MUTAÇÕES GENÉTICAS DO GENE GJB2 RELACIONADAS A DEFICIÊNCIA AUDITIVA

GENETIC MUTATIONS OF THE GJB2 GENE RELATED TO HEARING IMPAIRMENT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8039819


Natália Ramos de Medeiros Melo1
Luciana da Silva Viana2


RESUMO 

A perda auditiva é um distúrbio sensorial comum que se caracteriza pela dificuldade em perceber e interpretar o som. A causa da deficiência auditiva pode estar relacionada a fatores genéticos, ambientais ou a uma combinação de ambos. O objetivo desta pesquisa é analisar as mutações genéticas do gene gjb2 relacionadas a deficiência auditiva. Para tanto, foram utilizadas as bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde, PubMed e Google Acadêmico com periódicos publicados em inglês entre 2017 a 2023.  Os resultados mostraram que a deficiência auditiva de origem genética pode ser classificada como sindrômica, presente em 30% dos casos, ou não sindrômica, presente em 70% dos casos. A mutação 35delG é observada em até 70% dos casos de deficiência auditiva autossômica recessiva não sindrômica e é causada por variantes no gene GJB2. Concluiu-se, assim, que a realização de um teste genético para a identificação de mutações no gene GJB2 deve ser realizada por um profissional habilitado e em um ambiente devidamente equipado. A interpretação dos resultados do teste deve ser feita com cautela, uma vez que nem todas as mutações encontradas no gene estão associadas à deficiência auditiva.

Palavras-Chave: Perda de audição. Polimorfismo. Mutações. Gene. GJB2.

ABSTRACT

Hearing loss is a common sensory disorder characterized by difficulty in perceiving and interpreting sound. The cause of hearing impairment may be related to genetic, environmental or a combination of both. The objective of this research is to analyze the genetic mutations of the gjb2 gene related to hearing impairment. For this purpose, the databases of the Virtual Health Library, PubMed and Google Scholar with journals published in English between 2017 and 2023 were used. The results showed that hearing impairment of genetic origin can be classified as syndromic, present in 30% of cases. cases, or non-syndromic, present in 70% of cases. The 35delG mutation is seen in up to 70% of cases of non-syndromic autosomal recessive hearing loss and is caused by variants in the GJB2 gene. It was concluded, therefore, that a genetic test to identify mutations in the GJB2 gene should be performed by a qualified professional and in a properly equipped environment. Interpretation of test results must be done with caution, since not all mutations found in the gene are associated with hearing impairment.

Keywords: Hearing Loss. Polymorphism. Mutations. Gene. GJB2.

1 INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva é uma condição multifatorial que pode ser causada por fatores genéticos e ambientais. Entre os fatores genéticos, as mutações no gene GJB2 têm sido frequentemente associadas à perda auditiva não sindrômica, a forma mais comum de deficiência auditiva sensorioneural congênita. (SCHOLZE et al., 2018; SUN et al., 2018).

O gene GJB2 codifica uma proteína chamada conexina 26, que é expressa nas células da orelha interna e é importante para a manutenção da função auditiva normal. As mutações no gene GJB2 podem afetar a produção ou a função da proteína conexina 26, levando à perda auditiva (LEZIROVITZ et al., 2018).

Estudos têm mostrado que a frequência e a distribuição de mutações no gene GJB2 variam em diferentes populações ao redor do mundo. Por exemplo, algumas mutações são mais comuns em populações asiáticas do que em populações europeias (KIYOHARA et al., 2018).

No Brasil, várias pesquisas foram realizadas para investigar a prevalência e a natureza das mutações do gene GJB2 em pacientes com deficiência auditiva. Um estudo recente mostrou que as mutações no gene GJB2 são responsáveis por cerca de metade dos casos de perda auditiva congênita não sindrômica em uma população brasileira (LEZIROVITZ et al., 2018).

Compreender as mutações do gene GJB2 e sua relação com a deficiência auditiva é importante não apenas para o diagnóstico e tratamento clínico, mas também para o aconselhamento genético de indivíduos e famílias afetados pela condição. Além disso, o estudo das mutações do gene GJB2 pode contribuir para o desenvolvimento de terapias mais eficazes para a deficiência auditiva. (CUNNINGHAM; TUCCI, 2017).

