REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7960469
Ana Paula da Costa Lemos1
Celina Ramos da Cruz Neta2
Everson Figueiredo Bogo3
Luciana Cristina Gabler Moreira4
Suzana Ruth Xavier Freire Gomes5
Andréia Alves de Almeida6
RESUMO
O presente estudo apresenta uma análise do Inquérito das “Fake News” n. 4.781 do Supremo Tribunal Federal (STF). Seu objetivo é discutir se a instauração deste inquérito viola o direito fundamental à liberdade de expressão, protegido pela Constituição Federal. No ano de 2019, investigações foram conduzidas em relação a supostas ameaças e ofensas a ministros da corte, além da disseminação de notícias falsas. Assim, é importante examinar o contexto em que o inquérito foi instaurado e avaliar sua legalidade e legitimidade à luz da Constituição Federal, A metodologia utilizada é qualitativa, empregando o método hipotético-dedutivo. Os procedimentos serão desenvolvidos através de um plano de trabalho que irá orientar a cuidadosa identificação e seleção das fontes bibliográficas e documentais a serem utilizadas, tais como: estudos jurídicos existentes, legislação nacional pertinente e jurisprudência relevante.
Palavras-chave: Inquérito. Fake News, Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT
The present study portrays an analysis of the STF Inquiry on Fake News’ no. 4.781 with the objective of discussing whether the inquiry instigated by the Brazilian Federal Supreme Court (STF) violates the right to freedom of expression guaranteed by the Federal Constitution. It should be noted that in 2019, investigations were carried out regarding alleged threats and offenses to the court’s ministerst as well as the dissemination of fake news. Thus, it is necessary to analyze the context in which the inquiry was initiated and examine its legality and legitimacy in light of the Federal Constitution. The methodology is classified as qualitative, making use of the hypothetico-deductive method, As for the procedures, a work plan will be developed to guide the careful identification and selection of bibliographic and documentary sources to be used, such as existing legal studies, relevant national legislation, and jurisprudence.
Keywords: Inquery. Fake News. Federal Supreme Court
1. INTRODUÇÄO
O inquérito das Fake News proposto em 14 de março de 2019 pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, em exercício José Antonio Dias Toffoli, tem gerado grande repercussão. Nesse sentido, de acordo com Araújo e Silva (2022), as fakes news são disseminadas por robôs que levam a notícia falsa para uma quantidade imensa de pessoas que acessam a internet. Em alguns casos, as fake news são divulgadas com o objetivo de atacar a democracia na política e os mais diversos grupos minoritários, como indígenas, afrodescendentes, mulheres, quilombolas, homossexuais, etc., promovendo um discurso de ódio.
Considerando o cenário político em que o país vive e a propagação das Fake News, em busca de proteger o estado de direito, observa-se que a atuação do Supremo Tribunal Federal é de profunda importância para a consolidação do Estado Democrático de Direito estipulado pela nossa Constituição. Trata-se de um cuidado considerando que a Suprema Corte, como a mais alta instituição do Poder Judiciário tem de resguardar a Constituição Federal da República Brasileira conforme o caput do Artigo 102 da própria Constituição Federal (MOURA 2022)
A partir disto, a presente pesquisa considerou a seguinte problemática: o inquérito das fake news viola os princípios constitucionais, como a liberdade de expressão? Assim, para a construção desse estudo, levantou-se três hipóteses: 1) O Supremo Tribunal Federal tem total autonomia para instaurar inquéritos, mesmo que viole princípios constitucionais, por ser o poder estatal que dá a última palavra no que se refere à interpretação da Constituição Federal. 2) As fakes news, demonstradas pelo STE são prejudiciais para a democracia, pois geram contraposições entre as pessoas da sociedade. 3) Há uma elucidação de suposto fato criminoso investigado no presente inquérito, de competência do STE o que impõe a atuação do judiciário independente de qualquer preceito (legal ou constitucional).
Com base no exposto, é possível perceber que o objetivo geral da pesquisa é discutir se o Inquérito do 4781 do STF ofende ao direito de liberdade de expressão assegurado na Constituição Federal Para isso, serão realizados objetivos específicos, tais como apontar a competência do STF, examinar a atuação do STF a partir da referida abertura do Inquérito, avaliar como o Inquérito das Fake News tem atingido a Constituição Federal e compreender o processo do Inquérito, bem como a autonomia do STE.
