ENTRE O LEGAL E O REAL: os limites do estágio curricular supervisionado em Educação Física

BETWEEN THE LEGAL AND THE REAL: limits of supervised Physical Education Curricular Internship

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8250675


Ingrid Pereira Ferreira1
Giselle dos Santos Ribeiro2
Emerson Duarte Monte3
Jefferson Felgueiras de Carvalho4
Manoel do Espírito Santo Silva Júnior5


Resumo

Este artigo apresenta resultados de pesquisa de campo acerca do Estágio Curricular Supervisionado em uma Instituição de Ensino Superior privada no estado do Pará e objetiva analisar os limites e possibilidades na vivência da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física”. Apoiou-se teoricamente em Sherer (2008), Bisconsini e Oliveira (2016) e Rodrigues (2007), analisou a Lei de Estágio (Lei n. 11.788/08), o Regimento de Estágio da IES, o Projeto Pedagógico de Curso e realizou entrevistas com dois Membros Gestores. Os resultados obtidos apontam limites de diversas ordens para o desenvolvimento da referida disciplina os quais distanciam a prática efetivada na Instituição dos dispositivos jurídicos pertinente à realização do estágio, bem como dos próprios instrumentos normativos da IES. Evidenciou ainda que tais limites são de conhecimento dos Membros Gestores, apontando uma busca permanente de alinhamento junto às normativas referentes ao Estágio Curricular Supervisionado.

Palavras-chave: Estágio Curricular Supervisionado; Formação de Professores; Educação Física.

Abstract

This article presents the results of a field research regarding the Supervised Physical Education Curricular Internship in a private Higher Education Institution in the state of Pará. It analyzes limitations and possibilities of the experience in the Supervised Physical Education Curricular Internship. It is based on Sherer (2008), Bisconsini; Oliveira (2016) and Rodrigues (2007). Analyzed the Brazilian Internship Law (law n. 11.788/08), the Internship Regulations, the Physical Education Pedagogical Project and interviewed two Managing Members of the cited institution. The results indicate limits to the development of this discipline that move away the practice developed in the institution from the legal provisions of internship, as well as from the normative instruments of institution itself. It also evidenced that these limits are known by the management member, who pointed out a permanent intention to align with the supervised curricular internship’s standarts.

Key-words: Supervised Curricular Internship; Teacher training; Physical Education.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho discute a forma como o Estágio Curricular Supervisionado (ECS) se desenvolveu em uma Instituição de Ensino Superior Privada (IESP)1. A aproximação com a temática em tela se deu a partir da vivência na disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” em que se percebeu a ausência de rigor no direcionamento e desenvolvimento das atividades. Tal fato instigou a necessidade de pesquisar a normatização balizadora do referido componente curricular e, aferidas as contradições das diretrizes legais em relação à prática efetivada na Instituição de Ensino Superior (IES), buscou-se questionar, por meio de pesquisa acadêmica, a avaliação dos gestores acerca da contradição identificada.

Concorda-se com Isse e Molina Neto (2016, p. 2) quando apontam que “o valor do estágio na formação de professores parece ser amplamente reconhecido por pesquisadores e professores”, porém percebe-se que este ainda é um tema à margem das pesquisas realizadas no campo da Educação Física.

Bisconsini (2013) realizou investigação com o objetivo de mapear a estrutura e o desenvolvimento do estágio curricular supervisionado em cursos de licenciatura de uma IES pública do Norte do Paraná e sua relação com a futura atuação profissional. Os resultados apontaram falhas no estágio curricular obrigatório, a exemplo da necessidade de maior acompanhamento do professor orientador e supervisor e da insatisfação que os discentes tinham com as suas regências. A autora aponta inúmeras possibilidades dessa insatisfação e uma delas era a possível falta de orientação.

Em aproximação com a pesquisa citada, este artigo objetiva: analisar os limites e possibilidades na vivência da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” em Educação Física na Instituição de Ensino Superior Privada (IESP) do estado do Pará. Para tanto, buscou-se: a) identificar os fundamentos teóricos e metodológicos que norteiam o trabalho pedagógico nas disciplinas de “Estágio Curricular Supervisionado”; b) apresentar como os documentos oficiais da IES e do curso de Educação Física preveem a condução didático-metodológica do “Estágio Curricular Supervisionado”; c) analisar a partir do discurso da gestão da IES os limites e as possibilidades pertinentes ao “Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física”.

O delineamento metodológico percorreu a revisão da literatura, análise documental e ida a campo para realização de entrevista com os gestores da IES. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada e os sujeitos da pesquisa foram constituídos por dois Membros Gestores (MG) da IES. Para a realização da pesquisa de campo, o estudo contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer n. 3.398.995. A análise de dados do presente trabalho ocorreu por meio da análise de conteúdo subdividida em pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencial realizada a partir das acepções de Franco (2008).

Desenvolvido em três seções, excetuadas introdução e considerações finais, o presente artigo aborda na seção inicial os fundamentos teóricos e metodológicos, bem como problemáticas que permeiam o desenvolvimento da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” em Educação Física. Já na segunda seção foram analisados os documentos oficiais da IES e do curso de Educação Física observando como esses preveem a condução didático metodológica do ECS. Na seção final, foi realizada a análise das falas dos Membros Gestores acerca do desenvolvimento do ECS na IESP.

1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO

O estágio curricular supervisionado (ECS) é caracterizado, em especial, como a primeira experiência de contato com a realidade docente oferecida pela Instituição de Ensino Superior (IES), pois ele oportuniza a relação do discente com a Educação Básica com foco na iniciação à docência. Adiciona-se que esse é o momento de conciliar o que foi aprendido em sua formação, principalmente no âmbito teórico, e colocá-lo em prática. Bisconsini e Oliveira (2016, p. 348) ressaltam também que esse é o momento de ter a “possibilidade de aplicar e transformar proposições do processo formativo”.

Os momentos proporcionados na disciplina ECS são experiências que marcam a vida do estudante e a comunidade escolar, além de ser um ciclo árduo e duradouro, pois é o resultado de um trabalho em conjunto dos professores formadores da IES e dos gestores da escola (MOLETA et al., 2013).

Destaca-se que o estágio deve ser visto como ferramenta essencial para a construção de saberes pedagógicos e científicos com o objetivo de desenvolver nos discentes a experimentação prática. Então faz-se necessário que tal componente curricular deva

[…] assumir seu compromisso na formação do professor, em especial na formação de professores de Educação Física, fazendo realmente cumprir o que é previsto na legislação e atender as competências necessárias para a formação de docentes, minimizando a ideia de formação técnica que se apresenta em algumas estruturas de currículo. (PEREIRA et al., 2018, p. 2).

