EFFECTIVENESS OF WEEKLY IRON SUPPLEMENTATION
EFECTIVIDAD DE LA SUPLEMENTACIÓN SEMANAL DE HIERRO
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8280513
Andreza Moita Morais1
Geane Sales Bezerra2
Paula Andreia Araújo Monteiro3
Patrícia Inês Zalazar4
Rita de Kassia Abreu Souza Teles5
Alysan Gomes de Vasconcelos6
Thalis Kennedy Azevedo de Araujo7
Francisco Plácido Nogueira Arcanjo8
RESUMO
A anemia ferropriva é um grave problema de saúde pública em países em desenvolvimento, principalmente entre crianças, pois está associada a graves problemas de saúde. A suplementação de ferro é uma das estratégias recomendadas para combater a anemia. Este estudo se propôs avaliar os efeitos da suplementação semanal de sulfato ferroso sobre os níveis de hemoglobina (Hb) e a prevalência de anemia em crianças de 2 a 3 anos. Foi realizado um ensaio clínico randomizado por conglomerados em uma escola escolhida aleatoriamente. As salas de aulas foram divididas em dois grupos: um grupo de intervenção (grupo A) foi submetido à intervenção com 6mg/kg de ferro elementar e um grupo controle (grupo B), fez uso de placebo. Amostras de sangue foram coletadas no início e no final do estudo para avaliar os níveis séricos de Hb e a prevalência de anemia. A intervenção durou 14 semanas. Houve aumento médio da Hb de 0,85g/dL (p=0,0003) no grupo intervenção e diminuição de 0,74g/dL (p=0,0001) no grupo controle. A prevalência de anemia significativamente diminuiu no grupo de suplementação semanal com p=0,0002. A suplementação semanal de ferro em crianças em idade pré-escolar promoveu aumento dos níveis de Hb e diminuição da prevalência de anemia.
Palavras-chave: Anemia por deficiência de ferro; hemoglobinas; sulfato ferroso; criança pré-escolar; ensaio clínico.
ABSTRACT
Iron deficiency anemia is a serious public health problem in developing countries, especially among children, as it is associated with serious health problems. Iron supplementation is one of the recommended strategies to combat anemia. This study aimed to evaluate the effects of weekly ferrous sulfate supplementation on hemoglobin (Hb) levels and the prevalence of anemia in children aged 2 to 3 years. A cluster-randomized clinical trial was performed; at a randomly chosen school. The classrooms were divided into two groups: an intervention group (group A) was submitted to the intervention with 6mg/kg of elemental iron and a control group (group B) used a placebo. Blood samples were collected at baseline and at the end of the study to assess serum Hb levels and prevalence of anemia. The intervention lasted 14 weeks. There was a mean increase in Hb of 0.85g/dL (p=0.0003) in the intervention group and a decrease of 0.74g/dL (p=0.0001) in the control group. The prevalence of anemia significantly decreased in the weekly supplementation group with p=0.0002. Weekly iron supplementation in preschool children promoted an increase in Hb levels and a decrease in the prevalence of anemia.
Keywords: Iron deficiency anemia; hemoglobins; ferrous sulphate; preschool child; clinical trial.
RESUMEN
La anemia por deficiencia de hierro es un grave problema de salud pública en los países en desarrollo, especialmente entre los niños, ya que se asocia con graves problemas de salud. La suplementación con hierro es una de las estrategias recomendadas para combatir la anemia. El estudio tuvo como objetivo evaluar los efectos de la suplementación semanal con sulfato ferroso sobre los niveles de hemoglobina (Hb) y la prevalencia de anemia en niños de 2 a 3 años. Se realizó un ensayo clínico aleatorizado por grupos; en una escuela elegida al azar. Las aulas se dividieron en dos grupos: un grupo de intervención (grupo A) se sometió a la intervención con 6 mg/kg de hierro elemental y un grupo de control (grupo B) utilizó un placebo. Se recogieron muestras de sangre al inicio y al final del estudio para evaluar los niveles séricos de Hb y la prevalencia de anemia. La intervención duró 14 semanas. Hubo un aumento medio de Hb de 0,85 g/dL (p=0,0003) en el grupo de intervención y una disminución de 0,74 g/dL (p=0,0001) en el grupo de control. La prevalencia de anemia disminuyó significativamente en el grupo de suplementación semanal con p=0,0002. La suplementación semanal con hierro en preescolares promovió un aumento en los niveles de Hb y una disminución en la prevalencia de anemia.
