PERFIL DOS CASOS DE SÍFILIS CONGÊNITA NOTIFICADOS NA BAHIA ENTRE 2012 E 2022

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8066727


Karine Silveira Oliveira
Monaliza Araújo dos Santos
Orientadora: Talita Maia Rego


RESUMO

Introdução: Embora tenha tratamento eficaz e de baixo custo, a sífilis vem se mantendo como uma doença de grande impacto epidemiológico, sendo considerada um problema de saúde pública. Trata-se de uma doença infecciosa, crônica, cuja transmissão se dá por via placentária (transmissão vertical) ou por via sexual. No Brasil observa-se uma significativa frequência epidemiológica de casos de sífilis congênita, mesmo com tratamento disponibilizado de forma gratuita na rede de saúde. Objetivo: Analisar o perfil epidemiológico dos casos de sífilis congênita notificados na Bahia entre 2012 e 2022 com base nos dados existentes no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Métodos: Estudo ecológico, descritivo e de abordagem quali quantitativa dos dados a serem extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) derivados das notificações compulsórias dos casos de sífilis congênita no Estado da Bahia entre 01 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2021. Resultados: No período analisado foram confirmados no Estado da Bahia um total de 10.345 casos de sífilis congênita, correspondendo à uma taxa de incidência de 4,59 casos a cada 1000 nascidos vivos. Foram constatados 158 óbitos neonatais por sífilis e 64 óbitos neonatais por outras causas. Considerações Finais: Houve predomínio de raça/cor parda entre os casos de sífilis congênita notificada, filhos de mães cujo diagnóstico se deu majoritariamente no pré-natal, sendo mais prevalente casos de sífilis materna recente. Foi constatado elevado sub registro de informações e tratamento deficiente do parceiro nos casos de sífilis materna diagnosticados no pré-natal.

Palavras-chave: Sífilis Congênita. Investigação Epidemiológica. Infecções por Treponema.

ABSTRACT

Introduction: Despite having an effective and low-cost treatment, syphilis has remained a disease of great epidemiological impact, being considered a public health problem. It is an infectious, chronic disease, which is transmitted through the placenta (vertical transmission) or through sex. In Brazil, there is a significant epidemiological frequency of cases of congenital syphilis, even with treatment available free of charge in the health network. Objective: To analyze the epidemiological profile of cases of congenital syphilis reported in Bahia between 2012 and 2022 based on existing data in the Department of Informatics of the Unified Health System (DATASUS). Methods: An ecological, descriptive and qualitative study of the data to be extracted from the Notifiable Diseases Information System (Sinan) derived from the compulsory notifications of cases of congenital syphilis in the State of Bahia between January 1st, 2011 and January 31st. December 2021. Results: During the analyzed period, a total of 10,345 cases of congenital syphilis were confirmed in the State of Bahia, corresponding to an incidence rate of 4.59 cases per 1000 live births. Final Considerations: There was a predominance of brown race/color among the cases of notified congenital syphilis, children of mothers whose diagnosis was mostly made during prenatal care, with cases of recent maternal syphilis being more prevalent. A high under registration of information and poor treatment of the partner was found in cases of maternal syphilis diagnosed during prenatal care.

Keywords: Congenital Syphilis. Epidemiological Research. Treponema infections.

INTRODUÇÃO

A sífilis caracteriza-se como uma doença infecciosa sistêmica, cuja evolução se dá de forma crônica, apresentando-se clinicamente com sinais e sintomas inespecíficos, que por não causarem muitos transtornos ao indivíduo infectado acabam reduzindo a procura por atendimento médico e reduzindo as chances de diagnóstico e tratamento precoce (BRASIL, 2022).

A doença é causada pela bactéria Treponema pallidum, gram-negativa, que ao adentrar o organismo humano durante o ato sexual atinge o sistema linfático e se dissemina hematologicamente por diversas partes do corpo. Como apresenta elevada mobilidade e grande capacidade de adesão celular, o patógeno apresenta grande virulência, com rápida capacidade de invasão e penetração em membranas celulares (DE MORAIS et al., 2022; ORGANIZATION, 2022).

A doença tem como sua principal via de transmissão a sexual, quando há contato com lesões sifilíticas por parceiro infectado. Quando apresenta menos de 1 ano de duração classifica-se a doença adquirida como sífilis recente, ou apresentando maior tempo desde a infecção é classificada como sífilis tardia. Na sífilis adquirida primária ocorre o surgimento de um cancro de 10 -90 dias após o contágio na região genital, involuindo espontaneamente até o surgimento de lesões secundárias que podem apresentar-se como erupção cutânea localizada ou generalizada, condilomas, apresentando ainda quadros febris, mal-estar, placas mucosas na boca e reação sorológica positiva (BRASIL, 2015).