Nesse sentido, Bisconsi e Oliveira (2016) destacam ser importante frisar que as IES são espaços em que se formam discentes capazes de transformar determinadas práticas e que é fundamental aproximar o acadêmico do futuro lócus de atuação desde o início de sua formação e preparar para o enfrentamento mais espesso ante as possíveis adversidades educacionais.

O ECS é considerado uma “atividade complementar ao processo de formação inicial” (SHERER, 2008, p. 89), portanto, auxilia no processo de construção de uma identidade acadêmica, fazendo com que o estagiário busque identificar o seu lugar no mundo do trabalho.

Diante disso, as IES devem oferecer aos estudantes orientações claras e objetivas durante sua formação e atuação no ECS. A iniciativa do contato com o mundo profissional não deve partir única e exclusivamente do discente, mas sim do grupo de formadores, dos professores da Educação Superior, dos professores da Educação Básica e dos orientadores do estágio; essa equipe deve estar disposta a ajudar a preparar os futuros professores para a atuação in loco (BENITES, 2012).

Algumas instituições denominam a disciplina ECS como “Prática de Ensino”. Sendo assim é importante caracterizar, conforme Scherer (2008, p. 79), a diferença entre esses componentes curriculares, tendo em vista que a “Prática de Ensino”

[…] deve ser desenvolvida já na primeira metade do curso; seu objetivo principal é possibilitar aos acadêmicos a reflexão sobre a escola e o trabalho docente, através de sua inserção gradativa no mundo do trabalho que possibilita a vivência de diferentes situações e práticas sob a responsabilidade e supervisão de distintos professores. (SCHERER, 2008, p. 79).

Sendo essa uma antecipação de contato com a Prática Pedagógica ou com a Prática como Componente Curricular, não pode ser confundida com o ECS, afinal nele o “aluno passa a ter contato direto com a atuação profissional e a condição de discutir experiências e possibilidades” a partir da atitude investigativa e reflexiva sobre a própria prática (MAFEI, 2014, p. 230).

Zotovici et al. (2013) ratificam que a prática pedagógica deve ocorrer de forma clara e que o futuro professor deve ter domínio do conteúdo ministrado para desenvolver um trabalho consistente e maduro. Os autores dizem que:

É necessário que a formação acadêmica do futuro educador seja bem estruturada, de modo a buscar subsídios para realizar um trabalho rigoroso, transformando seus conhecimentos e formando uma nova concepção acerca do que é e de como poderá desenvolver seu trabalho no campo profissional. (ZOTOVICI et al., 2013, p. 571).

Ressalta-se que somente o momento de ECS não é suficiente para a formação como professor, de modo que, suas atitudes são reflexões de suas experiências docentes que são condutas construídas ao longo da sua vida escolar. Porém, esta etapa deve ser vivenciada com o intuito de aproveitar cada segundo, pois ela vai refletir nas aulas do estudante-estagiário (BENITES, 2012).

Ou seja, corrobora-se com a assertiva de que o ECS, isolado, “não garante uma formação permanente nos professores das escolas nem uma transformação da Educação Física escolar” (SCHERER, 2008, p. 88). Porém, a constatação desse fato não deve desmotivar a luta pela sua implementação rigorosa e pactuada com as previsões legais que asseguram condições mínimas de qualidade na formação aos discentes.

Conforme Souza Neto, Sarti e Benites (2016), há 25 anos, os professores de Educação Física da escola pública foram caracterizados, por parte dos estagiários, por meio de representações negativas de suas práticas pedagógicas, má qualidade de ensino, inconsistência metodológica expressa na oferta exclusiva da bola e falta de uma política pública que direcione a função do professor-receptor para a formação do aluno-estagiário. Sendo assim, os autores colocam que “os estagiários, geralmente, dirigem-se ao estágio com a intenção de ‘ser diferentes’ dos professores de escola que os receberão, assumindo por missão revelar-lhes possibilidades de inovação relativas ao ensino” (SOUZA NETO; SARTI; BENITES, 2016, p. 313).

Adiciona-se ainda a barreira que o próprio estudante-estagiário cria para passar a ter atitudes como futuro professor e não como um aluno da universidade, por não se sentir à vontade de frequentar a sala de professores e, por vezes, juntar-se aos alunos na hora do intervalo. Além disso, os estagiários não veem a escola como ambiente de formação profissional e isso desemboca em dificuldades aos estagiários ao “passar para o lado docente” (BENITES; 2012; SOUZA NETO; SARTI; BENITES, 2016).

Um dos problemas enfrentados pelos estagiários durante a realização do estágio relaciona-se a pouca frequência do supervisor de estágio in loco. Os apontamentos de Bisconsini (2013, p. 71) reforçam tal imbróglio, haja vista a justificativa dada pelos coordenadores os quais apontam que um dos motivos dos supervisores não estarem frequentemente nos campos de atuação é por “não ter tempo suficiente para ir a todas as escolas em que seus orientandos estagiam”.

A percepção desencadeada pela assertiva acima é de que, portanto, a organização desse componente curricular sofre com um problema de gestão, haja vista que existe a:

[…] possibilidade de maior proximidade entre a IES e a escola, pois seus membros podem pensar e organizar meios de acompanhar todos os estagiários, dentro das possibilidades tanto de orientadores como de supervisores, sem que haja prejuízos ao estágio discente. (BISCONSINI, 2013, p. 71).

Bisconsini (2013, p. 75) revela que a maioria dos estudantes de graduação entrevistados em sua investigação, não se sentiam completamente preparados para a atuação docente ao levar em consideração a formação oferecida na graduação como pré-requisito para o ECS. Observou-se que os alunos se sentiam despreparados, pois em uma formação ocorreu “ausência do estabelecimento de relações entre os conteúdos abordados pelos docentes e as exigências dos estágios”.

Outro fator importante no momento do ECS é a elaboração dos planos de aula. Bisconsini e Oliveira (2016), em pesquisa com estudantes de uma IES pública do Paraná, evidenciaram que a maioria dos estudantes do curso de Educação Física afirmaram não ter apoio no planejamento de suas aulas.

Além das problemáticas já mencionadas, Almeida e Moreira (2012) relatam a falta de material nas escolas e, novamente, o distanciamento do professor da escola. Portanto, a situação se repete em outras IES com a falta de participação dos professores da instituição na elaboração do planejamento e implementação das aulas de regência do estagiário.

