RISCOS OCUPACIONAIS EM ODONTOLOGIA: UMA REVISÃO DE LITERATURA DA ÚLTIMA DÉCADA

OCCUPATIONAL RISKS IN DENTISTRY: A LITERATURE REVIEW OF THE LAST DECADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8207041


Cássio dos Santos de Andrade1;
Viviane Palmeira da Silva2


RESUMO

A equipe odontológica está constantemente exposta a diversos riscos ocupacionais, os quais podem se modificar de acordo com o tempo. Conhecer esses riscos é de fundamental importância para prevenir, manter e recuperar a saúde dessa classe de trabalhadores. Portanto, o objetivo deste trabalho foi identificar os principais riscos ocupacionais em odontologia descritos na literatura na última década. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica de artigos publicados entre os anos de 2011 a 2021 disponíveis nas bases de dados PubMed e Scielo, correspondentes aos descritores de pesquisa “Dentistry” e “Occupational risk”. Observou-se que os riscos biológicos e ergonômicos continuam sendo os de maior relevância nos trabalhos acadêmicos publicados na última década. Entretanto, nota-se que existem falhas no ensino, negligência e até mesmo subestimação dos riscos e que portanto fazem-se necessários, aprimoramentos no ensino em biossegurança e incentivo às pesquisas que busquem aprofundar o conhecimento científico sobre essa temática, proporcionando assim dados concretos para implementação de medidas eficazes para garantir a segurança ocupacional na Odontologia.

Palavras chave: Odontologia. Riscos ocupacionais.

ABSTRACT

The dental team is constantly exposed to various occupational risks, which can change over time. Knowing these risks is of fundamental importance to prevent, maintain and recover the health of this class of workers. Therefore, the objective of this work was to identify the main occupational risks in dentistry relevant in the literature in the last decade. For this purpose, a bibliographic review of articles published between 2011 and 2021, corresponding to the research descriptors “Dentistry” and “Occupational Risk”, was carried out in the PubMed and Scielo databases. It was observed that the biological and ergonomic risks remain the most relevant in the academic works published in the last decade. However, it is noted that there are failures in teaching, neglect and even underestimation of risks and that, therefore, improvements in teaching in biosafety and incentives to research that seek to deepen scientific knowledge on this topic are necessary, thus providing concrete data for implementation of effective measures to ensure occupational safety in dentistry.

Keywords: Dentistry. Occupational risk.

INTRODUÇÃO

Riscos ocupacionais são todos aqueles que geram a possibilidade ligada a probabilidade de ocorrência de dano ou perda durante o exercício da função, e podem ser classificados em: biológicos, ergonômicos, físicos, químicos e mecânicos, logo é essencial que medidas de biossegurança sejam o centro das práticas em saúde (ANVISA, 2006)

De uma forma geral, a biossegurança pode ser caracterizada por medidas de prevenção, minimização ou eliminação de riscos intrínsecos às atividades realizadas, visando a proteção da saúde do ser humano, dos animais e também do meio ambiente (TEIXEIRA E VALLE, 2010).

Trabalhadores da área de saúde estão naturalmente inseridos em ambientes que possuem alto potencial de risco. Na Odontologia, por sua vez, os trabalhadores estão suscetíveis a diversos riscos ocupacionais na prática clínica, os quais podem prejudicar a integridade física e mental destes indivíduos, sejam eles profissionais, estudantes ou estagiários.

Com a pandemia do da Covid-19, a atenção quanto a biossegurança se tornou ainda mais importante, sobretudo para a área da saúde, porém não é possível negligenciar os outros riscos ocupacionais que sempre estiveram presentes na prática odontológica, pois alguns deles sequer tem a atenção devida. Sendo assim, é de extrema importância que todas as medidas possíveis sejam implementadas visando a segurança ocupacional, seja num período de pandemia ou não. Se faz necessário atenção contínua em biossegurança no trabalho, aliados a uma educação continuada para que os riscos sejam identificados, reduzidos e quando possível eliminados.

Para além de identificar os riscos, é necessário oferecer meios para que as normas sejam seguidas, como materiais e infraestrutura física adequada. Neste contexto, os equipamentos de proteção individual (EPIs) são indispensáveis para controle e prevenção de riscos, especialmente em odontologia, assim como as vacinas, de extrema importância para todos os trabalhadores da área da saúde.

As mudanças sociais e ambientais que ocorrem ao longo dos anos, influenciam diretamente nos fatores de risco e exposição ocupacional dos trabalhadores da área de saúde. Portanto, faz-se necessário a compreensão desses fatores para o controle e garantia da segurança dos trabalhadores envolvidos nesses processos. Diante disso, o objetivo deste trabalho é identificar os principais riscos ocupacionais em Odontologia descritos na literatura na última década (2011 – 2021).

