CARCINOMA DE CÉLULAS RENAIS CLARAS: UM RELATO DE CASO SOB A ÓTICA DA UROLOGIA¹

CLEAR CELL RENAL CEEL CARCINOMA: A CASE REPORT FROM THE PERSPECTIVE OF UROLOGY¹

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7971729


Adolpho Ramsés Maia Costa2
Carlene Alves Feitosa3
Nayara Rocha dos Santos4
Jessica Reco Cruz5
José Edson Puerari Benevides6


RESUMO

Introdução: O carcinoma renal de células claras tem um processo evolutivo silencioso e um prognóstico cauteloso. Dentre os cânceres urológicos é considerado o mais letal, ainda que o percentual de morte dessa patologia tenha diminuído. Dentre os fatores de risco têm-se: o tabagismo, a obesidade e a hipertensão arterial, entre outros. O diagnóstico precoce, realizado por meio de sinais e sintomas e, sobretudo com exames de imagem, melhora o prognóstico. Objetivo: Relatar um caso de carcinoma de células renais claras em paciente de 54 anos com sintomas inespecíficos há 12 anos, com diagnóstico tardio, que foi submetida a uma nefrectomia radical, no Complexo do Hospital Regional de Cacoal/RO. Material e Métodos: Trata-se de um estudo descritivo, com base em coleta de dados primários, através da análise de prontuário da paciente, sob a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Resultados: Mulher hipertensa e obesa grau II, com dor lombar difusa e inespecífica há 12 anos, sem histórico de tabagismo e etilismo compareceu com febre alta e mal-estar geral, além de história de crises renais, e exames de imagem comprovando presença de alterações renais como cistos e hidronefroses. Na tomografia computadorizada obteve-se o diagnóstico de displasia renal cística à esquerda e hidronefrose grave grau IV. A conduta da equipe de urologia foi cirúrgica, a partir da nefrectomia radical à esquerda aberta. Conclusão: O resultado do anatomopatológico constatou tratar-se de carcinoma de células renais claras sem sinais de metástase, sendo a cirurgia escolhida, resolutiva para esse caso em questão. 

DESCRITORES: carcinoma renal, nefrectomia, urologia.

INTRODUÇÃO

O Câncer de Células Renais (CCR) é o sétimo câncer mais comum entre homens e o décimo entre mulheres, sendo responsável por 5% e 3% de todas as doenças malignas em homens e mulheres, respectivamente. No Brasil, a incidência desta neoplasia varia de 7 a 10 casos por 100.000 habitantes/ano (ONCOGUIA, 2019). O CCR apresenta baixa incidência em

indivíduos com menos de 40 anos e seu pico de ocorrência é observado entre os 60 e 70 anos. A proporção de casos entre homens e mulheres é de 1,5:1, sendo que homens são mais suscetíveis devido a fatores de risco estabelecidos, como tabagismo, hipertensão, obesidade e síndromes genéticas (como a síndrome de von Hippel-Lindau). Por outro lado, a manutenção de um peso saudável, a prática regular de atividades físicas, o consumo de frutas e vegetais e a interrupção do tabagismo são potencialmente protetores (BRASIL, 2022).

O carcinoma de células renais (CCR), também conhecido como hipernefroma ou adenocarcinoma de células renais, é um tipo de câncer que se origina no revestimento dos pequenos túbulos do córtex renal. Dentre os tipos de CCR, cerca de 70% a 80% são tumores de células claras (CRCC), 10% a 15% são carcinomas papilares (ou papilíferos), 3% a 5% são do subtipo cromófobo e 1% é de origem dos ductos coletores (Tumor de Bellini). Os demais tipos celulares são considerados extremamente raros, com prevalência abaixo de 1%. Essa doença apresenta-se, principalmente, por hematúria macroscópica (em 60% dos casos), dor no flanco (em 40% dos casos) e massa palpável no flanco (em 30 a 40% dos casos). No entanto, essa tríade de sintomas é encontrada em apenas 10 a 15% dos pacientes, e cada vez mais o diagnóstico é feito por meio de exames de imagem, como a tomografia computadorizada (TC), que é realizada para avaliação de hematúria isoladamente ou como achado incidental. Como a maioria dos casos é esporádica, quase metade de todos os carcinomas de células renais identificados é descoberta incidentalmente em exames de imagem realizados para outros fins (BRASIL, 2022).  