Assim, a realidade brasileira está sendo considerada por Pereira (2007) como um espaço pouco privilegiado, afinal na hora de colocar em prática os conhecimentos adquiridos na formação, o autor questiona que, ante a falta de plena efetivação, não há condições de realmente avaliar se os conteúdos foram apreendidos.

Para Scherer (2008), parte da realidade encontrada na escola se configura como aspecto negativo para o desenvolvimento do estagiário, tais como as limitações de materiais e a cultura pedagógica, e influenciam na precária formação por não apresentarem alterações significativas na prática da Educação Física. Isso se reflete quando analisados os relatórios finais obrigatórios a esse componente, a análise é de que “os registros das atividades realizadas durante o estágio foram considerados deficientes […] superficiais” (SCHERER, 2008 p. 88).

Uma suposição para a existência das evidências citadas acima “é a manutenção do currículo tecnicista e fragmentado da formação e os conteúdos veiculados nas disciplinas” (MAFFEI, 2014, p. 240), essas, em grande medida, limitam-se a apresentação de práticas já superadas da Educação Física.

Segundo Rodrigues (2007), as IES devem preparar o aluno para o mundo do trabalho, para o que o espera fora da universidade, a partir de aproximações para saber intervir futuramente na realidade, não a negando, contudo, superando-a a partir da incorporação do aspecto técnico, também questionado por Scherer (2008), pois esse isolado não permite a reflexão ao estagiário, somente lhe oferece uma metodologia a ser seguida, negando o estímulo a uma prática autônoma.

A partir disso, fica evidente que providências para que os problemas mencionados sejam solucionados devam ser tomadas. Nesse diapasão, Rodrigues (2007) elenca oito aspectos significativos na análise da realidade e na definição das possibilidades

1. A partir da prática, do real, refletir criticamente e teorizar para retomar a prática social em outro nível, qualitativamente superior. Ação – reflexão- ação. Para levantar possibilidades concretas precisamos ter elementos da realidade concreta.

2. Reconhecer a unidade entre os departamento e áreas de conhecimento. Quando falamos de formação não podemos entende-la como blocos de conhecimentos separados. A superação da fragmentação da teoria x prática, a partir da práxis transformadora.

3. A auto-organização dos alunos é essencial, e que seja para além da sala de aula, garantindo a interação dos níveis da sala de aula, escola e sociedade.

4. Ampliar a formação dos educandos na sua totalidade, omnilateral, e não apenas a partir das competências básicas direcionadas ao mercado de trabalho; e sim, uma formação que atenda às necessidades do homem na plenitude.

5. A Prática de Ensino/Estágio Supervisionado devem estar articulados não apenas com a Didática (disciplina na formação de professores), mas também com o Projeto Político- Pedagógico do curso e com as demais áreas de conhecimento.

6. A elaboração do Projeto de Estágio construído conjuntamente com todos os envolvidos: alunos e professores da universidade e, principalmente, com os professores do campo de estágio/escola.

7. A pesquisa enquanto princípio metodológico – além da transmissão do saber, devemos priorizar a produção do conhecimento; isto porque a universidade é o locus privilegiado da produção do conhecimento.

8. A apreensão das categorias da organização do trabalho pedagógico: na escola e no trabalho pedagógico. (RODRIGUES, 2007, p. 78).

Scherer (2008) evidenciou que, a partir da reformulação do curso de Educação Física para quatro anos, uma das medidas implementadas foi a de que a cada 10 alunos no ECS corresponderia um professor supervisor. Isso possibilitou na melhora do relacionamento entre a escola, o futuro professor e a IES, fortalecendo vínculos profissionais e trocas de experiências.

A partir das análises acima, constata-se que existem falhas na condução da disciplina estágio em diversas IES, conforme asseverou Bisconsini (2013), Bisconsini e Oliveira (2016), Almeida e Moreira (2012) e Sherer (2008). Cabe apontar os problemas comuns entre as diferentes IES: a falta de destinação de carga horaria para o professor supervisor, fator que acarreta debilidades no acompanhamento do ECS.

Mediante a isso, na próxima seção, será realizada análise no âmbito das legislações e dos documentos vigentes a respeito do estágio como disciplina curricular para relacioná-los com as condições oferecidas pelas IES.

2. ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: parâmetros legais

Ao abordar o ordenamento jurídico, deve-se, inicialmente, compreender que são documentos que ordenam e definem funcionamentos. Portanto, a legislação relativa à educação e à formação de professores carregam um histórico de preocupações e necessidades a serem resolvidas, a exemplo do funcionamento da disciplina de ECS, em que se tem observado dificuldades pedagógicas expressas pela produção teórica (ISSE, 2016).

Do ponto de vista histórico, no Decreto-Lei n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que dispunha sobre o ensino industrial, o estágio foi definido como um período de trabalho sob a orientação de um docente. Porém, nas análises de Colombo e Ballão (2014, p. 174), apesar de ter a presença de um professor, supostamente supervisor, o ECS não possuía caráter educativo, ou seja, não estabelecia vínculos entre a empresa e o estabelecimento de ensino, sendo assim, o estágio não passava de “uma forma de se obter mão de obra de baixo custo”.

Colombo e Ballão (2014) apontam que, no ano de 1967, foi sancionada a Portaria n. 1.002, do Ministério do Trabalho e Previdência Social, a qual instituiu nas empresas a categoria de estagiário e determinou, dentre outros aspectos, que o estágio deveria estabelecer relações mais efetivas entre o estabelecimento de ensino e a empresa, de modo que, assegurar-se-ia um contrato com definições de prazo, carga horária, bolsa de complementação educacional, além de prever seguro contra acidentes. Entretanto, firmou-se, nessa portaria, que o estágio não deveria ser considerado vínculo empregatício. Para tais autores, embora tenha sido reconhecida a relevância do estágio para o aprimoramento do ensino, o foco do Estado dava continuidade à política estabelecida pelo Decreto-Lei n. 4.073/1942, que era atender aos interesses empresariais por mão de obra de baixo custo.

O ECS, portanto, só teve percepção alterada no pós-constituinte de 1988, com o advento da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996) que abriu portas para a Lei n. 11.788, de 25 de setembro de 2008, também identificada como Lei do Estágio. A partir desse marco, ocorreu avanços no âmbito do estágio, pois essa prática ficou definida, conforme o Art. 1º, como um “[…] ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos” e “[…] visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular” (BRASIL, 2008).