METODOLOGIA

A revisão de literatura foi realizada utilizando dados disponíveis on-line através dos bancos de dados Scielo e PubMed, utilizando os termos de busca: dentistryANDoccupational risk. Foram adotados como critérios de inclusão: artigos científicos publicados entre 2011 a 2021, publicados nos idiomas inglês, português e espanhol. Os critérios de exclusão adotados foram: artigos publicados anteriormente ao ano de 2011; teses; dissertações; monografias de conclusão de curso; estudos de caso clínico; resumos; cartas ao editor; revisões bibliográficas; e textos não disponíveis na internet.

Inicialmente um examinador (CSA) realizou a leitura dos títulos e resumos e aplicou os critérios de inclusão e exclusão. Para os artigos em que apresentavam dúvidas quanto à inclusão, foi realizada a leitura do texto na íntegra e/ou discussão com um segundo examinador (VPS). Ao final da seleção, os trabalhos foram separados de acordo com a classificação de riscos ocupacionais, segundo a ANVISA, (2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram encontrados um total de 18 artigos nesta revisão bibliográfica, cujo detalhamento do processo de busca encontra-se na figura 1. Foram encontrados 8 artigos para riscos ergonômicos; 8 para riscos biológicos, sendo que desses, 4 eram também sobre riscos mecânicos; 1 para riscos físicos e 1 para riscos químicos. A seguir os artigos serão expostos na forma de quadros seguindo a ordem cronológica de publicação, e discutidos de acordo com seus respectivos subtópicos.

Figura 1: Fluxograma da pesquisa quanto aos riscos ocupacionais nos bancos de dados PUBMED e SCIELO utilizando as palavras chaves “Dentistry”AND“Occupationalrisk“.

QUADRO 1: Artigos selecionados quanto aos riscos ocupacionais através da pesquisa nos bancos de dados PubMed e Scielo (2011-2021), classificados como Ergonômicos:

TÍTULO, IDIOMA,  AUTORES E ANOOBJETIVOABORDAGEM GRUPO E REVISTARISCO E BANCORESULTADOS
Prevalence of self-reported musculoskeletal disorders of the hand and associated conducted therapy approaches among dentists and dental assistants in Germany.  (Inglês)
Hass, et al., 2020 
“Investigar a prevalência de queixas nas mãos entre dentistas (Ds) e auxiliares de dentista (DAs) e examinar as terapias aplicadas.”Estudo Observacional transversal

389 Dentistas e 406 Auxiliares  trabalhando na Alemanha.  

PLoS One.
Ergonômico

PubMed    
30,8% dos CDs  afirmaram DME na mão em algum momento da vida,Tendovaginite foi o mais relatado entre CDs:8,0% e em ASBs:11,3%,  seguido de Artrose CDs: 5,1%   e  dos ASB 42,6%. fisioterapia foi a terapia mais aplicada CDs:20,0% ASBs:15,0. e apresentou melhorias em    CDs:11,3%  e ASBs:63,3%.
Dental Hygiene Students’ Self-Assessment of Ergonomics Utilizing Photography.  (Inglês)
Partido, 2017.  
“Determinar se o feedback envolvendo fotografia e autoavaliação melhoraria as pontuações precisão de suas auto avaliações ergonômicas.”Estudo Randomizado Controlado

32 Acadêmicos de odontologia  do primeiro ano da Ohio State University.
J. Dent. Educ.
Ergonômico  
PubMed  
“Foram constatadas melhorias na ergonomia dos estudantes e na autoavaliação  após as fotografias.”  
Prevalence of musculoskeletal pain in primary care dentists. (Inglês, Português) Silva e Silva, 2017.“Analisar a prevalência de dor musculoesquelética relacionada ao trabalho em cirurgiões-dentistas da atenção primária.”Estudo transversal  

167 Dentistas da atenção básica.  

Rev. dor
Ergonômico  
Scielo    
 12,6% relataram certo ritmo de trabalho excessivo, 40,8% quanto a tarefas repetitivas e monótonas. Grande prevalência de dor musculoesquelética, sendo em membros superiores: 38%, inferiores: 34,7% e costas: 27,5%.
The prevalence of musculoskeletal disorders among dentists in KwaZulu-Natal.  (Inglês)
Moodley e Naidoo, 2015.
“Determinar a prevalência e os fatores de risco associados entre dentistas em KwaZulu-Natal (KZN), África do Sul.”Estudo transversal descritivo  

