisão realizada não foi simplesmente uma revisão gramatical ou uma expressão diversa para representar o conceito anterior. Ocorreu o reconhecimento de uma ampliação do campo de atuação da governança corporativa, especialmente em razão de fatos e escândalos que ocorreram após 1999.

Após verem falir a sociedade Enron e uma série de outras empresas, em 2001 e diante, os Estados Unidos criaram a lei Sarbanes-Oxley Act, que foi sancionada em 2002, objetivando proteger investidores e outros stakeholders de maquiagens e erros contábeis das sociedades empresárias. Criou, assim, uma regra de prestação de contas e tem por finalidade combater e prevenir fraudes que possam impactar o desempenho financeiro das organizações.

Ainda, de Carvalho (2021, p. 598), colhe-se interessante explicação, dizendo:

Outro documento extremamente relevante para a compreensão da governança corporativa é a norte americana Sarbanes-Oxley Act of 2002, ou simplesmente: SOx. A sua elaboração se deu como rápida reação a graves casos de fraudes contábeis ocorridos principalmente na Enron e na Worldcom. A importância da SOx é tamanha que o estudo da governança corporativa nos Estados Unidos pode ser didaticamente dividido em dois momentos: antes e pós 200328. A divisão ocorre em razão do forte marco normativo que foi inaugurado com a SOx, especialmente em razão da tentativa do governo Bush em resgatar a confiança dos investidores nos líderes empresariais. Ela regula, de modo geral, a responsabilidade corporativa e introduz obrigações de implementar mecanismos de controles internos29, porém, em seus 11 títulos, também há disposições sobre crimes do colarinho branco, fraudes corporativas, crimes envolvendo práticas corporativas e contábeis, a responsabilidade do presidente (Chief Executive Officer – CEO) e do diretor financeiro (Chief Financial Officer – CFO) pelas demonstrações financeiras, entre outras.

No Brasil, houve a criação do IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração), que, depois, mudaria o nome para Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Em 2009 o IBGC também criou um código de melhores práticas para a governança corporativa, tendo em vista as crises financeiras que assolavam (e assolam) o mundo.

Estoura no Brasil o caso Sadia (com a condenação de membros do conselho de administração por descumprimento do dever de diligência), vem a público o caso do “Mensalão” e a “Operação Lava-Jato”. Com estes fatos históricos, a Comissão de Valores Mobiliário (CVM) editou diversos atos envolvendo a governança corporativa e o legislador pátrio criou uma Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013).

Com tudo o que asseverado até aqui, percebe-se um processo de amadurecimento da governança corporativa, notadamente para a solução de conflitos havidos nas sociedades empresárias. Não é demais lembrar que o investidor deseja a maximização dos seus ativos, buscando, com seu investimento, o lucro.

Tamanho o sucesso da governança corporativa que, atualmente, até mesmo sociedades empresárias que não possuem ações listadas na bolsa de valores possuem sistemas anticorrupção ou departamentos de compliance e governança, objetivando evitar seu nome ligado a algum escândalo.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) possui, como dito acima, um Código de Melhores Práticas, criando um sistema de relações e boas práticas na sociedade brasileira, dizendo:

Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.

As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.

Com a publicação da Lei Anticorrupção (ou Lei da Empresa Limpa), o legislador brasileiro objetivou diagnosticar, identificar e corrigir comportamentos considerados antiéticos e socialmente inapropriados. A lei visa punir o corruptor, trazendo dupla responsabilização, civil e administrativa, quando praticados atos contra a administração pública nacional e – veja o alcance – estrangeira também.

O grande objetivo da governança e do compliance é evitar a corrupção, de modo a se criar ciclos que impeçam o corruptor a alcançar o seu objetivo, que é corromper alguém.

Segundo Kleindienst (2019, p. 45), os primeiros registros de corrupção são imemoráveis. Diz a referida autora:

Na bíblia constam inúmeras advertências contra lucros desonestos e passagens sobre a aceitação de suborno: “que cega aos olhos dos sábios e falseia a causa dos justos” (Deuteronômio, 16:19) e “também suborno não aceitarás, pois o suborno cega os que têm vista, e perverte as palavras dos justos” (Êxodo 23:8). Há uma vasta literatura sobre a história da corrupção mundial, que sempre esteve presente na sociedade. No dicionário, o termo corrupção deriva do latim corruptio onis, que significa: corromper algo ou alguém com a finalidade de obter vantagens, quebrar algo em pedaços, deteriorar, ação ou resultado de subornar indivíduos em benefício próprio, desvirtuamento de hábitos.