Adicionalmente, a Lei do Estágio demarcou um conjunto de mudanças significativas, quais sejam: a) definição de estágio obrigatório e não obrigatório; b) demarcação de que o estágio obrigatório deveria ser apresentado no PPC do curso; c) ajuizamento acerca do termo de compromisso a ser firmado entre a escola, o estagiário e a instituição; d) direitos ao estagiário com vinculação há mais de 12 meses em alguma empresa (direito a férias remuneradas de 30 dias, preferencialmente, nas férias escolares); e) definição do tempo máximo de estágio (dois anos); f) obrigação da instituição em contratar seguro de vida em ocasião do estágio obrigatório; g) obrigatoriedade do estagiário possuir um responsável no acompanhando in loco; h) jornada de atuação máxima de 30 horas semanais; i) no estágio não obrigatório há a definição de bolsa como forma de contraprestação; j) estudantes com deficiência tem direito de 10% das vagas (BRASIL, 2008).

Com todas essas mudanças apresentadas, entende-se que o estágio deveria possuir maior rigor em sua condução, afinal, adiciona-se a obrigatoriedade de estagiários e instituições prestarem contas sobre este fazer educativo por meio do envio de relatórios semestrais sobre suas atividades e de avaliação ao final do estágio (BRASIL, 2008).

Para que tudo isso ocorra é dever da IES ofertar condições adequadas à realização do estágio, conforme o Art. 7º da Lei do Estágio, a saber

I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar;

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando;

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;

IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades;

V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento de suas normas;

VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;

VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas. (BRASIL, 2008, grifo nosso).

Percebe-se, como disposto acima, uma série de obrigatoriedades referentes às IES, dentre elas a previsão de indicar um professor supervisor que acompanhe o aluno nessa etapa da vida acadêmica para que não gere desconfortos ou dúvidas que não possam ser sanadas por falta de orientação, ou seja, negligência. Dá-se ênfase a este aspecto, pois, tal fato não era vivenciado na IES alvo desta pesquisa, o que muito se questionou e instigou para a execução de tal investigação.

Assim, resta deixar negritado que, como expresso no Art. 3º da Lei do Estágio, “o estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente […]” e, para isso, é expressa a responsabilidade, do setores público ou privado, demarcado no Art. 9º, em “indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente” (BRASIL, 2008, grifo nosso).

Com isso, não resta dúvida que o estagiário deve ser acompanhado por um professor da escola e um professor oferecido pela IES e estes serão responsáveis por assegurar aos estagiários uma experiência potente e criativa no âmbito da iniciação à docência (ISSE; MOLINA NETO, 2016).

Ante às obrigações pertinentes às IES frente ao ECS, cabe ressaltar a organização curricular. Isse (2016, p. 66) comenta que “tem cabido às instituições formadoras o desafio de pensar nessas reconfigurações e fundamentos epistêmicos, criando possibilidades de deslocamento, mudança e experimentação de novas formulações”.

Nessa direção, a Resolução CNE/CP n. 2, de 20 de dezembro de 2019, em seu Art. 4º, aponta as competências que devem ser desenvolvidas nos cursos de licenciatura e, portanto, observadas no ECS:

Art. 4º As competências específicas se referem a três dimensões fundamentais, as quais, de modo interdependente e sem hierarquia, se integram e se complementam na ação docente. São elas: I – conhecimento profissional; II – prática profissional; e III – engajamento profissional.

§ 1º As competências específicas da dimensão do conhecimento profissional são as seguintes: I – dominar os objetos de conhecimento e saber como ensiná-los; II – demonstrar conhecimento sobre os estudantes e como eles aprendem; III – reconhecer os contextos de vida dos estudantes; e IV – conhecer a estrutura e a governança dos sistemas educacionais.

§ 2º As competências específicas da dimensão da prática profissional compõem-se pelas seguintes ações: I – planejar as ações de ensino que resultem em efetivas aprendizagens; II – criar e saber gerir os ambientes de aprendizagem; III – avaliar o desenvolvimento do educando, a aprendizagem e o ensino; e IV – conduzir as práticas pedagógicas dos objetos do conhecimento, as competências e as habilidades.

§ 3º As competências específicas da dimensão do engajamento profissional podem ser assim discriminadas: I – comprometer-se com o próprio desenvolvimento profissional; II – comprometer-se com a aprendizagem dos estudantes e colocar em prática o princípio de que todos são capazes de aprender; III – participar do Projeto Pedagógico da escola e da construção de valores democráticos; e IV – engajar-se, profissionalmente, com as famílias e com a comunidade, visando melhorar o ambiente escolar. (CNE, 2019, grifo nosso).

Corrobora-se com Sherer (2008), quando afirma que a realidade do ECS pode ser desenvolvida de diferentes formas, uma vez que, é responsabilidade da IES regulamentar o desenvolvimento da disciplina desde que atenda a legislação que orienta. Assim, fica explícito, neste campo de análise que o componente curricular em questão possui definições conceituais e legais delimitadas, não restando imprecisões sobre a forma correta de conduzi-lo, o que instigou verificar os documentos institucionais e perceber a apropriação dos dispositivos legais acima analisados.

Nesse sentido, solicitou-se, via requerimento, o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) à coordenação do curso de Educação Física e o Regimento de Estágio à coordenação de estágio, porém o regimento de estágio não foi disponibilizado pela coordenação, de modo que foi realizado o exame da minuta do regimento presente no PPC do curso de Educação Física da IESP.

A IESP, instalada em município do estado do Pará, é a concretização de um projeto pensado por professores e empresários paraenses, que almejavam oferecer continuidade ao processo educacional no estado do Pará. O projeto da instituição foi elaborado em 2011 e a IESP pretendia iniciar suas atividades no primeiro semestre de 2012, oferecendo o curso em Licenciatura em Educação Física e outras áreas profissionais (IESP, 2011).

O curso de Licenciatura em Educação Física, como um dos precursores da referida IES, não obteve alterações em seu PPC até o momento de realização desta pesquisa. Assim, as definições apresentadas refletem a realidade em que desde 2011, o curso pretendia formar

[…] um profissional apto atuar no ensino na pesquisa e extensão, ou seja, […] formará um professor pesquisador crítico e reflexivo […] o professor-pesquisador de Educação Física da atualidade deve assimilar no seu aprendizado uma visão interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar, em consonância com a sociedade e com as demais áreas do conhecimento, possibilitando assim uma melhor formação profissional. (IESP, 2011 p. 9).

A perspectiva era formar um professor crítico e atento às mudanças da sociedade para ser capaz de superar desafios propostos por ela. Por se tratar de um curso de Licenciatura, o profissional formado pela IESP é habilitado para ser professor da educação básica, bem como exposto no PPC, de que se trata da

[…] formação de professores do ensino fundamental e médio, bem como à formação de pesquisadores no campo da Educação Física. O binômio ensino/pesquisa sustenta a formação de educadores capazes de se encarregar da produção do material didático de apoio e do conhecimento que vão mediar na sala de aula e demais espaços educativos. (IESP, 2011, p. 15).

Para a garantia do objetivo exposto, a IES sustentava a necessidade de integração entre teoria e a vivência da prática integrando os seguintes mecanismos: “disciplinas, seminários, prática em ambiente escolar e não escolar […] prática da docência com planejamento […] atividades complementares, iniciação cientifica, monitoria […]” (IESP, 2011, p. 23) distribuídos em uma matriz curricular organizada em 7 semestres, com o total de horas do curso em 3.060 horas (incluindo a carga horária de estágio).

Na análise da matriz curricular, constatou-se que a disciplina ECS I tem início e oferta prevista para o quinto semestre com Carga Horária (CH) de 90h, distribuída em 75h de prática e 15h teórica. Já ECS II, com oferta para o sexto semestre, prevê CH de 120h, com 15h teórica e 105h de prática. O ECS III deve, portanto, ser realizada no sétimo semestre, o último do curso, e sua CH corresponde a 15h teóricas e 180h de prática, totalizando 195h. Dessa forma, a CH para vivência dos estágios é planejada para ter duração de seis meses cada. Ou seja, embora a CH prática amplie, o tempo destinado à discussão teórica permanece inalterado.

3. ENTRE OS FUNDAMENTOS LEGAIS E A REALIDADE VIVIDA: diálogo com a gestão

Nas análises das entrevistas, objetivou-se compreender a partir das falas dos MG entrevistados, sua formação, concepção de ECS para a formação de professores de Educação Física, domínio sobre da Lei n. 11.788/08, e a relação entre a condução do estágio na IESP e o atendimento aos dispositivos jurídicos correlatos.

Inicialmente, o processo formativo dos entrevistados esteve centrado na área da educação. Ambos os entrevistados possuem duas graduações e três especializações. Adiciona-se, também, a experiência de mais de 2 anos de atuação como Membros Gestores na IESP.

O segundo eixo foi responsável por trabalhar informações relativas à concepção de Estágio Curricular Supervisionado entre os entrevistados. Percebeu-se aproximação em suas falas ao afirmarem que a vivência da referida disciplina se dá a partir da construção de disciplinas bases para viver na prática o que antes era discutido apenas na teoria, como demonstrado nas falas

[…] ele [o estágio] é um mecanismo utilizado no ensino superior para que a gente possa consolidar, na prática, aquilo que o aluno vem aprendendo na teoria durante no decorrer do curso […]. (MG-01, 2019)

[…] Então, entender o estágio como uma etapa importante de formação, é quando você vai tentar aplicar na prática aquilo que você viveu por muitos módulos na teoria, então é uma forma de você instrumentalizar esse convívio, essa dinâmica da escola […] (MG-02, 2019)

Corrobora-se com os Membros Gestores no que tange a percepção sobre o estágio ser o momento de consolidar, aplicar, o conteúdo desenvolvido nas demais disciplinas que compõem a matriz curricular. É ter a possiblidade de constituir uma formação com teoria aliada à prática.

Sendo assim, reafirmando a fala dos MG entrevistados, Bisconsini e Oliveira (2016) observam que:

Esse é o momento para experimentarem as ações planejadas a partir do que foi aprendido na Instituição de Ensino Superior (IES), além de terem a possibilidade de aplicar e transformar proposições do processo formativo. (BISCONSINI; OLIVEIRA 2016, p. 348).

Todavia, de certa forma, observa-se que o estágio carrega consigo um peso de única disciplina na formação de professores que proporcionaria ao aluno o contato com a prática docente, apesar de a Resolução CNE/CP n. 2/19 indicar a prática como componente curricular na perspectiva de imersão no espaço escolar. E isso possibilitou questionar se os demais componentes curriculares disciplinares devem realmente ter apenas o caráter de teoria pura e não aplicada.

Tal indagação se verifica na fala dos MG quando apresentam as outras disciplinas como “apenas teoria”, mesmo que tenham um caráter teórico-prático, por exemplo, nos componentes Fundamentos do Futsal, Basquetebol, Handebol, etc., todas elas não ultrapassam os muros da faculdade, sendo assim, não proporcionariam a vivência do espaço escolar, tal como a disciplina ECS viabiliza.

Em contradição a esse discurso, em pesquisa sobre organização do trabalho pedagógico com docentes do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Pará – campus Guamá (Belém-PA), realizada por Martins (2017), apontou na fala de um entrevistado que a disciplina ECS não é mais importante que as outras disciplinas, pois o processo de formação é constante, seja interno ou externo à faculdade.

No eixo seguinte então, foi indagado aos MG qual seria a importância da disciplina ECS na formação de professores em Educação Física. As respostas coincidem. Ambos ressaltaram a importância da disciplina no currículo e a caracterizaram como a práxis da formação, visto que o ECS é a oportunidade de conviver com as diferenças e os desafios do universo escolar.

Colombo e Ballão (2014, p. 173) destacam que “a função do estágio é reforçar o aprendizado profissional do educando através da experiência prática”. Nessa direção, a realização do estágio é necessária para a efetivação do processo formativo, já que ele possibilita a aproximação com o mundo do trabalho, em direção à intervenção concreta do profissional em formação.

Em seguida, tratou-se do domínio dos MG acerca da Lei n. 11.788/08, sobre a qual os participantes afirmaram ter conhecimento. Portanto, infere-se que se têm o devido conhecimento de que a Lei:

[…] normatizou os estágios de um modo geral, colocando diretrizes para a parte cedente (universidade), concedente (outro espaço), seguro saúde, supervisão da instituição em que ocorre o estágio, limites de carga horária, prescrições para o estudante. (BENITES, 2012, p. 25).

Vale ressaltar que, essa regulamentação é obrigatória para a normatização e operacionalização dos cursos de graduação. Visto que, ela é necessária para a construção de um regimento de estágio ideal e em acordo com a legalidade, além de ter a obrigação de ser integrada no PPC do curso (BRASIL, 2008).