Nesta revisão, serão discutidos os principais estudos que investigaram as mutações do gene GJB2 em diferentes populações ao redor do mundo, com foco especial nas pesquisas realizadas no Brasil. Será discutida a importância clínica das mutações do gene GJB2 na deficiência auditiva e os avanços recentes na compreensão dos mecanismos moleculares subjacentes à perda auditiva causada por mutações no gene GJB2.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa é uma revisão sistemática da literatura, publicada nas bases de dados Biblioteca Virtual de Saúde, PubMed e Google Acadêmico. Critérios de inclusão: Foram selecionadas fontes recentemente publicadas nos periódicos indexados publicados entre 2017 e 2023, em inglês e com profunda discussão e aproveitamento teórico sobre a temática (exceto aqueles os quais são históricos e base, imprescindíveis para o entendimento dos conceitos iniciais e de abrangência da temática). Critérios de exclusão: serão excluídos da análise os artigos não publicados em bases de dados científicas, artigos publicados há mais de 6 anos, fontes fora do corpo teórico presente nesta investigação, fontes desatualizadas, textos não completos e artigos duplicados.

A coleta de dados foi feita utilizando as bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde, Scielo e Google Acadêmico, em seguida separaram-se os artigos mais relevantes com o tema. Para o levantamento dos artigos, serão utilizados os descritores e suas combinações na língua inglesa: “hearing loss”, “polymorphism”, “mutations”, “gene” e “GJB2”. Segundo Lakatos e Marconi (2018), alguns procedimentos são importantes para a elaboração de pesquisas do tipo revisão sistemática da literatura, como por exemplo, a definição da temática de estudo, objetivo de pesquisa, problemas de pesquisa, delimitação dos critérios de inclusão e exclusão, elencar os principais estudos da área a serem analisados e a análise dos dados teóricos de forma qualitativa ou quantitativa todas estas etapas foram criteriosamente seguidas e os trabalhos que abordam a temática abordada foi o critério de inclusão adotado

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

3.1 GJB2

O gene GJB2, responsável pela codificação da proteína de ligação de lacuna vital – conexina 26 (CX26), está localizado na região 13q12.11 do cromossomo. Diversas mutações associadas à perda auditiva foram identificadas neste gene. A CX26 é constituída por seis subunidades e forma um conexo, que facilita as conexões intercelulares entre células adjacentes através de um canal. Esse canal é fundamental para a troca de eletrólitos e metabólitos entre as células, sendo parte integrante de seus sistemas metabólicos (IMTIAZ et al., 2019).

Os canais da cóclea desempenham um papel crucial na regulação dos níveis de potássio das células ciliadas, que convertem os estímulos sonoros em sinais bioelétricos por meio do fluxo de íons de potássio (PARK et al., 2005). Entretanto, a codificação incorreta da CX26 pode levar à interrupção da reciclagem de potássio. A alta concentração de potássio resultante das endolisinas do ducto coclear pode intoxicar o órgão de Corti, ocasionando perda auditiva neurossensorial (PARK et al., 2005).

A mutação mais comum no gene GJB2, responsável por causar perda auditiva não sindrômica autossômica recessiva (DFNB) entre as populações europeias e euro descendentes, é a variante c.35delG (rs80338939), presente em uma frequência de 60-85% (GU et al., 2019). Essa variante pode ocorrer em homozigose ou heterozigose composta nos indivíduos afetados (WEI et al., 2019).

3.1.1 GJB2: o gene da conexina 26

 Os locais que abrigam os genes relacionados à surdez são identificados pelo acrônimo “DFN”. Em 1994, pesquisadores conseguiram mapear com sucesso o primeiro locus relacionado à surdez não sindrômica, denominando-o DFNB1 devido à sua associação com herança autossômica recessiva e seu status como o primeiro do tipo. O DFNB1 foi localizado no cromossomo 13, especificamente em 13q12.11. Embora o gene nesta região inicialmente fosse desconhecido, avanços tecnológicos subsequentes revelaram o gene GJB2, juntamente com uma série de variantes patogênicas responsáveis pela perda auditiva.

