TERAPIA GÊNICA NO TRATAMENTO DAS HEMOFILIAS A e B: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7992403


Hilda Carvalho Carnib Neta 1.
Prof. Ademilton Costa Alves 2.


RESUMO

INTRODUÇÃO: A hemofilia é uma doença genética em que as manifestações clínicas consistem basicamente na presença de hemorragias, conhecidos e mais frequentes os tipos de hemofilia A e B, que são causadas por deficiência dos fatores VIII e IX da coagulação, respectivamente. A intensidade do sangramento na hemofilia depende dos níveis plasmáticos de fator VIII ou IX e tem sido tradicionalmente classificado como leve, moderada e grave. Pacientes com hemofilia grave tendem a apresentar sangramentos nas articulações, músculos ou tecidos moles após trauma ou mesmo sem qualquer causa aparente. Eles também podem sofrer episódios hemorrágicos com risco de vida, como sangramento intercraniano. Pessoas com deficiências de fatores leves ou moderadas podem apresentar sangramento espontâneo, com sangramentos excessivos ocorrendo apenas após trauma ou um procedimento médico invasivo.

OBJETIVOS: Realizar uma revisão integrativa sobre a terapia gênica no tratamento das hemofilias, dos tipos A e B.

METODOS: Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura sobre terapia gênica no tratamento de hemofilia A e B, os dados serão coletados através: National Library of Medicine (PUBMED). O estudo será baseado em pesquisas bibliográficas com descritores utilizados na busca de pesquisas relacionados a temática: Terapia gênica; Hemofilia VIII e IX; AAV. Foram considerados nos ocritérios de inclusão as pesquisas publicadas ente 2019 a 2023, no idioma inglês, e que abordassem o tema de forma específica na integra da base de dados escolhida.

RESULTADOS: Com este estudo foi possível observar 288 publicações, dos quais 52 artigos foram pré-selecionados, conforme submissão aos outros critérios de inclusão e posteriormente, segundo os critérios de exclusão utilizados, ficaram um quantitativo de 16 trabalhos pré-selecionados e após leitura minuciosa foram inclusos somente 08 artigos científicos como objeto de estudo nesta pesquisa.

CONCLUSÕES: A terapia gênica clínica em suas várias formas está evoluindo rapidamente. Embora os esforços de AAV predominem, vetores lentivirais para qualquer infusão sistêmica ou transdução ex vivo de células-tronco hematopoéticas ou células-tronco pluripotentes induzidas estão sendo realizados, pré-clinicamente, ou como um ensaio clínico. Os esforços de testes com AAV demonstraram repetidos sucessos na prova de conceito, mas ainda permanecem questões pendentes que são essenciais a serem abordadas para desenvolver o potencial da terapia gênica no tocante ao tratamento de portadores das hemofilias A e B.

PALAVRAS CHAVES: Terapia somática de genes; Coagulopatia; Fator VIII; Fator IX.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Hemophilia is a genetic disease in which the clinical manifestations basically consist of the presence of hemorrhages, known and more frequent types of hemophilia A and B, which are caused by deficiency of coagulation factors VIII and IX, respectively. The intensity of bleeding in hemophilia depends on plasma levels of factor VIII or IX and has traditionally been classified as mild, moderate and severe. Patients with severe hemophilia tend to bleed into joints, muscles or soft tissues after trauma or even without any apparent cause. They may also experience life-threatening bleeding episodes, such as intercranial bleeding. People with mild or moderate factor deficiencies may experience spontaneous bleeding, with excessive bleeding occurring only after trauma or an invasive medical procedure.

PURPOSE: Conduct a study on gene therapy in the treatment of Hemophilia, types A and B

METHODS: This study is an integrative literature review on gene therapy in the treatment of hemophilia A and B, data will be collected through: National Library of Medicine (PUBMED). The study will be based on bibliographic research with descriptors used in the search for research related to the theme: Gene therapy; Hemophilia VIII and IX; AAV. The inclusion criteria considered research published between 2019 and 2023, in English, and that addressed the topic specifically in the entirety of the chosen database.

