ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO NUTRICIONISTA NAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DA ZONA SUL DO MUNICÍPIO DE MACAPÁ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7941131


Fabricio Oliveira Pacheco1, Eliane da Silva Lima2, Erinalva Gomes Lima3, Brenda Ludmilla Braga Vieira4, Fernanda Lambert de Andrade Freire5, Priscila Barros Pereira6, Nathália Melo de Carvalho da Silva7, Weliton dos Santos Lima8, Brainer Costa Mota Almeida9, Mirella Costa Gentil10, Maria Yasmin Ribeiro da Cruz11, Debora Nascimento e Santos12     


RESUMO  

A importância da nutrição como ferramenta necessária na promoção e prevenção de doenças crônicas e o enfrentamento da situação epidemiológica nutricional no Brasil contribui para o fortalecimento da atenção básica de saúde. O presente estudo objetivou entender a atuação profissional do nutricionista nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Zona Sul do município de Macapá sob o próprio olhar do profissional. Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativa e origem descritiva e exploratória, desenvolvida a partir da análise de conteúdos de Bardin divididas em seis categorias. Foram entrevistados (06) seis profissionais, sendo (01) um profissional do sexo masculino e (05) do sexo feminino ambos com mais de 15 anos de atuação na atenção primária em saúde.  Os resultados mostraram que os profissionais conseguem atuar de forma efetiva na atenção básica de saúde, ainda que enfrentem diversos problemas estruturais. Enfatiza-se importância da nutrição no tocante às necessidades da população atendida nas UBS na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis e nos ciclos da vida.

PALAVRAS-CHAVE: Nutrição; Atenção Básica; Unidade Básica de Saúde; Prevenção; Ciclos da vida.

ABSTRACT

The importance of nutrition as a necessary tool in the promotion and prevention of chronic diseases and the confrontation of the nutritional epidemiological situation in Brazil contributes to the strengthening of primary health care. This study aimed to understand the professional performance of nutritionists in Basic Health Units in the South Zone of the city of Macapá – AP, Brazil, from the perspective of the professional. It is qualitative research with descriptive and exploratory origin, developed from Bardin’s content analysis divided into six categories. Six professionals were interviewed (06), (01) being male and (05) female, both with more than 15 years of experience in primary health care. The results showed that professionals can work effectively in primary health care, even though they face several structural problems. The importance of nutrition is emphasized about the needs of the population served at the UBS in the prevention of non-communicable chronic diseases and life cycles.

KEYWORDS: Nutritionist; Primary health care; Basic health unit; prevention; life cycles.

1 INTRODUÇÃO 

O surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorreu a partir das discussões em torno do movimento da reforma sanitária no final da década de 70, devido as mudanças políticas e socioeconômicas no Brasil. Além disso, a criação do SUS se fortaleceu a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), onde reformulou um novo modelo de gestão e financiamento (NORONHA; LIMA; MACHADO, 2012; PAIVA; TEIXEIRA, 2014).

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 aprova a criação do SUS, garantindo assim, a saúde como direito universal e o dever do Estado de garantir a redução de agravos de doenças, promovendo proteção e promoção de saúde à população (BRASIL, 1988).

Diante desse cenário, a Lei 8080/90 passou a consolidar de fato o SUS como o “o conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições Públicas Federais, Estaduais e Municipais, da Administração direta e indireta e das Fundações mantidas pelo poder público” (BRASIL, 1990) e incluiu a vigilância nutricional e orientação nutricional no campo de atuação do sistema de saúde, possibilitando posteriormente em 1999, a criação do Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) como um conjunto de ações no fortalecimento da atenção básica de saúde (JAIME et al., 2011).

Além da PNAN, faz-se importante compreender as diferentes políticas públicas no âmbito do SUS. A exemplo isso, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) define-se como um conjunto de ações e estratégias focadas na promoção e prevenção da saúde, na qual se desenvolve através de trabalhos em equipe multiprofissional direcionada às necessidades da população (BRASIL, 2006). Outrossim, o Programa de Saúde da Família (PSF) tem como princípio desenvolver trabalhos de ações de prevenção em saúde, cuidados básicos, cuidados paliativos, reabilitação e busca ativa da população nas comunidades, através da equipe multiprofissional (BRASIL, 2012), sendo estabelecidos em 2008 os Núcleos de Assistência à Saúde da Família (NASF) composto por diferentes profissionais da área da saúde dando apoio a Estratégia de Saúde da Família, incluindo o profissional nutricionista (BRASIL, 2008, 2009).