A pesquisa será realizada por meio de uma abordagem qualitativa, que busca aprofundar a compreensão de um grupo social, organização entre outros, sem se preocupar com representatividade numérica. Para isso, será utilizado o método hipotético-dedutivo, que busca explicar o porquê de determinados fatos ou fenômenos.
Os métodos de procedimentos que serão desenvolvidos incluem a utilização de um plano de trabalho que irá orientar a identificação e seleção cuidadosa de fontes bibliográficas e documentais como estudos jurídicos existentes, legislação nacional pertinente e jurisprudência relevante. Será realizada uma pesquisa bibliográfica para Inteirar-se dos principais conceitos relacionados à fake News Estado democrático de Direito, Constituição, Inquérito, entre outros.
Desse modo, esta pesquisa será dividida em três capítulos. No primeiro capítulo será abordado o conceito de Fake News analisando também ainda o inquérito da Fake News e a Constituição Federal. No segundo capítulo será apresentado sobre a liberdade de expressão e Constituição, buscando demonstrar como o inquérito estudado feriu este princípio, Por fim, nas considerações finais buscou-se realizar uma sistematização das informaçöes e análise profunda da temática para ‘identificar as regulações sob a ótica do Inquérito das Fake News. Esta pesquisa é relevante, pois aborda uma temática polêmica no Brasil e é importante para futuros operadores de direito compreenderem temas relevantes e atuais para a sociedade como democracia, política, soberania e Constituição Federal.
2. O QUE É INQUÉRITO?
Primordialmente, importante mencionar que o inquérito policial trata-se um procedimento persecutório de caráter administrativo, é inquisitivo, preparatório, sigiloso e presidido pelo delegado de polícia Portanto, é um procedimento anterior à existência do processo judicial (ação penal), nele consiste no conjunto de diligências realizada pela polícia judiciária para obtenção de elementos informativos que apontem a autoria e comprovem a materialidade da infraçäo penal investigada (BARBOZA 2022)
2.1 0 Conceito de Fake News
De acordo com os autores Brizola e Bezerra (2018) a Fake News trata-se de um fenômeno que não é recente porém, somente começou a ganhar mais espaço em razão da expansão da rede mundial de computadores, redes sociais, informações e comunicação.
Neste sentido, o termo supracitado refere-se a informações falsas e fraudulentas que carregam um teor de veracidade se não observadas corretamente, no entanto, as notícias não têm fundamentos ou dados concretos, geralmente influencia em posicionamentos e decisões pessoais, principalmente em períodos eleitorais que visa atingir um certo grupo para satisfazer interesses de quem desenvolveu as Fake News (IBICRIM, 2022)
A partir disso, entende-se que a informação se tornou uma espécie de poder que pode ser prejudicial em alguns casos, visto que, as novas tecnologias têm ganhado uma dimensão na sociedade, e por isso a disseminação da informação é crescente em níveis máximos, e tomou proporções exacerbadas nos últimos tempos, principalmente devido ao surgimento das redes sociais (DE CARVALHO, 2018)
2.2 0 inquérito da Fake News e a Constituição Federal
O inquérito da Fake News ” n. 4.781 que foi instaurado através da Portaria on’ 69/2019, do então Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, a partir de uma publicação de uma revista , em que escolheu o Ministro Alexandre de Moraes para presidir as investigações, a partir disso, com o desenvolvimento das investigaçöes houve uma ampliação de outras publicações, nas redes sociais, nos mesmos termos da portaria, em que, supostamente, ocorreram notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças ao STF e a seus membros (GROSSI, 2021).
Destaca-se que a Portaria GP NO 69 de 2019/STF, afirma que:
O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no uso de suas atribuições que lhe confere Regimento Interno, CONSIDERANDO que velar pela intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e IO dos seus membros é atribuição regimental do Presidente da Corte (STE art. 13, l); CONSIDERANDO a existência de notícias fraudulentas (fake News), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandl, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, RESOLVE, nos termos do art. 43 e seguintes do Regimento Interno, instaurar inquérito para apuração dos fatos e infrações correspondentes, em toda a sua dimensão, Designo para a condução do feito 0 eminente Ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer à Presidência a estrutura material e de pessoal necessária para a respectiva condução (Brasil, 201 9).
Vale destacar que a decisão foi genérica, ao analisar a relação com a argumentação jurídica com o Direito, pois os atos são supostos se tornando ilegais de maneira ampla e sem individualização das condutas, entende-se que toda a pauta foi desenvolvida abordando os fundamentos próximos (fatos) e remotos, sem realizar uma relação direta, ou seja, um a uma, assim observa-se que há uma parcela da decisão que que arrola os fatos, e outra, desconecta, que arrola a tipificação. Não permitindo ao analista compreender a tipicidade de cada ato e como e por quem foi praticado (GROSSI, 2021 s).
É preciso ressaltar, que o início do inquérito está previsto no artigo 43 do Regimento Interno do STF que dispõe: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependências do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro” (ROSA, MOREIRA, 202)
Dessa forma, como entende o penalista Greco (2020) o inquérito compõe de uma ilegalidade, pois, investiga atos praticados que não estão em sua sede ou dependências, e por indivíduos que não sujeitos à sua jurisdição
Então, quando analisamos as referidas declarações do ministro do Supremos Tribunal Federal, Dias Toffoli, vejamos que ele acredita que as Fake News possuem um único objetivo, retirar a força do judiciário e promover o caos, então ele justifica por meio da abertura de um inquérito a fim de averiguar as possíveis notícias, achando-o não ter a ver com o direito à liberdade de expressão (BORGES,2021 )
Mediante o que se expõe, é possível observar que instauração do Inquérito das Fake News, causou uma violação ao princípio do juiz natural prevista no artigo 129, da Constituição Federal de 1988 que diz são funções institucionais do Ministério Público: I – promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei (BRASIL, 1998).
Não só a Constituição mas também o artigo 46 do próprio regimento interno do STF nomeado pelo Ministro Alexandre de Moraes afirma que sempre que ocorrer desobediência à ordem emenda do Tribunal ou de seus Ministros e, além disso, ou houver o conhecimento disso, no exercício das atividades funcionais, ou de desacato ao Tribunal ou a seus Ministros, o Presidente comunicará o fato ao órgão competente do Ministério Público, provendo-o dos elementos de que dispuser para propositura da ação penal (CRUZ 2021)
Assim, de acordo com a portaria, os eventos que supostamente motivaram a decisão não ocorreram nos ambientes mencionados, mas sim foram divulgados por meio da internet e outras formas de comunicação, como veículos de imprensa. Nenhuma das notícias falsas foi produzida ou transmitida dentro das instalações ou dependências do STFC TOGNI; GNOATTQ 2021).
Além disso, é importante destacar que o artigo 43 do RISTF estabelece que a investigação só é permitida para “autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”, ou seja, para pessoas que possuem foro por prerrogativa de função e cujo processo tem origem no STF (TOGNI;GNOATTO, 2021).
A maioria dos investigados não é composta por autoridades, mas sim por indivíduos comuns, sem qualquer prerrogativa de função. Mesmo no caso de deputados federais entre os investigados, o STF só seria competente se o crime em questão estivesse diretamente relacionado ao exercício de suas funções, conforme explicado pelo ministro Roberto Barroso: “O foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas” (Questão de Ordem – Ação Penal (AP) 937, 03.05.2018),
Sendo assim, a incidência de um crime cometido por um parlamentar, caberia a análise se tais questões teriam ligação com suas funções, ou exposição de posições pessoais por meio de comunicação particular.
3. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Conforme os estudos de Mendes (2013) a liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais da democracia e um direito humano universal. É essencial para a liberdade individual a autodeterminação e a participação política. A liberdade de expressão é também um requisito fundamental para a realização da dignidade humana e do desenvolvimento pessoal. É um meio para se alcançar a verdade, promover o respeito mútuo entre as pessoas e a tolerância e para alcançar a compreensão e a cooperação internacional.
Além disso, a liberdade de expressão está elencada na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), trata-se de um de um documento que busca promover a garantia de direitos liberdades fundamentais para todos os indivíduos da nação brasileira (BORGES, 2021 )
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirma que a DUDH em seu artigo 19 propõe que: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras informações e ideias por qualquer meio de expressão (BRASIL, 2018).
A partir desse entendimento ao julgar o Inquérito no 4.781/DF, o STF defendeu a necessidade de se proteger a honra e a dignidade dos ministros bem como a integridade do próprio Supremo Tribunal Federal. Concluiu que o inquérito não violou o sistema acusatório, pois não se tratava de investigação criminal propriamente dita, mas de uma apuração preliminar para verificar a ocorrência de condutas que pudessem configurar ameaças calúnias ou difamações contra a Corte e seus membros. (BARROSO, 2015).
Nesse sentido, o STF também é considerado um guardião das liberdades individuais e fundamentais, conforme preconiza os autores Branco e Mendes (2020) em seu livro: curso de direito constitucional o STF como guardião precisa promover soluções que sejam mais concretas a cada caso, a fim de reparar as ilegalidades que são perpetradas por decisões que, em estrito respeito às normas processuais, visto que, sem isso acabam desenvolvendo um estado com desvalor constitucional.
Assim, entende-se conforme HC 83.125 9 que o direito à liberdade de expressão, para o STF engloba a livre manifestação pensamento e isso inclui a liberdade de opinião, mas não é o que se observa no inquérito das Fake News, visto que, também defendem a demonstração de fatos atuais ou históricos e a crítica (STJ, 2003).
A partir disso, em relação ao tópico a seguir, do princípio da separação dos poderes e o sistema processual penal acusatório, é importante lembrar que ambos os temas estão interligados. A proteção à liberdade de expressão deve ser garantida dentro do sistema acusatório, que estabelece as funções específicas de cada órgão do poder Judiciário. Dessa forma, é preciso encontrar um equilíbrio entre os poderes do Estado e a garantia dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão.
3.1 Do princípio da separação dos poderes e o sistema processual penal acusatório
O princípio do juiz natural, que visa garantir a limitação dos poderes do Estado, teve sua origem na França no século XVIII e foi expresso na Lei de 24 de agosto de 1790, a qual estabeleceu a ordem constitucional das jurisdições e a proibição de perturbar essa ordem ou subtrair os jurisdicionados de seus juízes naturais por meio de comissões ou outras atribuições, exceto nos casos previstos em lei. Esse princípio está presente em todas as constituições brasileiras, com exceção da de 1937, e impede a criação de juízos ou tribunais de exceção para analisar certas matérias ou processar e julgar casos específicos. (REPÚBLICA FRANCCESA, 1790, não paginado).
Na concepção de Reale (2002, p. 92), “a separação dos poderes, como técnica de limitação do poder, tem o propósito fundamental de evitar que o poder se concentre excessivamente nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão subtraindo-se ao controle e ao freio dos demais”
Em obstante, conforme o argumento apresentado pela Procuradora-Geral da República na época da abertura do inquérito, Raquel Dodge, o processo penal em uma democracia como a brasileira deve se sustentar no princípio do sistema acusatório, que prevê a clara separação de funções entre os poderes responsáveis por acusar, defender e julgar garantindo a isenção e a imparcialidade do Poder Judiciário (RODRIGUES, 2019L
Conforme os anos passam, ocorrem mudanças significativas no sistema processual penal que refletem a ideologia punitiva ou libertária vigente. Como destacado por Aury Lopes Júnior a estrutura do processo penal em um país é um indicador dos elementos democráticos ou autoritários presentes em sua Constituição. (LOPES JUNIOR, 2020, p. 14). O sistema inquisitorial prevalece em Estados com maior número de elementos autoritários, enquanto o acusatório é observado em Estados democráticos (LOPES JUNIOR, 2020)
Segundo Aury Lopes, o sistema penal acusatório tem suas origens no direito grego e consiste em uma clara separação de funções, como acusação, defesa e julgamento, realizadas por partes diferentes com equidade no processo. (LOPES JUNIOR, 2007).
Conforme os estudos de Pacelli (2020), no sistema acusatório, o processo é conduzido com base em princípios como a publicidade, presunção da inocência e ampla defesa. Ao contrário do sistema inquisitório, não se busca uma verdade preestabelecida, mas sim a verdade processual reconhecendo-se que não há uma verdade judicial além dessa esfera O juiz, por sua vez, deve agir de forma imparcial e não produzir provas de ofício na fase preliminar investigativa, sendo sua função garantir que os direitos constitucionais do acusado estejam sendo respeitados (PACELLI, 2020).