RESULTS: With this study, it was possible to observe 288 publications, of which 52 articles were pre-selected, according to submission to the other inclusion criteria and later, according to the exclusion criteria used, a quantity of 16 pre-selected works were included and after thorough reading they were included only 08 scientific articles as object of study in this research.

CONCLUSION: Clinical gene therapy in its various forms is rapidly evolving. Although AAV efforts predominate, lentiviral vectors for either systemic infusion or ex vivo transduction of hematopoietic stem cells or induced pluripotent stem cells are being performed, either preclinically or as a clinical trial. AAV testing efforts have demonstrated repeated proof-of-concept successes, but unresolved questions remain that are essential to be addressed to develop the potential of gene therapy with regard to the treatment of carriers of hemophilias A and B.

Keywords: Somatic gene therapy; Coagulopathy; Factor VIII; Factor IX

1. INTRODUÇÃO

A hemofilia é uma coagulopatia genética e hereditária, herdada pelas condições recessivas ligadas ao cromossomo X, acomete, principalmente, indivíduos do sexo masculino e, somente 30 % do público feminino, dá-se origem em uma nova mutação que pode ocorrer na mãe ou no feto levando o bebê a ser um portador do gene da hemofilia (BRASIL, 2011). Os tipos A e B são decorrentes de deficiências quantitativas ou qualitativas dos fatores VIII e IX, respectivamente. Caracteriza-se por hemorragia de natureza severa, especialmente após trauma e parto normal ou parto cesárea (GARCIA, 2019). Já a hemofilia adquirida se caracteriza pela produção de anticorpos que agem contra os fatores de coagulação, podendo ser de origem desconhecida ou relacionada a determinadas doenças (PINHEIRO et al., 2017).

Os primeiros relatos da hemofilia datam de mais de 1700 anos, onde os povos judeus, principalmente os rabinos, começaram a notar que alguns meninos ao serem circuncidados sangravam em demasia. A partir do ano de 1981, a hemofilia desencadeou considerável alerta e conscientização e ficou conhecida no Brasil, devido ao importante movimento iniciado pelo sociólogo Betinho, que também era hemofílico. Seu movimento despertou um olhar diferenciado para a problematização das transfusões sanguíneas, assim como o risco aos pacientes com hemofilia de contrair doenças infectocontagiosas (BARROS, 2018).

Dados do Relatório da Pesquisa Global Anual da Federação Mundial de Hemofilia (2017) indicam que existem cerca de 196 mil pessoas com hemofilia, descritas em 116 países. O país com mais hemofílicos registrados no mundo é a Índia, com cerca de 18.000 hemofílicos, seguida dos Estados Unidos e China, com cerca de 14.000 hemofílicos. O Brasil possui a 4ª maior população mundial de hemofilia, com cerca de 12.400 portadores, sendo 36.1% portadores da forma mais grave. O documento ressalta que há falta de dados enviados por alguns países e alguns que sequer possuem dados sobre incidência de hemofilia, principalmente na África (MARIANA et al., 2020).

A manifestações clínicas mais recorrentes em pessoas com hemofilia grave são as hemorragias musculoesqueléticas, sobretudo as hermatroses, hemorragia no interior das articulações, como tornozelos, cotovelos, joelhos etc, (CAIO et al., 2001). Quando repetidas, em uma mesma articulação, essas hemorragias podem levar a uma degeneração articular progressiva intitulada de artropatia hemofílica (BRASIL, 2018). A forma leve tem menos casos de hemorragias, podendo ser mais severas nos casos de traumatismos graves, extrações dentárias e cirurgias tendo a variação entre 5% e 30% da concentração do fator na corrente sanguínea (BRASIL, 2015). Determinados hematomas podem desenvolver problemas graves na língua, pescoço, antebraço, panturrilha e músculo (FBH, 2014; ALCÂNTARA, 2019).

O diagnóstico é essencial para o tratamento efetivo dessas coagulopatias. E, é importante na avaliação do histórico do paciente e dos familiares com relato de manifestações hemorrágicas, a partir da realização de exame físico do portador e exames laboratoriais de coagulação sanguínea (RANAL, 2014). Atualmente o diagnóstico das hemofilias é baseado na quantificação da atividade coagulante dos fatores VIII e IX pela técnica coagulométrico e pela quantificação do FVIII, pelo método cromogênico. No coagulograma é comum observar, nos casos de hemofilia, o aumento do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) e a normalidade no tempo de protrombina (TP) (RODRIGUES, 2018).