Diante da importância da Nutrição como ferramenta necessária na promoção da saúde e prevenção de doenças e enfrentamento da situação epidemiológica nutricional no Brasil, bem como sua contribuição para o fortalecimento da atenção básica de saúde (JAIME et al., 2011), objetiva-se compreender a atuação do profissional nutricionista nas Unidades Básicas de Saúde da zona sul do município de Macapá – AP.

2 MATERIAIS E MÉTODOS  

Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo e origem descritiva e exploratória. Na pesquisa qualitativa, o pesquisador procura diminuir a extensão entre a teoria e os dados, entre o argumento e ação, usando a apreciação dos fenômenos pela sua descrição e interpretação (TEIXEIRA, 2012).

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – Plataforma Brasil, obtendo-se aprovação (CAAE nº 52912621.6.0000.5021), obedecendo o disposto nas resoluções 466/2012 e 510/2016 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). 

 A pesquisa foi realizada no mês de dezembro de 2021, em 6 (seis) Unidades Básicas de Saúde (UBS) da zona sul do município de Macapá – AP: UBS Rubim Aronovitch, Rosa Moita, Congós, Leozildo Barreto, Pedrinhas e São Pedro. 

Participaram da pesquisa nutricionistas que atuam nas UBS de Macapá – AP, sendo a amostra constituída por seis profissionais nutricionistas alocados nas referidas UBS, distribuídos nos horários da manhã e tarde.

Foram incluídos na pesquisa nutricionistas que atuavam no serviço básico de saúde por mais de seis meses e que concordaram em participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos da pesquisa duas UBS do estudo devido uma UBS ter sido transformada em pronto atendimento para pacientes com Covid-19 e outra UBS em que a profissional nutricionista se recusou assinar o TCLE.

A fim de garantir a confidencialidade dos entrevistados foi utilizada como identificação dos participantes uma codificação com a inicial do nome “Nutricionista’’ (letra ‘’N’’) e o número ordinal.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas utilizando-se como instrumento um questionário semi estruturado com perguntas abertas e fechadas sobre o perfil profissional dos nutricionistas e perguntas abertas sobre sua atuação dentro do serviço público de saúde. As entrevistas foram gravadas com auxílio de um aparelho de mp3 e as respostas dos entrevistados foram transcritas na sua integridade para serem armazenadas por um período mínimo de cinco anos.

A apreciação dos dados foi efetuada com base na análise de conteúdo de Bardin, que utiliza um conjunto de técnicas para analisar as comunicações, sistematizando a descrição do conteúdo das mensagens em categorias (BARDIN, 2011).

Segundo Bardin (2011), a análise de conteúdo organiza-se em três fases:
1) Pré-análise: é a fase de organização e tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias primitivas;
2)Exploração do material: esta etapa consiste em operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas;
3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos e válidos, através de quantificação simples (frequência).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 

A análise deste estudo seguiu-se com a descrição do perfil dos entrevistados da pesquisa e posterior distribuição das respostas de acordo com as unidades temáticas presentes nas falas dos nutricionistas.

O perfil dos profissionais dessa pesquisa predomina-se por (5) cinco nutricionistas do sexo feminino e (1) um nutricionista do sexo masculino, com idades de trinta e nove a sessenta e um ano. Os nutricionistas entrevistados atuam nas UBS de Macapá – AP há cerca de quinze anos, por conseguinte, os entrevistados possuem uma larga experiência na atenção primária em saúde.

Em relação as especializações dos profissionais, a maioria é especialista nas áreas de nutrição clínica, saúde coletiva, alimentação coletiva, indústria de alimentos, tecnologia de alimentos, docência e apenas um profissional com mestrado

O Quadro 1 apresenta as informações sobre o perfil dos participantes da pesquisa:

Cód.IdadeSexoTempo de atuaçãoPós-graduação
N150 anosM15 anosEspecialização: Nutrição Clínica
N239 anosF15 anosEspecialização: Nutrição Clínica 
N347 anosF22 anosEspecialização: Saúde Coletiva / Tecnologia de alimentos 
N461 anosF15 anosMestrado: Ciência da Motricidade Humana
N5Não Respondeu*F15 anosEspecialização: Nutrição Clínica
N6Não respondeu*F15 anosEspecialização: Saúde Coletiva 