Vale ressaltar que o conceito de transgressão de regras tem significado distinto em cada sociedade. O que é considerado corrupto num lugar, pode não ser assim considerado em outro.

Quanto ao Brasil, assinala Kleindienst (2019, p. 67), dizendo:

Segundo os estudiosos, é evidente que o problema da corrupção no Brasil deriva da herança de colonização portuguesa, que culturalmente confundia patrimônio público (Estado) com o particular. Enquanto o Estado obrigava e reprimia o particular a ceder aos seus caprichos, este reproduzia o mesmo modelo, ou seja, ao seu redor estabelecia um sistema de honrarias e privilégios de forma corriqueira, sem comprometimento com ideais éticos, religiosos ou interesses coletivos. Tudo estava baseado na ideia de que a coisa pública não tinha dono, por isso servia para atender aos interesses de quem estava no poder.
Ocorre que, fortemente influenciado por outros países, o Brasil passou ao longo dos últimos anos a interpretar o problema da corrupção como uma questão política, com sérias consequências ao desenvolvimento do país, principalmente porque este problema pressiona negativamente a efetividade das práticas governamentais.

É o tal do “jeitinho brasileiro”, que tanto se fala por aqui.

Para se ter eficácia no combate à corrupção, é necessário que as regras legislativas sejam aplicadas com seriedade e severidade. Fato é que, no Brasil, os governos pouco conseguem combater a corrupção, basta analisar os fatos trazidos nas notícias divulgadas pelos jornais no cotidiano.

Poder-se-ia falar que a própria sociedade brasileira é de um certo modo corrupta, pois, na primeira oportunidade que tem, tenta lograr um ganho ainda que não seja merecedora.

No panorama da legislação brasileira, percebe-se que a vinda da Constituição Federal de 1988 foi um marco importante para o combate à corrupção, pois o constituinte trabalhou e trouxe princípios como a moralidade e a improbidade administrativa, passando pela impessoalidade e pela publicidade dos atos públicos. Por isso, desde 1988, diversas normas, atos e acordos têm sido realizados pela República Federativa do Brasil para aprimoramento do combate à corrupção.

Cabe destacar que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção desde 2003, em que o texto obriga os aderentes a adotar medidas de prevenção e punição de atos corruptos, melhorar as práticas contábeis, administrativas, de auditoria e a criar sanções eficazes de punições civis, penais e administrativas.

Quanto a sua finalidade, a Convenção estabelece:

A finalidade da presente Convenção é: a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção; b) Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos; c) Promover a integridade, a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.

Em 1992, o legislador pátrio editou a Lei Nacional 8429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, como forma de punir os agentes públicos causadores de danos ao Erário.

Fato é que a responsabilidade das pessoas jurídicas, até então, era pouco provável, notadamente nas esferas administrativa e civil.

Mais recentemente, em 2013, o Brasil editou a Lei Nacional 12.846/2013, que trouxe a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas ímprobas no sistema nacional.

Explicam Marinella, Paiva e Ramalho (2015, p. 453):

Porém, ainda que ambas tratem do mesmo tema, a nova lei demonstra uma diferente vertente pela qual pretende enfrentar o problema da corrupção: enquanto a Lei n. 8.429 busca a responsabilização do agente público que efetuou ou favoreceu o ato ilegal, a nova Lei n. 12.846 atua na responsabilização da pessoa jurídica que solicitou a vantagem ilícita ou, de outra forma, foi beneficiada pelo ato improbo. Saliente-se que a nova lei amplia consideravelmente seu campo de atuação ao autorizar a punição mediante a responsabilidade objetiva, o que significa dizer que basta o envolvimento de uma pessoa jurídica em ato supostamente lesivo à administração pública, independentemente de culpa ou dolo, que já é possível incidir sobre ela as severas sanções previstas.