O gene GJB2 é um gene conciso que consiste em dois éxons. O primeiro éxon não codifica aminoácidos. O segundo éxon contém o códon de iniciação da tradução da proteína. Esse gene codifica a Conexina 26, uma proteína com massa molecular estimada em 26 kDa e composta por 226 aminoácidos.

Após a detecção do gene, vários estudos globais foram realizados pelos pesquisadores para rastrear variantes moleculares encontradas em indivíduos surdos de diferentes populações. Isso possibilitou o cálculo da frequência populacional das variantes patogênicas identificadas. Os resultados desses estudos revelaram que a surdez não sindrômica foi prevalente entre indivíduos com variantes patogênicas no gene GJB2 em diferentes populações.

As variações patogênicas do gene GJB2 apresentam comportamento predominantemente recessivo. Isso significa que indivíduos que sofrem de surdez pré-lingual carregam dois alelos alterados, que podem ser homozigotos ou heterozigotos compostos. No entanto, algumas dessas variantes genéticas podem levar a síndromes com sinais clínicos adicionais, como anormalidades cutâneas ou surdez não sindrômica com herança autossômica dominante. Este último é identificado como locus DFNA3, onde os afetados carregam apenas um alelo alterado.

O gene GJB2 é constituído por dois éxons e codifica a Conexina 26, uma proteína com massa molecular estimada de 26 kDa e 226 aminoácidos. Existem 446 variantes diferentes desse gene, de acordo com o banco de dados VarSome frequentemente atualizado. Essas variantes incluem regiões codificantes, regiões não codificantes e locais de splicing, sendo que 290 delas são consideradas patogênicas ou provavelmente patogênicas, o que significa que têm uma ligação direta com a surdez. Certos grupos populacionais apresentam variantes características, como c.167delT (p.Leu56Argfs26) em judeus Ashkenazi, c.235delC (p.Leu79Cysfs3) em asiáticos e c.427T>C (p.Arg143Trp) em africanos. No entanto, a mutação mais significativa é a c.35delG (p.Gly12Valfs*2), na qual os pesquisadores se aprofundam mais detalhadamente (WANG et al., 2019).

3.2 SURDEZ

 A perda auditiva não sindrômica, que ocorre isoladamente sem quaisquer sintomas acompanhantes, é um tipo comum de surdez genética. Estima-se que entre 50 e 100 genes estejam envolvidos nesse tipo de surdez, o que a torna altamente diversa e principalmente monogênica (IMTIAZ et al., 2019).

A eficácia do sistema auditivo depende de um grande número de genes que estão envolvidos em seu funcionamento no ouvido interno. Qualquer defeito em um desses genes pode resultar em perda auditiva total ou parcial. De acordo com as pesquisas realizadas por Han et al., (2018), há uma relação intrincada entre a composição genética e o bom funcionamento do sistema auditivo.

Os genes associados à surdez são rotulados com prefixos DFNA para loci dominantes, DFNB para loci recessivos e DFN para genes associados ao cromossomo X. A numeração desses genes é baseada na data de descoberta, como no caso de (HAN et al., 2018).

Em 1994, foi descoberto o primeiro locus da surdez autossômica recessiva não sindrômica (DFNB1) no braço longo do cromossomo 13. Logo após, em 1997, o gene GJB2 foi detectado no mesmo cromossomo. Esse gene é responsável pela codificação da proteína conexina 26 (Cx26). As mutações no gene GJB2 são responsáveis por incríveis 50% da perda auditiva pré-lingual e 80% da surdez genética com padrão recessivo. 75 a 80% das mutações encontradas neste gene são específicas e seguem um padrão de herança recessivo, sendo a mutação 35delG a mais prevalente. Essa mutação está frequentemente associada à surdez genética, pois leva à perda de uma base guanina na sequência de DNA do gene da conexina na posição 35.

3.2.1 Epidemiologia Da Surdez

 Conforme mencionado anteriormente, a surdez é a deficiência sensorial mais prevalente e incapacitante para os seres humanos. Embora os dados epidemiológicos sobre a prevalência da perda auditiva no Brasil não sejam generalizáveis, é sabido que a perda auditiva hereditária afeta um número significativo de indivíduos (DE PAULA et al., 2018).

