O ENFRENTAMENTO DO LUTO PATOLÓGICO EM MÃES DE FILHOS SUICIDAS: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8082814


Ana Karoline Santos do Nascimento1
Larissa Soares de Souza2
Francléia de Nazaré Corrêa da Silva3
Chimene Kuhn Nobre4


RESUMO

A presente pesquisa tem por objetivo analisar a dificuldade ao enfrentamento e aceitação, como a percepção do sofrimento pelo luto do filho suicida. Propõe-se, através deste estudo, ressaltar a importância das fases do luto antecedente ao patológico e como esse processo tem influenciado na perspectiva de vida,  proporcionando ao indivíduo uma reflexão sobre si e permitindo que a sobrevivência seja enfrentada de uma nova forma.

Palavras-Chave: Luto. Luto patológico. Mães. Filhos. Suicídio.

1 INTRODUÇÃO

O luto, segundo o dicionário Aurélio (2010), vem do latim luctus, cujo significado é sentimento de dor pela morte de alguém. Dessa maneira é um processo natural da vida e todos passarão por ele algum dia. Todavia, o modo como cada um vai preponderar essa perda, é único e singular. Do parâmetro psicológico, essa “fuga” pela dor da morte pode estar ligada à realidade das pessoas em não aceitarem o sofrimento como algo comum, excluindo de sua vida a vivência com a dor, sendo visto como aquilo que te torna frágil, fraco, impotente. 

De acordo com Parkes (1998, p. 17), a morte e o luto de um ente querido são um momento limitado de reflexão sobre si mesmo, permitindo que a sobrevivência seja enfrentada de uma nova forma

“[…] a experiência de enlutamento pode fortalecer e trazer maturidade àqueles que até então estavam protegidos de desgraças. A dor do luto é tanta parte da vida quanto a alegria de viver; é, talvez, o preço que pagamos pelo amor, o preço do compromisso. Ignorar este fato ou fingir que não é bem assim é cegar-se emocionalmente, de maneira a ficar despreparado para as perdas que irão inevitavelmente ocorrer em nossa vida, e também para ajudar os outros a enfrentar suas próprias perdas. […]”.

A perda de um ente querido pode causar dor a outros membros da família, resultando em um processo que, na maioria das vezes, corresponde ao luto patológico, ou mais conhecido como luto prolongado. O objeto do estudo deste artigo é discutir sobre o processo desse luto, as estratégias de enfrentamento, entre outras coisas, mais especificamente, o enlutamento patológico das mães desses filhos. Portanto, é necessário entender o processo pelo qual eles passam após a perda.

Esse estudo teve como objetivo identificar possíveis novos significados sobre a perda de um filho, além de explorar o impacto da morte inesperada de um filho suicida além de apresentar a diferente sintomatologia ligada ao luto patológico, identificando os meios de suporte às mães enlutadas.

Alguns autores apontam que o luto pelo rompimento irreversível de um vínculo é significativo (BRICE, 1991; FREITAS, 2013; KOVÁCS, 1992; PARKES, 1998). Após estudos sobre o conjunto de sintomas que se manifestam durante esse processo, o luto pela perda de um ente querido pode ser vivenciado pelo sentimento de morte da relação, que não se rompeu e não poderá mais ser reparado. Desta forma é possível compreender o que os autores desejam expressar ao afirmar que “o luto é o rompimento irreversível de um vínculo” (BRICE, 1991; FREITAS, 2013; KOVÁCS, 1992; PARKES, 1998, p. 274).

Os autores citados acima contribuem para uma visão mais ampla e uma oportunidade para se falar sobre a importância que o processo de enfrentamento do luto possui, principalmente quando diz respeito à perda de um filho.  Há uma perda de sentido do “mundo-da-vida”, com exigência de nova significação. A vivência do luto impõe, por conseguinte, novas formas de ser-no-mundo, uma vez que aquelas anteriormente dadas não podem ser vividas novamente, e assim não haveria uma exigência de ressignificação do luto, mas da relação com aquele que morreu (BRICE, 1991, FREITAS, 2013). 

De um ponto de vista fenomenológico-existencial não há resolução ou substituição para tamanha dor. No entanto, existem possibilidades de coexistir dentro deste campo. Estudos realizados por meio de pesquisa/entrevista qualitativa, utilizando o método de Giorgi, com mães passando pelo processo da perda de um filho nos mostra a importância de se falar sobre esse tema.

A análise das entrevistas seguiu o método fenomenológico de investigação em psicologia fenomenológica de Giorgi, dividido em quatro passos: 1. Estabelecimento do sentido geral; 2. Divisão em unidades de significado; 3. A transformação das unidades de significado em expressões de caráter psicológico; 4. A determinação da estrutura geral de significados psicológicos. Esta última parte consiste na convergência das vivências das diferentes entrevistadas (GIORGI & SOUSA, 2010, apud FREITAS e MICHEL, 2014, p. 275). 

Essa perda está ligada intrinsecamente ao sentimento de perda do seu mundo e da vida. Em seus depoimentos demonstraram que a morte traz consigo uma necessidade de ressignificação dos valores e do sentido de viver. Sua relação com a vida sofre um abalo e lhe é exigido um novo sentido diante da ausência do outro e de sua nova configuração do que é a vida.

Conforme o autor Ariès (1990, apud IBERO, 2022, p. 918) expressa em seu livro História Social da Criança e da Família, antigamente a morte era um episódio bem aceito, tratado com naturalidade e com significado espiritual. Muitos, ao pressentir sua própria morte, usavam de rituais preparatórios e despedidas que amenizam as dificuldades ao lidar com o fato. Na atualidade contemporânea a morte é tratada de uma forma evitativa. Esse fenômeno pode ser explicado através das mudanças socioeconômicas e histórico-cultural com o passar dos anos.

Existem várias facetas no processo de luto associado à perda por suicídio relevantes que devem ser levado em consideração, como a necessidade pela procura de um culpado ou autoacusação, ideias fantasiosas de como tudo poderia ter sido diferente, o compilado de raiva de si e do falecido, pensamentos e ideação suicida (BORGES e WERLANG, 2006, apud OLIVEIRA, ALTENBERND e SEIBEL, 2022, p. 923). Conforme Fukumitsu e Kovács (2016), a experiência de vivenciar o luto relacionado ao suicídio, não tem sua causa de trauma ligada ao evento específico da morte, mas sim pelo contexto da situação envolvendo o fato ocorrido e o embaralhado de emoções que o seguem.

É comum a busca pelo enlutados em casos semelhantes ao seu, na tentativa de auxiliar outras pessoas que compartilham da mesma dor, sendo utilizada como uma rota de fuga e até mesmo de não se sentir sozinho (FUKUMITSU e KOVÁCS, 2016). Com isso, acredita-se que realizar intervenções, tal como psicoterapia, respeito ao momento doloroso vivenciado, reconhecer seus limites e tempo de cura, acolhimento, trabalhar o luto com os denominados sobreviventes – pessoas que perderam alguém que tirou a própria vida – é também uma das formas de prevenir suicídios, pois alguém que teve um relacionamento com alguém que comete suicídio é um dos indicadores de suicídio futuro (TAVARES et al, 2013). 

A questão que norteou o estudo foi: como um Psicólogo pode contribuir no processo de superação da dor de uma mãe de um filho suicida?

Para o desenvolvimento do presente estudo tivemos como hipótese inicial as seguintes questões: o processo de luto pode acarretar prejuízos para a saúde física e mental do enlutado, em casos de suicídio possui um agravante na sua superação pelo fato desta morte ser inesperada e violenta. Além disso, os pais sem estratégias eficazes de enfrentamento do luto tendem a ter dificuldades na superação das diversas etapas do processo de luto. Os profissionais de psicologia temem que as mães de filhos suicidas sejam cada vez mais dependentes do processo de luto e se tornem patológicas.

Ao analisar artigos de estudos sobre o luto, foi identificado pouco desenvolvimento no Brasil. O que levou a questionamentos relacionados à pouca demanda de pesquisas relacionadas ao tema. 

O luto pode ser uma reação normal, até mesmo esperada, diante do rompimento de uma relação significativa — que pode ser por morte, divórcio, aposentadoria, mudanças forçadas — e que têm impacto sobre o indivíduo e a família. Esse impacto necessita ser adequadamente avaliado, para que sejam identificadas as medidas de intervenção que serão propostas. Estas podem tomar diferentes feições, desde o fortalecimento da rede de apoio social até processos psicoterapêuticos em longo prazo, prevenindo o sofrimento prolongado, também conhecido como patológico. 

O objetivo deste trabalho foi analisar o processo do luto em mães que perderam um filho por suicídio, e como que elas enfrentaram essa perda, bem como o sentido que atribuíram a essa experiência.

2 MATERIAL E MÉTODO

Para atingir os objetivos deste estudo, foi realizada pesquisa bibliográfica básica. A vantagem de adotar este tipo de estudo é a possibilidade de uma maior cobertura espacial do fenômeno a ser investigado (GIL, 2008). Inicialmente, foi realizada extensa pesquisa para formar um referencial teórico definindo as palavras-chave deste estudo como “luto patológico” e “mães de filhos suicidas”. 

Após o desenho da pesquisa, foi realizada uma pesquisa aprofundada sobre o tema. Os estudos realizados com essas mães, incluíram artigos científicos publicados na base de dados Google Acadêmico e SciELO. 

Para a realização da presente pesquisa bibliográfica, inicialmente utilizou-se as bases de pesquisa como Google Acadêmico. Consultadas a partir das palavras chaves “luto patológico e mães de filhos suicidas” considerando apenas estudos relacionados ao tema.

No segundo momento, foi estabelecido o período dos últimos 4 anos (2018 –2022), sendo utilizado 4 critérios para inclusão: artigos publicados nesse período; artigos de relato de experiência; artigos em língua portuguesa; apresentar o luto parental dos pais mediante o suicídio de um filho. Já os critérios utilizados para a exclusão foram: artigos publicados fora do período e que não tinham como público-alvo mães de filhos suicidas.

Após esses procedimentos, foram incluídos artigos a partir da leitura do título e do resumo. Posteriormente foram lidos, na íntegra, aqueles que se enquadraram nos critérios descritos acima. Dessa forma, durante a leitura, artigos que não correspondiam com a demanda procurada foram excluídos.

Na base de dados do Google Acadêmico, foi encontrado o total de 88 estudos. Desses 64 foram excluídos a partir dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 24 artigos que foram lidos. Dos 24 estudos encontrados, foram selecionados para a amostra final, o total de 6 artigos. 

No presente estudo, definem-se mães que estão em processo de luto patológico de filhos suicidas na faixa etária de 15 a 29 anos. O objetivo deste estudo foi identificar e analisar as expressões de luto entre mães que perderam um filho por suicídio, enfocando os recursos que utilizam para enfrentar a perda e o significado que atribuem à experiência.

Portanto, embora não se trate de populações clínicas, este trabalho caracteriza-se como pesquisa clínica na medida em que inclui um processo de compreensão do significado que um indivíduo atribui a suas crenças e valores, visando estabelecê-lo como fonte de verdade psicológica em uma estrutura inteligível meio.

3 RESULTADOS

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 2000 e 2019, as taxas de suicídio aumentaram 17% entre os jovens de 15 a 29 anos. Este fenômeno aparece como a quarta causa de morte mais recorrente, atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal (Fran Martins, 2022).

A compreensão da sociedade frente ao suicídio pode nos fornecer pistas de como a percepção interfere nesse comportamento, às vezes sendo avaliado como um costume social e cultural, às vezes exilado como pecado ou crime ou consequências dos transtornos mentais. “As atitudes da sociedade, como são captadas em sua literatura, leis e sanções religiosas, fornecem uma janela para as nossas reações coletivas ao auto assassinato” (JAMISON, 2002, apud BARBOSA e SIMÕES, 2022, p. 5).

Acredita-se que os indivíduos que tiveram a experiência de alguém próximo ter se suicidado passam por uma sobrecarga intensa de emoções, com uma diversidade de sentimentos que acentuam o sofrimento psíquico e marcam a vida do enlutado. No caso das mães sobreviventes, verifica-se que a culpa está intimamente ligada à ilusão de que se poderia ter feito algo para que o desfecho fosse diferente. Esse sentimento, normalmente, se evoca a partir de questionamentos quanto à insuficiência em não ter visto sinais no suicida e sobre o que a pessoa poderia ter feito de errado ou diferente, já que de alguma forma ela se sente responsável pela morte. Outro momento onde se instala o sentimento de culpa é quando o enlutado demonstra uma sensação de alívio pela morte ter cessado períodos de sofrimento tanto para o suicida quanto para ele próprio (MIRANDA, 2014; FUKUMITSU, 2019, apud REIS, 2020, p. 16).

A família tem o potencial de gerar um impacto positivo quando apresenta apoio e apego sentimental entre seus membros, mas as relações familiares desajustadas têm um impacto negativo e se tornam um fator de risco para o comportamento suicida. Estima-se que não se consegue dimensionar ao certo as repercussões deste tipo de morte. No entanto, deve-se partir do princípio de que todos estão de alguma forma abalados e podem ter algum tipo de adoecimento como resposta ao luto por suicídio (FUKUMITSU, 2019 apud SILVA e MARCOLAN, 2021, p. 8).

4 DISCUSSÃO

4.1 LUTO NORMAL E LUTO PATOLÓGICO 

O conceito de morte, de acordo com Bantim, inclui múltiplos atributos e associações como: dor, ruptura, descontinuidade, ignorância e tristeza. Esses sentimentos podem afetar a família fazendo-os usar mecanismos de defesa temporários para resistir à dor psicológica diante da perda. Momento esse que pode ocorrer com intensa negação da realidade externa por meio da fantasia ou do comportamento. Sentem raiva nesta fase, a dor mental de lidar com a morte torna-se agressão e resistência, pois toda a dinâmica familiar é interrompida pela morte (LUÍS; LEITHOLDT, (2022, p.3).

O que causa um derivado de discussão sobre o tema é o fato de que o conjunto de sintomas apresentados nesse processo se dá início após a perda de alguém e acaba por desenvolver uma sucessão de quadros clínicos que se somatizam e afetam um todo. No entanto, ao falar sobre esse processo, é feita a ligação com a perda de alguém e não de algo. Conforme Parkes (1998) “uma morte ocorre sempre em uma referência particular de tempo e lugar. Pode ser que tenha sido prevista. Uma doença pode se arrastar por muito tempo e às vezes a pessoa está funcionalmente morta meses antes de sua morte física”.

Parkes apresenta em seu livro “Luto: estudo sobre a perda na vida adulta”, a relação do processo de enlutamento e a associação a doenças mentais, quando essa dor para de ser um processo explicado pela dor da perda, para um estado doentio e preocupante.

Há provas, também, de que o luto possa causar doenças mentais? Neste campo, é possível falar com mais confiança, pois o luto tem sido objeto de estudos detalhados nos últimos anos. 41, no entanto, logo estaremos entrando no âmbito da especulação quando tentarmos explicar por que uma pessoa se recupera mais cedo do que a outra dos efeitos psicológicos do luto. (PARKES, 1998, p. 37).

Enlutar-se não se trata de um acontecimento incomum. Em seu livro Parkes (1998), apresenta os estudos de Stein e Susser (1969) realizados após o levantamento de mortalidade de cônjuges e a situação do viúvo após a perda procurou estudar se a associação entre luto e doença mental, estava literalmente ligada ao acaso. O que nos leva a olhar para a dor da perda deixando de ser algo comum para algo incomum.

O traço mais característico do luto não é a depressão profunda, mas episódios agudos de dor, com muita ansiedade e dor psíquica. Nessas ocasiões o enlutado sente muita saudade da pessoa que morreu, e chora ou chama por ela (PARKES, 1998, p. 58).

Sabe-se que há uma pequena parcela de pessoas enlutadas que sofrem um tipo de colapso após a perda, sendo na maioria dos casos, encaminhadas para atendimento psiquiátrico e psicológico. Quais os problemas que levam as pessoas a procurar ajuda? Que condições específicas levam as formas do luto patológico?

Conforme Parkes (1998) explica o luto prolongado através de um estudo realizado por Anderson (1949) e a Pesquisa de Bethlem em Harvard em pessoas enlutadas que me contassem, com suas próprias palavras, o que quisessem sobre seu luto e como reagiram a ele – A partir dessas duas pesquisas, que revelaram, respectivamente, formas típicas e atípicas de reação ao luto – O enlutamento segue certo padrão de reações e sentimentos, porém existem pessoas que apresentam essas variações patológicas. 

Osterweis et al. (1984) também apresentado por Parkes (1998), indicaram uma característica que distinguia estes de outros pacientes enlutados: 

[…] “Não somente não há qualquer movimento, mas há a sensação de que a pessoa não permitirá qualquer movimento. O que torna a reação patológica é a intensidade com que são sentidas a raiva, as auto acusações e a depressão”. (PARKES, 1998, p. 135).

O processo do luto é singular de cada indivíduo. No entanto, existem fatores que agravam o tornando crônico e prejudicial ao enlutado. Parker vai trazer em seu livro a visão de Gorer (1965) após pesquisas realizadas em sua pesquisa com uma amostra randômica de pessoas de todas as partes da Inglaterra que haviam estado no funeral de um familiar próximo, coloca o luto patológico como uma escolha do sofrido em se colocar na posição de sofrimento “eterno”. 

Gorer faz distinção entre as pessoas que sofrem tais reações depressivas crônicas, e as que dizem “Você nunca supera”, ao mesmo tempo em que levam uma vida razoavelmente satisfatória. Estas últimas, para ele, são pessoas que consideram o enlutamento ilimitado como um dever para com o morto (PARKES,1998, p. 135).

Outro fator preocupante e somatório que prolonga essa fase é adiar as reações do luto. As formas de luto atípico apresentadas por pacientes enlutados, na Pesquisa de Bethlem, foram com frequência associadas a ataques de pânico, de queixa de insônia, de culpa persistente e intensa, de raiva irracional e afastamento social ou de um tipo específico de hipocondria, na qual o paciente desenvolve sintomas muito semelhantes àqueles da doença da pessoa que havia morrido (PARKES, 1998, p. 137).

4.2 LUTO MATERNO PATOLÓGICO

Percebe-se a quão assustadora pode ser a experiência do luto materno, marcada pela dor, sofrimento, culpa e raiva. Da mesma forma, a importância de haver alguém em quem confiar durante esse período tão doloroso e ainda se atenta ao fato de que muitas mães que eventualmente criam ou participam de grupos de apoio para pais enlutados como forma de terem suas dores compreendidas e serem capazes de ajudar os outros. Diante da experiência do luto materno, compreende-se que a ressignificação do luto só é possível quando, após o esvaziamento de sentidos ocorridos com a morte do filho, a mãe demonstra abertura a novos sentidos e formas de vivenciar o mundo (FREITAS; MICHEL, 2015). Compreende-se que a mãe deve rever alguns aspectos, tal como sua concepção sobre seu próprio ser, sua essência, sua identidade.

Luto patológico é um transtorno psiquiátrico multifatorial caracterizado por um luto mais intenso e prolongado do que o normal diante da perda. Os pilares do tratamento são os antidepressivos e a psicoterapia individual ou em grupo, utilizados isoladamente ou em combinação para potencializar os efeitos de ambos. Esta é uma condição extremamente limitada, e é quase impossível para alguém que vivenciou um luto mórbido continuar realizando tarefas diárias, tornando-se solitário ao evitar o contato com aqueles que o cercam.

4.3 FASES DO LUTO

O Luto corresponde a um conjunto de reações emocionais, físicas, comportamentais e sociais normais experimentadas pelo ser humano face à perda de um ente querido (DELALIBERA, COELHO, BARBOSA, 2011; M. K. SHEAR, 2015). Esta perda é experienciada pela maioria das pessoas e implica uma mudança permanente na vida do próprio (Joe et al., 2016). Apesar de transversal, o Luto é uma experiência muito pessoal e que pode ser diferente de pessoa para pessoa, sendo bastante variável em termos de evolução temporal, intensidade e resposta emocional que o indivíduo tem (BARBOSA, 2016 apud MARQUES, 2018, p. 6).

Parkes (1998) menciona em seu livro, 

“O luto perpassa por algumas fases, que necessariamente não obedecem a uma ordem cronológica – a primeira fase, dá lugar à saudade ou procura pelo outro, podendo se estender por algumas horas ou até mesmo por semanas, caracterizado, principalmente, por sentimentos como desespero ou raiva, que abre lugar para a desorganização e leva à recuperação. Cada uma dessas fases tem suas características, e há diferenças consideráveis de uma pessoa para outra, tanto no que se refere à duração quanto à forma de cada fase”. […] a dor do luto é tanta parte da vida quanto a alegria de viver; é talvez, o preço que pagamos pelo amor, o preço do compromisso. Ignorar este fato ou fingir que não é bem assim é cegar-se emocionalmente, de maneira a ficar despreparado para as perdas que irão inevitavelmente ocorrer em nossa vida, e também para ajudar os outros a enfrentar suas próprias perdas. (MARQUES, 2018, p.17).

Enquanto Parkes (1996/1998) expõe quatro fases para o processo de luto, Kübler-Ross (1969/1996) propõe a existência de cinco estágios ou atitudes diante da morte e do morrer: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Cabe destacar que os estágios citados podem não ocorrer nesta ordem, a primeira que é a fase da negação ou isolamento, se dá a partir do contato com o diagnóstico terminal, onde o indivíduo se vê em uma situação de negação, se isolando de todo o seu meio social. A presença desse comportamento e sentimento é considerada uma reação comum e saudável, tendo em vista que nenhuma pessoa é preparada emocionalmente para a perda de um ente, quanto mais demonstrar fraqueza para outros. 

A segunda, denominada de raiva, vem do sentimento de injustiça e indignação com relação à pessoa morta, não vendo a situação como justa a aquela pessoa. É nesta fase que começam os questionamentos – o porquê de aquilo estar acontecendo com ele, do por que não ter feito algo diferente, entre outras questões (MARQUES, 2018, p.19). Na terceira fase, conhecida como barganha, é quando entra a religião, as promessas voltadas a Deus ou a sua crença – normalmente voltada para Deus, a pessoa promete mudanças em troca do que foi perdido. No quarto estágio, o da depressão, é a partir desse momento que o enlutado se depara com o sentimento da perda, começam os pensamentos de tristeza e choros constantes, apatia, falta de apetite. Quanto ao último estágio, a aceitação, ele aparenta ser uma fuga de sentimentos, como se toda raiva, tristeza, negociações cessasse e o paciente então acomoda a ideia que tanto negou (MARQUES, 2018, p.19).

Cada uma dessas fases tem suas características, e há diferenças consideráveis de uma pessoa para outra, tanto no que se refere à duração quanto à forma de cada fase. Além disso, as pessoas podem passar de uma para a outra e voltar de maneira que, anos após o início do luto, a descoberta de uma fotografia na gaveta ou a visita de um velho amigo pode provocar outro episódio de dor e saudade (PARKES, 1998, p. 24).

Por fim cabe citar, as quatro tarefas básicas propostas por Worden (2013): aceitar a realidade da perda, processar a dor do luto, ajustar-se a um mundo sem a pessoa morta e encontrar conexão duradoura com a pessoa morta e em meio ao início de uma nova vida. Em relação à primeira tarefa, aceitar a realidade da perda, a enlutada precisa encarar a realidade de que a pessoa que morreu não voltará mais, isso demanda tempo, visto que exige além de aceitação intelectual, aceitação emocional. Na segunda tarefa, processar a dor do luto, o enlutado deverá reconhecer e passar pelo sofrimento para poder chegar à resolução, sendo que evitar ou suprimir tais sentimentos acaba prolongando o luto (MARQUES, 2018, p.19).

Quanto à terceira tarefa, ajustar-se a um mundo sem a pessoa morta, o autor expõe que três áreas da vida do enlutado devem passar por alguns ajustes, sendo eles: ajustes externos – necessidade de rever o que foi de fato perdido, ajustes internos  – a morte desafia também o enlutado a ajustar sua própria percepção de self; ajustes espirituais – intimamente ligadas a percepção de mundo da pessoa enlutada, a morte pode fazer com que ela sinta que perdeu seu direcionamento na vida (WORDEN, 2013 apud  MARQUES, 2018, p.19).

Como última tarefa está a encontrar conexão duradoura com a pessoa morta e em meio ao início de uma nova vida, o autor sugere que o enlutado encontre um lugar para pessoa morta, o qual ficará ainda conectado com ela de alguma forma, mas isso não a impedirá de seguir sua vida (WORDEN, 2013 apud MARQUES, 2018, p.19).

Por fim, algo importante de ser ressaltado é que nem todos os estudiosos são adeptos do uso de termos como elaboração, resolução, aceitação ou conclusão do luto, para denominar que o enlutado passou pelo processo de luto e consegue seguir sua vida apesar da perda (MARQUES, 2018, p. 21). 

Parkes cita em seu livro “No fluxo constante da vida” que os seres humanos passam por muitas mudanças. Chegar, partir, crescer, decrescer, conquistar, fracassar – toda mudança envolve uma perda e um ganho. É necessário abrir do velho ambiente para aceitar o novo. As pessoas vêm e vão; perde-se um emprego e consegue-se outro; propriedades e bens são adquiridos e vendidos; novas habilidades são aprendidas, enquanto outras são abandonadas; expectativas são atingidas e esperanças são frustradas. Em todas essas situações, as pessoas enfrentam a necessidade de abrir mão de um modo de vida e a de aceitar outro (1998, p. 28).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final de uma pesquisa, é imprescindível que se retome os principais temas desenvolvidos ao longo do texto, revisitando-os, para se ter clareza de que foram concluídos os propósitos traçados. Este estudo teve como objetivo discutir as possíveis contribuições da psicologia na elaboração do luto patológico. Contudo, se fez necessário, abordar primeiramente o conceito de luto, posteriormente abordar a temática luto em mães de filhos suicidas, seguido de luto patológico e as possíveis intervenções do psicólogo com a morte do filho. 

Sendo assim, para atingir o escopo proposto, uma vez que, o trabalho se configura como um estudo exploratório, fora iniciado o roteiro elaborando, brevemente, os conceitos relacionados a luto. A partir disso, integraram-se os resultados através de artigos bibliográficos.

Nem sempre o luto se dá na sequência negação, raiva, negociação, depressão e aceitação, algumas pessoas, especialmente na mãe não conseguem ultrapassar uma dessas fases e a aceitação parece estar num horizonte distante. Com isso, o psicólogo busca inicialmente uma avaliação da condição do enlutado para que a partir daí possa ser criado um planejamento terapêutico específico, oferecendo suporte para que a mãe e familiares possam dar-se conta das exigências do cotidiano tanto quanto possível. E então passar a cuidar do essencial, o caminho da aceitação e dar sentido (existencial) a experiência da perda bem como da capacidade de seguir adiante. 

Sendo assim, o trabalho se mantém aberto para novos estudos buscando aprofundamento através de obras, temas ou até mesmo relatos de experiência com foco no assunto apresentado, podendo levar em consideração outros pontos não aprofundados nesse momento.

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PARKES; Colin Murray. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Ed. Summus. 1998 273 p. (livro). Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/26372988_Luto_estudos_sobre_a_perda_na_vida_adulta> acessado em: 18 set. 2022.

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1Acadêmica de Psicologia. E-mail: larakatesoares2@gmail.com. Artigo apresentado à União das Escolas Superiores de Rondônia – UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Psicologia, Porto Velho/RO, 2023.
2Acadêmica de Psicologia. E-mail: anakarolmacedo84@gmail.com. Artigo apresentado União das Escolas Superiores de Rondônia – UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Psicologia, Porto Velho/RO, 2023.
3Professora Orientadora. Professora do curso de Psicologia da União das Escolas Superiores de Rondônia – UNIRON. E-mail: francleia.silva@uniron.edu.br
4Professora Orientadora. Professora do curso de Psicologia da União das Escolas Superiores de Rondônia – UNIRON. E-mail: chimene.nobre@uniron.edu.br