Quadro 1: Perfil dos Participantes da Pesquisa

4 CATEGORIZAÇÃO DOS RESULTADOS

Após apreciação das entrevistas, caracterizou-se as transcrições das falas em seis categorias que expõem a percepção dos nutricionistas, são elas:

CATEGORIA 1Atribuições como Nutricionista
CATEGORIA 2Recursos para realização do trabalho
CATEGORIA 3Importância do Nutricionista na UBS
CATEGORIA 4Sobre motivos da procura pelo atendimento nutricional
CATEGORIA 5Reflexões sobre ser o Nutricionista da Atenção Básica
CATEGORIA 6Sobre a melhoria no ambiente de trabalho

Quadro 2: Categorização de análise

4.1 Categoria 1: Atribuições como Nutricionista

 A primeira categoria nos traz uma série de atribuições dos nutricionistas na atenção primária em saúde presentes nas falas dos profissionais entrevistados, atribuições essas relatadas em diversos trabalhos na literatura. A atribuição é uma toda uma função ligada a uma atividade de trabalho envolvendo uma responsabilidade (DICIO, 2021).

Alguns relatos dos nutricionistas introduzem essas ideias sobre as atribuições deles nas UBS:

Bom, aqui é mais é atendimento ambulatorial (N1)
Aqui a gente faz atendimento ambulatorial (N3)
Atividades são: atendimento ambulatorial (…) (N4)

Todos os entrevistados responderam que realizam atendimento ambulatorial dentro do serviço de saúde. O ambulatório de atendimento é um local de prestação de assistência a pacientes que não precisam de internação segundo a terminologia básica em saúde (BRASIL, 1987).

Seguindo esse pensamento, Lopes et al. (2019) afirmam que o atendimento ambulatorial envolve uma série de questões a serem observadas pelos profissionais nutricionistas que precisam ter conhecimentos embasados na ciência para atender a demanda dos pacientes. 

É importante ressaltar que a pandemia da covid19 e o isolamento social gerou muitas buscas de informações nas mídias sociais sobre o cuidado com alimentação, com reforço do sistema imunológico entre outras terapias alternativas no combate ao vírus, que geraram impactos na saúde da população em geral principalmente no aumento de transtornos alimentares, por isso a importância de um adequado acompanhamento nutricional com o nutricionista na AB é necessário. (DE SOUZA, 2021)

Além disso, a nutrição na atenção básica de saúde permite dar respostas quantos as demandas do território, buscando soluções para reduzir desnutrição, doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes e hipertensão, tendo o nutricionista como um profissional que permite diagnosticar, desenvolver ações de promoção de saúde, atuando na elaboração de planos terapêuticos, promovendo educação continuada junto à comunidade (GEUS et al., 2011).

4.2 Categoria 2: Recursos para realização do trabalho

Na segunda categoria, os nutricionistas apontaram quais recursos materiais que a UBS dispõe para a realização do trabalho. Os profissionais referiram das condições que se encontram esses materiais e do espaço para a realização das consultas.

Essas informações estão contidas no relato a seguir:

(…) Balança (…) sucateada e velha (N1)

Segundo o trecho em destaque acima do Nutricionista N1 que corresponde a 17% dos entrevistados, observou-se a precarização dos recursos usados no atendimento na UBS que este trabalha, dado que a deficiência de recursos e insumos afeta diretamente as pessoas atendidas na UBS, a qualidade do serviço oferecido, o desempenho profissional do nutricionista, podendo desmotivar sua atuação no ambiente trabalho (LIMA et al., 2014). 

Por outro lado, dos nutricionistas restantes foram relatados acerca da equiparação do ambiente de trabalho (UBS), como se tem no trecho em destaque do Nutricionista N2.

(…) Sala bem equipada (…) recursos necessários (…) balanças (…) estadiômetro (…) banner (N2)

Neste sentido, uma UBS bem equipada é imprescindível para o adequado atendimento das pessoas que a procura, portanto, se a UBS oferece uma boa infraestrutura, o indivíduo terá boas perspectivas quanto ao acolhimento, tendendo a ter um melhor nível de satisfação entre profissional e usuário (GOMES et al., 2021).