O MG-01 ressaltou que quando uma IES se submete a uma avaliação do Ministério da Educação é fundamental que o PPC esteja de acordo com a Lei vigente. Portanto, há o devido discernimento sobre a necessidade legal a ser observada quando da realização do estágio no curso. Para o MG-02, o contato com a legislação específica do estágio ocorreu “[…] por conta da função, eu tive que me aprofundar e dar uma lida na lei”.

O conteúdo expresso pelos entrevistados, corrobora com a base teórica sobre a temática. Nessa linha, Colombo e Ballão (2014, p. 173) afirmam que a Lei n. 11.788/08 “[…] apresenta base jurídica para que o estágio permaneça vinculado ao processo educativo” devendo ser, portanto, parte do processo formativo e de amplo conhecimento da comunidade acadêmica.

Na continuidade da entrevista, tratou-se dos pontos considerados mais importantes na Lei de Estágio para a formação de professores e, o conteúdo das falas, neste momento, divergiram entre os participantes. Assim, para o MG-01, os pontos mais relevantes foram: a) a garantia da vivência prática, ressaltando que o regulamento de estágio da IESP possibilita o aprendizado em vários níveis de ensino (Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), que são esferas diferentes, são faixas etárias distintas, possibilitando um “aprendizado mais enriquecedor”; b) Outro ponto mencionado é relativo a Carga Horária “bem relevante”, pois a Lei aponta uma carga horária mínima e os projetos de cursos devem ser elaborados de acordo com a mesma, o que proporciona um contato maior com a “práxis” .

Para o MG-02, a existência da legislação já se configura como grande avanço nesse campo, já que “respalda essa ação fundamental”. Em sua fala, destacou que durante sua formação inicial inexistia regulamentação, de modo que, com a presença dessa base jurídica, é possível orientar e dar um norte para as IES se embasarem e, assim, possibilitar uma formação mais consistente e coerente com a Educação Física escolar. Outro aspecto de ênfase na fala do MG-02, está relacionado ao docente supervisor do estágio, já que a supervisão “é uma forma de preparar esse discente para ele chegar melhor instrumentalizado na escola”.

E MG-01 reafirma que é importante, durante a realização do estágio, a devida orientação aos discentes para a vivência prática. E o professor supervisor, por sua vez, tem a possibilidade de direcionar as atividades, assim como interagir com a sua própria formação.

Tal compreensão é reforçada por Bisconsini (2013) quando aponta que

[…] o supervisor se coloca como um apoio significativo e de grande valor em relação ao processo formativo de professores, entende-se que seu acompanhamento junto aos discentes durante as regências também pode auxiliá-los em possíveis empecilhos durante o estágio […]. (BISCONSINI, 2013, p. 71).

Corrobora-se que a presença de um professor-supervisor in loco juntamente com o aluno é primordial, pois o discente poderá tirar suas dúvidas, solicitar auxílio na elaboração de planos de aula, levando em consideração a realidade da escola e da turma em que se realiza a intervenção, e assim conseguirá repassar mais confiança para a escola concedente.

Acerca da relação entre o estágio supervisionado da IESP e a Lei n. 11.788/08, segundo o MG-01, a responsabilidade predominante é da IESP em proporcionar ao discente o momento de estágio, além de fazer valer para que ele possa vivenciar esses espaços. Ressalta:

[…] o estágio é uma das normativas a serem cumpridas, então essa relação já começa por uma prática do que é legal […] por legitimar aquilo que a Lei trás no que diz respeito ao estágio nesse âmbito educacional. (MG-01, 2019).

Porém, MG-02 afirma que:

[…] nós temos muitos desacordos entre o que existe na realidade da prática do estágio supervisionado na IESP com o que está posto na lei. Entre muitos processos que estão ali de encontro a lei, a gente pode dizer que ainda não conseguimos colocar um profissional da área para acompanhar o estágio; que quem acompanha esse estágio não é da área. Ainda há uma lacuna muito grande entre supervisionar e apenas coordenar o estágio, porque coordenar é o que a gente faz, discute instrumentais, fala do processo de elaboração de relatório, mas em momento algum você senta junto para planejar o estágio, para constituir o plano de estágio, para apresentar esse aluno na instituição. Isso tudo é dever do professor-supervisor. (MG-02, grifo nosso).

A partir da análise da fala do MG-02, pode-se afirmar que a IESP não cumpre na prática o que está previsto no PPC do curso. E isso prejudica significativamente a formação dos discentes, uma vez que, em campo de estágio, os discentes são acompanhados apenas pelo docente da Educação Básica.

Outro limite evidenciado nessa fala é o fato de os discentes serem orientados por um docente não formado na área do curso, o que se coloca como um limite, pois não conhece as necessidades da Educação Física. A Lei de Estágio afirma que é dever da instituição de ensino “indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário” (BRASIL, 2008).

Ante essa realidade, questionou-se a percepção dos MG se a IESP está conseguindo cumprir com o que solicita a Lei n. 11.788/08. A resposta foi uníssona na direção de que a instituição ainda necessita avançar muito em relação a organização normativa do estágio no cumprimento da referida Lei.

Nessa esteira, MG-02 reafirmou que

[…] grande parte do que diz a Lei a gente não consegue cumprir, inclusive os aspectos fundamentais da Lei em relação a supervisão de estágio, porque a supervisão não existe. No modelo que a gente executa hoje na IESP não há supervisão. Por outro lado, esse momento pré-encaminhamento que é de suma importância descrito em Lei, nós também não estamos conseguindo executar, que é quando o supervisor senta com seu grupo de estagiários, organiza o planejamento, monta o cronograma e o plano de estágio, vai à escola nesse momento de apresentação dos estagiários, conversa com a gestão para explicar o que significa o estágio supervisionado à gestão da escola e esse acompanhamento que é fundamental, que também não está acontecendo. Então o acompanhamento de estágio ou a supervisão de estágio é uma etapa importante dessa vivência prática que está sendo negligenciada. (MG-02, 2019, grifo nosso).

Na análise do PPC do curso de Educação Física, viu-se que cada ECS possui apenas 15 horas de teoria, levando em consideração as necessidades do discente e as obrigações do docente no processo de condução, julga-se insuficiente, afinal é necessário dentro desta CH: a) discutir o que é o estágio, visto que, é a primeira vivência a campo; b) designar os locais de atuação; c) organizar cada grupo de, no máximo, dez discentes para uma escola previamente selecionada; d) orientar os discentes sobre como proceder; e) apresentar o docente da escola aos discentes em estágio; f) discutir as metodologias a serem empregadas; g) discutir quais os limites observados; h) contabilizar e orientar as observações e intervenções; i) horário de aulas da escola; j) discutir os limites das escolas; k) orientar a elaboração dos planos de aula; l) discutir as particularidades das turmas; m) tirar dúvidas dos estagiários; n) orientar sobre a construção de relatório e, o) finalizar com aula presencial para a entrega do relatório.