Aproximadamente 60% dos casos de perda auditiva pré-lingual severa em países desenvolvidos são resultado de fatores genéticos. Entre as perdas neurossensoriais presentes desde o nascimento, 20-30% são causadas por mutações no gene da conexina 26. Tais mutações são tipicamente associadas à herança autossômica recessiva. De acordo com estimativas, a perda neurossensorial hereditária afeta 27 em cada 1.000 pessoas, enquanto a perda hereditária autossômica dominante não sindrômica ocorre em cerca de 1 em 40.000 indivíduos (DE PAULA et al., 2018).

Conforme o relatório da Organização Mundial da Saúde publicado em 1º de abril de 2020, mais de 2,5 bilhões de indivíduos sofrerão de vários graus de perda auditiva até 2050, necessitando de reabilitação para 700 milhões de pessoas. Estatísticas alarmantes indicam que cerca de um bilhão de jovens adultos correm o risco de causar danos irreversíveis à audição devido a causas evitáveis, como o uso excessivo de fones de ouvido. As ramificações da deficiência auditiva não tratada são graves, com custos globais estimados em US$ 980 bilhões anualmente. Os países de baixa e média renda arcam com a maioria desses custos, respondendo por 57% do total gasto. O custo inclui despesas do setor de saúde, apoio educacional, perda de produtividade e despesas sociais, excluindo o gasto com aparelhos auditivos.

3.3 CONEXINA 26 E SUA IMPORTÂNCIA NO PROCESSO DE AUDIÇÃO

O gene GJB2 é responsável pela codificação da proteína Conexina 26, que é fundamental para a manutenção da função auditiva normal. No entanto, defeitos genéticos nesse gene podem causar surdez congênita, a forma mais prevalente em países desenvolvidos, conhecida como surdez por conexina 26 ou surdez relacionada ao GJB2. Uma mutação comum é a deleção de uma única guanina em uma sequência de seis, levando a alterações na estrutura da proteína no aminoácido 13. Indivíduos com duas cópias dessa mutação sofrem de surdez (TSUCHIMOTO et al., 2020).

A Conexina 26 é crucial para a comunicação celular, pois facilita as junções comunicantes que ajudam a remover íons de potássio das células ciliadas sensoriais, permitindo sua reciclagem nos fluidos cocleares. Essa manutenção da função auditiva é importante, pois a proteína ajuda na homeostase iônica coclear e no processo fisiológico do potencial endocroclear. Mutações no gene Cx26 prejudicam as junções comunicantes, levando a níveis constantemente elevados de potássio intracelular, prejudicando a capacidade das células ciliadas de responder rapidamente a novos estímulos sonoros, levando à perda auditiva. Acredita-se que até 20% das perdas auditivas neurossensoriais possam ser atribuídas a defeitos nessa proteína.

A análise do osso temporal de um deficiente auditivo portador da mutação 35delG não mostrou degeneração neural. Embora as células do gânglio espiral tenham sido preservadas, houve degeneração significativa das células ciliadas do órgão de Corti. Além disso, foram encontrados uma membrana tectónica desconectada, agenesia da estria vascular e um cisto considerável na região de média escala da estria vascular (HUANG et al., 2017).

3.4 CONEXINA 26 E GRAUS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA

 Por meio de avanços médicos e testes genéticos, os pesquisadores têm investigado o impacto das mutações do gene GJB2 na perda auditiva. Embora a correlação entre a mutação mais comum, 35delG, e a gravidade ou progressão da perda auditiva ainda não esteja clara, estudos confirmaram casos de surdez de início tardio na terceira década de vida. Além disso, indivíduos da mesma família com o mesmo genótipo apresentaram vários graus de surdez (MARIANO-DA-SILVA et al., 2020).

Um estudo foi realizado com 256 pacientes com perda auditiva e mutação GJB2 ou mutação GJB2 em conjunto com deleção GJB6. Os pesquisadores analisaram as características clínicas dos participantes para determinar a correlação com seu genótipo. Os resultados revelaram 29 mutações distintas, com mutações 35delG respondendo por 69% dos casos. Os pesquisadores também estudaram 49 famílias com irmãos genotipicamente semelhantes e descobriram que 18 das famílias apresentavam graus variados de gravidade da perda auditiva, o que sugere que a surdez é significativamente influenciada pelo genótipo, mas outros fatores, como ambiente e genética, podem afetar a evolução e o grau de deficiência auditiva (MARIANO-DA-SILVA et al., 2020).