4.3 Categoria 3: Importância do Nutricionista na UBS

 Na terceira categoria, os nutricionistas abordaram sobre a importância da sua atuação dentro das UBS. Os nutricionistas N1, N3 e N5 destacaram o quesito prevenção na saúde, como está descrito no trecho abaixo, representado no discurso de N3.

É na questão da prevenção né, a gente atua muito nessa questão preventiva porque para aqui como é um atendimento básico (…) (N3)

É importante destacar que o objetivo da atenção primária é trabalhar com a prevenção de doenças crônicas, eliminando os fatores de risco da saúde individual e coletiva da população através das redes de atenção à saúde (RAS) (BRASIL, 2013). 

Segundo o PNAN, o processo de organização e gestão dos cuidados relativos à alimentação e nutrição nas RAS deverá ser iniciado pelo diagnóstico da situação alimentar e nutricional da população adscrito aos serviços e equipes de Atenção Básica (BRASIL, 2012).

Sendo assim, o papel do nutricionista neste cenário é conhecer as redes de saúde como e sua função nas resoluções dos problemas da comunidade local (BORELLI et al., 2015).

Por outro lado, os nutricionistas N2, N4 e N6 apontaram a orientação nutricional como importância no serviço de saúde, conforme destacado abaixo:

Muito importante porque é no sentido de se promover a saúde através das orientações da consulta, das ações, né, com relação a saúde da população de modo geral (…) (N4)

O papel do nutricionista na orientação alimentar e nutricional é relevante no sentido promover educação alimentar e nutricional dentro da UBS. O Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional defende uma orientação nutricional como ferramenta de educação permanente, promovendo autonomia do cuidado entre pares (BRASIL, 2012).

 Nessa perspectiva, conforme afirma Magalhães et al. (2012), promover uma orientação nutricional é necessário que o nutricionista construa um vínculo de confiança com os seus pacientes conhecendo os motivos pela procura do aconselhamento nutricional.

4.4 Categoria 4: Sobre os motivos pela procura do atendimento nutricional

Nesta categoria, os nutricionistas relataram sobre os motivos da procura pelo atendimento nutricional por parte das pessoas atendidas nas UBS. No primeiro relato dar-se a demanda espontânea de acesso aos serviços de saúde.

A demanda espontânea como apresentada na fala do nutricionista N1 é um dos resultados dos objetivos do SUS sobre a universalidade de acesso aos serviços de saúde, onde o paciente procura a UBS em busca de atendimento médico-profissional (BORGES et al., 2021).

Demanda espontânea de gente que vem atrás do nutricionista (…) crianças que são encaminhadas pelo pediatra (N1)

Seguindo essa linha de acesso, a UBS frequentemente atende públicos específicos como crianças, adolescentes, gestantes, idosos e adultos em geral que apresentam comorbidades no qual a rede de saúde é capaz de atender (SILVA et al., 2021). 

Os programas de prevenção em saúde que o SUS oferece no campo nutricional são imprescindíveis ao destacar o conceito de promoção da saúde, além do mais, promover saúde é oferecer ferramentas essenciais às pessoas, famílias e comunidades para expandir o controle sobre determinadores de saúde, atuando na melhoria e bem-estar da população (HEIDMANN; WOSNY; BOEHS, 2014).

Sendo assim, surgiu a necessidade da criação da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) em 2006, na qual buscou-se assumir parcerias com as políticas de saúde conquistadas pela população brasileira, inclusive com a PNAN (BRASIL, 2018).

A PNPS trabalha com temas prioritários da nutrição que visa promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional, reduzindo as desigualdades sociais e a garantia do direito humano a alimentação adequada e saudável (BRASIL, 2018).

Os relatos dos nutricionistas N2, N4 e N5 destacam essa rede de públicos atendidos na UBS.

Daqui praticamente a parte da demanda de grávidas, tem diabéticos (N2)

Crianças, adolescentes e idosos. Uma das maiores queixas é a obesidade e a partir disso vem as comorbidades como diabéticos, hipertensos e esteatose hepática (N4)

Diversos, a gente atende todo o público, gestante durante o pré-natal, criança com baixo peso, com anemia, criança com colesterol alto (…) (N5)

Tratando-se do atendimento nutricional materno-infantil, o profissional nutricionista é o responsável no incentivo do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e posteriormente a alimentação complementar no decorrer do crescimento, sendo esse período importante na formação de hábitos alimentares e prevenção de futuras doenças crônicas não transmissíveis (MAIS et al., 2015).  Considerando as carências nutricionais globais como problemas de saúde pública, o Brasil adotou as recomendações internacionais na promoção de saúde, incluindo a suplementação de micronutrientes e fortificação de alimentos com objetivo de reduzir as deficiências nutricionais com bases em estudos epidemiológicos em públicos específicos como crianças e gestantes (MARQUES et al., 2013; ALVES et al., 2014).