Assim, de acordo com Araújo e Maciel Neto (2019), aqueles que argumentam contra a ilegalidade do inquérito afirmam que sua abertura violou o sistema acusatório adotado no Brasil. Isso ocorre porque, de acordo com esse sistema, a polícia tem o poder de investigação, o Ministério Público é responsável pela ação penal, e o Judiciário é responsável por julgar. A confusão desses papéis seria uma violação ao sistema acusatório estabelecido nos artigos 20 50 XXXV, 129 e 144 da Constituição Federal.
Dessa forma, o princípio do juiz natural, que visa garantir a limitação dos poderes do Estado, teve sua origem na França no século XVIII e foi expresso na Lei de 24 de agosto de 1790, a qual estabeleceu a ordem constitucional das jurisdições e a proibição de perturbar essa ordem ou subtrair os jurisdicionados de seus juízes naturais por meio de comissões ou outras atribuições, exceto nos casos previstos em lei. Esse princípio está presente em todas as constituições brasileiras, com exceção da de 1937, e impede a criação de juízos ou tribunais de exceção para analisar certas matérias ou processar e julgar casos específicos, (REPÚBLICA FRANCESA, 1790, não paginado).
Resumidamente, os argumentos dos que defendem a ilegalidade do inquérito das fake news afirmam que sua abertura viola não só o princípio da separação dos poderes, como também o sistema processual penal acusatório que requer uma clara distinção entre as funções de acusar, defender e julgar, exercidas por pessoas diferentes, Além disso, há a alegação de que o inquérito usurpa a competência do Ministério Público na promoção da açäo penal pública (RODRIGUES, 2019)
Assim, em seguida aprofundar o tema quanto a ilegalidade será fundamental para o presente estudo.
3.2 0 inquérito das fake news frente aos as normas expostas e a ilegalidade
Inicialmente, é possível observar que no ano de 2021 0 inquérito em questão já durava 2 anos e 8 meses, enquanto o Código de Processo Penal estabelece que o prazo para a conclusão de um inquérito é de 10 dias quando o indiciado está preso em flagrante ou preventivamente, ou de 30 dias quando o indiciado está solto (BRASIL, 1941).
Embora a jurisprudência entenda que esse prazo é impróprio e que a sua não observância não leva automaticamente ao encerramento do procedimento investigatório (BRASIL, 2020), é importante destacar que um inquérito não pode ser infinito e aberto contra todos, pois isso seria uma grave violação do princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição Federal. Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter mantido a constitucionalidade do artigo 43 do Regimento Interno do STE, os princípios, normas e direitos constitucionais demonstram que esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal (BRASIL, 1998).
No dia ‘l de Fevereiro de 2021 0 deputado federal Daniel da Silveira foi detido por ordem do ministro Alexandre De Moraes, como resultado do inquérito das fake News. A razão da prisão do deputado se deu pela publicação de um vídeo em várias redes sociais, no qual foram feitas diversas ofensas à cúpula de ministros da Suprema Corte, bem como algumas comparações e incitação a atos ocorridos durante o período da ditadura militar (1964 a 1985) (CABETTE, 2020).
A prisão do Deputado Federal Daniel da Silveira foi considerada irregular, uma vez que ele é um parlamentar que goza de imunidade formal, essa imunidade está prevista no art. 53, §20 da Constituição Federal de 1988. Veja-se:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1 0 Os Deputados e Senadores desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
§ 20 Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (BRASIL 1.988, não paginado)
A decisão do ministro Alexandre de Moraes se baseou na Lei no 7,170/83 também conhecida como Lei de Segurança Nacional, que prevê os crimes praticados pelo Deputado Federal, tais como contra a honra do Poder Judiciário e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos artigos 17, 18, 22 (incisos I e IV), 23 (incisos l, II e IV) e 26. De acordo com o texto, o vídeo publicado pelo Deputado permanece acessível a todos na internet, o que configura flagrante delito, Entretanto Não fica claro se as práticas do parlamentar se enquadram nos tipos penais descritos na lei. Além disso, em relação à imunidade formal do parlamentar, o Relator do inquérito faz uso de argumentos inválidos, ao alegar que o vídeo representa um crime permanente.