Um diagnóstico precoce e preciso do câncer renal de células claras é imprescindível para um tratamento mais eficaz e um prognóstico mais favorável. Ademais, conhecer a classificação histológica do tumor e seu grau de diferenciação e graduação pode auxiliar no seguimento e no prognóstico do paciente (CUNHA, 2019).

O presente texto tem por objetivo relatar um caso de Carcinoma de Células Claras diagnosticado no Complexo do Hospital Regional do município de Cacoal, estado de Rondônia, Brasil, no intuito de difundir a experiência, destacando, também, a importância dos exames de imagem para melhor conduta diagnóstica e estadiamento da doença.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, com base em coleta de dados primários, através da análise de prontuário da paciente, sob a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) CAAE 65936722.8.0000.5298. A coleta de dados foi realizada por meio de pesquisa em prontuário e entrevista com a paciente, e os registros fotográficos do rim retirado em cirurgia de nefrectomia radical ocorrida em 06/07/2022. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023 foi executada a pesquisa propriamente dita a partir da coleta de dados e, em março seguinte, síntese do relato de caso. 

RELATO DE CASO 

Anamnese

Paciente R.B., sexo feminino, 54 anos, parda, procurou o serviço de urgência e emergência do município de Cacoal pela queixa de febre alta recorrente, edema no corpo todo com ênfase em membros inferiores tipo 2 cruzes, dor lombar difusa e inespecífica moderada, cefaleia, náuseas, vômitos, acompanhada de mal estar geral sem fator de melhora ou piora. A paciente relatou que sofre com essas crises há 12 anos em um intervalo de 7 a 14 dias. Refere ainda que em crises álgicas nesse intervalo de tempo, a equipe médica solicitou exames de imagem que apresentavam alterações renais como cistos e hidronefroses. Não é elitista e nem tabagista. Possui como doenças prévias hipertensão arterial e obesidade grau III. Foi solicitado exames de imagem pelo Urologista de plantão.

Resultado dos exames de imagem

Ao decorrer das crises álgicas, foram realizados exames no serviço de radiologia do Hospital Regional de Cacoal/RO – HRC. Em 18/05/2012, à tomografia computadorizada, obteve-se como hipótese diagnóstica: rim esquerdo com atrofia de parênquima por acentuada hidronefrose com presença de cálculo obstrutivo medindo 33 mm. Em 26/06/2022, a tomografia computadorizada imprimiu a seguinte hipótese diagnóstica: 1) cálculo impactado em ureter distal esquerdo, causando megaureter e hidronefrose acentuada (grau IV) à esquerda e 2) densificação dos planos adiposos adjacente ao rim e sistema coletor esquerdo, inferindo processo inflamatório local, além de linfonodomegalias na região peri-hilar renal esquerda, medindo até 1,7 cm no seu menor eixo.

Conduta cirúrgica

Paciente em decúbito dorsal sob anestesia geral. Realizado assepsia e antissepsia e, posteriormente a isso, feita a incisão mediana transumbilical além de diérese por planos até a cavidade retroperitoneal. Foi realizado divulgação de toda cápsula getora e nefrectomia total após ligadura do pedículo renal mais ureter esquerdo. Ainda em tempo, foi praticada a drenagem da cavidade com dreno túbulo laminar posicionado em flanco esquerdo. Houve laceração grau 1 de baço, e cumprimento das práticas de hemostasia com fulguração além da revisão hemostática, lavagem da cavidade com soro fisiológico 0,9%, fechamento por planos. Em seguimento, foi realizado o curativo e encaminhada a peça (rim esquerdo) para anatomopatológico.

Figura 1 – Integrante de Equipe Cirúrgica logo após Nefrectomia Radical à esquerda

Fonte: Arquivo pessoal (2023)

Figura 2 – Rim esquerdo em escala de comparação ao afastador Doyen

Fonte: Arquivo pessoal (2023)

Resultado do exame anatomopatológico 

Concluído em 11/07/2022, diagnosticou: 1) carcinoma de células renais de tipo células claras, com margens cirúrgicas livres de comprometimento neoplásico, sem invasão de estruturas adjacentes e da cápsula renal, com gradação nuclear (WHO/ISUP) 2, sem presença de células sarcomatóides, com hemorragia e calcificação presente e com estadiamento anatomopatológico pT1a pNx pMx, sendo: T1a – tumor menor ou igual a quatro centímetros no maior diâmetro restrito ao rim; Nx – linfonodos regionais não avaliáveis; Mx – presença de metástase à distância não pode ser avaliada; margens cirúrgicas livres (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2012).