Com base nessas recomendações, desde 2005, o Ministério da Saúde conta com o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A que abrange crianças de seis a cinquenta e nove meses de idade. De acordo com as pesquisas publicadas, o Brasil tem a prevalência de 10% a 20% de níveis de retinol abaixo de 0,70 mol que indica a hipovitaminose A em crianças (BRASIL, 2005; MIRANDA et al., 2018).

A deficiência de vitamina A, em sua maioria está ligada a falta de acesso a alimentação adequada, hábitos alimentares e fatores culturais. A ingestão inadequada pode acarretar problemas na acuidade visual como xeroftalmia, mancha de Bitot, problemas na integridade tecidual e no sistema imunológico das crianças (WHO, 1995; DE QUEIROZ et al., 2013).

A suplementação de vitamina A é dividida em duas fases, em crianças de seis a onze meses de idade é recomendado uma superdose de 100.000 UI (cem mil unidades internacionais) e 200.000 UI (duzentas mil unidades internacionais) para crianças de onze a cinquenta nove meses de idade (ALMEIDA et al., 2010).

O SUS conta também com o Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF) criado em 2005 que consiste na suplementação profilática de ferro no combate a anemia em crianças de seis a 24 meses de idade, em gestantes no combate a más formações congênitas do tubo neural no início do pré-natal e até o terceiro mês pós-parto e da suplementação com ácido fólico (BRASIL, 2013).  O ferro é um micronutriente que desempenha papeis importantes no transporte e armazenamento de oxigênio e sua baixa ingestão pode causar consequências adversas na saúde como aumento da mortalidade perinatal em gestantes e recém-nascidos, diminuição da função neuro cognitiva em crianças (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2015).

Destarte, além de atender a demanda do público materno-infantil, a UBS atende outros públicos como adultos e idosos do local em que ela está inserida, sendo atendimento defendido na PNAB (BRASIL, 2017). 

A PNAB é caracterizada por um conjunto de ações e estratégias focadas na promoção e prevenção da saúde, na qual se desenvolve através de trabalhos em equipe multiprofissional direcionada às necessidades da população de um determinado território, utilizando tecnologias de baixa complexidade, tornando a atenção básica como o primeiro contato do usuário ao sistema de saúde fundadas nos princípios do SUS (BRASIL, 2012).

Adicionalmente, desde 2013, a atenção básica instituiu a Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas (RASPDC) pela portaria GM nº 252, redefinida pela Portaria nº 483, de 1º de abril de 2014 que tem como objetivo promover a qualificação do cuidado em todos os pontos de atenção da rede de cuidado às pessoas com doenças crônicas. A RASPCD em seu eixo prioriza o cuidado integral ao enfrentamento das doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes e cânceres, trabalha com temas prioritários no combate aos fatores de risco a saúde como: inatividade física, alimentação inadequada, consumo de álcool e tabagismo (CHUEIRI et al. 2014; DE SOUZA et al. 2017).

Como evidenciado nas falas dos nutricionistas, a demanda de pacientes com comorbidades como diabetes, hipertensão, hipercolesterolêmica é frequente e geralmente relacionada aos problemas alimentares (PIMENTEL et al., 2011).

O papel do nutricionista no controle das doenças crônicas não transmissíveis na atenção básica é promover a recuperação da saúde dos indivíduos através do aconselhamento nutricional, pois ele é o único profissional habilitado na prescrição dietética individualizada (SILVA et al., 2021).