A previsão do grau de deficiência auditiva por meio do genótipo não é viável. Entretanto, homozigotos 35delG possuem maior risco de perda auditiva pré-lingual, com 26% a 30% desenvolvendo surdez severa e 30% a 57% apresentando forma profunda. Aproximadamente 1 em cada 1.000 recém-nascidos nascem com perda auditiva severa a profunda, que é hereditária em um padrão autossômico recessivo em 50% dos casos (BEN SAID et al., 2018).

Embora a mutação 35delG seja a primeira e mais comum alteração no gene da conexina 26, mais de 50 mutações foram identificadas, sendo as recessivas mais prevalentes do que as dominantes. Assim, é crucial investigar anomalias genéticas na conexina 26 para entender a associação entre esse gene e a surdez em portadores. Em um estudo recente, uma nova mutação autossômica dominante, conhecida como G12R, foi descoberta em cinco membros de uma família cubana ao longo de três gerações. Esses indivíduos sofriam de perda auditiva neurossensorial congênita não sindrômica profunda.

Uma pesquisa realizada no Japão examinou indivíduos com perda auditiva não sindrômica herdada de forma autossômica recessiva. A investigação confirmou que a mutação GJB2 foi uma causa significativa de perda auditiva nessa população. Notavelmente, a mutação mais comum, 35delG, não estava presente no estudo, enquanto 235delC foi a mutação mais prevalente, correspondendo a 73%. Essas descobertas sugerem que combinações distintas de mutações do gene GJB2 ocorrem em várias populações (TOMITA et al., 2017).

3.5 DIAGNÓSTICO DAS PERDAS AUDITIVAS

A perda auditiva é uma condição que pode afetar significativamente a qualidade de vida das pessoas, incluindo a comunicação, o relacionamento interpessoal e a saúde emocional. O diagnóstico precoce é fundamental para identificar as causas subjacentes e iniciar o tratamento adequado. A avaliação da audição deve ser realizada em todas as faixas etárias, desde recém-nascidos até idosos. Existem diferentes métodos de diagnóstico, incluindo testes comportamentais, testes eletrofisiológicos, testes de imagem e avaliações genéticas. Os testes comportamentais, como a audiometria tonal, são amplamente utilizados para avaliar a audição em adultos e crianças capazes de cooperar. Já os testes eletrofisiológicos, como o potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE), são úteis para avaliar a audição em recém-nascidos e pacientes com dificuldades na realização de testes comportamentais (ZHOU et al., 2020).

Além disso, a avaliação genética tem se mostrado cada vez mais importante no diagnóstico das perdas auditivas, especialmente em casos de surdez hereditária. A análise genética pode identificar mutações específicas que afetam genes relacionados à audição, como GJB2 e SLC26A4, permitindo um diagnóstico mais preciso e possibilitando a identificação de outras pessoas da família em risco. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são testes de imagem que podem ser usados para avaliar a causa subjacente da perda auditiva, incluindo anomalias congênitas, tumores e outras condições que afetam o sistema auditivo. Em suma, a avaliação auditiva é um processo complexo que envolve uma variedade de testes e técnicas para determinar a causa e o grau de perda auditiva. O diagnóstico precoce e preciso é essencial para garantir o tratamento adequado e melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados pela perda auditiva (MARIANO-DA-SILVA et al., 2020).

Detectar precocemente a perda auditiva pode melhorar significativamente a qualidade de vida do paciente, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da linguagem, interação social e eficácia do tratamento. Durante a infância, o sistema nervoso central é altamente maleável, possibilitando fortes conexões neurais e o desenvolvimento global do paciente (ZHOU et al., 2020).

O teste da orelhinha, também conhecido como teste de emissões otoacústicas, é um exame crítico que ocorre entre o segundo e o terceiro dia de vida do recém-nascido e pode ser realizado até o terceiro mês de vida. Durante o teste, a cóclea gera sons espontaneamente ou quando solicitado por um estímulo acústico. As emissões otoacústicas apresentam-se em duas formas: espontâneas e evocadas. As emissões espontâneas não têm significado clínico, pois estão presentes em 40-60% dos indivíduos com audição normal. Por outro lado, as emissões evocadas podem ser obtidas mediante exposição a um som, tornando-as úteis para fins de diagnóstico (AYUB et al., 2020).

A descoberta das emissões otoacústicas abriu caminho para sua ampla utilização na triagem neonatal. Auxiliam no diagnóstico de alterações neurais e no monitoramento da função coclear em tratamentos envolvendo drogas ototóxicas ou exposição a agentes nocivos à cóclea (AYUB et al., 2020). A vantagem mais significativa das emissões otoacústicas reside na capacidade de investigar os estágios iniciais do processamento do som em relação à atividade biomecânica das células ciliadas externas, de forma prática e não invasiva. Pesquisadores descobriram que essas células são particularmente suscetíveis a vírus, doenças bacterianas, alterações genéticas e agentes externos (AYUB et al., 2020).

O projeto genoma foi um desenvolvimento inovador no final do século 20, fornecendo aos cientistas uma compreensão sem precedentes dos processos biológicos e dos fatores genéticos que os influenciam. Este avanço impulsionou o progresso em vários campos científicos, particularmente biologia e medicina. Como resultado, o teste genético tornou-se um aspecto integral do atendimento pré-natal de qualidade. Por exemplo, identificar o gene específico responsável pela surdez familiar ajuda tanto no diagnóstico quanto no manejo do paciente, permitindo a detecção e o tratamento precoces. Consequentemente, os profissionais de diagnóstico e reabilitação de perda auditiva têm mostrado um interesse crescente em incorporar testes genéticos na triagem auditiva (LI et al., 2018).

Apesar dos grandes avanços na genética e no entendimento da surdez genética não sindrômica, identificar os genes responsáveis por essa perda auditiva continua sendo um grande desafio (LI et al., 2018). A primeira localização cromossômica de um gene ligado à surdez não sindrômica foi identificada em 1992, enquanto a primeira mutação genética foi descrita em 1997. Esse tipo de perda auditiva é a forma mais prevalente na população e nos casos clínicos diários, correspondendo a 70% de todos os casos. Um estudo aprofundado de suas origens é fundamental para obter um diagnóstico preciso e realizar testes para mutações genéticas específicas. Isso ajudaria a fornecer aconselhamento genético eficaz e selecionar terapias apropriadas para as famílias afetadas (LI et al., 2018).

A maioria dos casos de surdez pré-lingual não sindrômica, aproximadamente 85%, é atribuída à herança autossômica recessiva. Outros 12-14% dos casos estão ligados a formas dominantes, enquanto os 1-3% restantes estão associados à herança mendeliana, especificamente àquelas ligadas ao cromossomo X. Além disso, formas de herança exclusivamente materna, chamadas de herança mitocondrial, têm sido descritas em associação com a herança dominante. As formas autossômicas recessivas de surdez são as mais graves e são responsáveis pela maioria das formas de surdez hereditária, causadas principalmente por defeitos cocleares. Em contraste, as apresentações autossômicas dominantes contribuem mais significativamente para a surdez pós-lingual progressiva, aparecendo tipicamente entre a segunda e terceira décadas de vida.

Como a manifestação física dessa condição geralmente aparece após a alfabetização e socialização do indivíduo, os efeitos são relativamente menores. Normalmente, os sintomas são menos graves, principalmente nos estágios iniciais, podendo se apresentar como perda auditiva condutiva ou neurossensorial, de acordo com (RAFIQUE; RIAZUDDIN, 2021).

Acredita-se que cerca de 100 genes estejam implicados na perda auditiva não sindrômica, mas o entendimento dos mecanismos moleculares que regem a transcrição e sinalização gênica na audição permanece incompleto, de acordo com (LI et al., 2018).