Também foi desenvolvido o teste modificado da análise de tromboplastina parcial ativada (TTPa) em onda quantitativa, com o objetivo de comparar e quantificar pacientes com o fenótipo clínico grave e não grave, com os parâmetros do TTPa em onda. Além de verificar a associação destes valores com eventos hemorrágicos (RODRIGUES et al., 2018). O TTPa modificado é um método que tem como finalidade avaliar a hemostasia. O teste mostra informações sobre o processo de coagulação em situações específicas. A grande importância desse teste é a simplicidade, além do custo-benefício, tornando o TTPa uma ferramenta muito simples e promissora para avaliação de coagulação, principalmente, nos pacientes com hemofilia A, que é a mais grave (MILOS et al., 2014; VIJAY et al., 2016; RODRIGUES et al., 2018).

O tratamento correto para essa coagulopatia solicita infusões de concentrados do VIII purificado do plasma de doadores ou o uso de produtos recombinantes (rFVIII) (ALCÂNTARA, 2019). O indicado é, em casos graves, de uma a três doses por semana durante tempo indeterminado, já em casos moderados ou leves, de uma dose por uma semana em um período compreendido de 3 a 12 meses. Quanto mais precoce for o início do tratamento, menores serão as sequelas deixadas por possíveis sangramentos. Ação necessária para alcançar a denominada profilaxia primária (QUIRINO et al., 2021).

O tratamento fisioterapêutico também é indispensável, pois os hemofílicos apresentam comprometimentos no sistema musculoesquelético, como a limitação de movimentos articulares, a hemartrose, as hemorragias tissulares, as aderências articulares fibróticas, as alterações de marcha, a assimetria de força muscular, a contratura e a artrite hemofílica, dentre outras. O tratamento da artropatia hemofílica é essencial para a manutenção da função articular, porém a utilização inadequada das modalidades de fisioterapia nas diferentes fases da hemoartrose, podem potencializar o sangramento e a impotência funcional da articulação. No Brasil existem os Centros de Tratamento de Hemofilia (CTH). São centros especializados em proporcionar tratamento multidisciplinar para pessoas com distúrbios hemorrágicos (BOSI, 2015).

Atualmente um novo tratamento tem sido desenvolvido no cenário das hemofilias, é a chamada terapia gênica, que é fundamentada na introdução em células específicas do paciente, de cópias de genes com objetivos terapêuticos. É o uso de genes ao invés de drogas para tratamento de doenças. Antes de serem introduzidos no paciente, os vírus usados como vetores sofrem várias alterações genéticas, de modo que o gene terapêutico é inserido, enquanto diversos outros genes que lhe conferem virulência são retirados ou inativados. A inserção do gene terapêutico pressupõe sua introdução por meio de vetores de transferência que sejam capazes de reconhecer as células-alvo, os vetores virais utilizados na terapia gênica são utilizados conforme a patologia do indivíduo, estes vetores são classificados como vetores adenovirais, retrovírus e adenoassociados. Na terapia gênica somática o material genético é inserido em células-alvo selecionadas, mas a informação genética não é passada para a próxima geração, ao contrário do que acontece na terapia gênica germinal. Esta classificação é de extrema importância uma vez que, até aos dias de hoje, apenas é permitido a terapia gênica em células somáticas (FÉCCHIO et al., 2015).

As coagulopatias hereditárias são doenças hemorrágicas que ao longo dos tempos aterrorizavam a humanidade interferindo diretamente na qualidade de vida das pessoas. Os anos passaram-se e com eles vieram os primeiros relatos médicos, estudos científicos e consequentemente tratamentos que dariam uma nova perspectiva à vida dessas pessoas. No entanto, mesmo com tanta informação e o advento da internet, ainda é grandioso o número de pessoas que não sabem nada ou pouco sabem em relação ao conceito, forma de transmissão, sintomatologia, tratamento e acima de tudo diagnóstico, o que gera um grande impacto na vida dos portadores das hemofilias, tanto no que se refere à saúde, quanto ao convívio social.