109 Dentistas registrados na South African Dental Association. S. Afr. dent. j.
Ergonômico  
Scielo  
27,4% trabalhavam sem auxiliar.  99,1%  relataram dor,  sendo  98,2% no pescoço,  na região lombar 99,1%, nos ombros 98,2% e 22,5%  nas mãos.  
A system for predicting musculoskeletal disorders among dental students (Inglês)
Thanathornwong, Suebnukarn e Ouivirach, 2014.
“Desenvolver um sistema de previsão de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) em estudantes de odontologia.”Estudo Randomizado Controlado
 
16  Estudantes de odontologia.
 
Int. J. Occup. Saf. Ergon.
Ergonômico
 
PubMed
Constatou-se melhora na ergonomia daqueles estudantes que após aplicação, foram alertados sobre sua postura durante as práticas, quanto a extensão do pescoço e a parte superior das costas.
The association between restorative pre-clinical activities and musculoskeletal disorders. (Inglês)
Corrocher et al., 2014.
“Avaliar o risco de desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos em membros superiores de estudantes de graduação em Odontologia em pré-clínicas.”Estudo Observacional
 
354  Estudantes do segundo ano da Faculdade de Odontologia de Araraquara-UNESP.
 Eur. J. Dent. Educ.
Ergonômico
 
PubMed
Avaliados os  procedimentos  realizados, constatou-se 25,7% para médio risco, 64,7% para alto risco e 9,6% para  risco muito alto, para  desenvolver desordens Musculoesqueléticas,  nenhum foi classificado como de baixo risco.
Effect of working characteristics and taught ergonomics on the prevalence of musculoskeletal disorders amongst dental students.
 (Inglês)
Khan e Chew, 2013.
“Avaliar a prevalência de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) entre estudantes de odontologia.”Estudo transversal
 
568 Estudantes de Cinco escolas de odontologia da Malásia.
BMC Musculoskelet Disord.
Ergonômico
 
PubMed
Alta prevalência de dor relatada no pescoço e parte inferior das costas. 93% em fase clínica nunca  receberam treinamento prático para prevenção de DORT.
Effects of prismatic glasses including optometric correction on head and neck kinematics, perceived exertion and comfort during dental work in the oral cavity–a randomised controlled intervention.
(Inglês)
Lindegard, Gustafsson e Hansson, 2012.
“Quantificar os efeitos do uso de óculos prismáticos  durante o trabalho na cavidade oral.”Estudo Randomizado Controlado
 
 283 Dentistas e Auxiliares.
 
Appl. Ergon.
Ergonômico
 
PubMed
“A redução da flexão de cabeça e pescoço alcançada pelos óculos prismáticos pode reduzir o risco de cervicalgia durante o trabalho odontológico.”

RISCOS ERGONÔMICOS

Foram encontrados oito artigos sobre riscos ergonômicos (quadro 1). Sendo de grande presença na odontologia, esse risco pode ser considerado um dos principais, sendo representados por: esforços físicos intensos; posturas inadequadas; exigência de produtividade; horas de trabalho prolongadas; monotonia e também repetitividade; e demais fatores que possam causar estresse ergonômico e/ou psíquico, a presença desse risco repercute na equipe odontológica através de complicações como distúrbios musculoesqueléticos, lesão por esforço repetitivo, tensões e desconfortos causados por posições e movimentos repetitivos e/ou inadequados (ANVISA, 2006).

Nesta pesquisa foi constatado que entre dentistas e acadêmicos, houve maior prevalência de Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) e/ou Distúrbios musculoesquelético (DME) nas regiões como: parte superior das costas como pescoço e ombros, na região lombar, seguidos de mãos e dedos, tendo como possíveis causas relatadas: movimentos repetitivos e monótonos, posturas inadequadas, longos turnos de trabalho, falta de equipamentos adequados e até mesmo ausência de auxiliar durante o atendimento (KHAN e CHEW, 2013; MOODLEY e NAIDOO, 2015; SILVA e SILVA, 2017; HASS et al., 2020).

Além dos artigos que visam quantificar a prevalência dos distúrbios, alguns têm como foco observar o risco de desenvolvimento de distúrbios osteomusculares através de fotografias e até mesmo software, sobretudo entre acadêmicos. Para Thanathornwong Suebnukarn e Ouivirach (2014), essas metodologias podem servir para prevenir lesões podendo ser inseridas no treinamento odontológico acadêmico.

Para Corrocher et. al. (2014) é de extrema importância o ensino e monitoramento dos estudantes quando a ergonomia desde as práticas em pré-clínica, eles acreditam que esse acompanhamento melhora a autopercepção e qualidade de vida a longo prazo.

Para KwaZulu-Natal (2015) prezar pela saúde da equipe odontológica é também de responsabilidade do dentista, e que ignorar dores em estágios iniciais pode levar a complicações mais severas quanto aos distúrbios musculoesqueléticos, para eles, ainda, a prática quanto a ergonomia deve ser incluída na formação dos dentistas. A ausência de ensino adequado para esse risco pode ser um dos fatores de sua alta prevalência.

QUADRO 2: Artigos selecionados quanto aos riscos ocupacionais através dos bancos de dados PubMed e Scielo (2011-2021), classificados como Biológicos e/ou Mecânicos

TÍTULO,  IDIOMA,  AUTORES E ANOOBJETIVOABORDAGEM, GRUPO E REVISTARISCO E BANCORESULTADOS
Knowledge, stress levels, and clinical practice modifications of Turkish dentists due to COVID-19: a survey study. (Inglês)
Gungor, Donmez e Uslu, 2021.
“Investigar  conhecimento, níveis de estresse e modificações da prática clínica durante a pandemia da COVID-19.”Estudo transversal

1.095 Dentistas turcos.  

Braz. oral res.  
Biológico

Scielo
A maioria dos dentistas apresentaram bom nível de conhecimento quanto às formas transmissão e prevenção, foi constatado que possuem “extremo estresse” quanto a infectar algum familiar, e estavam apreensivos em relação a questões econômicas.
Strategy to control occupational risk for Hepatitis B: impact on the vaccination and seroconversion rates in dentistry students. (Inglês) 
Nogueira et al., 2018.
“Descrever o desenvolvimento de uma estratégia escolar de odontologia para reduzir o risco ocupacional relacionado à hepatite B”Estudo descritivo

242 Estudantes de odontologia.  

RGO, Rev. Gaúch. Odontol.
Biológico

Scielo
“100% dos estudantes foram vacinados, porém apenas 87,2% tinham feito o esquema de três doses. Testes anti-HBs comprovaram soroconversão em 91,3% deles. A medida de acompanhamento da soroconversão se tornou eficaz para melhorar a cobertura vacinal bem como melhorar a segurança ocupacional.”
Dental students’ reports of occupational exposures to potentially infectious biological material in a Brazilian School of Dentistry. (Inglês) Pinelli, Neri e Loffredo, 2016.“Investigar a ocorrência e a natureza das exposições ocupacionais em uma Escola Pública de Odontologia do estado de São Paulo, Brasil”Estudo transversal

173 Estudantes de odontologia.

Cad. saúde colet.
Biológico e  Mecânico

Scielo
“Alta prevalência de exposições ocupacionais (40%) entre os participantes e 52% dos acidentes não foram informados ao instrutor clínico. O tipo de acidente mais frequente foi relacionado a “perfuração / corte / abrasão” (56%).”
Knowledge, attitudes, practices and education among students in a faculty of health. (Espanhol)  Wilches-Luna et al., 2016.“Determinar os conhecimentos, atitudes, práticas e educação relacionados à Tuberculose, bem como a reatividade à prova tuberculínica de alunos do último ano de uma escola de saúde.”Estudo transversal
193 alunos do último ano dos cursos de saúde  sendo Odontologia 15,5% (30) do  grupo.

Rev. Salud Pública.
Biológico 

PubMed
“35,2% dos alunos não identificaram adequadamente os fatores de risco, De acordo com a prova tuberculínica, 35% dos alunos apresentavam tuberculose latente.”  PCT-PPD: 35% de um grupo 153 apresentou resultado positivo, Odontologia teve maior taxa e maior presença também.
Prevalencia de accidentes ocupacionales y factores relacionados en estudiantes de odontología.
(Espanhol)
 Arrieta-Vergara. et al., 2013.
“Descrever a prevalência de acidentes de trabalho em estudantes de odontologia e associá-la a fatores específicos de sua prática clínica”Estudo transversal
 
213 Estudantes de Odontologia.
 
Rev. Salud Pública.
Biológico
e
 Mecânico
 
Scielo
“O tipo de acidente que mais ocorreu foi a perfuração (48,7%), causada principalmente pelo explorador (28,9%). 58,1% dos acidentados relatam e seguem o protocolo de atendimento. 87,7% dos alunos reencapavam agulhas após o uso.”
Prevalence of percutaneous injuries and associated factors among dental surgeons.
(Inglês)
Vargas-Ferreira et al., 2012.
“Avaliar a prevalência de lesões percutâneas e fatores associados em cirurgiões-dentistas”Estudo transversal
 
187 cirurgiões-dentistas da cidade de Pelotas, RS.
 
Rev. odonto ciência.
Biológico
e
 Mecânico
 
Scielo
“A prevalência de lesões percutâneas foi de 59,8%. Sondas e agulhas de manuseio foram as causas mais comuns de lesões percutâneas (37,0% e 29,0%).”
The assessment of infection control in dental practices in the municipality of São Paulo.
 (Inglês)
Matsuda et al., 2011.
“Avaliar as medidas de controle de infecção implementadas pelos cirurgiões-dentistas”Estudo transversal
 
614 CDs de cursos de atualização ou pós-graduação do Município de SP.
 
 Braz. J. Infect. Dis.
Biológico
e
 Mecânico
 
Scielo
“Os acidentes de trabalho por objetos cortantes e perfurantes foram relatados por 47,88%; entretanto, o risco biológico foi subestimado por 74,15%.”
Conocimientos, actitudes y prácticas sobre accidentes ocupacionales en estudiantes de odontología.
 (Espanhol)
Vergara, Cárdenas e Martínez, 2012.
“Descrever a ocorrência de acidentes de trabalho em estudantes de odontologia e sua relação com conhecimentos, atitudes e práticas sobre os riscos a que estão expostos”Estudo transversal
 
210 Estudantes de Odontologia.
 
Rev. Cubana de Salud Pública
Biológico
e
 Mecânico
 
Scielo
“Acidentes presentes em 95 (45,2%) alunos, bom nível de conhecimento em 111 (52,8%)participantes, atitudes favoráveis ​​em 182 (86,6%) e 190 (90,4%), apresentaram práticas desfavoráveis.”

RISCOS BIOLÓGICOS

Os riscos biológicos sempre foram foco de estudo em odontologia, visto a grande exposição desses trabalhadores. Estão entre os riscos biológicos: vírus, bactérias, fungos, parasitas, bacilos, dentre outros. Na clínica odontológica esse risco pode se materializar em aerossóis, fluidos como sangue e saliva, envolvendo agentes como o vírus do HIV, hepatites B e C, tuberculose e mais recentemente o vírus da COVID-19 (ANVISA, 2006).

Oito artigos foram encontrados quanto a esse risco (quadro 2), onde constatou-se que os acidentes com perfurocortantes em combinação com agentes biológicos foram os mais frequentes sendo o foco de cinco artigos, com maior prevalência de lesões do tipo percutânea (MATSUDA et al., 2011; VARGAS-FERREIRA et al., 2012; VERGARA, CÁRDENAS E MARTÍNEZ, 2012; ARRIETA-VERGARA et al., 2013; PINELLI, NERI E LOFFREDO, 2016). Se tratando de acidentes com perfurocortantes, as chances de transmissão, por contato percutâneo são pequenas para HIV e HCV, indo de 0,2 a 0,5% para o HIV, de 0 a 7% para a Hepatite C, porém altas para Hepatite B indo de 23 a 62%, entretanto nenhuma delas deve ser subestimada (LEMOS, 2018).

A subnotificação de acidentes relacionados aos riscos biológicos é um problema constante. Para Pinelli, Neri e Loffredo (2016), a falta de dados concretos contribui para a desinformação sobre a temática e abre espaço para condutas incorretas quanto aos protocolos pós-exposição. Concomitante a esse fato, a subestimação do risco é elevada, e acarreta a não procura de atendimento especializado quando os acidentes ocorrem, aumentando a possibilidade de soroconversão e desenvolvimento de doenças infecciosas (MATSUDA et al., 2011; VERGARA, CÁRDENAS e MARTÍNEZ, 2012).

Arrieta-Vergara et al. (2013) constataram que a cobertura vacinal contra o vírus da hepatite B (HVB) ainda se mostra insuficiente entre estudantes, considerando que apenas 80,7% cumpriram o esquema vacinal completo de três doses. Já entre dentistas, Vargas-Ferreira et al. (2012) observaram que 86,2% receberam as três doses, ainda abaixo dos 100% esperados. No entanto, Nogueira et al. (2018) notaram que o incentivo e fiscalização por parte da instituição de ensino foi eficaz para garantir as três doses vacinais, e conferência de imunização através dos testes sorológicos, para eles, esse método deve ser incentivado.

A Tuberculose foi o foco do estudo de Wilches-Luna et al. (2016), onde foi evidenciado grande desinformação quanto a essa patologia, bem como aos seus fatores de risco, para eles se faz necessário melhorias no ensino bem como nas medidas de proteção, visando garantir a segurança desses estudantes.

