HÉRNIA INGUINO ESCROTAL GIGANTE( DE AMYAND) EM PACIENTE IDOSO: CONDUÇÃO E MANEJO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7944837


 Rafael Tagori de Melo Cutrim Martins1,2
Aurilane Oliveira da Silva2
Carlos Gonçalves de Oliveira Junior2
Pedro Manuel Gonzalez Cuellar3


Resumo

Este trabalho objetiva a apresentação de caso clínico de Hérnia de Amyand em paciente idoso avaliado no Serviço de Urgência e Emergência do Hospital Geral Público da cidade de Palmas/TO, acompanhando sua evolução até o momento da resolução do quadro. Ao exame inicial paciente refere dor de forte intensidade em topografia inguinal direita, associada a dificuldade de deambulação associada a náuseas e períodos de constipação. Após procedimentos preparatórios, procedeu-se  à hernioplastia inguino-escrotal com inguiniotomia lateral à direita, visualizando-se saco herniário albergando apêndice cecal fisiológico em seu interior sem sinais flogísticos evidentes. Reconduziu-se o órgão à cavidade fisiológica, sem a necessidade de apendicectomia, seguida por herniorrafia inguinal com boa recuperação, seguindo-se a alta hospitalar e sem episódios recidivantes.

Palavras-chave: hérnia, Amyand, apendicectomia, cirurgia, herniorrafia.

Abstract

This work aims to present a clinical case of Amyand’s Hernia in an elderly patient evaluated in the Urgency and Emergency Service of the Public General Hospital of the city of Palmas/TO, following its evolution until the moment of resolution of the condition. At the initial examination patient reports pain of strong intensity in the right inguinal topography, associated with difficulty in walking associated with nausea and periods of constipation. After preparatory procedures, inguinal-scrotal hernioplasty with right inguiniotomy was performed, visualizing the hernial sac housing a physiological and without flogistical signs cecal appendix inside. The organ was re-conducted to the physiological cavity, without apendicectomy intervention, followed by inguinal herniorrhaphy with good recovery, followed by hospital discharge and without relapsing episodes.

Key words: hérnia, Amyand, apendicectomy, surgery, herniorrafy.

Introdução

Hérnias inguinais ou inguino-escrotais podem ser definidas, de acordo com Júnior et al (2022), como sendo a protrusão de órgãos, em pacientes masculinos,  através de uma abertura de aponeurose e/ou fáscia em região limítrofe ou delimitada pelo triângulo de Hasselbach, de fatores causais multifatoriais.  

Fonseca Neto et al (2022) conceituam como gigantes, aquelas hérnias inguino escrotais que  se  estendem  abaixo  do  ponto médio da coxa interna enquanto o paciente está em posição ortostática. Essas condições são, de acordo com estes pesquisadores, incomuns e geralmente só são vistas em casos nos quais o paciente  tem  ignorado  o  problema  por  anos.

Caserta et al (2021) afirmam que estruturas anatômicas normais (ou não) podem introduzir-se no canal inguinal, como intestino delgado, cólon, bexiga, ovário, testículo, podendo estar sujeitas a diferentes complicações e acometimentos neoplásicos e não neoplásicos. Situações nas quais, segundo estes autores, o apêndice cecal encontra-se albergado no interior do saco herniário caracterizam o quadro herniário de Amyand estando, no entendimento de Cunha et al (2018), sua principal classificação e indicação de manejo, alicerçada sobre os pilares estabelecidos anteriormente por Losanoff e Basson’s.

O quadro clínico desta patologia é inespecífico e mais relacionado ao quadro herniário em si mesmo (inchaço da região inguinal, dor aos esforços ou evacuação  e desconforto abdominal) ou à associação entre a características da protusão vermiforme (inalterada, encarcerada ou estrangulada) e da apendicite (inalterada, flegmonosa, perfurada ou gangrenosa), caso haja (CUNHA e cols., 2018). 

Em homens,  a dor escrotal (acompanhada ou não de eritema)  pode ser um achado encontrado na história clínica. Embora de forma incomum, a condição patológica pode cursar com vômitos, febre e parada da eliminação de fezes e flatos (em situações de associação à apendicite, por exemplo). Ao exame físico, o paciente pode apresentar dor à palpação abdominal além de abaulamento, não redutível à palpação, da região topográfica acometida. (CROUZILLARD et al, 2017).

Este trabalho objetiva, pois, relatar caso clínico/cirúrgico de hérnia inguino-escrotal gigante em paciente idoso, bem como seu manejo, condução, evolução cirúrgica e pós cirúrgica.