Com isso, observa-se que existe muitas tarefas a serem cumpridas para apenas 15h de encontros presenciais na IES e isso contribui para as dificuldades constatadas acima, visto que, os orientadores ficam presos em uma carga horária curta e não elaboram aulas consistentes para a realização de todos os momentos que deveriam acontecer na teoria do ECS.

Isso é muito preocupante e leva a pensar quais os motivos da não existência de um docente destinado a supervisão de estágio. O MG-02 apontou que para ter professor destinado para essa atuação requer custos, tempo e compromisso, inclusive financeiro, por se tratar de uma instituição privada que, na análise do MG-02, “não são custos e sim investimento”, pois o profissional que está em formação necessita deste acompanhamento.

Em contradição a isso, MG-01 afirma que o grupo de colegiado é grande, a quantidade de professores com formação-base em Educação Física é suficiente para suprir as necessidades da instituição e o que falta é a destinação desse docente para atuar como supervisor. E ainda enfatizou que “a IESP, ela sempre faz uma ampliação do quadro de docentes todo o semestre porque também se aumenta a demanda”.

Portanto, observa-se que a instituição tem ciência que existem fragilidades a serem revisadas. O MG-01 ratifica “então vejo que temos muito a avançar, muito a ajustar é no sentido de conseguir, enquanto instituição, cumprir com todos os preceitos legais”.

Cabe ressaltar, que o PPC e o Regimento de Estágio analisado, foram elaborados em 2011, e a Lei 11.788 foi sancionada em 25 de setembro de 2008. Sendo assim, pode-se afirmar que quando o projeto de curso foi construído e aprovado pelo Ministério da Educação (MEC), a Lei já estava em vigor.

MG-01 defende a ideia de que só conseguiu constatar falhas na IES, a partir de seu funcionamento, quando os docentes e discentes já estavam executando suas atividades dentro da sala de aula. Porém, a instituição só pode consertar tais falhas na próxima visita do MEC para reavaliar e replanejar o que, por ventura, não tenha dado certo.

Por fim, chegou o momento de discorrer sobre as perspectivas futuras da instituição para revolver os percalços evidenciados pelos entrevistados. Observando todos os limites que ocorrem no desenvolvimento da disciplina ECS, apresentados pelos MG entrevistados, questionou-se quais as perspectivas de melhorias para o curso de Educação Física, sobretudo no que diz respeito ao aperfeiçoamento na condução do ECS.

É um destaque muito importante evidenciar que as perspectivas são as melhores possíveis. Foi possível constatar a preocupação e o empenho dos MG em conseguir melhorar a formação dos discentes que ali vão adentrar. Adiciona-se a preocupação em haver uma evolução no quadro de elaboração do ECS na instituição, para que a IESP consiga se adequar, em termos legais, que por alguns descasos não tenha conseguido.

Outro fator que é válido mencionar para ser sanado pela instituição, foi observado na fala de MG-01

[…] eu compreendo sim a necessidade de que primeiro o estágio seja supervisionado, porque é de suma importância que o aluno tenha aquela referência da docência caminhando com ele nesse processo onde ele ‘tá’ ali consolidando a teoria com a prática […] necessário que a instituição possibilite que o docente daquela disciplina em si, ou o técnico responsável, que a gente diz técnico responsável, que pode ser também o coordenador do estágio […]. (MG-01, 2019, grifo nosso).

Nessa fala ficou nítida a necessidade de uma possível contratação ou direcionamento de um docente específico como supervisor do estágio; acredita-se que seja o primeiro ponto a ser solucionado. Outro aspecto fundamental é que este docente seja formado na área de Educação Física para atender os alunos desse curso, e assim, conciliar o que é previsto em lei com a prática da instituição.

O MG-01 ainda ressalta que, um professor em campo é mais uma segurança para a instituição e para o aluno, porque o professor supervisor além de acompanhar vai verificar se a carga horária está realmente sendo cumprida, como ele diz “não é um processo de faz de conta”, a formação de um professor necessita desta rigorosidade. E o mesmo continua sua assertiva apontando que essa preocupação é pauta de muitas reuniões dentro da instituição e, consequentemente, é uma análise pertinente na reestruturação do novo PPC do curso.

Visto isso, MG-02 reafirma que essas fragilidades são conhecidas pelos organizadores do estágio e eles sentem a necessidade de instrumentalizar conforme preconiza a Lei 11.788/08. E afirma que

[…] nós já temos um aceno, e um aceno consolidado para que no mês de agosto nós conseguimos definir alguns profissionais da área de Educação Física para assumir esse papel de supervisão […] a gente vai estar cobrando as etapas todas, de pré-encaminhamento, do momento do encaminhamento e da supervisão propriamente dita. E aí eu consigo evidenciar, diante da Lei, etapas importantes a serem vencidas, não na totalidade. (MG-02, 2019).

A partir dessa afirmação, consegue-se identificar que as mudanças positivas para a reorganização do ECS na IESP estão próximas de acontecer. Com isso, é possível elaborar um possível planejamento para o ensino teórico-metodológico do conteúdo pertinente ao estágio para as futuras conduções do ECS na IESP.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou analisar os limites e possibilidades na vivência da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” em Educação Física na IESP. Para isso, se apoiou em autores como Bisconsini e Oliveira (2016), Sherer (2008); Colombo e Ballão (2014), Rodrigues (2007); Benites (2012); Bisconsini (2013) dentre outros que discutem sobre o tema estágio, utilizamos com referência a Lei 11.788 de 2008, que discute estágio obrigatório e não obrigatório, além do PPC do curso de licenciatura em Educação Física e da minuta de regimento de estágio. Buscou-se ainda entrevistar os membros gestores da IES afim de obter respostas sobre as contradições entre o legal e o real identificado na pesquisa.

A partir da revisão da literatura, concluiu-se que a disciplina ECS possui inúmeros desafios a serem vencidos em várias instituições do país e que a falta de professor supervisor não é exclusividade da IESP. Porém, vale ressaltar que essa disciplina possui uma imensa importância para a formação de professores, visto que ela é a única que proporciona a vivência no futuro espaço de atuação do aluno-estagiário e futuro professor.