Uma controvérsia considerável surgiu com a decisão do Ministro Alexandre de Moraes de bloquear as contas de redes sociais de várias pessoas acusadas de “atacar” os ministros e a Suprema Corte, gerando críticas ásperas na época e suscitando questões sobre a proteção dos direitos de liberdade de expressão previstos na Constituição (CABETTE, 2020).
Outra questão é que o Ministério Público tem como função institucional a requisição de diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, de acordo com o inciso VIII do artigo 129 da Constituição Federal de 1988, devendo indicar os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (BRASIL , 1998).
É importante ressaltar que não há qualquer disposição na Constituição que permita a interpretação de que a instauração e condução de inquéritos é de competência do Judiciário. Portanto, seria absurdo considerar que um regimento interno anterior à Constituição possua hierarquia superior ou pelo menos equivalente ao texto constitucional (NEVES, 2021)
Assim, mesmo que a Suprema Corte tenha se manifestado em sentido contrário na ADPF 572, é possível concluir que o Inquérito das Fake News é contrário à Constituição, o que significa que ‘todas as provas obtidas neste inquérito devem ser desconsideradas com base na teoria do fruto da árvore envenenada, caso se proponha uma ação penal (NEVES, 2021).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No primeiro capítulo, foi apresentado o conceito de Fake News, assim como o Inquérito no 4.781 do Supremo Tribunal Federal que foi instaurado com o objetivo de investigar a disseminação de notícias falsas e ameaças contra ministros da Corte. Esse é um tema de grande relevância para a sociedade brasileira. A discussão em torno desse inquérito permitiu avaliar a atuação do STF em relação aos questionamentos sobre a liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal, bem como destacar a competência do Supremo nesse assunto
A análise realizada permitiu identificar a importância do princípio do juiz natural para garantir a limitação dos poderes no Estado, de forma que não seja criado juízo ou tribunal de exceção para analisar determinadas matérias ou processar casos específicos. A pesquisa bibliográfica e documental permitiu uma análise aprofundada do tema, com base em estudos jurídicos, legislação nacional pertinente e jurisprudência relevante,
No segundo capítulo, que trata sobre a liberdade de expressão e os princípios constitucionais, foi exposto que a Constituição Federal de 1988 garante o direito fundamental à liberdade de expressão a todos os cidadãos brasileiros, Contudo, o uso das redes sociais tem provocado discussões sobre os limites desse direito, especialmente quando se trata da propagação de informações falsas e discursos de ódio, Nesse contexto, o inquérito das fake news, que foi instaurado pelo Supremo Tribunal Federal em 2019, tem sido alvo de críticas e questionamentos-
Assim, a problemática foi respondida, visto que, de fato o inquérito fere o sistema processual penal acusatório adotado no Brasil, e a liberdade de expressão uma vez que a investigação não teria sido conduzida pelas autoridades legalmente responsáveis, como a polícia e o Ministério Público. Segundo esses argumentos, o inquérito estaria violando o sistema acusatório estabelecido na Constituição Federal que determina as funções de cada órgão do poder Judiciário.
Por fim, é importante destacar que a temática estudada é fundamental para a formação de futuros operadores do direito, visto que se trata de uma questão que envolve a democracia, a política, a soberania e a Constituição Federal. A compreensão das regulações sob a ótica do Inquérito das Fake News pode contribuir para o aprimoramento do sistema de justiça brasileiro, garantindo a preservação dos direitos fundamentais e o cumprimento dos princípios democráticos.
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1Académica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail:anapaulapvh677@gmail.com
2Académica de Direito, Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Porto Velho/RO, 2023. E-mail:Celina.fgc3326@gmail.com
3Acadêmico de Direito, Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho/RO 2023 ‘E-mail: Alvesromeiro@outlook.com
4Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO 2023. E-mail. lucianagabler439@gmail.com
5Académica de Direito. Migo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: sazanaruthxavier@gmail.com
6Professora Orientadora. Doutora em Ciência Jurídica DINTER entre FCR e UNIVALI. Mestre em Direito Ambiental pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Penal UNITOLEDO/SR Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico/RJ. E-mail: almeidatemis@gmail.com