A depender da condição imune do paciente a sífilis pode não apresentar manifestações clínicas (sífilis latente), tendo teste sorológico positivo. Destaca-se que o estágio latente não descarta a possibilidade de transmissão bacteriana, sobretudo por via vertical. Quando a doença atinge pele, sistema cardiovascular, órgãos internos e sistema nervoso descreve-se a sífilis terciária, em que o paciente apresenta lesões nodulares, granulomatosas, e cuja sintomatologia irá depender do grau de acometimento sistêmico (BRASIL, 2006, 2018).

A sífilis congênita é uma doença resultante da disseminação hematogênica do T. pallidum de uma gestante infectada e não tratada adequadamente através de via transplacentária ou contato direto com lesões no canal de parto – transmissão vertical (DOMINGUES et al., 2021). A infecção embrionária e/ou fetal pode ocorrer em qualquer estágio da doença materna ou fase gestacional (MACKENZIE; MCEVOY; PORTER, 2022; ORGANIZATION, 2022). 

Admite-se como principais fatores que influenciam a transmissão vertical do estágio da doença materna e tempo de exposição do feto no útero. Nas fases primária e secundária da doença materna, a taxa de infecção vertical chega a 70-100%, enquanto nas fases tardias da infecção materna, seja está latente tardia ou terciária, ocorre um índice de transmissão inferior de aproximadamente 30%. Há ainda a possibilidade de transmissão direta da criança pelo canal de parto caso haja lesões genitais maternas, ou ainda durante o aleitamento, também se houver lesão mamária por sífilis (BRASIL, 2006).

Dados da Organização Mundial da Saúde, ANO (OMS) indicam que 1,3 a 2 milhões de gestantes em todo o mundo são infectadas por sífilis durante a gravidez, mesmo na existência de políticas de saúde pública e intervenções potencialmente eficazes para triagem, detecção e tratamento dos casos da doença (BECERRA-ARIAS et al., 2022). Sem tratamento adequado observa-se que 11% das gestações terão como resultado morte fetal a termo, 13% partos prematuros ou baixo peso ao nascer, e cerca de 20% dos recém-nascidos terão ao nascer sinais sugestivos de sífilis congênita (BRASIL, 2022; RAC; REVELL; EPPES, 2017).

Destaca-se que, ao contrário da tendência mundial na redução da prevalência de sífilis, na Região das Américas isoladamente observou-se aumento de 0,7% para 0,92% entre 2012-2016 considerando a população feminina é de 0,7% a 0,91% em homens no mesmo período (ORGANIZATION, 2022). Dados norte-americanos também apontam para o aumento da sífilis congênita (NELSON, 2022) chegando a um acréscimo de 291% entre 2012-2018 (EASTERLIN; RAMANATHAN; DE BERITTO, 2021). 

Houve ainda a notificação de surtos de sífilis infecciosa resultando em maior número de casos de sífilis congênita no Canadá entre 2017 e 2019 (ROUND et al., 2022). O contexto brasileiro não é diferente, com taxa de detecção de casos ativos de sífilis em elevação em todas as faixas etárias, com destaque para indivíduos entre 20-29 anos (MEDEIROS et al., 2022).

No Brasil, diversos esforços têm sido feitos para tentar reduzir a ocorrência de casos de sífilis em suas diversas formas. Desde a publicação da portaria nº 542 de 22 de dezembro de 1986 a sífilis no Brasil tornou-se uma doença de notificação compulsória, permitindo assim melhor vigilância epidemiológica dos casos existentes. O Ministério da Saúde também preconiza o rastreamento e tratamento adequado de gestantes infectadas ainda no pré natal bem como tratamento dos parceiros, havendo segundo os protocolos de saúde pública brasileiros a solicitação rotineira e obrigatória de pelo menos dois testes sorológicos não treponêmico, sendo o primeiro na primeira consulta pré natal e o segundo no terceiro trimestre de gestação, aproximadamente na 28ª semana (BRASIL, 2018).

Destaca-se que dentre os fatores de risco associados à maior prevalência de sífilis congênita a literatura cita condições extremamente frequentes em um país de dimensões continentais como o Brasil, dentre as quais podemos citar o baixo nível socioeconômico, início precoce da vida sexual ativa, baixa escolaridade, bem como ausência de assistência pré-natal adequada, seja por baixa adesão ao pré-natal ou dificuldades no acesso aos serviços de saúde (BRASIL, 2015; DÍAZ GONZÁLEZ et al., 2022).