No que tange à análise documental, a Lei 11. 788/2008 proporcionou compreender a fundo como é prevista a condução do ECS, pois estabelece de forma clara as obrigações dos estagiários e das IES. Se outrora, o estágio era visto somente como uma mera mão de obra barata, a partir da Lei em vigor, essa realidade muda significativamente a formação de professores. No que diz respeito ao PPC de EF, analisou-se a existência de um ECS ocorrido apenas “no papel” muito distante da prática materializada, a qual foi confirmada na fala dos MG.

Mediante disto, destacamos que a nossa pesquisa evidenciou que a IESP possui diversos limites para a condução da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado”, porém a possibilidade de soluções é um desafio de preocupação constante da instituição.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, F. V.; MOREIRA, E. C. Contribuições da disciplina de estágio supervisionado de um curso de licenciatura em Educação Física: a percepção discente. Conexões:Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 10, n. 2, p. 133-153, maio-ago. 2012. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conexoes/article/view/8637676/5367. Acesso em: 15 de março de 2019

BENITES, L. C. O professor-colaborador no estágio curricular supervisionado em Educação Física: perfil, papel e potencialidades. 2012. 180f. Tese (Doutorado em Ciência da Motricidade) – Instituto de Biociências de Rio Claro, Unesp, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/100442. Acesso em: 25 de março de 2019

BISCONSINI, C. OLIVEIRA, A.O estágio curricular supervisionado na formação inicial para a docência: as significações dos estagiários como atores do processo. Revista Motrivivência v. 28, n. 48, p. 347-359, set. 2016. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/2175-8042.2016v28n48p347. Acesso em: 15 de março de 2019

BISCONSINI, C. R.. Formação inicial para docência: relações entre estágio supervisionado, universidade e escola. 2013. 161f.Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física – UEM/UEL, Maringá, 2013. Disponível em: http://nou-rau.uem.br/nou-rau/document/?code=vtls000206358. Acesso em: 10 de março de 2019.

BRASIL. Lei 11.788/2008, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio dos estudantes. Brasília, DF: Presidência da República, [2008]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm. Acesso em: 23 de fevereiro de 2019.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução nº 02, de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).. Diretrizes Curriculares Nacionais Para A Formação Inicial de Professores Para A Educação Básica e Institui A Base Nacional Comum Para A Formação Inicial de Professores da Educação Básica. Brasília, 02 dez. 2019.

COLOMBO, I. M. BALLÃO C. M. Histórico e aplicação da legislação de estágio no Brasil. Educar em Revista, Curitiba, n. 53, p. 171-186, jul.-set. 2014. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/36555. Acesso: 05 de maio de 2019

INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PRIVADA. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Física. 2011.

FRANCO, M. Analise de Conteúdo. 3. ed. Brasília: Liber Livro, 2008.

ISSE, S. F. O estágio supervisionado na formação de professores de educação física: saberes e práticas dos estudantes-estagiários. 2016. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/151414. Acesso em: 25 maio 2019.

ISSE, S. F. MOLINA NETO, V. Estágio supervisionado na formação de professores de educação física: produções científicas sobre o tema. J. Phys. Educ, v. 27, n. 1, p. e-2759, 2016. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/31145. Acesso em: 30 de março de 2019

MAFFEI, W. S.Prática como componente curricular e estágio supervisionado na formação de professores de educação física. Revista Motrivivência, São Paulo, v. 26, n. 43, p. 229-244, dezembro/2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2014v26n43p229 Acesso em: 30 de março de 2019

MARTINS, R.C. O estágio curricular supervisionado e a organização do trabalho pedagógico: um estudo no curso de licenciatura em educação física da Universidade Federal do Pará/Guamá. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, UFPA. 2017. Disponível em: http://ppgedufpa.com.br/arquivos/File/DISSERTARafael.pdf. Acesso em: 30 de maio de 2019.

MOLETA, F. TEIXEIRA, F. FOLLE, A. NASCIMENTO, J. FARIAS, G. MARINHO A. Momentos marcantes do estágio curricular supervisionado na formação de professores de educação física. Revista Pensar a Prática, Goiânia, v. 16, n. 3, p. 619955, jul.-set. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.5216/rpp.v16i3.18705. Acesso em: 20 de março de 2019.

PEREIRA, S. G.P. MILAN, F. J. BOROWSKI, E.B V. ALMEIDA, T. R. FARIAS, G.O. TRAJETÓRIA DE ESTUDANTES NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO

FÍSICA: o estágio curricular supervisionado em foco. Revista J. Phys. Educ, v. 29, e2959, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jpe/a/zBHDwQm9sSj4YyYCZQfRmCz/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 de março de 2019.

RODRIGUES, R. C. F. O estágio supervisionado no curso de Educação Física da UEFS: Realidades e possibilidades. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007. Disponível em: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/11881. Acesso em: 30 de maio de 2019.

SCHERER, A. O desafio da mudança na formação inicial de professores:o estágio curricular no curso delicenciatura em Educação Física. 2008.Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal doRio Grande do Sul, Porto alegre, 2008. Disponível em:

https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13503/000649070.pdf. Acesso em: 25 de maio de 2019

SOUZA NETO, S. SARTI, F. BENITES, L. Entre o ofício de aluno e o habitus de professor: os desafios do EstágioSupervisionado no processo de iniciaçãoà docência. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 22, n. 1, 311-324, jan.-mar. de 2016. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8918.49700. Acesso em: 13 de março de 2019.

ZOTOVICI, S. A.; MELO, J. B.; CAMPOS, M. Z.; LARA, L. M.Reflexões sobre o estágio supervisionado no curso de licenciatura em educação física: entre a teoria e a prática. Revista Pensar a Prática Goiânia, v. 16, n. 2, p. 320618, abr.-jun. 2013. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/16593. Acesso em: 05 de março de 2019.

Pseudônimo criado para preservar a identidade da IES em virtude do compromisso ético assumido no decorrer da pesquisa e substituirá toda e qualquer menção ao nome da instituição feita no decorrer do artigo.


¹Licenciada em Educação Física pela Faculdade De Educação E Tecnologia Da Amazonia (FAM). E-mail: IngridFerreira010@outlook.com

²Mestra em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: giselle.ribeiro@uepa.br

³Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: emerson@uepa.br

4Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: jeffersonfelgueras@gmail.com

5Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail: silvajuniormes@yahoo.com.br