Materiais e métodos

Apresentação de caso de paciente idoso atendimento no plantão do Serviço de Urgência e Emergência do Hospital Geral Público da cidade de Palmas, neste estado, portador de Hérnia de Amyand, ressaltando os aspectos clínicos, os impactos anatômicos, evolução, condução cirúrgica e condição pós operatória.

Apresentação do Caso

Paciente do sexo masculino, 74 anos, pardo, residente e procedente da zona urbana de Palmas, compareceu ao atendimento do Serviço Médico de Urgência e Emergência do

HGPP/TO relatando “Dor e desconforto em região inguinal direita” com início aproximado de 30 (trinta) dias, e piora recente associada a dificuldade de deambulação e alteração postural com adoção atitudinal antálgica.

Relatou, ainda, náuseas e períodos de constipação consonantes aos eventos dolorosos. Referiu câncer de próstata anterior, tratado por radioterapia sem eventos recidivantes. Referiu ser ex tabagista (sem dados sobre carga tabágica), ex etilista e atualmente em uso de medicação Losartana para tratamento de Hipertensão Arterial Sistêmica. 

Ectoscopicamente, o paciente apresentava-se em bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço, hidratado, corado, acianótico, anictérico e afebril, deambulação claudicante com deficiência de fixação plantar de membro inferior direito. Sinais vitais fisiológicos. A ausculta respiratória revelou murmúrios vesiculares presentes bilateralmente sem evidências de ruídos adventícios e boa expansibilidade torácica.

A avaliação cardiovascular mostrou ritmo cardíaco regular com bulhas normofonéticas, atuando em dois tempos em todos os focos de ausculta, sem presença de sopros audíveis. Ao exame da região abdominal observou-se abdome plano e indolor à palpação com presença de ruídos hidroaéreos e ausência de visceromegalias. 

Foi observada, ainda, cicatriz xifopúbica de etiologia não referenciada, porém indolor a manipulação. Presença de abaulamento em região inguinal direita (similar a estrutura herniária) em posição ortostática e em decúbito dorsal, se estendendo um pouco abaixo do ponto médio da coxa direita, conforme figuras 01 e 02 abaixo, com presença de ruídos hidroaéreos. Manobra de Taxe negativa. A análise de membros evidenciou ausência de edema em todos os membros, panturrilhas livres e indolores. 

                                                    Figura 01- Hérnia inguinal em posição ortostática.

Fonte: Os Autores (2022)

Figura 02- Hérnia inguinal em decúbito dorsal  à direita

      Fonte: Os Autores (2022)

Evolução, Condução Cirúrgica e Condição Pós Operatória

A avaliação de risco cirúrgico mostrou-se satisfatória com exames laboratoriais apresentando  resultados dentro da normalidade. Raio-x de tórax revelou índice cárdio-torácico normal e avaliação imaginológica abdomino-pélvica evidenciou distensão das alças abdominais (muito possivelmente devido a presença de gases intestinais) e sem evidências de apendicolitos ou outros sinais de obstrução intestinal, conforme figura 03 abaixo:

Figura 03 – Avaliação de Imagem Abdomino-Pélvica.

       Fonte: Os Autores (2022)

Após a realização de procedimentos para manutenção do controle pressórico, procedeuse  à hernioplastia inguino-escrotal, com inguinotomia direita e dissecção por planos (onde visualizou-se a presença do saco herniário abrigando apêndice vermiforme, com anatomia normal e sem flogose visível em seu interior, excluindo-se o encarceramento e/ou deterioração ou, ainda, descaracterização anatômica do órgão), conforme figura 04 abaixo:

Figura 04 – Apêndice cecal fisiológico dentro do saco herniário

Fonte: Os Autores (2022)

Após avaliação da condição de saudabilidade do órgão cecal, optou-se  pela recondução do apêndice à cavidade fisiológica, (não sendo necessária neste caso a apendicectomia) seguida por herniorrafia inguinal, segundo a técnica de Lichtenstein (inserção de tela cirúrgica), conforme figura 05 abaixo:

Figura 05 – Colocação de tela cirúrgica para contenção de estrutura herniada.

Fonte: Os Autores (2022)

O paciente apresentou boa recuperação, com retorno incipiente à dieta, evacuando e flatulando normalmente, recebendo alta hospitalar no primeiro dia após a intervenção cirúrgica. Durante acompanhamento ambulatorial posterior, o paciente mostrou-se clinicamente estável, assintomático, não referindo nenhum episódio ou característica recidivante da hérnia.

Resultados e discussões

Salles et al (2006) definem Hérnia de Amyand como sendo a protrusão do apêndice cecal, ainda que o mesmo se encontre em condição de normalidade, para o interior de um saco herniário de topografia inguinal, apresentando, segundo Cunha e cols. (2018)  incidência flutuante (índices de 0,5% a 1%) bem como achados clínicos e semiológicos variados.