Com a publicação e vigência da Lei Anticorrupção Empresarial, o Poder Executivo federal realizou a sua regulamentação por meio do Decreto 8420/2015 (atualmente revogado pelo Decreto 11.129/2022, que tomou seu lugar). Outros órgãos da União também efetuaram a regulamentação, tal como a Controladoria-Geral da União (CGU), por meio de Portarias (909/2015 e 910/2015) e Instruções Normativas (1/2015 e 2/2015). As normas trazem regulamentações acessórias para a aplicação da Lei Anticorrupção no Brasil.

Segundo informações do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a publicação e vigência da Lei da Empresa Limpa foi responsável pela melhora no ambiente empresarial brasileiro, transparência das empresas, melhora na relação de confiança dos stakeholders e investidores e aplicação de sanção aos infratores, dentre outros.

Importante ressaltar que, conforme decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, “compliance é um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores”.

A necessidade de uma estrutura de compliance e governança na companhia, ainda que não possua capital aberto, se explica pela análise que o departamento faz não só da legalidade das ações internas, mas também para verificar se os atos estão de acordo com os valores e princípios da companhia, de forma a estabelecer um padrão lídimo de conduta interna (Franco, 2019).

O departamento de compliance pode, inclusive, criar padrões de comportamentos ainda mais severos que àqueles dispostos na própria legislação, tais como proibições de recebimento de presentes, viagens, entre outros que podem ser aplicados internamente na sociedade.

A cultura do compliance e da conformidade deve ser criada e mantida pela sociedade empresarial, com apoio incondicional da estrutura de gestão e da alta administração, que devem não só apoiar, mas incentivar e disseminar a cultura da governança interna na companhia. O exemplo deve vir de cima.

Com a implantação da cultura da governança, cada profissional poderá ser capaz de identificar o que pode e deve ser feito (ou não) no exercício de seu mister e quais cuidados, princípios ou valores deve observar.

Da mesma forma que regras são necessárias, elas não podem ser tantas a ponto de inviabilizar o conhecimento interno dos funcionários, colaboradores e fornecedores, prestadores de serviço e stakeholders, já que o excesso de regras para conhecimento pode desestimular o aprimoramento interno das pessoas responsáveis.

A área de compliance deve ser independente para evitar conflitos de interesse entre a companhia e seus próprios colaboradores e/ou pessoas externas. Casos há em que a função de compliance é exercida por funcionários do financeiro/controladoria, jurídico e outros.

Estudo da KPMG, publicado em 2021 demonstra a maturidade do comportamento da governança no Brasil, indicando quem executa a área ou departamento de compliance dentro das companhias. Em 2021, 64% das áreas ou departamentos era comandada por alguém do compliance e 15% por colaborador da auditoria interna. Em 2015, apenas 40% eram comandadas por uma área específica do compliance (KPMG, 2021, p.10).

Referida pesquisa também consultou as empresas sobre o reforço dado pelos executivos seniores para a cultura de compliance e governança da companhia. O resultado demonstrou que em 2021 houve expressivo aumento sobre a cultura do compliance dentro das organizações (KPMG, 2021, p. 7.

No quesito quem “preside o comitê de ética e compliance”, vimos que é de extrema importância a independência do referido departamento, para evitar conflitos de interesses entre as decisões do departamento de compliance e governança e outros departamentos da companhia.

A KPMG também estudou esse quesito e chegou ao resultado de que quem preside o Comitê de Ética e Compliance das companhias é, normalmente, o CEO, seguido pelo Compliance Officer e pela auditoria interna. Depois, vem o Jurídico e o CFO. Importante destacar que neste estudo da KPMG demonstrou-se grande evolução no atual estágio dos comitês de ética internos (KPMG, 2021, p. 6).

Esse movimento de luta contra a corrupção que o mundo passa, fez com que o compliance crescesse e, notadamente, as disposições do compliance criminal, área focada na prevenção de crimes e contravenções dentro e fora da companhia.

Fato é que a necessidade de um departamento de compliance bem estruturado e organizado, evita sobremaneira ilícitos civis, administrativos e, claro, penais entre os atores empresarias.