Palabras clave: Anemia por deficiencia de hierro; hemoglobinas; sulfato ferroso; niño pré-escolar; ensayo clínico.
1. Introdução
A deficiência de ferro e a anemia por deficiência de ferro são as deficiências nutricionais mais comuns em todo o mundo. Estudos demonstram que as crianças têm maiores índices de prevalência dessas enfermidades, o que é considerado um grande problema de saúde pública, principalmente em países em desenvolvimentos (MEDEIROS et al., 2015; FIELD et al., 2020).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define anemia como uma condição na qual a concentração de hemoglobina está abaixo dos valores de referência, a ponto de não atender as necessidades fisiológicas de acordo com a idade, sexo e altitude. Os níveis de concentração da hemoglobina no sangue para o diagnóstico de anemia são classificados segundo a idade, gênero e condições fisiológicas. Em crianças menores de cinco anos, considera-se diagnóstico para anemia hemoglobina inferior a 11,0 g/dL (WHO, 2017).
Estudos epidemiológicos apontam um alto índice de prevalência de anemia, principalmente em crianças menores de cinco anos. A OMS mostra que globalmente cerca de 42% das crianças menores de 5 anos têm anemia por deficiência de ferro. Essa prevalência é variável, nos Estados Unidos da América encontramos deficiência de ferro em 2% das crianças pequenas, em contraste dos 40% anos pré-escolares do Brasil (OATLEY et al., 2018; BRAGA, 2019; WHO, 2020).
Das causas de anemia mais comuns, aproximadamente 50% são atribuídas a uma dieta deficiente em ferro, considerada a deficiência nutricional mais prevalente no mundo, afetando principalmente lactentes, pré-escolares, mulheres em idade fértil, gestantes e lactantes, sendo em maiores números em países em desenvolvimento (CAPANEMA et al., 2003; WHO, 2017).
O ferro é um metal difundido no corpo humano, desempenhando um papel crucial em todas as fases da síntese de proteína, respiração celular, processos oxidativos e processos imunológicos (DUNN; RAHMANTO; RICHARDSON, 2007; GROTTO, 2008; HENRIQUES; COZZOLINO, 2012). A insuficiência de ferro está associada à fragilidade e distorções ósseas, hepatoesplenomegalia (possivelmente devido a hematopoiese extramedular), atraso no crescimento, puberdade, alterações do neurodesenvolvimento, cardiomegalia e anormalidades no eletrocardiograma (ALLALI et al., 2017).
Estudo recente associou a deficiência de ferro na infância e adolescência com aumento da prevalência do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Ansiedade e Transtorno Bipolar do Humor, destacando a importância da privação de ferro a longo prazo (ISLAM et al., 2018). Nesse sentido, a OMS estabelece estratégias para controle e diminuição da deficiência de ferro e anemia, sendo o uso de ferro semanal (intermitente) para grupos de risco uma alternativa preconizada. (DARY; HURRELL, 2006; WHO, 2020).
Historicamente a adesão ao tratamento com sulfato ferroso é baixa, apesar de ser o tratamento de primeira escolha do Ministério da Saúde no Brasil e estar disponível de forma gratuita. Essa baixa adesão estaria relacionada aos efeitos colaterais como náuseas, dores abdominais e gosto metálico do suplemento (FISBERG et al., 2018). Cassimiro e Mata (2017) encontrou que o principal motivo para baixa adesão seria uma comunicação ineficiente entre o profissional de saúde e o paciente. Já Miranda et al. (2020) mostrou que além da comunicação os efeitos adversos e as condições socioeconômicas estão relacionados à baixa adesão à suplementação férrea.
A Unidade Básica de Saúde (UBS), como porta aberta e principal componente de saúde de atenção à saúde da família, tem grande importância na prevenção e tratamento da anemia, principalmente nos grupos de risco. Esse espaço contribui diretamente para adesão ao tratamento, sendo de grande singularidade o sinergismo entre a equipe de saúde e o paciente, pois a baixa adesão, dá-se principalmente pela baixa escolaridade dos cuidadores, pela falta de conhecimento da importância do uso, pelos efeitos colaterais e sabor metálico desses medicamentos (BRASIL, 2015; AZEREDO et al., 2013).