Pós-operatório 

Paciente comparece (20/07/2022) em 15º dia de pós-operatório com ferida operatória limpa originária por incisão mediana transumbilical, sem sinais de flogísticos. Em relação ao exame físico, paciente em bom estado geral, colaborativa, comunicativa, corada, hidratada, sem queixas recentes. 

Realizou-se TC de Tórax como protocolo, em 12/08/2022, sob indicação clínica de estadiamento de neoplasia renal operada, que concluiu: 1) exame sem evidências de implantes secundários e 2) sinais de manipulação cirúrgica na loja renal esquerda e parede abdominal anterior como achado adicional. 

Após a nefrectomia radical e o resultado anatomopatológico, a paciente foi orientada a continuar o acompanhamento do referido diagnóstico no centro de referência de oncologia da cidade. O monitoramento é fundamental para identificar complicações pós-operatórias, acompanhar a função renal e detectar recidivas locais e no rim contralateral, além da ocorrência de metástases. Geralmente, o tempo mediano para recidiva é de um a dois anos após o procedimento cirúrgico, mas é possível observar recidivas esporádicas após cinco anos. Portanto, é necessário estratificar o risco do caso para estabelecer o acompanhamento adequado. O tempo de seguimento geralmente preconizado é de 3 a 5 anos, com exames de imagem (TC ou RM de abdome, com ou sem contraste) sendo realizados mais frequentemente no primeiro ano (a cada três a seis meses) e, após, anualmente por cinco anos (BRASIL, 2022).

DISCUSSÃO

O Carcinoma de Células Renais apresenta-se clinicamente como uma tríade clássica composta por dor lombar, massa abdominal palpável e hematúria franca, contudo, essa tríade é rara (6% a 10% dos casos) e está correlacionada a tipo histopatológico neoplásico agressivo e a doença avançada; no caso da paciente em questão, no que se refere a isso, a sintomatologia encontrada foi a dor lombar difusa. Além desses sintomas, outras queixas atípicas não relacionadas ao sistema urinário podem estar presentes inicialmente, como nódulos cutâneos nas metástases cutâneas e metrorragia nas metástases vaginais, além disso, pode ocorrer o acometimento pancreático, possuindo características tomográficas de massas solitárias e hipercaptantes. Ademais, o envolvimento venoso é uma característica do CCR, com formação de trombo tumoral na veia cava inferior e veia renal e/ou invasão da veia renal, traduzindo um pior prognóstico ao paciente. Alguns pacientes com CCR apresentam manifestações de doença metastática. Os pulmões são o sítio mais comum de metástases em pacientes com CCR, as quais ocorrem em estágios mais tardios e indicam pior prognóstico. Cerca de 35% a 40% dos pacientes com CCR metastático apresentam metástases ósseas. Metástases hepáticas também são comuns em casos de CCR e têm piores resultados de sobrevida em comparação com pacientes com metástases em outros órgãos (REVISTA DE MEDICINA E SAÚDE DE BRASÍLIA, 2012).

Síndromes paraneoplásicas ocorrem em 30% dos pacientes com CCR sintomático. Muitas vezes, as síndromes paraneoplásicas podem ser o primeiro sintoma que o paciente apresenta e atuam como indicador da presença de uma malignidade oculta. Alguns sinais e sintomas de síndromes paraneoplásicas relativamente comuns são: anemia, hipercalcemia, disfunção hepática, febre, que ocorre em cerca de 20% dos pacientes e é usualmente intermitente, associada à sudorese noturna; anorexia; perda ponderal e fadiga. Assim, conclui se que a referida paciente apresentava-se com uma síndrome paraneoplásica, na medida em que queixava-se de episódios de febre, anorexia, perda ponderal e fadiga. Estes sintomas podem ter origem nas substâncias secretadas pelo tumor ou nos anticorpos que, ao reagirem com o tumor, acabam afetando outros tecidos do organismo (BRASIL, 2022).

Macroscopicamente, o CCR manifesta-se como uma lesão sólida, de cor amarelada, que pode apresentar graus variados de necrose, hemorragia e degeneração cística interna, principalmente em tumores de grande volume e crescimento acelerado. Na análise histológica, as células apresentam-se claras devido ao acúmulo de lipídios e glicogênio no citoplasma, e frequentemente, são encontradas células com citoplasma granular e osinofílico. Os achados de imagem refletem as características histopatológicas, mostrando lesões hipervascularizadas e heterogêneas, em decorrência da presença de necrose, hemorragia, cistos e calcificações, o que pode ser um sinal sugestivo de malignidade (MUGLIA; PRANDO, 2015).