Segundo Lima-Leite et al (2020) o perfil de paciente mais predisposto a desenvolver a condição herniária especial de Amyand é do gênero masculino e com faixa etária mais avançada, tabagistas (atuais ou pregressos), obesos e portadores de comorbidades associadas como aumento do volume prostático. No caso discutido aqui verificou-se a condição de homem idoso e ex-tabagista, concordante com a literatura

Em decorrência da raridade de ocorrência da patologia bem como da inespecificidade de sua caracterização clínica, o diagnóstico da Hérnia de Amyand somente é alcançado no decurso de ação cirúrgico-exploratória. Muriel et al (2016) corroboram este entendimento, afirmando ser o diagnóstico pré-operatório desta patologia, situação difícil e excepcional.

Não obstante sua raridade, esta entidade nosológica apresenta evoluções favoráveis ao paciente (quando bem conduzida), sendo seu prognóstico comumente promissor e inexistindo, até o presente momento, óbitos descritos na literatura, que sejam consequência deste quadro específico. Entre as complicações mais comuns desta patologia a fascite necrotizante é a principal, sendo caracterizada por necrose extensa e de rápida progressão de tecido subcutâneo da fáscia muscular. (Crouzillard et al, 2017)

As apresentações do apêndice cecal no quadro herniário de Amyand podem podem variar desde a condição da normalidade, transitar pela inflamação ou resultar na perfuração do órgão vermiforme, orientando-se, como padrão-ouro, o tratamento cirúrgico. 

Quando realizada, a manobra cirúrgica pode vir acompanhada, ou não, de procedimento de apendicectomia, que,  segundo Manakatis et al (2021), quando realizado de forma profilática, ou em condições de normalidade anatômica e funcional do apêndice, podem ensejar muitas incertezas, uma vez que a remoção do órgão cecal poderia, dentre outras consequências, comprometer o funcionamento de parte importante do sistema imunológico.

Souza et al (2016) corroboram este entendimento afirmando que a decisão sobre a realização de apendicectomia e o tipo de modo reparador da hérnia devem levar em conta, , entre outros fatores, a presença ou ausência de apendicite aguda ou a existência de peritonite associada. Neste caso específico, a inspeção visual do conteúdo herniário afastou a ocorrência destas ou de quaisquer outras patologias associadas ao apêndice cecal.

Schaaf et al (2019) ensinam que, muito embora ainda não haja padronização aplicada ao tratamento do quadro herniário de Amyand, a abordagem terapêutica mais adotada é aquela relativa à técnica de Lichtenstein.  Muito embora Junttila & Mattila (2019) argumentem que ainda ocorram algumas diatribes na literatura sobre a utilização de tela cirúrgica para contenção da estrutura herniada, optou-se, neste caso, pela aposição de tal artefato sobre a projeção inguinal com fixação da mesma a parede abdominal interna.

De acordo com Teixeira et al (2017),  esta técnica apresenta vantagens como redução de analgesia, prevenção maior de recidivas, possibilidade de intervenção bilateral simultânea, bem como retorno mais rápido à vida cotidiana no pós-operatório.

Considerações finais

Ainda que a Hérnia de Amyand seja uma patologia de pequena incidência, as hérnias inguinais apresentam grande incidência, portanto, é preciso levar em consideração os principais diagnósticos diferenciais bem como variáveis específicas como presença de infecção, comorbidades do paciente, indicação da técnica adequada e possíveis complicações. que podem se apresentar no ambiente cirúrgico.

A abordagem da Hérnia de Amyand precisa ser realizada da maneira mais assertiva possível, (sendo a herniorrafia inguino-escrotal o método padrão-ouro pacificado pela literatura) para garantia de melhores condições pós-operatórias e diminuição dos riscos de complicações.

Entretanto, a realização, ou não, de apendicectomia deve ser analisada com cautela, considerando-se critérios objetivos como avaliação das condições anatômicas e fisiológicas do órgão, possibilidade de recidiva herniária encarcerada do mesmo e os benefícios do procedimento para o paciente, dada a importância imunitária inerente ao apêndice cecal e as aos malefícios que tal remoção imatura e desnecessária podem acarretar.

Referências

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1Professor do Instituto Federal do Tocantins – Brasil. Perito Oficial Criminal da Polícia Civil do Tocantins. Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia – Universidade Federal do Tocantins – Brasil.

2Interno(a) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Tocantins – Brasil.

3Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Tocantins – Brasil. Preceptor de Cirurgia Geral do Hospital Geral Público de Palmas/TO-SUS. Mestre em Cirurgia Universidade Evangélica do Paraná Endereço para correspondência: tagorirafael@gmail.com