Neste contexto, apesar do tratamento da anemia por deficiência de ferro ser de fácil acesso e estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), essa baixa adesão prejudica demais o controle e a diminuição das taxas de prevalência de anemia, principalmente nos grupos mais vulneráveis (BRASIL, 2015)
Desde 2005, existem programas do Ministério da Saúde que tem como objetivos diminuir os índices de anemia por deficiência de ferro em crianças, dentre eles destacam-se o Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF) e o Programa Saúde na Escola (PSE). Este último tem como propósito desenvolver práticas intersetoriais entre a área da educação e saúde. Já o PNSF, consiste na suplementação profilática de ferro para diversos públicos vulneráveis, incluindo todas as crianças de seis a 24 meses de idade. O mesmo propõe ações de educação alimentar e nutricional, suplementação medicamentosa com sais de ferro e fortificação de alimentos (BRASIL, 2015).
Assim as intervenções realizadas nas escolas, através da intersetorialidade com a implementação desses programas, têm importante função na consolidação de práticas de educação em saúde e no enfrentamento da anemia por deficiência de ferro. Estes programas são estratégias essenciais para a modificação da realidade, indicando um esforço na inter-relação de diferentes saberes e atores sociais para implantação de vínculos horizontais para a superação de dificuldades em saúde (WHO, 2017)
Diante disso, este estudo propôs a realizar uma suplementação semanal de ferro em escolas como estratégia para melhorar os níveis hematimétricos sem necessidade de acompanhamento familiar na adesão, uma vez que muitas vezes é difícil de entender quão importante é o ferro para o desenvolvimento homeostase dessas crianças. Portanto, teve como objetivo avaliar a eficácia da suplementação semanal de ferro em crianças de 2 anos no combate à anemia, além de verificar a prevalência da doença e se ocorreu alguma mudança na concentração de hemoglobina antes e após a suplementação semanal de ferro.
2. Método
O estudo trata-se de um ensaio clínico randomizado, com amostra de pré-escolares de 24 a 36 meses, estudantes de um centro de educação infantil da cidade de Sobral-CE. Os critérios de inclusão foram alunos que estavam matriculados na referida escola. Já os critérios de exclusão foram as crianças cujo pais não aceitaram participar do estudo, crianças portadoras de alguma patologia grave (hematológicas ou neurológicas), crianças que já estejam em uso de suplementos de ferro e crianças com frequência escolar inferior a 70%.
A coleta de dados foi realizada de agosto a dezembro de 2019. As salas de aulas foram divididas em dois grupos: um grupo de intervenção (grupo A) foi submetido à intervenção com 6mg/kg de ferro elementar e um grupo controle (grupo B), fez uso de placebo. Cada criança recebeu a dose uma vez por semana. A intervenção foi administrada, pelos autores, toda segunda-feira por 14 semanas, utilizando uma seringa de plástico com escala de forma individual, previamente preparada com a dose de acordo com o peso de cada criança. Esguichava-se a suplementação suavemente no canto lateral da boca da criança. Todos os grupos iniciaram e terminaram no mesmo período.
Quanto ao tamanho da amostra, considerou-se com base em estudos anteriores a prevalência de anemia de 40 a 50%. Cada grupo precisaria de um mínimo de 43 indivíduos para alcançar uma redução na prevalência de anemia de 50% para 25% com 80% de poder do estudo, estimando um erro tipo 1 de 5%, e permitindo perdas de 10% no seguimento (LWANGA et al., 1991). Cada responsável da criança respondeu um questionário previamente, com informações sobre idade, sexo, aleitamento materno exclusivo (AME) até 6 meses, escolaridade da mãe e renda familiar.
Para comparar os valores de Hb antes e depois da intervenção, duas análises bioquímicas foram realizadas. Um técnico treinado mediu as concentrações de Hb usando um HemoCue Bhemoglobin portátil fotômetro (Hb 301 – HemoCue AB, Ängelholm, Suécia), usando também Carelet® Safety Lancetas, coletando o sangue capilar em ambiente asséptico por punção digital (Facet Technologies, Atlanta, GA, EUA). Os membros da equipe de estudo que coletaram os dados dos resultados desconheciam as diferentes intervenções.
O estudo incluiu dois desfechos primários: mudança na concentração de Hb medido em g/dL antes e depois da intervenção, e prevalência de anemia antes e depois da intervenção. Para definir anemia, uma Hb concentração de 11,0g/dL foi usada como ponto de corte (WHO, 2020).