Até o momento, foram identificados um total de 116 loci como responsáveis pela surdez não sindrômica. Esses loci incluem 44 ligados à transmissão autossômica dominante (DFNA), 61 à transmissão autossômica recessiva (DFNB), 5 à transmissão relacionada ao cromossomo X (DFN) e 2 à transmissão mitocondrial. Além disso, existem dois loci de genes modificadores, uma herança ligada ao cromossomo Y, um locus de neuropatia auditiva (AUN) e cinco loci DFN que permanecem não confirmados. Dos cinco, apenas dois foram verificados com o gene sequenciado. O gene POU3F4 está localizado no braço longo do cromossomo X, na banda 21. (LI et al., 2018).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A deficiência auditiva é uma condição comum que pode ser causada por vários fatores, incluindo mutações genéticas. A mutação do gene GJB2 é uma das principais causas de deficiência auditiva hereditária não-sindrômica. Essas mutações afetam a produção de proteínas que formam os canais iônicos necessários para a transmissão de sinais elétricos entre as células ciliadas do ouvido interno. Esta disfunção leva a uma perda auditiva progressiva e, em alguns casos, à surdez total. Desde a descoberta da associação entre o gene GJB2 e a deficiência auditiva, muitos estudos têm se concentrado em investigar as diferentes mutações que afetam esse gene (KIYOHARA et al., 2018).

As mutações do gene GJB2 são responsáveis por cerca de 50% dos casos de deficiência auditiva hereditária não-sindrômica. Existem mais de 100 mutações diferentes que afetam esse gene, sendo que a maioria delas são alterações no código genético que resultam na produção de proteínas anormais ou na ausência delas. Estas mutações têm sido associadas com diferentes graus de perda auditiva, que variam de leve a profunda. Estudos têm mostrado que a presença de mutações no gene GJB2 está relacionada com uma maior prevalência de deficiência auditiva em determinadas populações (LEZIROVITZ  et al., 2018).

A deficiência auditiva causada por mutações no gene GJB2 pode ser herdada de forma autossômica recessiva, autossômica dominante ou por uma herança mitocondrial. Na herança autossômica recessiva, a mutação deve estar presente nos dois alelos do gene para que a deficiência auditiva seja expressa. Na herança autossômica dominante, apenas um alelo mutante é necessário para a expressão da condição. Na herança mitocondrial, a mutação é transmitida pela mãe e pode afetar tanto homens quanto mulheres, mas a gravidade da perda auditiva pode variar dependendo do tipo de mutação.

Alguns estudos sugerem que a presença de duas mutações do GJB2 pode estar associada a um pior prognóstico para o desenvolvimento da linguagem em crianças com deficiência auditiva (DE ANDRADE et al., 2019; SUN et al., 2018). Em uma revisão sistemática e meta-análise de 2018, Sun et al. encontraram que crianças com duas mutações do GJB2 apresentavam um risco significativamente maior de não desenvolver linguagem quando comparadas a crianças com uma única.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, as mutações genéticas do gene GJB2 são responsáveis por uma grande parcela dos casos de deficiência auditiva autossômica recessiva não sindrômica. Essa descoberta é fundamental para o diagnóstico precoce e aconselhamento genético de famílias afetadas, uma vez que a identificação da mutação pode fornecer informações importantes sobre a probabilidade de futuros filhos serem afetados pela doença. Além disso, a pesquisa de mutações no gene GJB2 pode contribuir para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento da deficiência auditiva.

Diante disso, é importante ressaltar que a realização de um teste genético para a identificação de mutações no gene GJB2 deve ser realizada por um profissional habilitado e em um ambiente devidamente equipado. A interpretação dos resultados do teste deve ser feita com cautela, uma vez que nem todas as mutações encontradas no gene estão associadas à deficiência auditiva. Além disso, é importante que o aconselhamento genético seja oferecido aos pacientes e familiares, a fim de fornecer informações precisas e orientações sobre os riscos e benefícios da realização do teste.

Por fim, é fundamental que os profissionais de saúde estejam cientes das implicações clínicas das mutações no gene GJB2, a fim de garantir um diagnóstico preciso e adequado para os pacientes. A detecção precoce de mutações no gene GJB2 pode ajudar no desenvolvimento de terapias específicas e personalizadas para o tratamento da deficiência auditiva. Portanto, o estudo das mutações genéticas do gene GJB2 é de grande importância para a compreensão da fisiologia auditiva e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes com deficiência auditiva.

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1Graduanda do Curso de biomedicina
nataliaramosdemmelo@gmail.com
2Doutora em Química e Biotecnologia
Luciana.viana@cesmac.edu.br