4.5 Categoria 5: Reflexões sobre ser o nutricionista na atenção básica de saúde

 Nesta categoria, os nutricionistas trouxeram reflexões sobre ser o nutricionista na atenção básica e seus desafios. Um relato interessante mostra a visão do cuidar que o nutricionista deve ter diante do trabalho na UBS:

Você realmente precisa amar a sua profissão, porque aqui as condições de trabalho, a carência que a gente vê da população, eles precisam realmente. Então você tem que fazer com amor (N1)

O relato do nutricionista N1 discorre a cerca de uma das políticas do SUS que neste caso é a humanização da saúde objetivando uma relação transversal do profissional com o paciente. Relação pautada na facilitação de trocas de informações sobre o estado de saúde (NORA; JUNGES. 2013).  Um dos contextos mais importantes na humanização do atendimento nutricional na UBS é se colocar no lugar do paciente, objetivando fazer com que este sinta-se acolhido e construa autonomia nos processos alimentares. Esse processo permite que o profissional consiga assimilar informações importantes como os hábitos alimentares, uso de medicamentos, medos e inseguranças diante dos problemas alimentares (DEMÉTRIO et al., 2011).

 Os relatos dos nutricionistas N2 e N5 reforçam essa relação da importância da profissão como ferramenta primordial na humanização do serviço:

É uma das ferramentas mais importantes dentro das UBS, porque se você comer bem, você vai ter uma boa saúde, se você comer mal, você vai ter uma má saúde. E a gente precisa fazer esse trabalho de orientação nutricional, e essa é a porta de entrada (N2)

O nosso papel é primordial para estar orientando esse público na prevenção e também tá atuando quando o paciente já desenvolveu algum problema de saúde devido à má alimentação (N5)

O tema da humanização está inserido empiricamente nas ações de alimentação e nutrição na atenção básica. Além do acompanhamento individual, os nutricionistas realizam ações estratégicas, como: diagnóstico da situação alimentar e nutricional da população do local em que a UBS está inserida geograficamente; atuação no programa social do Bolsa Família na questão do acompanhamento nutricional dos beneficiários; atuação nos Programas de Estratégia de Saúde da Família (ESF), NASF, dentre outros (RECINE et al., 2015).  

É importante compreender que a humanização é enxergar que o nutricionista não trabalha sozinho nas redes de atenção, pois tudo depende do olhar biopsicossocial da equipe multiprofissional da UBS para resolver a demanda do usuário do sistema (BORGES et al., 2021).

Atualmente, apesar da ESF e do NASF não serem obrigatoriedade na atenção básica, ambos continuam sendo modelos de referência no trabalho interdisciplinar de vários profissionais e o nutricionista é uma peça fundamental nesse espaço para trabalhar os princípios da PNAN (SANTOS, et al. 2020).

4.6 Categoria 6: Sobre a melhoria no ambiente de trabalho

A última categoria traz relatos sobre a necessidade de melhorar o trabalho do nutricionista na atenção básica na questão da valorização profissional, infraestrutura, informatização dos atendimentos e materiais modernos para avaliação nutricional.

A estruturação adequada de uma UBS coopera na ampliação dos processos de cuidado, influência nos resultados dos atendimentos e contribui para a melhoria dos serviços ofertados. A estruturação abrange recursos materiais incluindo tecnológicos e o contexto físico e organizacional no qual são executadas as ações preventivas em saúde (BOUSQUAT et al., 2017).

Os nutricionistas N1 e N4 reforçam a necessidade de melhor infraestrutura das UBS, afirmando que estas deveriam ter salas disponíveis para facilitar o trabalho de educação alimentar e nutricional em grupos. 

Tinha que ter uma sala melhor para questão de palestras(…) O profissional realmente fosse mais valorizado de forma geral (N1)

Um espaço (…) sala de espera pra tá dando informações durante todo o dia de atendimento do nosso trabalho, pra fazer oficinas (N4)

É importante destacar o papel da educação alimentar e nutricional na atenção básica que permite uma abordagem multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial para que os indivíduos envolvidos na educação nutricional adquiram conhecimentos contínuos e permanentes acerca dos hábitos alimentares (FRANÇA; CARVALHO, 2017).

Os recursos físicos e tecnológicos são fundamentais na avaliação antropométrica no campo da nutrição. O relato do nutricionista N6 traz essa necessidade de a UBS ter mais materiais de trabalho como balança tecnológica de bioimpedância elétrica.

Eu acho que precisava ter mais incentivo, a gente quase não disponibiliza de material (…) por exemplo de uma balança melhorada, de uma balança com bioimpedância, né? Então nem sempre a gente tem esses materiais (N6)

 A balança bioimpedância oferece parâmetros antropométricos que avaliam a composição corpórea como: massa de gordura corporal, massa de água, massa livre de gordura, idade metabólica entre outros parâmetros.  É um recurso físico tecnológico que ajuda no acompanhamento clínico de pacientes com doenças crônicas não transmissíveis, no acompanhamento de processos sarcopênicos em idosos e tendências de obesidade populacional e pode ser usada como prognóstico em algumas doenças nutricionais (SILVA et al., 2019).

Por último, o nutricionista N3 enfatiza a necessidade de a UBS ser informatizada para facilitar o atendimento nutricional. Pois, observa-se que as UBS do município de Macapá – AP carecem da informatização do fluxo de atendimento que facilitaria o trabalho dos profissionais.

Acesso a computador para a gente poder alimentar o sistema sem precisar ficar preenchendo tanta ficha (…) uma informatização da unidade (N3)

Uma das atribuições dos profissionais, incluindo os nutricionistas nas UBS é alimentar os Sistemas do SUS chamados de Estratégia-SUS. O e-sus é uma estratégia do Departamento de Saúde da Família que reestrutura as informações da atenção básica. No campo da nutrição existe o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN (marcador de consumo alimentar), a ficha de procedimentos ambulatorial (aplicação de vitaminas) e a ficha de atendimento (orientação nutricional) (BRASIL, 2021; PEDRAZA, 2021).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente estudo nos permitiu conhecer a percepção dos nutricionistas, sobre suas atuações nas UBS da Zona Sul do município de Macapá e o papel da nutrição na atenção básica de saúde como promotora de saúde nos ciclos da vida.

As indagações sobre a atribuição dos nutricionistas trouxeram reflexões do seu papel na orientação nutricional, pois percebemos que a população atendida na atenção básica carece de muitas informações a respeito da Educação Alimentar e Nutricional, no que tange a prevenção de doenças crônicas causadas em sua maioria por comportamentos alimentares oriundos de fatores socioeconômicos e culturais.

Outro fator importante são os recursos utilizados na avaliação nutricional. Hoje as UBS contam com materiais básicos para fazer a avaliação nutricional como balança, estadiômetro e a banners e alguns desses estão ultrapassados. Os nutricionistas destacaram a necessidade de mais investimentos de materiais com recursos tecnológicos modernos para avaliar os pacientes, além de um espaço maior para atividades em grupo e a informatização das UBS para facilitar o preenchimento de fichas de atendimento, fichas de procedimento, fichas do SISVAN e do programa social bolsa família.  Considerando que a atenção básica é a porta primária de acesso ao SUS, os nutricionistas destacaram que atendem públicos diversificados como crianças, gestantes, adultos e idosos, muitos encaminhados pela equipe multiprofissional para fazer acompanhamento nutricional no tratamento de anemias, diabetes mellitus, hipertensão arterial, entre outros. Além disso, frisaram o quão é importante o amor pela profissão na atenção primária, considerando as necessidades da população atendidas neste espaço.

Diante disso, consideramos que a pesquisa proposta irá contribuir para a discussão e implementação de políticas públicas para a melhoria da atenção básica no campo da Alimentação e Nutrição e ajudará em futuras intervenções em estudos acadêmicos por se tratar de uma pesquisa inédita no município de Macapá.

REFERÊNCIAS 

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1Nutricionista Residente em Atenção ao Câncer pelo Programa de Residência Multiprofissional em Atenção ao Câncer pela Universidade do Estado do Pará.
2Nutricionista Especialista em Nutrição Clínica e Ambulatorial pela Faculdade Anhanguera.
3Nutricionista formada pela Faculdade Estácio de Macapá.
4Nutricionista Especialista em Nutrição Clínica pela Faculdade Metropolitana.
5Nutricionista. Mestre em Nutrição pela UFRN.
6Nutricionista Especialista em Nutrição Clínica pelo GANEP.
7Nutricionista formada pela Faculdade Anhanguera.
8Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida (PPGSAQ), Instituto de Formação Interdisciplinar e Intercultural (IFII), Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). 
9Discente do curso de Nutrição pela Universidade da Amazônia.
10Nutricionista Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Secretaria Municipal de Saúde de Campinas – SP.
11Nutricionista formada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
12Doutora em Engenharia de Alimentos pela Universidade de São Paulo (USP).