Anselmo (2017, p. 142) define o conceito de compliance criminal, dizendo que “o sistema de contínua avaliação das condutas praticadas na atividade da empresa, tendo como objetivo evitar a violação de normas criminais, a prática de crimes contra a empresa ou mesmo práticas danosas sob a perspectiva criminal”.

Desta forma, o compliance criminal surge como forma de evitar que o empresário, no seu dia-a-dia, atue de forma criminosa, autorizando, responsabilizando ou praticando atos que, considerados tais como realizados, possam ser criminosos ou até mesmo lesivos ao patrimônio da sociedade.

Uma das grandes diferenças entre o advogado criminalista cotidiano e o de compliance criminal está no momento de atuação. Enquanto aquele atua após o cometimento eventual do delito, este atua na prevenção, ou seja, antes do cometimento do possível ilícito criminal, atuando, então, de forma preventiva.

No Brasil, um dos grandes marcos históricos do compliance criminal é a publicação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei Nacional 9613/1998), já que referida lei obrigou diversas entidades, inclusive os bancos, a criarem um sistema preventivo de fraudes e de desvios de dinheiro para evitar punições no âmbito penal/administrativo e, com isso, trazer maior garantia em seus negócios.

O conceito de programa de integridade está disciplinado no Decreto 11.129/2022, que diz:

Art. 56.  Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de:

I – prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; e

II – fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional.

Parágrafo único.  O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e os riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e a adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

Por isso que, a criação de um programa de integridade e conformidade, de forma independente, sendo este um dos requisitos do programa de compliance, a independência, conforme art. 57 do Decreto 11.129/2022, que diz:

Art. 57.  Para fins do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei nº 12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e pela fiscalização de seu cumprimento;

Desta forma, a criação de uma estrutura de compliance pode ser considerada como uma atenuante em caso de cometimento de ilícito penal ou administrativo, conforme estabelece o referido Decreto.

No que tange do Direito Penal, a complexidade do cotidiano e a globalização trouxeram diversos desafios ao administrador da sociedade, que pode cometer, mesmo sem saber exatamente como, ilícitos que possam prejudicar a reputação e atuação da empresa.

Casos no Brasil não faltam de ilícitos cometidos por empresas e sociedades empresárias. O rumoroso caso do “Mensalão” demonstrou uma orquestração de sociedades que se utilizavam do Poder Público para corromper servidores e parlamentares.

Da mesma forma, a “Operação Lava Jato” mostrou ao Brasil um esquema de organização criminosa entre as maiores empreiteiras nacionais, que utilizavam uma espécie de cartel para vencerem licitações e contratos com a Petrobras e, com isso, aumentar seus lucros e recebimentos.

3. Conclusão

Desta forma, uma das principais características do compliance criminal é a prevenção, evitando que a companhia e seus principais funcionários pratiquem crimes ou sejam levados a cometer delitos que comprometam a atividade social, que coloquem o nome da companhia ou de seus diretores dentre investigados por crimes que, se comprovados, podem levar a pedidos de recuperação judicial, falência ou até mesmo ao fechamento das portas da sociedade.

O presente estudo objetivou analisar o compliance criminal sob a perspectiva do Brasil e das leis brasileiras. Notadamente aquelas utilizadas pelas companhias para evitar sua criminalização por atos advindos dos seus funcionários ou colaboradores.

Por isso, em virtude de grandes casos de corrupção advindos de casos rumorosos, percebe-se que a legislação brasileira evoluiu muito em relação ao que existia antes dos referidos casos.

Estudos realizados por consultorias especializadas demonstram o crescimento do compliance no Brasil e a adoção de uma cultura de conformidade das companhias brasileiras, públicas e privadas, bem como do próprio brasileiro, que agora adota critérios mais claros nos seus atos.

REFERÊNCIAS

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¹Mestrando na UNICURITIBA, professor universitário na UNISUL, Advogado, http://lattes.cnpq.br/3203315724168162, e-mail: agenordelima@msn.com.

²Doutor pela PUC/SP. Professor do Corpo Permanente do PPGD do UNICURITIBA. http://lattes.cnpq.br/8913796337992460, e-mail: demetriusmacei@gmail.com.