CORREÇÃO DA BIPROTRUSÃO COM EXTRAÇÃO DE 4 PRÉ-MOLARES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8145561


Wanessa da Silva Benevenuto1
Carlos Eduarde Bezerra Pascoal2
Priscila Pinto Brandão de Araújo3
Renato da Silva Repilla4
Tiago Drumond Valadares Freitas5


RESUMO

A biprotrusão é caracterizada pela vestibularização dos dentes anteriores, em ambas as arcadas. Este trabalho relata o caso clínico de uma paciente do gênero feminino, 34 anos de idade, que procurou a clínica de especialização de ortodontia da Ceproeducar-FaSerra, com queixa principal “dentes pra frente”. Após exame clínico e radiográfico, observou-se que a paciente possuía dentes apinhados, vestibularizados e mordida em topo anterior. O tratamento proposto foi a extração de 4 pré-molares, com auxílio de elástico corrente e alça de Bull para retração da bateria anterior. O movimento gerado por esse dispositivo deve ser de forma controlada para que a posição das raízes seja adequada e, posteriormente, promover intercuspidação, finalizando o tratamento com a instalação de contenções em ambas as arcadas. O tratamento proposto resultou em melhora do apinhamento, oclusão mais satisfatória para alcançar a relação canino ideal e molar em Classe I de Angle e início de uma melhora estética do perfil facial da paciente.

Palavra-Chave: Classe III de Angle, Exodontia, Alça Bull.

ABSTRACT

Biprotrusion is characterized by the proclination of the anterior teeth, in both arches. This paper reports the clinical case of a female patient, 34 years old, who sought the specialization clinic of Orthodontics at Ceproeducar-FaSerra, with a chief complaint of “teeth forward”. After clinical and radiographic examination, it was observed that the patient had crowded, proclined teeth and anterior tip bite. The proposed treatment was the extraction of 4 premolars, with the aid of an elastic band and Bull’s loop for retraction of the anterior battery. The movement generated by this device must be controlled so that the position of the roots is adequate and, later, promote intercuspation, ending the treatment with the installation of retainers in both arches. The proposed treatment resulted in improved crowding, more satisfactory occlusion to achieve an Angle Class I molar and canine relationship and the beginning of an aesthetic improvement in the patient’s facial profile.

Keywords: Angle Class III, Exodontia, Bull Loop.

INTRODUÇÃO

A biprotrusão é caracterizada pela inclinação acentuada dos incisivos superiores e inferiores para vestibular, com ou sem trespasse horizontal excessivo. Assim, o paciente fica exposto a traumas e com dificuldades de selamento labial passivo (SILVA et al., 2010). Nos lábios é onde ocorre a alteração mais relevante após a extração dos primeiros pré-molares, devido à retração dos incisivos superiores e inferiores, consequentemente melhorando o perfil facial do paciente (SCHROEDER, 2009).

Essa má oclusão dentária é comumente encontrada nas populações negras ou com grande miscigenação com afrodescendentes, podendo também ser encontrada em todos os grupos étnicos inclusive caucasianos (LAHLOU et Al., 2010). Outras causas possíveis podem ser por hereditariedade, traumatismos pré e pós-natais, projeção da língua e sucção digital (Moyers, 1991).

Existem várias alternativas de tratamento para pacientes com biprotrusão dentária. A primeira opção corresponde a técnica de alinhamento e nivelamento, esse tratamento ocorre quando o paciente se sente satisfeito com o grau de inclinação dos seus dentes e opta pela manutenção da biprotrusão. A segunda opção de tratamento, inclui a extração dos 4 primeiros pré-molares ou dos 4 primeiros molares, seguida da retração dos dentes anteriores, diminuindo o grau de projeção dos incisivos e lábios e, consequentemente, diminuindo a biprotrusão. Como terceira opção de tratamento para biprotrusão, é possível realizar a extração dos 4 terceiros molares e, em seguida, a retração de toda a arcada superior e inferior, utilizando a ancoragem esquelética, com miniparafusos ortodônticos (BILLS et al., 2005).

Utilizando a parte posterior como ancoragem, a mecânica ortodôntica estimulará os movimentos dos dentes anteriores para lingual, durante a fase conhecida como retração anterior. É necessário atenção durante a realização dessas mecânicas, pois, o uso de forças excessivas e o movimento dentário, no sentido vestíbulo-lingual podem acarretar danos aos dentes e ao periodonto, principalmente quando o deslocamento dentário ultrapassa os limites da tábua óssea vestibular (BILLS et al., 2005).

O planejamento deve ser bem minucioso para que a movimentação dentária seja com o mínimo de efeitos colaterais possível (LIMA et al.,2010). Após a eleição da forma tratamento e de quais dentes serão extraídos, várias são as técnicas de ancoragem utilizadas, como aparelhos extrabucais, botão de Nance, barra transplatina, elásticos intermaxilares, a perda de ancoragem, dentre outras técnicas e dispositivos (VALARELLI et al., 2010).

Um outro dispositivo que auxilia na retração dentária é a alça de Bull, que é muito utilizada em casos de biprotrusão dentária, com sua forma em gota invertida, medindo aproximadamente 6,5mm de altura no arco superior e 6 mm no inferior e com 3 mm de diâmetro. A sua ativação é dada pelo afastamento das hastes verticais até no máximo de 1,25 mm e o efeito Gable é dado dobrando-se 15 graus na base da alça, assim controlando os movimentos indesejados. (FERREIRA et al., 1998).

Portanto, o objetivo do presente trabalho é relatar um caso de biprotrusão tratado com extração dos 4 primeiros pré-molares, com perda de ancoragem, seguido de retração dos dentes anteriores.

RELATO DE CASO 

Paciente F.R.G, 34 anos do gênero feminino, compareceu a clínica do Curso de Especialização em Ortodontia da Ceproeducar com a queixa principal de “dentes pra frente”. Durante a anamnese, foi verificado que a paciente não apresenta nenhum comprometimento sistêmico e já realizou tratamentos odontológicos como procedimentos de prevenção e restauradores.

Analisando sua face, foi observado exposição e vestibularização dos dentes anterossuperiores, face assimétrica, mesofacial, perfil reto e selamento labial passivo (Figura 1).

Figura 1: Fotografias extrabucais iniciais: A) frontal; B) frontal sorriso; C) perfil lateral direito.

No exame intrabucal, observou-se na figura 2 uma dentição permanente com má oclusão de Angle de Classe ll. A linha média superior e inferior são coincidentes entre si e coincidentes com o plano sagital mediano, trespasse vertical e horizontal com 1mm cada, curvatura de Spee ausente, gengiva sem sinais de inflamação, mas com recessão em canino 13, 23, 33 e 43, pré- molares 14,24 freio lingual e labial dentro dos padrões da normalidade. Como hábito deletério, a paciente afirma morder o lábio inferior, não apresenta dor ou alterações na articulação temporomandibular e sua higiene bucal é deficiente. Os incisivos superiores e inferiores encontram-se vestibularizados, com apinhamento anterior superior e inferior (Figura 2.1).

Figura 2: Fotografias Intra-oral A) lateral direito;  B)frontal; C) lateral esquerda.

Figura 2.1: Fotografias oclusais A) superior; B) inferior.

Na radiografia panorâmica foi observado estruturas ósseas em normalidade, presença dos terceiros molares 18, 28 e 38, ausência do 16 e 48 (Figura 3).

Figura 3: Radiografia Panorâmica Inicial.

Na telerradiografia em norma lateral de cabeça é possível observar vestibularização dos incisivos superiores e inferiores (Figura 4).

Figura 4: Telerradiografia em norma lateral de cabeça.

Imagem em preto e branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figura 5: Traçados cefalométricos.

Tabela 1:

NORMA CLASSIF.VALOR OBTIDO
SNA82°95°Maxila protruída
SNB80°94°Mandíbula protruída
ANBClasse ll esquelética
SND76°a 77°90°Protrusão mandibular
SN.OCL14,5°15°Tendência crescimento vertical
SN.GOGN32°28 mmÂngulo com tendência crescimento horizontal
1-NA4mm8 mmIncisivo superior protruído
1.NA22°36°Incisivo superior vestibularizado
1.NB25°39°Incisivo inferior vestibularizado
1-NB4mm10mmIncisivo inferior protruído
H NARIZ9ª11mm3mmPerfil de convexidade facial.
FMIA65°55°Vestibularização em relação plano de Frankfurt
FMA25°37°Tendência de crescimento vertical
IMPA88° a 90°88°Incisivo inferior inclinados para vestibular

Plano de Tratamento

Para esse caso clínico foi proposto exodontia de 4 primeiros pré-molares, alinhamento e nivelamento, seguido da retração da bateria anterior utilizando elástico corrente com perda de ancoragem.

Tratamento

Inicialmente, foi realizada a instalação do aparelho fixo superior, prescrição Roth max, 022” (Morelli) (Figura 6 A-C). Em seguida, foram realizadas as exodontias dos dentes 14, 24, 34 e 44. Após, foi realizada a instalação do aparelho fixo inferior, prescrição Roth max, 022” (Morelli) e os 1º molares superiores e inferiores receberam a colagem de tubos simples.

Figura 6: A) lateral direito; B) frontal; C) lateral esquerda.

Em seguida, iniciou a fase de alinhamento e nivelamento seguindo a sequência dos fios: 0,012” NiTi, 0,014” NiTi, 0,016” NiTi, 0,018” NiTi, 0,020” NiTi e 0,017×0,025” aço, com elástico corrente com intuito de iniciar a retração dos caninos superiores e inferiores utilizando gancho dos braquetes dos caninos aos tubos dos primeiros molares (Figura 7).

Figura 7: Fotografias intra-oral A) lateral direita; B) frontal; C) lateral esquerda.

No decorrer do tratamento, optamos pelo uso do fio TMA 0,017×0,025” com alça Bull. Nas manutenções ortodônticas seguintes, foi realizado ativação do fio e acompanhamento do overjet (Fig. 8, 9, 10).

Figura 8: Fotografias intra-oral A) lateral direita; B) frontal; C) lateral esquerda.

Figura 9: Fotografias intra-oral A) lateral direita; B) frontal; C) lateral esquerda.

Resultados

Foram solicitados na última consulta fotos complementares extraorais, intraorais, telerradiografia e radiografia panorâmica (Figura 10, 11, 12 e 13).

Após 25 meses, paciente continua em tratamento ortodôntico. Foi obtido melhora no alinhamento e nivelamento, bom relacionamento entre os arcos, porém, os espaços das exodontias não foram fechados totalmente, os lábios e estrutura dentária encontram-se melhor posicionados, em comparação com o início do tratamento (Figura 10).

Figura 10: fotos extra oral A) Frontal; B) Frontal sorrindo; C) Perfil direito.

Figura 11: Fotografias da Última manutenção ortodôntica A) Intrabucal lateral direita; B) Intrabucal frontal; C) Intrabucal lateral esquerda.

Imagem em preto e branco de uma pessoa

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figura 12: Telerradiografia em norma lateral de cabeça

Desenho de personagem

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Figura 13: Traçados cefalométricos

NORMACLASSIF.VALOROBTIDO
SNA82°100°Maxila protruída
SNB80°96°Mandíbula protruída
ANBClasse ll esquelética
SND76°a 77°92°Protrusão mandibular
SN.OCL14,5°Tendência crescimento horizontal
SN.GOGN32°22mmTendência crescimento vertical horizontal
1-NA4mm7 mmincisivos superior protruídos
1.NA22°27°Incisivo superior vestibularizado
1.NB25°28°Incisivos inferiores vestibularizados
1-NB4mm6mmIncisivos inferiores protruídos
H NARIZ9ª11mm5mmPerfil de convexidade facial.
FMIA65°65°Boa relação plano oclusal em relação plano de Frankfurt
FMA25°21°Tendência de crescimento horizontal
IMPA88° a 90°83°Incisivos inferiores inclinados para vestibular.

Tabela 2.

Foto em preto e branco

Descrição gerada automaticamente

Figura 14: Panorâmica atual.

DISCUSSÃO

A biprotrusão dentária comumente é encontrada em todos os grupos étnicos, ela se caracteriza pela projeção dos dentes anteriores superiores e inferiores, resultando em um perfil facial convexo e dificuldades no selamento labial do paciente. A opção de tratamento mais comum corresponde à exodontia dos primeiros pré-molares superiores e inferiores, seguida da retração da bateria anterior, proporcionando melhora do perfil facial. (UPADHYAY 2008). A paciente apresentada neste relato queixava-se dos seus “dentes para frente” e não possuía selamento labial. Foi, então, proposto como tratamento a exodontia dos dentes 14, 24, 34 e 44, seguida da retração da bateria anterior.

A extração dos primeiros pré-molares, perante esse tipo de má oclusão, permite maior segurança ao tratamento, visto que a retração ligada a perda de ancoragem estimula um aumento do trespasse vertical (MATSUMOTO et al., 2011; REIS; PINHEIRO; MALAFAIA, 2007) e melhora o posicionamento dos incisivos superiores e inferiores, devido a lingualização e retrusão dos dentes na base óssea (SCHROEDER et al., 2009).

O alinhamento e nivelamento é a fase inicial da mecânica, usando arcos redondos. A partir dos arcos retangulares, se inicia a fase de fechamento dos espaços deixados após as exodontias, colocando elásticos em cadeia, também utilizado para retração de canino (SCHROEDEr, 2009; LORIATO et al., 2006).

Nos lábios, é onde ocorre a alteração mais significativa, devido a retração dos incisivos (Schroeder, 2009). No caso clínico apresentado, optou-se por perda de ancoragem, visando harmonização facial em conjunto com uma excelente oclusão.

Esse protocolo de tratamento tem um tempo regular, uma finalização ortodôntica com relação de molares e de caninos em Classe I e a possibilidade de uma correção duradoura, caso não ocorra um crescimento mandibular exacerbado (ARAUJO, 2008).

A alça em BULL é bastante utilizada para fechamento dos espaços causados pela exodontia, apresenta três propriedades mecânicas: força que pode ser usada, elasticidade que apresenta a tensão dividida pela deformação e flexibilidade máxima de ativação. O diâmetro do fio deve ser levado em consideração para controlar a rigidez da alça de retração, usada também como forma de controle do comprimento do braço e da base do fio.(OLIVEIRA Jr.,1988) A força de resistência e proporção gerada no dente determinará de que forma o dente se movimenta, a força simples é gerada no bráquete promovendo assim o deslocamento do dente com o movimento da força apical, quanto maior ativação maior a força. Apresenta limitação mas quando bem empregada pode ser bem eficiente (BURSTONE; KOENIG,1976)

CONCLUSÃO

Muitas vezes há necessidade de realizar extrações dentárias para que ocorra o correto ajuste da oclusão , coordenação dos arcos dentários e melhora do perfil. A exodontia dos primeiros pré-molares seguida de retração dos dentes anteriores  se mostrou eficaz para correção da biprotrusão.  Os resultados obtidos com o tratamento até o momento foram significativos, sendo ainda necessário continuar até o completo fechamento dos espaços e ajuste final da oclusão.

REFERÊNCIAS

Araújo EA, Araújo CA. Abordagem clínica não-cirúrgica no tratamento da má oclusão de classe III. Dental Press 2008 nov-dez.; 13(6):128-57

Bills DA, Handelman CS, BeGole EA. Bimaxillary dentoalveolar protrusion: traits and orthodontic correction. Angle Orthod. 2005 May;75(3):333-9.

Burstone, C .;KOENIG, H. Optimizing anterior and canine retraction. Am J Orthod, v 70, n. 1, p. 1-19, 1976.

Ferreira,F. V. Ortodontia-Diagnóstico e Planejamento clínico. 2ª edição São Paulo: Artes Médicas. 1998. 503 P.

Lahlou K, Bahoum A, Makhoukhi MB, Aalloula el H. Comparison of dentoalveolar protrusion values in Moroccans and other populations. Eur J Orthod. 2010 Aug;32(4):430-4.

LIMA, Leonardo Alcântara Cunha et al. Mini-implante como ancoragem absoluta: ampliando os conceitos de mecânica ortodôntica. Innovations Implant Journal, v. 5, n. 1, p. 85-91, 2010.

Loriato LB, Machado AW, Pacheco W. Considerações clínicas e biomecânicas de elásticos em ortodontia. Dental Press.; 5(1):42-55.; fev-mar 2006.

Matsumoto MAN. Má oclusão Classe I de Angle, com mordida aberta anterior, tratada com extração de dentes permanentes. Dental Press J Orthod ; 16(1):126-38, Jan-Feb 2011.

Melsen B. Biological reaction of alveolar bone to orthodontic tooth movement. Angle Orthodont; 69(2): 151-58, 1999.

MOYERS, R. E. Ortodontia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1991.

Oliveira JR, G.. Estudo do fechamento dos espaços decorrentes da extração em ortodontia. REV odont USP, v.2, n.4, p. 223-228, 1988.

Reis MJ, Pinheiro CN, Malafaia M. Tratamento da mordida aberta anterior: relato de caso clínico. Dental Presst; 6(4):88-96, ago-set 2007.

Schroeder MA. Má oclusão classe I de Angle, com acentuada biprotrusão, tratada com extrações de dentes permanentes. Dental Press.; 14(4):137-48, jul-ago. 2009.

SILVA, Ivan Tadeu Pinheiro da. Má oclusão Classe I de Angle tratada com extrações de primeiros molares permanentes. Dental Press J Orthod, p. 133-143, 2010

Upadhyay, M., Yadav, S., Nagaraj, K., et al. Efeitos do tratamento de mini-implantes para retração em massa de dentes anteriores em pacientes com protrusão dentária bialveolar: um ensaio clínico randomizado. Am J Orthod Dentofacial, v.134, n.1, p.18-29 e1, Julho 2008.

VALARELLI, Fabrício Pinelli et al. Effectiveness of mini-implants on the maxillary molars intrusion. Innovations Implant Journal, v. 5, n. 1, p. 66-71, 2010.


1Especialista em Ortodontia
2Especialista em Ortodontia
3Doutora em Ortodontia
4Doutor em Ortodontia
5Especialista em Ortodontia