A tomografia computadorizada é capaz de mensurar precisamente o tamanho da massa renal e avaliar o grau de envolvimento das estruturas adjacentes, permitindo a determinação do estadiamento do tumor. Com o avanço das técnicas de imagem, houve um aumento significativo dos diagnósticos incidentais nos últimos anos, o que resulta em um prognóstico mais favorável ao paciente, na medida em que esses tumores, em sua maioria, são de pequeno volume, pouco diferenciados histologicamente e apresentam baixo índice de invasão vascular, não comprometendo estruturas adjacentes, como ocorre, geralmente, quando se é feito o diagnóstico tardio, fato que aumenta as chances de ressecção cirúrgica curativa (MUGLIA; PRANDO, 2015).

CONCLUSÃO

O presente trabalho tem como premissa a defesa da utilização consistente de métodos de imagem que vão dos mais simples e acessíveis aos mais complexos, buscando a precisão diagnóstica e melhores resultados, juntamente com a avaliação do quadro clínico do paciente, podendo ser iniciado pela ultrassonografia como investigação de triagem, seguida da investigação com a tomografia computadorizada e, em alguns casos, o uso de ressonância magnética para delinear o plano e estágio da lesão, visto que trata-se de uma patologia com sintomatologia abrangente e por diversas vezes assintomática. Ademais, uma vez que o carcinoma de células renais não possui um sinal e sintoma patognomônico, fica evidente a necessidade da utilização da imagenologia para detecção de anormalidades nos rins, bem como o acompanhamento dessas alterações para que seja evitada a progressão desta, bem como um quadro metastático. Portanto, nota-se que, nesse relato de caso, a conduta cirúrgica foi resolutiva para o tratamento da paciente advindo do auxílio das tomografias computadorizadas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Relatório de Recomendação nº 38: Carcinoma de células renais: tratamento com inibidores de tirosina-quinase. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2022. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do carcinoma de células renais. Brasília: Conitec, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/ptbr/midias/consultas/relatorios/2022/20220601_ddt_ccr_cp_38.pdf. Acesso em: 29 mar. 2023.

CUNHA, Isabela Werneck da. Rim neoplasias: carcinoma de células renais. In: Sociedade Brasileira de Patologia, 5., São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.sbp.org.br/manualde-laudos-histopatologicos/rim-neoplasias-carcinomacelulas-renais/. Acesso em: 29 mar. 2023

FERREIRA, R. A.; MARTINS, J. A. L.; JORGE, A. J. L. Carcinoma de células renais claras: um relato de caso. Revista Multidisciplinar em Saúde, Brasília, v. 4, n. 2, p. 46-53, 2019. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rmsbr/article/view/3606/2211. Acesso em: 29 mar. 2023.

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Manual de estadiamento de tumores malignos. 2. ed. Rio de Janeiro: INCA, 2018. 200 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/tnm2.pdf. Acesso em: 29 mar. 2023.

LECTÚRIO. Carcinoma de células renais. Disponível em: https://www.lecturio.com/pt/concepts/carcinoma-de-celulas-renais/. Acesso em: 29 mar. 2023.

MUGLIA, Valdair F.; PRANDO, Adilson. Carcinoma de células renais: classificação histológica e correlação com métodos de imagem. Radiol Bras., v. 48, n. 3, mayjun, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rb/a/qhxhqqs4Jfr3MVG5pBtnFDt/abstract/?lang=pt. Acesso em: 29 mar. 2023.

ONCOGUIA. Estatística para Câncer de Rim. São Paulo, 2017. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/estatistica-para-cancer-de-rim/6844/239/. Acesso em: 29 mar. 2023.

REVISTA DE MEDICINA E SAÚDE DE BRASÍLIA. Brasília: Universa, 2012. ISSN 2238-5339  


1Trabalho realizado pelo
2Acadêmico do curso de Medicina, Uninassau Cacoal. E-mail: adolphoramses@hotmail.com
3Acadêmica do curso de Medicina, Uninassau Cacoal. E-mail: cfeitosa22@gmail.com
4Acadêmico do curso de Medicina, Uninassau Cacoal. E-mail: rocha.s.nayara@gmail.com
5Docente da Uninassau Cacoal. E-mail: jessica_ge18@hotmail.com
6Cirurgião geral e urologista Hospital Regional de Cacoal/RO. E-mail: jose-epb@hotmail.com