Sobre a COVID-19, apenas um estudo de prevalência foi encontrado sobre o tema, com o intuito de identificar mudanças nas práticas e níveis de estresse. O estudo realizado por Gungor, Donmez e Uslu (2021) identificou, entre os cirurgiões-dentistas, altos níveis de estresse associados à possibilidade de infectar algum familiar, a incerteza financeira gerada pela pandemia também contribuiu significativamente para o aumento desse estresse. Foram constatados bons níveis de conhecimento sobre as formas de transmissão e prevenção à esse novo risco.

RISCOS MECÂNICOS

São classificados como riscos mecânicos todos aqueles que apresentam risco de ocorrência de acidentes, como: arranjos físicos inadequados, máquinas e equipamentos sem proteção, ferramentas inadequadas e/ou defeituosas, iluminação inadequada, eletricidade, probabilidade de incêndio ou explosão, armazenamento inadequado, dentre outros, que possam gerar acidentes, assim como: compressores de ar, dispositivos elétricos e os materiais perfurocortantes, presentes em quase todos os procedimentos odontológicos, como: brocas, agulhas, sondas, limas, bisturi, dentre tantos outros (ANVISA, 2006).

Foram encontrado cinco artigos que constataram ocorrência de acidentes ocupacionais (quadro 2), todos eles sendo sobre acidentes com perfurocortantes envolvendo o risco biológico, por conta da presença de material biológico nesses instrumentais no momento do acidente, foi constatado que Sonda exploradora e agulha foram os principais agentes causadores das lesões, estresse, descuido e reencape de agulhas foram citados como possíveis causas dos acidentes (MATSUDA et al., 2011; VARGAS-FERREIRA et al., 2012; VERGARA, CÁRDENAS E MARTÍNEZ, 2012; ARRIETA-VERGARA et al., 2013; PINELLI, NERI E LOFFREDO, 2016).

RISCOS FÍSICOS

Os riscos ditos físicos apresentaram pequeno destaque nos artigos descritos na literatura encontrada. Na odontologia, tais riscos são representados pelo ruído gerado pelas peças de mão utilizadas em quase todos os procedimentos odontológicos; vibrações; radiação ionizante e não ionizante; utilização de materiais com alta e baixa temperatura e umidade (ANVISA, 2006). Foi encontrado apenas um estudo sobre esse risco (quadro 3), cujos resultados identificaram consideráveis alterações auditivas entre acadêmicos de odontologia, zumbido e cefaleia estavam entre as queixas mais comuns. Ainda foi constatado que havia insuficiência de ensino em relação a esses riscos, apenas 16% dos pesquisados receberam orientação adequada quanto a sua importância na prática odontológica, a utilização de protetores de ouvido foi quase nula. Os autores concluíram que se faz necessário investigar e controlar o nível desses ruídos em consultórios e clínicas, bem como investir na educação e conscientização dos estudantes (SALIBA et. al., 2019).

QUADRO 3: Artigos selecionados quanto aos riscos ocupacionais através dos bancos de dados PubMed e Scielo (2011-2021), classificados como Físicos:

TÍTULO,  IDIOMA,  AUTORES E ANOOBJETIVOGRUPO, REVISTA E ABORDAGEMRISCO E BANCORESULTADOS
Alteraciones auditivas, percepción y conocimientos de estudiantes sobre ruido en una clínica de enseñanza odontológica. (Espanhol)
Saliba et al.  2019.  
“Identificar alterações auditivas em estudantes de odontologia e avaliar o nível de conhecimento em relação à perda auditiva induzida por ruído.”81 Estudantes de odontologia.  
Rev. salud pública.

Estudo transversal  
Físico

Scielo
14,8% apresentaram alterações auditivas, o  zumbido, cefaléia, dor de ouvido e otorreia foram as alterações mais frequentes.  16,0% disseram ter sido orientados quanto ao risco e 83,9% negaram.

RISCOS QUÍMICOS

Pouco citado nos trabalhos acadêmicos de prevalência, os riscos químicos incluem: poeiras, névoas, neblinas, gases, vapores e quaisquer produtos à base de substâncias químicas. Apesar de muito negligenciado na área odontológica, está constantemente presente, desde amalgamadores manuais, substâncias para endodontia como o hipoclorito de sódio, até os produtos mais rotineiros para limpeza de equipamentos e superfícies como o ácido peracético, desinfetantes, entre outros (ANVISA, 2006).