Dessa forma, o presente artigo objetivou realizar uma revisão integrativa da literatura sobre a terapia gênica no tratamento de pacientes portadores das hemofilias A e B.

2. MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo, a partir de uma revisão integrativa de literatura. A busca de dados foi realizada no por meio de consulta a periódicos e posterior leitura minuciosa dos títulos, resumos e trabalhos completos e gratuitos. Utilizou-se como descritores de busca: “terapia gênica; hemofilia VIII e IX; AAV” na base de dado PubMed no período de janeiro a maio de 2023. Foram incluídos na pesquisa artigos científicos completos e gratuitos, publicados no corte temporal de 2019 e 2023, no idioma inglês, e que abordassem a temática proposta “TERAPIA GÊNICA NO TRATAMENTO DE HEMOFILIA A e B”.

Como critério de exclusão, descartou-se publicações que não retratassem ao propósito deste estudo, artigos de revisão, de revisão sistemática, papers ou que estavam repetidos na base de dados escolhida, ou que não apresentavam o texto completo e gratuito na íntegra, ou que estivessem redigidos em outras línguas que não as acima citadas. Para a pré-seleção dos artigos foram realizadas leituras prévias através dos títulos e resumos, sendo escolhidos os que abordassem ao tema exclusivo da pesquisa.

3. RESULTADOS

Com este estudo foi possível, inicialmente, observar 288 publicações, dos quais 52 artigos foram pré-selecionados, conforme submissão aos outros critérios de inclusão e posteriormente, segundo os critérios de exclusão utilizados, ficaram um quantitativo de 16 trabalhos pré-selecionados e após leitura minuciosa foram inclusos somente 08 artigos científicos nesta pesquisa, pois eram os únicos que atendiam aos critérios metodológicos estabelecidos no tópico “2 MÉTODOS” e demonstrado no Fluxograma 1.

Fluxograma 1 – Fluxograma da Coleta de Dados

No Quadro 1 é possível observar a procedência, título do trabalho, autores, periódicos, e as considerações relevantes dos 08 artigos científicos inclusos nesta revisão integrativa.

Quadro 1: Artigos utilizados nesta revisão integrativa.

PubMed


Gene therapy for hemophilia.


Amit C Nathwani
Programa de Hematologia 2022 Dez 9;2022(1):569-578.
As hemofilias sempre foram consideradas boas candidatas à terapia gênica, pois suas manifestações clínicas se devem à falta de uma única proteína que circule em quantidades mínimas na corrente sanguínea.
PubMed
Adeno-Associated Virus Gene Therapy for Hemophilia.

Benjamin J Samelson-Jones , Lindsey Um George

Annu Rev Med 2023 Jan 27
A terapia gênica para HA e HB graves oferece um regime profilático idealizado no qual uma única administração do produto de entrega gênica fornece níveis de fatores sustentados a longo prazo suficientes para amenizar o sangramento
PubMedWFH State-of-the-art paper 2020: In vivo lentiviral vector gene therapy for hemophilia
Alessio Cantore Luigi Naldini2021 Fev;27 Suppl 3(Suppl 3):122-125. DOI: 10.1111/hae.14056.A terapia gênica hepática baseada em vetor AAV para hemofilia A e B atingiu a fase III de testes clínicos e está hoje entre os exemplos mais bem-sucedidos de terapia gênica.
PubMedHow to translate and implement the current science of gene therapy into haemophilia care?
Cedric Hermans Yves Gruel Laurent Frenzel, Evelien Krumb
Ther Adv Hemato 2023 Jan 12
A terapia gênica baseia-se na entrega de transgenes FVIII e FIX dirigidos ao fígado usando AAV recombinante não integrador, e essa abordagem provavelmente alterará o paradigma de tratamento da hemofilia.
PubMed

Update on clinical gene therapy for hemophilia
George Q Perrin Roland W Herzog David M Markusic2019 Jan 31;133(5):407-414.A terapia gênica fornece uma cópia funcional do gene causador da doença que está ausente ou é expressa como uma proteína não funcional; assim, pode ser altamente eficaz no tratamento de doenças monogênicas, como a hemofilia.
PubMedProtein-Engineered Coagulation Factors for Hemophilia Gene Therapy

Benjamin J Samelson-Jones Valder R Arruda
Mol Ther Métodos Clin Dev 2019 15 de março.

