PSICOLOGIA SOCIAL: A HUMILHAÇÃO SOCIAL DE TRABALHADORES DESFAVORECIDOS NA SOCIEDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8271021


Maria Alcinete de Brito Menezes Carvalho1
Sandra Regina Nonato Campello2


Resumo 

O presente estudo pretende construir uma inclusão social de qualidade dos trabalhadores desfavorecidos na sociedade, principalmente no que se refere a sua ocupação no trabalho e a classe social. Independente da profissão, o indivíduo faz suas escolhas mediante a necessidade e a oportunidade de emprego. Na perspectiva de poder ter uma vida digna de respeito e poder garantir o sustento da família, sem que haja discriminação ou desrespeito ou um olhar reprovador de pudor. Tendo em vista que todo trabalho digno realizado por um ser humano que busca ganhar o sustento da família, é importante ser valorizado e respeitado mediante a sociedade. Pois o mercado de trabalho atualmente tem exigido qualificação profissional e nem todos têm condições para tal formação, por tempo e situação financeira. Onde a necessidade vem primeiro. Por outro lado, a psicologia social realiza estudos de como o indivíduo se relaciona na sociedade, na observação dos comportamentos, buscando compreender como pensam quando estão em grupos ou comunidades.

Palavras-chave: Inclusão social, Trabalhadores, Sociedade.

Abstract

This study aims to build a quality social inclusion of disadvantaged workers in society, especially with regard to their occupation at work and social class. Regardless of the profession, the individual makes his/her choices through the need and the opportunity for employment. In the perspective of being able to have a life worthy of respect and to be able to guarantee the support of the family, without discrimination or disrespect, a distasteful look of modesty. Considering that all decent work performed by a human being who seeks to earn the sustenance of the family, it is important to be valued and respected through society. The labor market currently requires professional qualification and not everyone has conditions for such training, by time and financial situation. Where the need comes first. On the other hand, social psychology performs studies of how the individual relates in society, in the observation of behaviors, seeking to understand how they think when they are in groups or communities.

Keyword: Social inclusion, Workers, Society.

1. INTRODUÇÃO 

No Brasil e no mundo há diversos tipos de trabalhadores com diversas ocupações de trabalho menos favorecidas na sociedade, pela falta de estudos, formação, qualificação profissional e oportunidades. Com o tempo, ganham experiências sobre tudo que fazem, na busca da sobrevivência e sustento da família. Porém esse trabalho não é valorizado com salários e leis trabalhistas, ganham por produtividade e aproveitamento do que recolhem nas ruas ou no lixão, como por exemplo os catadores de lixo, mas que por outro lado, contribuem com a limpeza da cidade e direcionam e objetivam o que a sociedade não ver como reaproveitamento e descartam. 

A proposta deste estudo é proporcionar uma reflexão sobre a inclusão das pessoas que se sentem excluídas pela sociedade, pelo que fazem como forma de ocupação e trabalho na perspectiva de garantir o próprio sustento e da família. Trabalhos que proporcionam uma vida digna de respeito e reconhecimento, assim como a cooperação para manter a cidade limpa e aproveitamento de materiais que muitas vezes são descartados sem destino, o que para muitos não serve, pra outros pode ser um meio de ganhar o pão de cada dia ao invés de contribuir com a criminalidade ou viver a vida reclamando sobre como vive, e nada se faz. 

O objetivo do tema abordado é promover uma discussão sobre quais possíveis patologias que podem ser apresentadas diante deste contexto na vida dos indivíduos que sofrem por desenvolverem um trabalho que poderia ser reconhecido e valorizado, seja o lixeiro ou catador de lixo. A exposição do local onde retiram do lixo o lixo que reaproveitam, corre o risco de contaminação, mas a certeza de que garante a sobrevivência e a satisfação do manter alimentado, que sofrem pela falta de oportunidades de melhores condições de vida, trabalho remunerado, situações trabalhistas reconhecida não somente pela sociedade, mas pela lei trabalhista, com todos os direitos que exercem sua cidadania e principalmente o respeito e a inclusão na sociedade. 

Desigualdade e angústia

A realidade da sociedade de classes, atravessada pela desigualdade política, participa de um círculo de mensagens enigmáticas e traumáticas. As crianças pobres frequentemente se chocam, por exemplo, quando sua mãe é obrigada a entrar pelos fundos, no prédio em que vai fazer faxina; ou quando seu pai mostra-se inferior e calado diante da brutalidade de um superior. Quem poderia facilmente explicar às crianças o que se passa?

A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a partir do enigma da desigualdade de classes. Angústia que os pobres conhecem bem e que, entre eles, inscreve-se no núcleo de sua submissão. Os pobres sofrem frequentemente o impacto dos maus tratos. Psicologicamente, sofrem continuamente o impacto de uma mensagem estranha, misteriosa: “vocês são inferiores”. E, o que é profundamente grave: a mensagem passa a ser esperada, mesmo nas circunstâncias em que, para nós outros, observadores externos, não pareceria razoável esperá-la. Para os pobres, a humilhação ou é uma realidade em ato ou é frequentemente sentida como uma realidade iminente, sempre a espreitar-lhes, onde quer que estejam, com quem quer que estejam. O sentimento de não possuírem direitos, de parecerem desprezíveis e repugnantes, torna-lhes compulsivo: movem-se e falam, quando falam, como seres que ninguém vê. Diariamente nos deparamos com cenas ou assistimos jornais com reportagens de indignação de maus tratos aos trabalhadores menos desfavorecidos, contudo lutam por uma vida digna de respeito e reconhecimento. Portanto, o poder e status estão acima de tudo e de todos, sem garantia de direitos iguais, onde a desigualdade prevalece e a humilhação constante naquele que precisa do emprego e no sustento da família. 

METODOLOGIA

Na Psicologia Social, várias abordagens metodológicas podem ser utilizadas para estudar a humilhação social de trabalhadores desfavorecidos na sociedade. Aqui estão alguns tipos de metodologias que podem ser aplicados nesse contexto:

  1. Pesquisa Qualitativa:
  • Entrevistas: Realização de entrevistas individuais ou em grupo com trabalhadores desfavorecidos para compreender suas experiências de humilhação social, os contextos em que ocorrem e as emoções envolvidas.
  • Observação Participante: Os pesquisadores podem se inserir no ambiente desses trabalhadores para observar e interagir com eles de maneira mais direta, capturando as nuances das situações de humilhação.
  • Análise de Conteúdo: Análise de documentos, diários, mídias sociais e outras fontes para identificar padrões e temas relacionados à humilhação social.
  1. Pesquisa Quantitativa:
  • Questionários e Surveys: Distribuição de questionários padronizados para muitos trabalhadores desfavorecidos para coletar dados sobre suas experiências de humilhação, bem como fatores relacionados, como nível socioeconômico, educação e contexto de trabalho.
  • Testes Psicométricos: Uso de escalas e testes psicométricos para medir variáveis relevantes, como autoestima, autoimagem e sensibilidade à humilhação social.
  1. Estudos Longitudinais: Acompanhamento ao longo do tempo para observar como a humilhação social afeta o bem-estar psicológico e a resiliência dos trabalhadores desfavorecidos, permitindo a identificação de padrões e mudanças ao longo do tempo.
  2. Estudos de Caso: Análise detalhada de casos individuais de trabalhadores desfavorecidos que vivenciaram humilhação social, permitindo uma compreensão profunda de suas histórias, contexto e consequências. 
  3. Análise de Discurso: Investigação de como a humilhação social é construída e perpetuada no discurso público, na mídia ou nas políticas. Isso pode envolver análise de discursos, artigos de jornal, posts em redes sociais, entre outros.
  4. Estudos Experimentais: Criação de cenários experimentais nos quais participantes são expostos a situações que evocam humilhação social, permitindo a observação das reações emocionais, cognitivas e comportamentos.
  5. Análise de Redes Sociais: Exploração das redes sociais dos trabalhadores desfavorecidos para entender como essas redes influenciam a experiência de humilhação social e o apoio social disponível.
  6. Metodologias Participativas: Inclusão ativa dos trabalhadores desfavorecidos no processo de pesquisa, permitindo que eles compartilhem suas perspectivas, identifiquem questões importantes e co-criem soluções.

A escolha da metodologia dependerá dos objetivos da pesquisa, da disponibilidade de recursos e das características específicas da população em estudo. Uma abordagem multimétodo, combinando diferentes técnicas, pode proporcionar uma compreensão mais abrangente da humilhação social de trabalhadores desfavorecidos na sociedade.

A abordagem da Psicologia Social pode ser uma ferramenta valiosa para entender a humilhação social enfrentada por trabalhadores desfavorecidos na sociedade. A Psicologia Social se concentra nas interações entre indivíduos e nos processos psicológicos que ocorrem dentro de contextos sociais. No caso da humilhação social de trabalhadores desfavorecidos, essa abordagem pode ajudar a analisar como fatores sociais, econômicos e psicológicos contribuem para essa experiência.

Aqui estão algumas considerações-chave sobre como a Psicologia Social pode ser aplicada para entender a humilhação social de trabalhadores desfavorecidos:

  1. Identificação de Grupos Sociais e Identidade: A Psicologia Social destaca a importância da identidade de grupo. Trabalhadores desfavorecidos podem pertencer a grupos marginalizados e estigmatizados na sociedade. A pertença a esses grupos pode impactar a autoestima, o senso de pertencimento e a sensação de serem humilhados devido a preconceitos ou estigmas.
  2. Estigma e Preconceito: A Psicologia Social também explora as dinâmicas de poder nas interações sociais. Trabalhadores desfavorecidos frequentemente ocupam posições de poder inferior, o que pode torná-los mais vulneráveis a tratamento humilhante por parte de indivíduos ou instituições com maior poder social ou econômico.
  3. Dinâmica de Poder: A Psicologia Social também explora as dinâmicas de poder nas interações sociais. Trabalhadores frequentemente ocupam posições de poder inferior, o que pode torná-los mais vulneráveis a tratamento humilhante por parte de indivíduos ou instituições com maior poder social ou econômico.
  4. Comparação Social e Autoavaliação: A Comparação social é um conceito importante na Psicologia Social. Trabalhadores desfavorecidos podem ser comparados com outros que possuem mais recursos ou status, o que pode levar a sentimentos de inferioridade e humilhação. Essa comparação também pode afetar sua autoestima e autoimagem.
  5. Suporte Social e Empoderamento: A análise das redes de suporte social e oportunidades de empoderamento é relevante. O suporte social de amigos, familiares e colegas pode ser uma proteção contra a humilhação social. Além disso, o empoderamento desses trabalhadores por meio de recursos, educação e oportunidade pode ajudar a reduzir a experiência de humilhação.
  6. Contexto Institucional e Político: A Psicologia social também considera o contexto mais amplo, incluindo políticos, estruturas e sistemas. A análise das políticas econômicas, de emprego e de assistência social pode destacar como esses fatores influenciam as experiências de humilhação social dos trabalhadores desfavorecidos.
  7. Intervenções e Mudanças Sociais: Com base nas análises da Psicologia Social, podem ser desenvolvidas intervenções e estratégias para combater a humilhação social. Isso pode incluir programas de conscientização, treinamento para reduzir preconceitos, políticas de inclusão no local de trabalho e esforços para capacitar os trabalhadores desfavorecidos.

Em resumo, a abordagem da Psicologia Social pode fornecer insights valiosos sobre como a humilhação social afeta os trabalhadores desfavorecidos, considerando uma ampla gama de fatores sociais, psicológicos e estruturas. Osso, por sua vez, pode informar esforços para mitigar essa situação e promover uma sociedade mais justa e inclusiva. 

2. DESENVOLVIMENTO 

2.1 Humilhação

Humilhação representa o ato ou efeito de humilhar, quer dizer, é a submissão, degradação, infâmia, vileza, vexame, baixeza e vergonha. Manifesta-se da aspiração daquele que se considera superior a outro indivíduo, em razão, muitas vezes, da desigualdade econômica, no entanto, pode ocorrer pelo simples fato da pessoa ser diferente.

A distância econômica e sociocultural entre indivíduos pode delinear, naquele que se sente superior, direitos de humilhar e reduzir por golpes físicos ou moral aquele que se encontra em condição social fragilizada. Esse rebaixamento da pessoa não decorre exclusivamente de um ambiente atual, posto que os escravos, também, experimentaram as piores cenas dos automatismos sociais, relatados por Fernando Braga da Costa em sua obra “Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social”:

“A humilhação e angústia que os escravos conhecem bem, fincada na base de sua submissão instintiva ou maquinal. O escravo sofre várias vezes o golpe físico dos maus-tratos. Sofre continuamente o golpe moral de uma mensagem: “Inferior! Tu não és um de nós, trabalha baixo e sem rir ou olha a vara!”. Desde então, o golpe passa a ser esperado mesmo nas circunstâncias em que não vem ostensivamente. O ambiente político da dominação começa a agir também nas horas de trégua: age por dentro. Para os humilhados, a humilhação é golpe ou é frequentemente sentida como um golpe iminente, sempre a espreitar-lhes, onde quer que estejam, com quem quer que estejam. O sentimento de uma pancada torna-se compulsivo: vira pressentimento.(Costa, 2004, pág.8).”

A humilhação pode acontecer em diferentes ambientes e momentos como: no trabalho, nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, na infância, na adolescência e na velhice. Não está afeiçoada somente a classe pobre e, sim, a quem por algum fato esteja em condição inferior.

São gestos ou frases que transpõem o corpo humano e entram na alma do humilhado. Atos que diminuem a pessoa, ficando na lembrança daquele que foi direcionado o ato de inferioridade. Esses comportamentos degradantes nem sempre ocorrem em ambientes privados, são mensagens executadas em lugares públicos: escola, trabalho, ruas. 

Esse comportamento de humilhar inseriu-se no costumeiro do brasileiro por diversas gerações. A humilhação social, por exemplo, inaugurou-se com a servidão dos nativos e africanos, depois sobre imigrantes, atingindo os trabalhadores atualmente.

“O caminho da investigação deu na atenção para a invisibilidade pública. Invisibilidade pública é expressão que resume diversas manifestações de um sofrimento político: a humilhação social, um sofrimento longamente aturado e ruminado por gente das classes pobres. Um sofrimento que, no caso brasileiro e várias gerações atrás, começou por golpes de espoliação e servidão que caíram pesados sobre nativos e africanos, depois sobre imigrantes baixo assalariados: a violação da terra, a perda de bens, a ofensa contra crenças, ritos e festas, o trabalho forçado, a dominação nos engenhos ou depois nas fazendas e nas fábricas. (Costa, 2004, pág. 15).

Portanto, a humilhação é consequência da dominação daquele que se encontra em situação mais favorável sobre uma raça, cultura ou até sobre uma nação. Não é exagero dizer que é consequência da dominação sobre uma nação, uma vez que existem referências históricas como escravidão, colonialismo, holocausto, guerras regionalizadas e as duas grandes guerras mundiais. São diversas as formas e comportamentos de humilhar, tendo a dominação como principal ferramenta da humilhação.

2.2 Humilhação Social

A humilhação social desponta, segundo Marx, do produto histórico da desigualdade de classes – efeito do capitalismo burocrático que separa homem e trabalho. O trabalho representa o principal processo do homem para buscar sua sobrevivência e de sua família. Os homens trabalhavam para manter a integridade familiar. Por isso, a humilhação social movimenta-se associadamente com a desigualdade social, revelando um controle do cidadão que passa a conduzir sua vida de acordo com as determinadas pela comunidade. Segundo Gonçalves Filhos, isso é uma forma de dominação, ainda que inconsciente: 

“A humilhação age destrutivamente pelos dois extremos do psiquismo. Comparece pelo lado dos enigmas que nos vem ferir, que infestam a subjetividade e nela se inscrevem como fonte de processos inconscientes, processos primários, pulsão, angústia […] (GONÇALVES FILHO, 1998, p. 44).”

Percebe-se que a humilhação social é uma peripécia destacada de longevidade sofrida pelos pobres e seus ancestrais. É resultado da desigualdade política – exclusão de uma classe. Veja-se o conceito proposto por Gonçalves Filho:

“Sem dúvida, trata-se de um fenômeno histórico. A humilhação crônica, longamente sofrida pelos pobres e seus ancestrais, é efeito da desigualdade política, indica a exclusão recorrente de uma classe inteira de homens para fora do âmbito intersubjetivo da iniciativa e da palavra. Mas é também dentro que, no humilhado, a humilhação vem atacar. A humilhação social conhece, em seu mecanismo, determinações econômicas e inconscientes. Devemos propô-la como uma modalidade de angústia disparada pelo enigma da desigualdade de classes. Como tal, trata-se de um fenômeno ao mesmo tempo psicológico e político. O humilhado atravessa uma situação de impedimento para sua humanidade, uma situação reconhecível nele mesmo – em seu corpo e gestos, em sua imaginação e em sua voz – e também reconhecível em seu mundo – em seu trabalho e bairro. (Gonçalves Filho, 1998, p. 15).”

Não podemos esquecer que estamos experimentando uma sociedade capitalista. A essência dessa sociedade é o lucro, o resultado. São procedimentos apartados de preceitos humanitários e familiares, tais como amor, caráter e respeito. Por esse motivo, a sociedade capitalista é entendida como nascedouro da desigualdade social por apresentar alicerce no interesse econômico. 

Os Catadores de Lixo

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA em matéria inserida na Revista de Edição 77, 2013 de 7 de outubro de 2013, descreve que aqueles que sobrevivem do lixo enfrentam dois grandes problemas. O primeiro são os lixões a céu aberto existentes em quase todos os municípios brasileiros e o segundo são os milhares de brasileiros que sobrevivem dessas lixões, atividade insalubre e indigna. Segundo estudos do IPEA, são 400 mil os catadores de resíduos no Brasil. Na tentativa de reduzir os problemas provocados por esses lixões a céu aberto, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, instituindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos e dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos:

“Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.”

A aprovação dessa lei e a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos não foram suficientes para reduzir o quantitativo de lixo produzido, surgindo outros fatores – globalização, crescimento urbano, industrialização, consumismo – que tendem avolumar os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE (2014) relatou que no Brasil foram geradas aproximadamente 78,6 milhões de toneladas de RSU em 2014, sendo esse quantitativo 2,9% a mais que o volume registrado em 2013.

A produção gigantesca de RSU sustenta o crescimento de catadores de lixo. Segundo estudos do IPEA atualmente são mais de 400 mil os catadores de resíduos no Brasil. Essa eclosão de catadores de lixo manifestou o interesse em tentar organizar e valorizar essa categoria de trabalhadores.

Pode-se dizer que um dos pontos importantes para ocorrer essa valorização, foi a criação do do Fórum Lixo e Cidadania pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), no ano de 1988, crescendo o interesse em erradicar o trabalho infantil com o lixo e incluir de forma econômica e social os catadores. Outro fato importante, foi o surgimento no ano de 1999 do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) para a organização e a valorização da categoria por todo o Brasil. O objetivo era garantir o protagonismo popular desses trabalhadores e assegurar a independência de classe, incentivar à organização, apoio e solidariedade de classes.

Importante registrar que em 2002 a profissão dos catadores foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, tendo a seguinte classificação: “aquele que cata, seleciona e vende material reciclável, e que se organiza de forma autônoma ou em cooperativa/associação com diretoria e gestão próprias”.

Posteriormente, no ano de 2003, foi criado o Comitê Interministerial da Inclusão Social dos Catadores que tem por objetivo implementar o projeto Lixo e Cidadania, articular políticas e acompanhar a implementação dos programas voltados aos catadores, definir mecanismos de monitoramento e avaliação da implantação das ações integradas.

Apesar de todos os esforços para valorizar esses trabalhadores, isso não afasta as mazelas constantes no desenvolvimento laboral. Esses profissionais estão sujeitos a agentes físicos (ruído, poeira, calor e frio), agentes químicos (embalagens contaminadas por substâncias tóxicas sólidas, líquidas ou gasosas) e agentes biológicos (bactérias, fungos, vírus e parasitas). Essa exposição pode acontecer de modo de direto, quando há um contato imediato dos trabalhadores com os agentes patogênicos presentes nos resíduos, e de modo indireto, por meio da amplificação de algum fator de risco, que age de forma descontrolada sobre o entorno e por vias: a ocupacional, a ambiental e a alimentar.

Notório que esses trabalhadores sabem da periculosidade do ambiente de trabalho e, boa parte já tenha sofrido algum tipo de acidente. Além disso, não se pode descartar os problemas musculares, na coluna, cefaleia, resfriados e exposição ao sol e esforços físicos.

Conforme Ribeiro, Nardi e Machado, em Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 15, n. 2, 2012, “às pessoas se envolvem no trabalho de catação de materiais por vários motivos: para suprir vícios com o álcool e outras drogas, para complementar a renda ou porque só encontraram essa maneira para sobreviver”.

Os catadores em sua grande parte são pessoas fragilizadas socialmente e buscam nesse trabalho um meio de sobrevivência. Portanto, esses trabalhadores representam um grupo que precisa ser atendido pela Política Nacional de Saúde do Trabalhador, em razão de pertencerem a um grupo de indivíduos em situação de maior vulnerabilidade, em atividades de maior risco para a saúde e submetidas a formas nocivas de discriminação.

Em contato com esses trabalhadores é possível notar que guardam um sentimento de vergonha, que não está relacionado ao fato somente a profissão, mas, a vivência negativa da sociedade. Segundo Heller, A. The power of shame (1985), vergonha é a interiorização do olhar do outro e também da culpa.

A censura daquele que se encontra em situação mais favorável proporciona um sentimento de vergonha. Não basta a situação de vulnerabilidade, ainda, precisa conviver com esse olhar de superioridade. Para algumas pessoas esses profissionais carregam infâmia de serem ladrão, mendigo, malandro, vagabundo, incapaz, e as pessoas se relacionam com ele com base nesses estereótipos.

A sociedade revela um sentimento de preconceito e discriminação aos profissionais catadores lixo. É comum esses trabalhadores sofrerem humilhação na execução do seu ofício, são mal-recebidos, ouve palavras de xingamento, gestos inapropriados, entre outros comportamentos discriminatórios.

Esses atos inaceitáveis são praticados diariamente a essas pessoas. Comportamentos de rejeição e discriminação que atingem os catadores, ocasionando um sentimento de triste e fragilidade diante de atos tão maléficos que lesão o corpo e, principalmente, a alma desses grupos desfavoráveis.

Continuar exercendo o labor de catador, além de ser uma necessidade, é uma luta diária contra os obstáculos sociais, por isso, pode-se dizer que são pessoas de coragem. Apresentam muita determinação e superação ao suportarem as humilhações constantes por parte de boa parte da sociedade. Demonstram que o grande desafio não é o trabalho árduo de catar lixo e, sim, enfrentar o sentimento inadequado e negativo da sociedade. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Embora os estudos envolvendo o conceito de exclusão social e, orientado para a condução de políticas públicas, sejam recentes, contudo, têm muito que contribuir diante do enfrentamento dos processos sociais.

Um estudo mais amplo do conceito de exclusão também pode ser realizado por meio de uma abordagem sistêmica que o considere a partir da articulação, com outros conceitos e fenômenos como a segregação socioespacial, a insegurança urbana, a violência, bem como a precarização do mundo do trabalho. Embora seja apontado a discussão para este assunto através das políticas públicas, ainda tem muito a ser acrescentado com a psicologia social que é uma área que procura estudar a interação social, interdependência entre o indivíduo e o encontro social na perspectiva de postura crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual. 

Contudo, em todas as perspectivas, não é novidade, mas a permanência de uma estrutura historicamente construída que se revela: seja porque, no Brasil não se pode falar em rupturas com uma sociedade salarial que nunca foi tão forte (visto que a informalidade e o desemprego são problemas velhos, já muito discutidos inclusive pelas teorias da marginalidade); seja porque a cidadania tem se apresentado como um processo de construção lenta e difícil, e ainda incompleto; ou porque os “incluídos na margem” sempre existiram.

Por sua vez, as vertentes que enfatizam a cidadania e os laços sociais, ao centrarem seus focos sobre o indivíduo e a integração social, ganham respectivamente em capacidade de não resolução do problema, mas também não têm grande potencial de esclarecer as raízes do problema da exclusão social. Porém fica claro, que o assunto abordado ainda tem muito a ser discutido por todos, principalmente pelos que são considerados invisíveis pela sociedade, os trabalhadores menos desfavorecidos. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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MARTINS, Heloisa Helena. Trabalho e exclusão social. ln: BEOZZO, 1. O. Trabalho: crises e alternativas (Curso de Verão, ano IX). São Paulo: CESEP: Paulus, 1995.


1Graduanda/o do curso de psicologia do centro Universitário São Lucas. E-mail: netebritocarvalho@gmail.com
2Graduanda/o do curso de psicologia do centro Universitário São Lucas. E-mail: orientação.cdb@gmail.com