Os pesquisadores utilizaram o teste exato de Fisher para determinar a diferença entre as variáveis categóricas. O teste t de student pareado foi usado para determinar a diferença de concentração de Hb dentro dos grupos antes e após a intervenção. Todas as análises foram feitas usando o programa SPSS para Windows, versão 17.0. (SPSS Inc., Chicago, IL). O valor estatístico de p 0,05 foi escolhido como o limite para significância estatística.
Por se tratar de uma pesquisa com seres humanos, o estudo obedeceu aos aspectos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/2012 e 510/2016. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Ceará. Foram coletadas as assinaturas dos termos que possibilitaram a realização do mesmo, como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para o responsável da criança.
A pesquisa poderia apresentar alguns riscos, individuais e coletivos. O indivíduo estaria envolvido com os efeitos colaterais do sulfato ferroso (dor abdominal, diarreia e vômitos), riscos de alergias, intolerâncias alimentares e coletivos, como invasão da privacidade escolar e alteração da rotina escolar. Como forma de amenizar esses riscos, realizou-se a preparação da intervenção e aplicação na escola, com autorização do corpo diretor, garantindo o sigilo dos participantes e das informações por eles prestadas. Em casos de efeitos colaterais, os pesquisadores se disponibilizaram a prestar assistência e acompanhamento ao participante.
Quanto aos benefícios para o grupo de intervenção, os responsáveis receberam orientação sobre anemia, além da suplementação de ferro para as crianças. Todos os participantes foram acompanhados durante a ingestão dos compostos de ferro por uma equipe com médico e enfermeiro. Além disso, a pesquisa ajudou a ampliar estudos sobre o tema na comunidade científica propondo soluções para o aumento de adesão ao tratamento.
3. Resultados
No início do estudo, 14 pré-escolares foram excluídos antes da realização da análise sanguínea, sendo nove do grupo A (três recusaram e seis já faziam uso de suplementação de ferro) e cinco do grupo B (três recusaram e dois já faziam uso de suplementação de ferro). Além desses, houveram 10 desistentes do Grupo A antes da segunda avaliação bioquímica (ao final da intervenção) (cinco abandonaram o Centro de Educação Infantil, dois faltaram e três não aderiram); houve também 11 desistentes do Grupo B (sete abandonaram o Centro de Educação Infantil, dois faltaram e dois não aderiram).
A concentração de Hb e as outras variáveis de pesquisa foram examinadas no início do estudo. Idade, sexo, AME, escolaridade da mãe e renda familiar não diferiram estatisticamente. No grupo A, havia 27 participantes do sexo masculino e 27 participantes do sexo feminino. A média de idade (em meses) para o grupo A foi de 29,9±3,51 e 30,4±3,36 para o grupo B, p=30. 28 meninos e 31 meninas compuseram o grupo B. AME, escolaridade da mãe e renda familiar apresentaram valores de p de 0,96 e 0,90 entre os grupos, respectivamente. Entretanto, houve diferença significativa nas médias de Hb entre os grupos, sendo 11,34±1,31 g/dL no grupo A e 11,88±0,78 g/dL no grupo B (p=0,003).
No Grupo A, o nível médio de Hb basal foi de 11,19±1,42 g/dL e, após a intervenção, a concentração média de Hb aumentou para 12,04±0,96 g/dL, p=0,0003. A prevalência de anemia foi de 20 em 44, 45,5% no início do estudo e 4 em 44 (9,1%) na conclusão do estudo, p=0,0002. No grupo controle (Grupo B), a média do nível basal de Hb foi de 11,85±0,86 g/dL, e após intervenção, a concentração média de Hb diminuiu para 11,11±0,87 g/dL, p<0,0001. A prevalência de anemia foi de 8 em 48 (16,7%) no início do estudo e aumentou para 12 em 48 (25,0%) no final do estudo, sem diferença estatisticamente significativa, p=0,452. Quando consideradas as concentrações médias de Hb, os valores médios de Hb do Grupo A aumentaram (0,85±1,42); enquanto a concentração média de Hb do Grupo B diminuiu (-0,74±0,96), p=0001.