Recentes ensaios clínicos bem-sucedidos de fase inicial usando terapia gênica baseada em AAV dirigida ao fígado com transgene de fator de bioengenharia para homens com Hemofila B grave relataram curas, e niveis normais
PubMed
Gene therapy – are we ready now?


Radoslaw Kaczmarek
2022 Maio;28 Suppl

A última década também viu a primeira evidência de que a terapia genética para hemofilia A e B tem o potencial de normalizar os níveis de fatores a longo prazo.
PubMedGene therapy for hemophilia: a review on clinical benefit, limitations, and remaining issues
Frank W G Leebeek Wolfgang Miesbach
Sangue. 2021 Set 16;138(11):923-93As expectativas de ser capaz de transformar pacientes com hemofilia grave em pacientes com hemofilia leve usando terapia gênica foram atendidas, e os níveis de FVIII e FIX mesmo na faixa normal foram alcançados.

4. DISCUSSÃO

Os primeiros ensaios de terapia gênica mediados por Vetores Virais Adenoassociados (AAV) se concentraram na hemofilia B, porque o DNA do FIX é relativamente pequeno. O primeiro ensaio clínico para hemofilia A, utilizou vetores pseudotipados AAV5, usando o método de fabricação de células de baculovírus-inseto. Os níveis de FVIII e FIX no plasma correlacionam-se bem com o risco de sangramento, a regulação rigorosa da expressão transgênica não é necessária, uma vez que se espera que uma ampla gama de FIX ou FVIII seja benéfica e não tóxica (AMIT, 2022).

Benjamin, (2023) retrata em seu estudo um pouco sobre a evolução da terapia gênica no âmbito de estratégias para hemofilia, ele fala que, os métodos mais avançados empregam vetores virais adenoassociados recombinantes (rAAV) administrados sistemicamente dirigidos por hepatócitos que envolvem um transgêne otimizado para códons ou uma variante sob o controle de um promotor específico do fígado. Tanto os sorotipos de AAV de socorrência natural quanto os capsídeos biomodificados estão sendo avaliados para terapia gênica de hemofilia.

Nos estudos de Alessio et al., (2021) também ressaltam que os AAV são amplamente empregados para terapia gênica dirigida ao fígado, dada sua eficácia e perfil de segurança serem consideradas muito satisfatórias. O vetor lentiviral (LV) destinado à terapia gênica dirigida ao fígado é projetado para direcionar rigorosamente a expressão transgênica para hepatócitos por meio de regulação transcricional e mediada por microRNA, cenário promissor para o tratamento das hemofilias.

De acordo com Cedric et al., (2023), AAVs exibem uma estrutura simples e não estão associados a nenhuma doença e não se integram ao genoma. Nos primeiros ensaios, certos sorotipos de AAV mostraram-se hepatóxicos e mais imunogênicos, porém, grande otimismo tem sido obtido a partir de grandes estudos de terapia gênica recentemente conduzidos em pacientes adultos portadores de hemofilias A e B.

Os estudos de George et al., (2023) corroboram sobre a terapia gênica dirigida pelo vetor AAV em modelos animais de hemofilia, que induz tolerância imune ao FVIII e FIX através da indução de células T reguladoras. Atualmente, há fortes evidências de que a terapia gênica direcionada para o vetor da hemofilia A e o vetor lentiviral do fígado também pode eliminar inibidores estabelecidos.

Em contraponto, é sugerido por Benjamin et al., (2019) uma hepatoxicidade dose-dependente crítica do vetor AAV, que foi hipotetizada como sendo devida à destruição de hepatócitos transduzidos pela imunidade celular visando antígenos proteicos do capsídeo AAV, a perda de células transduzidas resultou em perda da proteína FIX circulante, embora a dose-dependência pareça variar entre os sorotipos de AAV, todos os estudos de transferência gênica de AAV para Hemofilia A ou Hemofilia B relataram hepatoxicidade em alguns indivíduos.