Apenas um estudo de campo foi encontrado (quadro 4). Nele, Zaffina et al. (2019) buscaram avaliar a exposição ocupacional de profissionais da odontologia ao óxido nitroso em ambulatório de um hospital pediátrico durante 3 anos. Foram realizados exames de urina para verificar os níveis de óxido nitroso desses profissionais e, após análise, os valores médios foram: 9,94 μg/l entre dentistas e 8,23 μg/l entre auxiliares, estando abaixo de valores de referência de 13 μg/l, 27 μg para uma exposição média. Observou-se também, que os níveis ambientais estavam abaixo do limite de 50 ppm considerado como ponto de referência. Os autores concluem que se faz necessário estabelecer normas específicas para consultórios odontológicos quanto a exposição ocupacional a esse agente, visando a manutenção da saúde desses profissionais.

QUADRO 4: Artigos selecionados quanto aos riscos ocupacionais através dos bancos de dados PubMed e Scielo (2011-2021), classificados como Químicos:

TÍTULO,  IDIOMA AUTORES  E ANOOBJETIVOGRUPO, REVISTA E ABORDAGEMRISCO E BANCORESULTADOS
Nitrous oxide occupational exposure in conscious sedation procedures in dental ambulatories: a pilot retrospective observational study in an Italian pediatric hospital. (Inglês)
Zaffina et al. 2019.
“Avaliar a exposição ao óxido nitroso de profissionais do ambulatório de odontologia de um hospital pediátrico”10 Dentistas e 11 Auxiliares.  
BMC Anesthesiol.

Estudo Observacional
Químico
 
PubMed
“Os valores médios registrados durante o estudo são inferiores aos de referência previstos na regulamentação em vigor sobre a concentração de óxido nitroso no ambiente e na urina”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os riscos ergonômicos e biológicos seguem em destaque nos trabalhos acadêmicos em odontologia, sendo os distúrbios musculoesqueléticos em região de pescoço, ombros e costas, e os acidentes com perfurocortantes envolvendo agentes biológicos os de maior prevalência nesta pesquisa. Contudo, constata-se que a ausência de estudos quanto aos demais riscos não comprovam as suas baixas incidências na prática clínica odontológica. Observa-se, portanto, que essa insuficiência de trabalhos em relação aos demais riscos, possam ser justificadas pelos seguintes fatores: negligência quanto à segurança dos trabalhadores da área e a falta de incentivo à pesquisas com foco nessa temática, sobretudo aquelas com ênfase na abordagem quali-quantitativa e aquelas que busquem compreender a interrelação entre os riscos.

Diante do exposto, destacam-se dois pontos cruciais para melhoria do cenário odontológico nessa área. A primeira é a necessidade do incentivo ao estudo e realização de pesquisas, visando proporcionar uma melhor visualização do cenário ocupacional, bem como a implementação de meios eficazes de prevenção, manutenção e recuperação da saúde dos trabalhadores, sejam eles profissionais ou acadêmicos. Além disso, acrescenta-se que o aprimoramento do ensino em biossegurança, em todos os níveis de atuação, pode contribuir para a diminuição da exposição aos mais diversos riscos potencialmente nocivos à saúde.

REFERÊNCIAS

ANVISA. Serviços Odontológicos: Prevenção e Controle de Riscos. Brasília, Editora Anvisa, 2006. Disponível em: http://anvisa.gov.br/servicosaude/manuais/manual_odonto.pdf. [Acesso em 13 de setembro 2020].

ARRIETA-VERGARA, K. M.; DÍAZ-CÁRDENAS, S.; GONZÁLEZ-MARTÍNEZ, F. D. Prevalencia de accidentes ocupacionales y factores relacionados en estudiantes de odontología. Revista de Salud Pública, v.15, n.1, p.23-31, jan./fev. 2013.

CORROCHER, P. A.; PRESOTO, C. D.; CAMPOS, J. A. D. B.; GARCIA, P. P. N. S. The association between restorative pre-clinical activities and musculoskeletal disorders. European Journal of Dental Education, v.18, n.3, p.142-146, ago. 2014.

GUNGOR, A. S.; DONMEZ, N.; USLU, Y. S. Knowledge, stress levels, and clinical practice modifications of Turkish dentists due to COVID-19: a survey study. Brazilian Oral Research, São Paulo, v.35, mar. 2021.

HASS, Y.; NASER, A.; HAENEL, J.; FRAEULIN, L.; HOLZGREVE, F.; ERBE, C. et al. – Prevalence of self-reported musculoskeletal disorders of the hand and associated conducted therapy approaches among dentists and dental assistants in Germany. PLoS One, v.15, n.11, p.1-15, nov. 2020.

KHAN, S. A.; CHEW, K. Y. Effect of working characteristics and taught ergonomics on the prevalence of musculoskeletal disorders amongst dental students. BMC Musculoskeletal Disorders, v.14, p.118, abr. 2013.