Frente a tal contexto, o presente estudo teve como objetivo analisar o perfil epidemiológico dos casos de sífilis congênita notificados na Bahia entre 2011 e 2021 com base nos dados existentes no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, descritivo, retrospectivo e de abordagem qualitativa dos dados coletados. Foram utilizados dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) derivados das notificações compulsórias dos casos de sífilis congênita no Estado da Bahia entre 01 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2021. O estudo utilizou ainda o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC)  para extrair o número de nascidos vivos no Estado durante o mesmo período de estudo, sendo usado nos cálculos das taxas de incidência e de detecção.

As definições dos casos de sífilis congênita são preconizadas pelo Ministério da Saúde e apresentadas nas fichas de notificação/investigação do SINAN. Neste estudo foram incluídas todas as fichas de notificação de sífilis congênita do Estado da Bahia registradas no período. Os parâmetros avaliados foram escolhidos conforme o maior impacto epidemiológico e de abordagem na literatura.

Inicialmente as informações foram exportadas do Sinan Net e posteriormente tabuladas no programa TabWin ®, sendo também utilizados recursos do programa Microsoft Office Excel ® para os cálculos de livre distribuição e das taxas epidemiológicas.

A taxa de incidência de sífilis congênita foi calculada utilizando-se a fórmula(BECERRA-ARIAS et al., 2022):

Foram considerados os antecedentes epidemiológicos maternos (pré natal, momento do diagnóstico, tratamento realizado, dados laboratoriais e tratamento/desfecho dos casos).

Durante a pesquisa não foi feita a exportação de dados com nomes dos indivíduos notificados, portanto a identidade dos mesmos foi mantida em sigilo, não havendo necessidade da utilização do Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Por se tratar também de um estudo com dados secundários, que estão disponíveis em formato digital na plataforma DATASUS, o mesmo não necessitou de submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período considerado no estudo (2011-2021) foram confirmados no Estado da Bahia um total de 10.345 casos de sífilis congênita, sendo que entre os anos de 2015 a 2018 houve uma tendência de alta nos casos (Figura 1). 

Neste mesmo período, foram registrados no SINASC um total de 2.222.728 nascidos vivos e 30.180 óbitos fetais. Assim, a taxa de incidência de sífilis congênita no período estudado foi de 4,59 casos a cada 1.000 nascidos vivos. Quanto ao sexo observa-se no período do estudo que 4.389 casos de sífilis congênita foram diagnosticados em recém-nascidos do sexo masculino (42,42%) e 4.786 do sexo feminino (46,26%), sendo que houve um subregistro do sexo dos bebês em 1.170 casos (11,32%). Pode-se notar leve predomínio do sexo feminino entre os dados corretamente lançados nos sistemas de notificação.

Figura 1:Casos confirmados de sífilis congênita no Estado da Bahia entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

Em estudo ecológico realizado por Soares et al. (2020) analisando a distribuição espacial da sífilis em gestantes e da sífilis congênita no estado do Espírito Santo, Brasil, no período de 2011 a 2018 observou-se no período 6.563 casos de sífilis gestacional e 3.908 casos de sífilis congênita. Demonstrando que a doença também é um importante problema de saúde pública em outras unidades da federação (SOARES et al., 2020). Porém como visto neste estudo, na Bahia observou-se que a ocorrência de casos de sífilis congênita é de aproximadamente três vezes mais que o referido pela literatura no Espírito Santo.

Importante discutir sobre a classificação da incidência de casos de sífilis, em que se considera alta incidência regiões com 4,01 a 8,00 casos por 1 mil nascidos vivos, índice observado no presente estudo (4,59).o. A meta proposta pelo Ministério da Saúde é uma incidência de sífilis congênita menor ou igual a 1 caso a cada 1mil nascidos vivos (SILVA et al., 2019; SOARES et al., 2020).

Outra variável considerada foi a raça/cor dos casos notificados de sífilis congênita. Observou-se predomínio de indivíduos pardos (n=6510; 62,93%), seguido de indivíduos de cor/raça preta (n=656; 6,34%). Foram registrados 424 indivíduos de raça/cor branca (4,1%). Destaca-se que em 2.707 casos (26,17%) não foi registrado a raça/cor dos casos de sífilis (Figura 2).

Figura 2:Casos confirmados de sífilis congênita no Estado da Bahia entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021 quanto à raça/cor.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net

Foram analisadas as variáveis correlacionadas à escolaridade materna nos casos de sífilis congênita diagnosticada.  Em 3.883 casos o dado não foi registrado (37,54%). Um total de 2.233 (21,59%) mães possuíam o ensino fundamental (EF) incompleto entre a 5ª e a 8ª série. Já em relação ao ensino médio 11,65% (n=1.205) possuíam o nível escolar completo e 9,78% (n=1.012) tinham o ensino médio incompleto (Figura 3).