Já Radoslaw, (2022) retratou, recentemente, que a segurança a longo prazo da terapia genética com AAV para hemofilia tem sido, até à data, favorável, tanto na clínica como em modelos animais de grande porte, mas necessita de atenção contínua. A terapia gênica AAV provou ser uma plataforma poderosa para transferência de genes terapêuticos, como evidenciado por quase 150 ensaios clínicos registrados até o momento e várias aprovações regulatórias, mas tem espaço para melhorias e continuará a evoluir.

Finalmente, Frank et al., (2021) expressam que a maioria dos ensaios em hemofilia A e B leva à expressão significativa de FVIII e FIX, resultando em uma forte diminuição do número de sangramentos e da necessidade de profilaxia. Isso leva a um tremendo benefício clínico e muda a vida de pacientes com a denominada hemofilia grave. Vários especialistas dessa coagulopatia têm defendido que os níveis fatoriais devem ser a principal medida de desfecho dos ensaios de terapia gênica. É importante, no entanto, notar que os níveis relatados após esse tipo de tratamento são fortemente dependentes do tipo de ensaio utilizado.

5. CONCLUSÃO

A terapia gênica, clinicamente, em suas várias formas está evoluindo rapidamente. Embora os esforços de AAV predominem, vetores lentivirais para qualquer infusão sistêmica ou transdução ex vivo de células-tronco hematopoéticas ou células-tronco pluripotentes induzidas estão sendo realizados, pré-clinicamente, ou como um ensaio clínico. Os esforços de testes com AAV demonstraram repetidos sucessos na prova de conceito, mas ainda permanecem questões pendentes que são essenciais a serem abordadas para desenvolver o potencial da terapia gênica no tocante ao tratamento de portadores das hemofilias A e B.

REFERÊNCIAS

Amit C. Nathwani; Gene therapy for hemophilia Programa Hematologia Am Soc Hematol Educ 2022; 2022 (1): 569–578. DOI: https://doi.org/10.1182/hematology.2022000388, Acesso em 20 de Fevereiro de 2023.

Samelson-Jones BJ, George LA. Adeno-Associated Virus Gene Therapy for Hemophilia . Annu Rev Med. 2023;74:231-247. DOI:10.1146/annurev-med-043021-033013. Acesso em 20 de Fevereiro de 2023.

Cantore A, Naldini L. WFH State-of-the-art paper 2020: In vivo lentiviral vector gene therapy for hemophilia. Hemofilia. 2021; DOI:10.1111/hae.14056. Acesso em 5 de Março de 2023.

Hermans C, Gruel Y, Frenzel L, Krumb E. How to translate and implement the current science of gene therapy into haemophilia care? Ther Adv Hematol. 2023; 14:20406207221145627. Publicado em 2023 de jan de 12. DOI:10.1177/20406207221145627. Acesso em 10 de Março de 2023.

Perrin, G. Q., Herzog, R. W., & Markusic, D. M. (2019). Update on clinical gene therapy for hemophilia. Sangue, 133(5), 407–414. https://doi.org/10.1182/blood-2018-07-820720. Acesso em 20 de Março de 2023.

Samelson-Jones, B. J., & Arruda, V. R. (2018). Protein-Engineered Coagulation Factors for Hemophilia Gene Therapy Terapia molecular. Métodos e desenvolvimento clínico, 12, 184–201. https://doi.org/10.1016/j.omtm.2018.12.007. Acesso em 30 de Março de 2023.

Kaczmarek, R. (2022). Gene therapy – are we ready now? Hemofilia : o jornal oficial da Federação Mundial de Hemofilia, 28 Suppl 4(Suppl 4), 35–43. https://doi.org/10.1111/hae.14530. Acesso em 10 de Abril de 2023.

Leebeek, F. W. G., & Miesbach, W. (2021). Gene therapy for hemophilia: a review on clinical benefit, limitations, and remaining issues Sangue, 138(11), 923–931. https://doi.org/10.1182/blood.2019003777. Acesso em 20 Abril de 2023.


1 Acadêmico do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA.
2 Docente do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA.