TERAPIA GÊNICA EM PORTADORES DE TALASSEMIA BETA: REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8011893


Vinicius de Jesus Ribeiro Azevedo 1.
Prof. Ademilton Costa Alves 2


RESUMO

INTRODUÇÃO: A beta talassemia é uma doença genética hematológica que afeta a produção das cadeias globínicas do tipo β da hemoglobina, proteína presente nos eritrócitos e responsável pelo transporte de oxigênio pelo corpo. Existem diferentes tipos de beta talassemia, dependente do grau de comprometimento da produção proteíca. Os dois tipos principais dessa alteração hematológica são a beta talassemia menor e beta talassemia maior. OBJETIVOS: Realizar uma revisão integrativa da literatura sobre a terapia gênica em portadores de talassemia beta, para fins de análise e atualização dessa relevante temática. MÉTODOS: Trata-se de um estudo do tipo revisão integrativa, que respondeu a seguinte questão norteadora: Quais os tipos de terapia gênica utilizada em portadores de talassemia beta? O levantamento dos estudos ocorreu na base de dados Scientific PUBMED, sendo utilizados os seguintes descritores: Thalassemias AND Gene Therapy AND Beta Thalassemia). A seleção dos artigos procedeu-se por meio da identificação do título do trabalho, da leitura do resumo e objetivos e, posteriormente, da leitura na íntegra do artigo científico, conforme os critérios de inclusão e de exclusão padronizados para esta pesquisa. RESULTADOS: Realizado um levantamento nas bases de dados PUBMED, MEDLINE e EMBASE. Foram encontrados um total de 6.563 publicações, ao serem adicionados os seguintes descritores e correlações: “Thalassemias” and “Gene Therapy” and “Beta Thalassemia”. Ao realizar o recorte temporal dos estudos (2018 a 2023), 2.133 trabalhos foram selecionados. Ao escolher apenas os estudos completos e gratuitos (free full text), resultou em uma amostra de 422 pesquisas. Excluídos os estudos que estavam duplicados nas referidas bases de dados, teses, dissertações, ensaios teóricos e relatos de experiência, revisão sistemática, livros e documentos, restou um quantitativo de 21 publicações que foram lidas na íntegra de forma pormenorizada, com um resultado de somente 07 artigos científicos selecionados para compor esta revisão de literatura. CONCLUSÃO: Através dos artigos estudados, percebeu-se que as talassemias, especialmente a beta talassemia, são um problema de saúde pública, que afetam várias regiões com frequências diferentes. Foi observado que a terapia gênica no tratamento de portadores de talassemia beta se constitui um grande avanço para a medicina, entretanto ainda se faz necessário realizar mais estudos pré-clínicos e clínicos, a fim de elucidar melhor as implicações desse tipo de terapia nesses pacientes talassêmicos.

Palavras-chave: Hemoglobinopatias, hemoglobina A2, terapia somática de genes.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Beta thalassemia is a hematological genetic disease that affects the production of the β globin chains of hemoglobin, a protein present in red blood cells and responsible for carrying oxygen throughout the body. There are different types of beta thalassemia, depending on the degree of impairment in protein production. The two main types of this hematological alteration are beta thalassemia minor and beta thalassemia major. OBJECTIVES: To perform an integrative review of the literature on gene therapy in patients with beta thalassemia, for the purpose of analyzing and updating this relevant topic. METHODS: This is an integrative review study, which answered the following guiding question: What are the types of gene therapy used in patients with beta thalassemia? The survey of studies was conducted in the Scientific PUBMED database, using the following descriptors: Thalassemias AND Gene Therapy AND Beta Thalassemia). The articles were selected by identifying the title of the work, reading the abstract and objectives, and then reading the full scientific article, according to the inclusion and exclusion criteria standardized for this research. RESULTS: A survey in PUBMED, MEDLINE and EMBASE databases was carried out. A total of 6,563 publications were found by adding the following descriptors and correlations: “Thalassemias” and “Gene Therapy” and “Beta Thalassemia”. When performing the time cutoff of studies (2018 to 2023), 2,133 papers were selected. Choosing only free full text studies resulted in a sample of 422 studies. Excluding the studies that were duplicated in these databases, theses, dissertations, theoretical essays and experience reports, systematic reviews, books, and documents, a quantity of 21 publications remained that were read in full in detail, with a result of only 07 scientific articles selected to compose this literature review. CONCLUSION: Through the articles studied, it was realized that thalassemias, especially beta thalassemia, are a public health problem that affects several regions with different frequencies. It was observed that gene therapy in the treatment of beta thalassemia carriers constitutes a great advance for medicine, however, it is still necessary to conduct further pre-clinical and clinical studies in order to better elucidate the implications of this type of therapy in these thalassemia patients.

Keywords: Hemoglobinopathies, hemoglobin A2, somatic gene therapy.

  1. INTRODUÇÃO

As hemoglobinopatias denominadas talassemias são também conhecidas como “Anemia do Mediterrâneo”, a maioria dos casos, inicialmente identi­ficados, ocorreram em famílias residentes próximo do Mar Mediterrâneo, em países como Itália, Grécia, Turquia e Líbano, e essa associação geográ­fica foi responsável pela sua nominação. O termo “Talassemia”, deriva da combinação das palavras gregas thálassa, para “mar “, e haema para “sangue” (BRASIL, 2017).

As talassemias são consideradas as doenças monogênicas hereditárias mais comuns. A nível mundial, estima-se que 1 a 5% da população mundial seja portadora de uma mutação talassêmica. Elas são endêmicas principalmente em áreas tropicais e subtropicais, com elevada incidência da malária, decorrente da proteção que os portadores dessa alteração hematológica apresentam relativamente ao Plasmodium spp (XANG; XU, 2017).

Essa hemoglobinopatia também tem elevada frequência nos países em desenvolvimento, sendo principalmente no Sul e Sudeste Asiático, no Oriente Médio, no Mediterrâneo e no Norte e centro da África. Entretanto, alguns fatores, como o movimento migratório, corroboraram para o aumento de sua frequência em outras regiões, como no Norte da Europa, no Norte da América e na Austrália e outras regiões do globo terrestre (LORENZI, 1999).

Por compreender distúrbios genéticos da síntese de hemoglobina, as talassemias são caracterizadas por redução parcial ou total na produção de uma ou mais cadeias polipeptídicas de globina. Essa redução provoca um desequilíbrio entre os diferentes tipos de globina, resultando no desenvolvimento de uma anemia microcítica e hipocrômica. De acordo com a cadeia globínica afetada, as talassemias podem ser classificadas como: alfa, beta, delta, delta-beta e gama-delta-beta. Estima-se que, no mundo, 15 milhões de pessoas sejam talassêmicas, entretanto, as talassemias alfa e beta são consideradas as mais importantes do ponto de vista da saúde pública, e as mais frequentes em todo o mundo (WAGNER, 2005).

A talassemia pode ser causada por mutação em ponto, deleção ou inserção de poucos nucleotídeos, resultando num decréscimo da transcrição, incapacidade de iniciação da tradução, processamento anormal de RNA, matriz de leitura, terminação prematura e produção de hemoglobinas instáveis (HATTORI; LORENZI, 1999). No Brasil, estudos envolvendo métodos moleculares para diagnóstico das talassemias já são estimulados e apesar de serem ainda em regiões específicas do país, revelam uma grande importância na comparação entre aspectos hematológicos e genéticos, indicando por exemplo que os genótipos influenciam o quadro clínico-laboratorial (LAVELLE, 2019).

Cerca de 5% da população mundial é portadora de alguma hemoglobinopatia e representa uma taxa considerável de incidência na população brasileira devido ao grande processo histórico de miscigenação existente em nosso país. A vista que, as hemoglobinopatias mais vistas e estudadas são de origem africana e mediterrânea, raças que norteiam e contribuíram intensamente nas gerações populacionais do nosso país (CALVO; GONZALEZ, 2017).

A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 60.000 crianças gravemente afetadas por algum tipo de talassemia, nascem a cada ano. No Brasil, conforme dados da Associação Brasileira de Talassemia (ABRASTA), existem 543 pessoas cadastradas com Talassemia Beta: 310 Maior e 243 Intermediária, com destaque para a Região Sudeste, especialmente o estado de São Paulo, que lidera o número de casos. Na Região Nordeste, o estado de Pernambuco possui o maior número de pessoas com Talassemia Intermediária. Estima-se que existam no Brasil cerca de 1.000 pessoas com as formas graves de Talassemias (CARDOSO, 2019).

Quanto ao perfil das talassemias, estima-se que 1,5% da população caucasoide seja portadora da β-talassemia menor em algumas regiões do Brasil. No período entre 2013 e 2015, foram feitos levantamentos demonstrando que entre os portadores da doença, 51,4% possuem β-talassemia maior; 43,2%, β-talassemia intermediária; e 5,4% possuem doença de hemoglobina H (α-talassemia). Os maiores números de pessoas com β-talassemia grave foram evidenciados nas regiões Sudeste, seguido pelo Nordeste (SILVA et al., 2020), destacando principalmente os estados da Bahia, Maranhão e Piauí (BARBOSA et al., 2018).

Quanto as manifestações clínicas, uma das particularidades dessas hemoglobinopatias, incluindo as talassemias, estão relacionados a sua variabilidade clínica, na qual se caracteriza por diferentes graus de anemia hemolítica (TELES et al., 2017). Enquanto alguns pacientes têm um quadro de grande gravidade e estão sujeitos a inúmeras complicações e frequentes hospitalizações, outros podem apresentar uma evolução mais benigna, em alguns casos quase assintomáticos. Nas formas sintomáticas, as talassemias se apresentam como anemia hemolítica intensa e, muitas vezes, são fatais na infância (NUNES et al., 2017).

A gravidade dos sintomas está relacionada com a quantidade de genes afetados. Os portadores do traço talassêmico, alfa e beta talassemia menorores vão cursar a doença praticamente assintomáticos, com uma leve anemia quase imperceptível, apresentando algumas vezes hemácia hipocrômica e microcítica. Os portadores da forma intermediária vão apresentar uma anemia moderada (Hb de 6-10 g/dL), no caso da beta talassemia podem ocorrer deformidades ósseas e osteoporose, em ambas podem ocorrer icterícia, esplenomegalia, hipocromia, microcitose e em alguns casos poiquilocitose e atraso no crescimento (TEIXEIRA, 2014).

A beta talassemia maior é a forma mais grave, os indivíduos afetados apresentam sintomas tais como: anemia severa hipocrômica e microcítica, hemólise, eritropoiese ineficaz, atrasos no desenvolvimento, palidez, problemas de alimentação, febre recorrente, irritabilidade e hepatoesplenomegalia são sintomas comuns, que se manifestam nas crianças desde cedo. As crianças que não são tratadas ou que são tratadas incorretamente, podem manifestar um atraso do crescimento, massas eritropoéticas, úlceras nas pernas e problemas a nível esquelético. Sem tratamentos esses indivíduos morrem na primeira ou segunda década de vida (POLAINAS, 2017).

A sua variabilidade clínica é expressa por fatores genéticos relacionados ao nível de hemoglobina fetal associadas com as talassemias e os haplótipos. Entretanto, além desses parâmetros, existem outros fatores que podem estar relacionados com essa grave patologia. E a própria ciência dos aspectos étnicos é de grande importância pois influência tanto na formatação do processo de formação da pirâmide social quanto nos indicadores socioeconômicos dos pacientes talassêmicos, que geram consequências diretas no comprometimento da evolução clínica e no prognóstico desses portadores (TELES et al., 2017).

Este trabalho torna-se relevante, pois entre as hemoglobinopatias existentes no Brasil, o grupo das talassemias, em especial as do tipo beta, estão entre as patologias mais registradas. Faz necessário o desenvolvimento de estudos sobre a temática desse grupo de anemias, correlacionado a necessidade de ampliar tanto às pesquisas, quanto as informações e entendimento sobre alterações patológicas que tanto ainda requerem melhores e mais produtivas formas de assimilação e atuação, junto aos portadores talassêmicos; seus familiares; e aos profissionais de saúde, que ainda podem desconhecer a existência desse conjunto heterogêneo de doenças.

Dessa forma, o presente artigo teve como objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura sobre a terapia gênica em portadores de talassemia beta, para fins de análise e atualização dessa relevante temática.

  1. MÉTODOS

Trata-se de um estudo de revisão integrativa. É um método que resume o passado da literatura empírica ou teórica fornecendo uma compreensão abrangente de um fenômeno particular. A metodologia dessa pesquisa objetiva traçar análise de um determinado conhecimento já construído em pesquisas anteriores sobre o determinado tema. A revisão integrativa possibilita síntese de vários estudos publicados, permitindo a geração de novos conhecimentos, listados nos resultados apresentados nas pesquisas anteriores (SANTOS; LIMA, 2017).

Nesse contexto, baseado na concepção de Mendes (2008), para elaborar uma Revisão Integrativa de Literatura é imprescindível que as etapas de desenvolvimento da pesquisa sejam visivelmente apresentadas. No percurso, destaca-se à questão norteadora da pesquisa: “Quais os tipos de terapia gênica utilizadas em portadores de beta talassemia?”.

Para o desenvolvimento da presente revisão, foram percorridas as seguintes etapas: a identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca na literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/ categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/síntese do conhecimento (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

Para facilitar a escolha dos estudos a busca se deu por meio do modo with full text, em que foi usado os descritores padronizados pelo Descritores em Ciência da Saúde (DeCS) e suas correlações: “Thalassemias” AND “Gene Therapy” AND “Beta Thalassemia”. Para seus agrupamentos dos DeCS foi utilizado o operador booleano AND a fim de encontrar estudos que contenham os descritores escolhidos e respondam à questão norteadora.

Inicialmente, foi realizado o levantamento dos estudos nas bases de dados PUBMED, MEDLINE e EMBASE e a segunda etapa consistiu na aplicação dos critérios de inclusão e exclusão para que se chegasse à amostragem final.

Para a escolha da amostra foram aplicados os seguintes critérios elegibilidade: artigos científicos em idioma inglês; corte temporal (2018 – 2023); artigos completos e gratuitos. Foram excluídos da pesquisa os estudos que estavam duplicados nas referidas bases de dados, teses, dissertações, ensaios teóricos e relatos de experiência, revisão sistemática, livros e documentos.

A seleção dos artigos se deu por meio da identificação do título do trabalho, da leitura do resumo e objetivos e, posteriormente, da leitura na íntegra dos artigos científicos selecionados. Foram considerados apenas artigos que relataram como temática exclusiva: A TERAPIA GÊNICA EM PORTADORES DE TALASSEMIA BETA.

  1. RESULTADOS

Primeiramente, foi realizado um levantamento nas bases de dados PUBMED, MEDLINE e EMBASE. Foram encontrados um total de 6.563 publicações, ao serem adicionados os descritores escolhidos e suas possíveis combinações. Ao realizar o recorte temporal dos estudos (2018 a 2023), 2.133 trabalhos foram selecionados. Ao escolher apenas os estudos completos e gratuitos (free full text), resultou em uma amostra de 422 pesquisas. Excluídos os estudos que estavam duplicados nas referidas bases de dados, teses, dissertações, ensaios teóricos e relatos de experiência, revisão sistemática, livros e documentos, restou um quantitativo de 21 publicações que foram lidas na íntegra, de forma pormenorizada, com um resultado de somente 07 artigos científicos selecionados (PUBMED: 03; MEDLINE: 02; e EMBASE: 02) para compor esta revisão de literatura.

No quadro 1 é demostrado a caracterização desses artigos científicos selecionados como objeto de estudo, em relação a procedência, título do trabalho, autores, periódicos e as considerações relevantes desta revisão integrativa.

Quadro 1: Artigos utilizados nesta revisão integrativa.

ProcedênciaTítulo do TrabalhoAutoresPeríodicoConsiderações relevantes do trabalho
PubmedTerapia gênica de globina lentiviral com condicionamento de intensidade reduzida em adultos com β-talassemia: um estudo de fase 1Boulad et al., (2022)Nature MedicineA marcação do gene hematopoiético foi muito estável, porém baixa, reduzindo a necessidade de transfusão em dois pacientes talassêmicos, embora não alcançando independência transfusional. Nossos achados sugerem que o condicionamento não mieloablativo pode alcançar um enxerto durável de células-tronco, mas ressalta um mínimo de CD34 +, requisito de transdução celular para uma terapia eficaz.
PubmedTerapia com ácido nucleico para β-talassemiaD’Arqom et al., (2020)DovepressNa β-talassemia (BT), o objetivo da terapia é equilibrar a relação α/β-globina que pode ser alcançada pela modulação da expressão de α-, β- e γ-globina.
PubmedEdição do gene CRISPR-Cas9 para pacientes com hemoglobinopatiasLancet et al., (2019)The Lancet HematologyAs pesquisas realizadas envolvendo o uso da tecnologia de CRISPR/Cas9 para tratamento da talassemia beta têm se mostrado promissoras até o momento, entretanto, permanecem em estudo devido à ausência de evidências que mostrem que o seu uso não afete bases nitrogenadas fora do alvo, ocasionando efeitos denominados off-target.
MEDLINECorreção mediada por editor de base de adenina da mutação IVS1-110 (G>A) β-talassemia comum e graveHadouin et al., (2023)Blood on line Latin AmericaA estratégia foi capaz de restaurar a produção de β-globina e corrigir a eritropoiese ineficiente tipicamente observada na BT tanto in vitro quanto in vivo. Em conclusão, este estudo de prova de conceito abre caminho para o desenvolvimento de uma abordagem de terapia genética autóloga segura e eficaz para BT.
MEDLINECo-tratamento de células eritróides de pacientes com β-talassemia com edição de genes β 0 39-globina baseada em CRISPR-Cas9 e indução de hemoglobina fetalCosenza et al., (2022)Genes (Basileia)Os dados obtidos demonstram conclusivamente que a produção máxima de HbA e HbF é obtida em progenitores eritróides induzidos por rapamicina corrigidos por GE isolados de pacientes com talassemia β
EMBASECorreção direta da hemoglobina e β-talassemia usando editores de baseBadat et al., (2023)Nature communicationsEstratégia de edição de base que corrige a mutação HbE para tipo selvagem (WT) ou uma hemoglobina variante normal (E26G) conhecida como Hb Aubenas e, assim, recria o fenótipo de traço assintomático. A eficiência foi superior a 90% em células CD34+ humanas primárias, de pacientes portadores da talassemia beta.
EMBASEEdição terapêutica de base de adenina de células-tronco hematopoiéticas humanas de pacientes com β-talassemiaLião et al., (2023)Nature communicationsFoi observado edições de base de adenina no alvo altamente eficientes nessas duas regiões regulatórias, resultando em indução robusta de γ-globina, em pacientes com β-talassemia.
Fonte: Autor, 2023
  1. REVISÃO INTEGRATIVA

Segundo D’Arqom et al., (2020), o principal objetivo da terapia gênica na talassemia é atingir uma relação α/β equilibrada, reduzindo assim o excesso de cadeia α livre. Na β-talassemia, o mecanismo subjacente é uma mutação de ponto único ou pequena deleção no gene da β-globina, portanto, gera inúmeras possibilidades de direcionar mutações específicas, o que pode trazer benefícios para uma possível terapia para portadores desse tipo talassêmico. 

E dentre as diferentes formas de terapias utilizadas para portadores de beta talassemia, muitos estudos, como os de Boulad et al., (2022) têm evidenciado a importância da terapia gênica. Nesse trabalho, em fase 2, foram acompanhados pacientes adultos com β-talassemia, dependentes de transfusões sanguíneas, que foram submetidos a infusões com células CD34 + autólogas transduzidas com o vetor de globina lentiviral TNS9.3.55 após condicionamento de intensidade reduzida (RIC), com intuito de verificar possíveis mutações, porém nenhum problema foi relatado. Assim, a marcação do gene hematopoiético foi muito estável, mas baixa, reduzindo a necessidade de transfusão em dois pacientes, embora não alcançando independência transfusional, conforme era almejada pelos seus pesquisadores. O que revelou a necessidade ainda de alguns ajustes de otimização do processo genético, como requisito de transdução celular para uma terapia eficaz. 

Já os estudos de Lancet et al., (2019) avaliaram a eficácia do gene CRISPR para pacientes com hemoglobinopatias, em foco a beta talassemia, onde ocorreu a edição e transfusão de células para os pacientes portadores dessa alteração hematológica. Após o tratamento com CRISPR o paciente portador de talassemia beta, apresentou pneumonia, uma leve diminuição dos glóbulos brancos e um aumento do fígado com icterícia, todavia, esses efeitos colaterais, já eram esperados e foram tratados com sucesso.

O trabalho de Cosenza et al., (2022) também corroboram com a temática, pois ressaltam que o uso da edição de genes baseada em CRISPR-Cas9 pode ser empregado para a correção eficiente da mutação β 0 39-talassemia. Alia-se a isso, evidências robustas que demonstram o aumento da produção de hemoglobina fetal (HbF) podendo ser benéfico para pacientes com β-talassemia. Com base, nos dados obtidos que demonstram, conclusivamente, que a produção máxima de HbA e HbF é obtida em progenitores eritróides induzidos por rapamicina corrigidos por GE isolados de pacientes com talassemia β. 

Hardouin, et al., (2023) analisaram estratégias de edição de base, com a finalidade de corrigir o defeito genético de células-tronco hematopoiéticas/ progenitoras dos pacientes, a fim de fornecer um tratamento seguro e eficaz. Dessa forma, os pesquisadores desenvolveram um método para corrigir uma das mutações mais prevalentes da beta talassemia, usando um editor base chamado SpRY-ABE8e. Eles concluíram que a estratégia foi capaz de restaurar a produção de β-globina e corrigir a eritropoiese ineficiente tipicamente observada na beta talassemia tanto in vitro quanto in vivo. Dessa forma, demonstrando que o caminho para uma abordagem da terapia genética autóloga é seguro e eficaz para beta talassemia.

De forma semelhante, Badat et al., (2023) também desenvolveram à técnica de edição de bases, na qual foi utilizada uma nova estratégia de edição que corrige a mutação HbE para tipo selvagem (WT) ou uma hemoglobina variante normal (E26G) conhecida como Hb Aubenas e, assim, recria o fenótipo de traço assintomático. Confirmando uma eficiência das edições superiores a 90% em células CD34+ humanas primárias. Somando-se a esse processo, Lião et al., (2023) ressaltaram que sobre a adição de bases, essa estratégia é uma terapêutica universal para melhorar manifestações graves e potencialmente fatais de β-talassemia (TDT) dependente de transfusão (LIÃO et al., 2023).

Cosenza et al., (2022) enfatizam que, atualmente, existem evidências limitadas para apoiar ou refutar a eficácia e a segurança de terapia gênica em pessoas com talassemia dependente de transfusão. A literatura atualmente disponível sobre a eficácia, ou não, dessas intervenções compreende estudos de coorte ou ensaios clínicos não randomizados. A evidência disponível sobre diferentes regimes de condicionamento e tipos de doadores e fontes de enxerto é uma prática em constante mudança. A prática clínica atual, por necessidade, continuará a se basear nas evidências disponíveis, além da experiência clínica do médico e das circunstâncias e preferências individuais de pacientes mais informados. A terapia deve ser individualizada levando em consideração idade, quadro clínico, vontade, bem como capacidade e adesão para aderir ao regime de transfusão-quelação apropriado, e de acordo com a disponibilidade de recursos. 

Assim, D’Arqom et al., (2020) destacam que à medida que a tecnologia continua avançando, as mutações causadas por doenças podem se tornar um alvo para o tratamento de doenças, pois tratamentos específicos podem fornecer benefícios diferentes para diferentes mutações. A terapia gênica na β-talassemia é fundamentada na reorganização de cadeias globínicas através da modulação da expressão de α-, β- e γ-globina. Entretanto, ressalta-se que a tomada de decisão também precisará considerar outros fatores essenciais, como a disponibilidade de doadores adequados e o risco de efeitos colaterais relacionados ao regime, como morte precoce ou efeitos tardios, esterilidade e câncer.

  1. CONCLUSÃO

Através dos artigos estudados, percebeu-se que as talassemias, especialmente as do tipo beta talassemia, são um problema de saúde pública, que afetam várias regiões com frequências diferentes. E por se tratar de uma anemia genética, foi observado que a terapia gênica é uma excelente ferramenta no tratamento de portadores de beta talassemia e constitui-se assim, um grande método de avanço para a busca da cura de determinadas patologias fundamentadas em mutações específicas. Entretanto ainda se faz necessário realizar estudos pré-clínicos e clínicos, a fim de elucidar melhor as implicações desse tipo de terapia nesses pacientes talassêmicos.

Quanto as limitações dos estudos, notou-se uma escassez de pesquisas acerca dessa temática, uma vez que a maioria dos estudos encontrados englobavam as hemoglobinopatias de forma geral. Portanto ressalta-se a importância de mais estudos que abordem sobre o cenário das talassemias de forma mais específica e abrangente. Com a finalidade de buscar o desenvolvimento de uma melhor qualidade de vida dos portadores dessas alterações hematológicas graves.

REFERÊNCIAS

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1 Acadêmico do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA. E-mail: viniciusazevedo_13@hotmail.com

2 Docente do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA. E-mail: professorademiltonalves@gmail.com