Figura 3: Escolaridade materna dos casos de sífilis congênita no Estado da Bahia entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

Três  estudos descritos pela literatura trazem a correlação entre nível de escolaridade materna e casos de sífilis congênita (SANTOS et al., 2022; SILVEIRA et al., 2021; SOUSA et al., 2022). Em estudo realizado nos Estados do Nordeste brasileiro entre 2014 e 2018 foram notificados 41.605 casos de sífilis em gestantes, com aumento expressivo de quase 287% do ano de 2014 (5.137 casos) para 2018 (14.507 casos). Observou-se, entre os casos, predomínio de mães na faixa etária de 20 a 29 anos, com ensino fundamental incompleto, de raça parda e diagnosticadas no 3º trimestre com sífilis primária(SOUSA et al., 2022). 

No outro estudo, realizado em uma maternidade de referência do município de Belo Horizonte – MG foram constatados que dos 232 casos notificados de sífilis congênita entre janeiro e junho de 2020 cerca de 69% das puérperas possuíam entre 20 a 34 anos, 14,65% ensino fundamental completo e 43,1% são de raça parda. Dados similares ao encontrado em nosso estudo (SANTOS et al., 2022). 

Em estudo transversal descritivo considerando dados de Minas Gerais entre 2013 e 2017 observou-se que a faixa etária mais acometida foi 20 a 39 anos. A maior parte (46,3%) se declara como parda. E a escolaridade 5ª a 8ª série incompleto do ensino fundamental foi a mais prevalente (16,05%). A classificação clínica mais comum da sífilis materna foi a primária/recente (34,7%) (SILVEIRA et al., 2021).

Em outro estudo realizado por Pereira et al. (2020) os autores pontuam que no município brasileiro de Juiz de Fora -MG entre 2010 e 2017 foi constatada uma correlação entre a faixa etária e o nível educacional na contração da sífilis em gestantes. Observou-se que 34,62% das gestantes afetadas pela doença estão na faixa etária entre 20 e 24 anos, e 86,88% delas possuem apenas ensino fundamental e médio. Esses dados evidenciam a importância de ações educativas e de saúde voltadas para essa população específica, visando a prevenção e o controle da sífilis durante a gestação (PEREIRA et al., 2020).

Outro ponto analisado foi quanto a realização do pré-natal pela mãe de crianças diagnosticadas com sífilis congênita. Do total de casos notificados de tal ano a tal ano de sífilis congênita foi constatado que a maior parte das mães realizaram pré-natal (n=7.639; 73,84%), em 14,29% (n=1.478) as mães não realizaram pré-natal. Tal dado não foi registrado em 1.228 casos (n=11,87). 

Em relação ao diagnóstico da sífilis materna, tem-se que em 47,39% dos casos (n=4.903) o diagnóstico foi feito durante o pré-natal, em 21,28% no momento do parto/curetagem (n=3.236) e em 61 casos (0,59%) não foi realizada testagem materna. Houve sub registro em 762 casos (7,37%) com omissão de tal variável (Figura 4). A persistência de casos de sífilis congênita mesmo entre mães que realizaram adequadamente o pré-natal nos leva a questionar os possíveis motivos para tal realidade. Dentre tais motivos destacam-se a ocorrência de tratamento inadequado do parceiro, ou ainda falhas na detecção da doença no acompanhamento pré-natal.

Figura 4: Diagnóstico de sífilis materna ou gestacional nos casos confirmados de sífilis congênita no Estado da Bahia entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

Considerando a importância do pré-natal para diagnóstico e tratamento adequado dos casos de sífilis materna, buscou-se analisar, dentre os casos em que a mãe realizou o pré-natal, o momento do diagnóstico materno. Observou-se que do total de 4.903 mulheres que realizaram o pré-natal em 4.738 (96,63%) tiveram o diagnóstico de sífilis realizado durante tal acompanhamento. Entretanto, apenas em 1.079 casos (22,77% dos casos identificados no pré natal) houve tratamento do parceiro adequadamente. 

Estudo realizado na Bahia entre 2007 e 2017 buscou analisar a associação entre as taxas de incidência da sífilis gestacional e da sífilis congênita e a cobertura de pré-natal. Nas análises multivariadas, a cobertura de pré-natal apresentou associação positiva estatisticamente significante com a taxa de incidência de sífilis gestacional, mas não foi observada associação com a taxa de incidência de sífilis congênita (SOARES; AQUINO, 2021).