LEMOS, H. S. Biossegurança e Controle de Infecções – Risco Sanitário Hospitalar. In: Segurança e risco. 3.ed. Rio de Janeiro: Grupo Gen, 2018. p.56-70.

LINDEGARD, A.; GUSTAFSSON, M.; HANSSON, G-A. Effects of prismatic glasses including optometric correction on head and neck kinematics, perceived exertion and comfort during dental work in the oral cavity–a randomised controlled intervention. Applied Ergonomics, v.43, n.1, p.246-253, jan. 2012.

MATSUDA, J. K.; GRINBAUM, R. S.; DAVIDOWICZ, H. The assessment of infection control in dental practices in the municipality of São Paulo. Brazilian Journal of Infectious Diseases, Salvador, v.15, n.1, p.45-51, jan./fev. 2011.

MOODLEY, R.; NAIDOO, S. The prevalence of musculoskeletal disorders among dentists in KwaZulu-Natal. South African Dental Journal, Johannesburg, v.70, n.3, p.98-103, abr. 2015.

NOGUEIRA, D. N.; RAMACCIATO, J. C.; MOTTA, R. H. L; BRITO JÚNIOR, R. B.; FONSECA-SILVA, A. S.; FLÓRIO, F. M. Strategy to control occupational risk for Hepatitis B: impact on the vaccination and seroconversion rates in dentistry students. Revista Gaúcha de Odontologia, Campinas, v.66, n.1, p.8-14, jan./mar. 2018.

PARTIDO, B. B. Dental Hygiene Students’ Self-Assessment of Ergonomics Utilizing Photography. Journal of Dental Education, v.81, n.10, p.1194-1202, out. 2017.

PINELLI, C.; NERI, S. N.; LOFFREDO, L. C. M. Dental students’ reports of occupational exposures to potentially infectious biological material in a Brazilian School of Dentistry. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.24, n.2, p.162-169, abr./jun. 2016.

SALIBA, T. A.; PEÑA-TÉLLEZ, M. E.; GARBIN, A. J.; GARBIN, C. A. Alteraciones auditivas, percepción y conocimientos de estudiantes sobre ruido en una clínica de enseñanza odontológica. Revista de salud pública, Bogotá, v.21, n.1, p.84-88, jan./fev. 2019.

SILVA, R. N. S.; SILVA, J. M. N. Prevalence of musculoskeletal pain in primary care dentists. Revista dor, São Paulo, v.18, n.3, p.225-231, jul-set. 2017.

TEIXEIRA, P; VALLE, S.Biossegurança: uma abordagem multidisciplinar., In: Dos sumérios ao DNA: Uma história brevíssima. 2.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. p. 40-56.

THANATHORNWONG, B.; SUEBNUKARN, S.; OUIVIRACH, K. A system for predicting musculoskeletal disorders among dental students. International Journal of Occupational Safety and Ergonomics, v.20, n.3, p.463-475, jan. 2014.

VARGAS-FERREIRA, F.; SANTANA, B. P.; TARQUINIO, S. B. C.; DEMARCO, F. F. Prevalence of percutaneous injuries and associated factors among dental surgeons. Revista Odonto Ciência, Porto Alegre, v.27, n.3, p.196-201, abr. 2012.

VERGARA, K. A.; CÁRDENAS, S. D.; MARTÍNEZ, F. G. Conocimientos, actitudes y prácticas sobre accidentes ocupacionales en estudiantes de odontología. Revista Cubana de Salud Pública, v.38, n.4, p.546-552, maio. 2012.

WILCHES-LUNA, E. C.; HERNÁNDEZ, N, L.; HERNÁNDEZ, O. M.; PÉREZ-VÉLEZ, C. M. Knowledge, attitudes, practices and education among students in a faculty of health. Revista de Salud Pública, Bogotá, v.18. n.1, p.129-141, fev. 2016.

ZAFFINA, S.; LEMBO, M.; GILARDI, F.; BUSSU, A.; PATTAVINA, F.; TUCCI, M, G. et. al. Nitrous oxide occupational exposure in conscious sedation procedures in dental ambulatories: a pilot retrospective observational study in an Italian pediatric hospital. BMC Anesthesiol, v.19, n.1, p.42-51, mar. 2019.


1Graduado em Odontologia pelo Centro Universitário UniFTC Salvador-Ba
E-mail: cassioandradeodontologia@gmail.com
2Professora Orientadora do Centro Universitário UniFTC Salvador-Ba.
Especialista em Estomatologia, Mestre e Doutora em Patologia bucal e Pós-doutora em Odontologia em saúde. E-mail: vivipalmeirasilva591@gmail.com.