Com relação apenas aos participantes anêmicos, o Grupo A (n=20) apresentou concentração média de Hb de 9,82±0,60 no início e 11,58±0,45 após a intervenção, ambas estatisticamente significativas (p<0,0001). Na linha de base, havia 20 participantes anêmicos, mas após a intervenção, esse número caiu para 4, também estatisticamente significativo (p<0,0001). A concentração média de Hb no grupo controle (Grupo B) diminuiu de 10,78±0,14 g/dL no início do estudo para 10,60±1,27 após a intervenção, sem significância estatística (p=0,077). A concentração média de Hb aumentou no grupo intervenção (1,76±0,85 g/dL), mas diminuiu marginalmente no grupo controle (Grupo B), p=0,677.
Os indicadores que preveem um resultado positivo ou negativo foram comparados entre o grupo de intervenção A e o grupo de controle neste estudo (ausência de anemia versus anemia). 20% dos sujeitos experimentais e 100% dos sujeitos de controle tiveram resultados desfavoráveis ao final da pesquisa. Para o grupo A, a diferença na Redução do Risco Absoluto (RRA) foi de 80%. O intervalo de confiança de 95% para essa discrepância variou de 62,5% a 97,5% (grupo A). O risco relativo (RR) do grupo de suplementação semanal foi de 0,36. O número necessário para tratar (NNT) foi 2. Isso indica que a intervenção foi bem-sucedida para um em cada dois pré-escolares do grupo. O intervalo de confiança de 95% para o NNT variou de 1,0 a 1,6.
4. Discussão
No Brasil, em 2005, o Ministério da Saúde implementou o Programa Nacional de Suplementação de Ferro, que visava reduzir a prevalência da anemia ferropriva, por meio da suplementação preventiva de ferro em crianças de seis meses a 2 anos, gestantes e puérperas (BRASIL, 2005). Esse tipo de programa é realizado há mais de 60 anos em países desenvolvidos, mas somente na última década foi implementado em maior escala no território brasileiro (WHO, 2017; DETZEL; WIESER, 2015).
Mesmo com essas intervenções, ainda temos a anemia ferropriva como um problema de saúde pública em nosso país. Nesse estudo, a prevalência de anemia ferropriva foi de 30,4%, sendo classificada como moderada, ao contrário de uma recente revisão sistemática sobre a prevalência de anemia ferropriva em pré-escolares no Brasil, que identificou um índice 40,2%, nível considerado grave problema de saúde pública (WHO, 2020).
Apesar de ser realizado em uma região pobre, esta pesquisa apresentou prevalência de anemia ferropriva menor do que nas regiões mais desenvolvidas do país (38,7%) (ISLAM et al., 2018). Isso pode ser explicado pela eficácia das políticas públicas locais, assim como pelas alimentações ricas em ferro na merenda escolar e intervenções extragovernamentais (ARCANJO et al. , 2019; ARCANJO et al., 2012).
No presente estudo, o uso semanal de ferro levou a uma diminuição significativa na prevalência de anemia ferropriva em crianças, de 45,5% para 9,1%. Por outro lado, houve um aumento não significativo na população anêmica de 16,7 para 25,0% no grupo controle. Ao analisar apenas participantes anêmicos, observou-se grande redução da anemia ferropriva, 80%, no grupo que recebeu suplementação semanal de ferro. Alcançando um NNT de 2; ou seja, para cada duas crianças expostas à intervenção, uma criança foi recuperada da condição de anemia. Tais dados mostram que a suplementação semanal de ferro nos participantes anêmicos foi eficaz.
Ainda analisando esses mesmos grupos, verificou-se aumento significativo dos níveis séricos de Hb no grupo que recebeu suplementação semanal de sulfato ferroso (0,85g/dL) em relação ao grupo controle (-0,74g/dL), que apresentou diminuição dos níveis de Hb. Esse resultado concorda com a revisão sistemática de De-Regil (2011), que encontrou um aumento médio da Hb de 0,5g/dL em comparação ao placebo.
Neste ensaio clínico, foi encontrada maior adesão ao tratamento com suplementação semanal quando comparada ao uso diário de ferro (DE‐REGIL et al., 2011). Entende-se que a suplementação intermitente pode ser uma alternativa para aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento e, consequentemente, reduzir os custos que a suplementação diária demanda.
Numerosos estudos analisaram os benefícios específicos da suplementação preventiva de ferro em crianças. Tem-se observado a convergência na redução da prevalência da anemia, na redução da morbidade das doenças infecciosas e da mortalidade infantil, e na contribuição para o desenvolvimento integral dos tecidos (WHO, 2020; ALLALI, 2017; DARY; HURRELL, 2006).
No entanto, poucas pesquisas analisam na prática os possíveis prejuízos dessa conduta, como possíveis perdas na absorção de alguns micronutrientes, como o zinco, e a possibilidade de acúmulo excessivo de ferro no organismo, o que poderia ser maximizado com o uso diário de ferro e talvez tenha minimizado na suplementação intermitente (IANNOTTI et al., 2006).
A maioria dos estudos que relacionam a suplementação de ferro com a redução da anemia não analisa especificamente a faixa etária de 2 anos, geralmente, avaliando crianças maiores (ARCANJO et al., 2019; ISLAM et al., 2018; DETZEL; WIESER, 2015; ARCANJO et al., 2012; DE‐REGIL et al., 2011; ARCANJO et al., 2011). Assim, observou nesses estudos, incluindo uma revisão sistemática, ensaios clínicos randomizados e ensaios comunitários, que é frequente o aumento dos níveis de Hb e a redução da anemia ferropriva com a suplementação semanal, como verificado na presente pesquisa (BRUNKEN; MUNIZ; SILVA, 2004; PALUPI et al., 1997).
Como potenciais fragilidades deste estudo, os investigadores fazem algumas considerações. Como o estudo foi randomizado por cluster, a prevalência de anemia não seria necessariamente semelhante entre os grupos, acredita-se que o grupo com níveis mais baixos de Hb e maior prevalência de anemia pode apresentar melhor resposta devido ao possível estado férrico inferior. Todavia, isso não pode ser confirmado, pois este estudo analisou apenas as concentrações de Hb, não foi avaliada a deficiência de ferro por meio de ferritina ou receptores de transferritina, o que tornaria a avaliação de ferro mais confiável.
Embora nos grupos anêmicos sob intervenção tenha havido uma diminuição considerável, de 20 para 4, no número de crianças anêmicas ao final do estudo. Os pesquisadores acreditam que a curta duração do estudo (apenas 14 semanas) pode ter levado a um resultado menor, e talvez um efeito maior pudesse ser alcançado com um período de intervenção mais longo.
5. Conclusão
Nesse estudo, adotou-se algumas abordagens que o tornam inovador, como o baixo custo devido ao uso semanal de sulfato ferroso, o uso da suplementação de forma comunitária com o espaço da merenda escolar nas escolas, a diminuição das chances de reprovações que podem ocorrer no ambiente familiar e a intervenção ter sido realizada com a intenção de tratar com resultados significativos no curto período de tempo. Assim, torna-se uma estratégia plausível para ser implementada em larga escala em países em desenvolvimento com alta prevalência de anemia ferropriva.
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1Mestre em Saúde da Família. Universidade Federal do Ceará. Rua Josefá Batista da Silva, 400, Nene Plácido, Tianguá-CE, CEP: 62.327-370. E-mail: andrezatga@gmail.com
2Enfermeira. Universidade Estadual Vale do Acaraú. Rua Boulevard João Barbosa, 4011, Centro, Sobral-CE, CEP: 62.010-190. E-mail: geanesales@live.com
3Mestre em Saúde da Família. Universidade Federal do Ceará. Avenida da Universidade, 2853, Benfica, Fortaleza-CE, CEP: 60.020-181. E-mail: paulaaampa@gmail.com
4Especialista em Saúde da Família. Faculdade Católica. Avenida Pimentel Gomes, 1305, Sobral-CE. CEP: 62.000-990. E-mail: patriciaimplantes@gmail.com
5Psicóloga. Faculdade Pitágoras de São Luís. Rua Travessai, 546, Distrito Araquém, Coreáu-CE, CEP: 62.165-000. E-mail: ritadekassiaabreusouza@gmail.com
6Farmacêutica. Centro Universitário Inta. Rua José Siqueira, 948, Centro, Viçosa do Ceara-CE, CEP: 62.300-000. E-mail: alysancm2022@gmail.com
7Graduando em Enfermagem. Universidade Estadual do Piauí. Avenida Nossa Senhora de Fátima, Reis Veloso, Parnaíba-PI, CEP: 64.202-262. E-mail: thalisaraujo@aluno.uespi.br
8Doutor em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria. Universidade Federal de São Paulo. Avenida Dom José, 811, Dom José, Sobral-CE, CEP: 62.015-400. E-mail: franciscoplacidoarcanjo@gmail.com