Os achados do estudo indicam que, embora a ampliação da cobertura de atenção pré-natal nos municípios baianos tenha contribuído para a melhoria da detecção dos casos de sífilis gestacional, não houve impacto na redução da taxa de incidência de sífilis congênita (SOARES; AQUINO, 2021). Tal dado evidencia a necessidade de intervenções que promovam o bloqueio na transmissão vertical da sífilis, o que no presente estudo pode estar diretamente associado à melhor abordagem no tratamento do parceiro de gestantes diagnosticadas com a doença.

O índice de tratamento do parceiro em estudo realizado no município de São José do Rio Preto – SP entre 2007 e 2016 foi de 52% em gestantes diagnosticadas com sífilis durante o pré-natal. Contudo, quando analisados os casos de sífilis congênita observou-se que embora 82% das mães tenham realizado o pré-natal, 94% destas realizaram o tratamento de forma inadequada e 82% dos parceiros não foram tratados, demonstrando panorama similar ao encontrado por nosso estudo (MASCHIO-LIMA et al., 2019). 

Em estudo realizado no país Camboja, continente Asiático, entre 2019 e 2020 foram notificadas 470 gestantes com resultado positivo no teste rápido de sífilis, sendo que apenas 28% foram adequadamente tratadas com penicilina G benzatina. As barreiras ao teste e tratamento da sífilis incluíram cuidados pré natais tardios, longa distância para teste e tratamento, além da falta de suporte social e familiar nos cuidados gestacionais (DELVAUX et al., 2023). 

Quanto ao tipo de sífilis materna observou-se que em 215 casos foram descartados (2,08%), em 180 casos foram constatados natimorto/aborto por sífilis, em 23 casos foi diagnosticada sífilis materna tardia (0,22%) e na maioria absoluta (n=9927; 95,96%) os casos de sífilis materna foram considerados sífilis recente (Figura 5).

Figura 5: Caracterização da sífilis materna nos casos confirmados de sífilis congênita no Estado da Bahia entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

Em relação ao desfecho dos casos, o dado foi sub registrado em 1.559 casos (15,07%). Foram constatados 158 óbitos neonatais por sífilis (1,53%) e 64 óbitos neonatais por outras causas (0,62%). Em 82,78% dos casos (n=8.564) o recém-nascido foi registrado como vivo até alta hospitalar (Figura 6).

Figura 6: Desfecho dos casos confirmados de sífilis congênita no Estado da Bahia entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

A literatura aponta uma necessidade urgente de intensificação da triagem pré-natal e ações de educação em saúde que permitam a prevenção da sífilis congênita. (GARCÍA-CISNEROS et al., 2021; SUNNY et al., 2022) Considerando a significante frequência de casos de sífilis gestacional e congênita nas Américas e no território brasileiro, bem como as complicações associadas à doença,(EASTERLIN; RAMANATHAN; DE BERITTO, 2021; GARCÍA-CISNEROS et al., 2021; KIMBALL et al., 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sífilis é um importante problema de saúde pública, em que observa-se o aumento de casos no decorrer do tempo analisado. Em relação à raça/cor observou-se predomínio de cor parda entre os casos identificados com sífilis congênita, filhos de mulheres que realizaram o pré-natal, com predomínio de casos de sífilis materna recente.

Entre as mulheres que realizaram o pré-natal adequadamente observou-se que 96,63% dos diagnósticos de sífilis materna foram realizados durante o pré-natal , evidenciando a importância de tal acompanhamento. Contudo, houve baixo índice de tratamento do parceiro (22,77%) dos casos diagnosticados no pré-natal. Destaca-se a eficácia do tratamento existente e disponibilizado gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), o que deveria contribuir para a prevenção de sífilis congênita e suas complicações.

Em todas as variáveis consideradas observou-se grande subregistro de informações, incluindo 11,32% dos casos de sífilis congênita nos quais sequer foram registrados o sexo dos bebês e omissão da raça/cor em 26,17% dos casos. 

São necessárias medidas que visem uma melhor educação em saúde da população, em especial às doenças sexualmente transmissíveis, melhor cobertura de assistência pré-natal, interpretação adequada das sorologias realizadas no primeiro e terceiro trimestre, busca dos parceiros sexuais e seu tratamento efetivo, além de um melhor conhecimento médico a respeito dos critérios epidemiológicos para o diagnóstico da doença, de forma que através um esforço unificado consiga diminuir a incidência e assim futuramente erradicar a sífilis congênita.

REFERÊNCIAS

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