RESERVA DO POSSÍVEL X PRAGMATISMO JURÍDICO: UM RECORTE DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7922638


Eduardo Aurélio Vieira Lima
Armando Soares de Castro Formiga


RESUMO

O presente trabalho de pesquisa analisa a aplicação da Teoria da Reserva do Possível no âmbito da judicialização da saúde no Brasil. Inicialmente, apresenta-se um breve histórico do Direito à Saúde no país antes e após a Constituição federal de 1988. A partir desse ponto, explica-se a Teoria do Pragmatismo ensinada por Richard Posner e comenta-se o custo social dos direitos. Ainda são apresentados os princípios da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e da vedação ao retrocesso social. Em seguida, insere-se a Teoria da Reserva do Possível, com seu contexto histórico e fundamentação de origem, bem como a recepção no Direito pátrio. Então, são apresentadas decisões dos tribunais brasileiros correlatas à matéria demonstrando que as cortes brasileiras têm fustigado a reserva do possível em detrimento da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e da vedação ao retrocesso social em matéria de direito à saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais. Direito à Saúde. Judicialização da saúde. Reserva do possível. Pragmatismo Jurídico.

ABSTRACT

The present research analyzes the application of the Theory of the Reserve of the Possible for Contingencies in the context of the judicialization of health in Brazil. Initially, a brief history of the Right to Health in the country before and after the Brazilian Constitution (1988) is presented. From this point on, the Theory of Pragmatism taught by Richard Posner is explained and the social cost of rights is discussed. The principles of human dignity, the existential minimum and the prohibition of social regression are also presented. Then, the Theory of the Reserve of the Possible is inserted, with its historical context and grounds of origin, as well as the reception in the country’s Law. Finally, decisions of the Brazilian courts related to the matter are presented, demonstrating that the Brazilian courts have harassed the reserve of the possible to the detriment of the dignity of the human person, the existential minimum and the prohibition of social retrogression in matters of the right to health.

KEYWORDS: Fundamental rights. Right to healthcare. Judicialization of health. Principle of reserve for contingencies. Legal Pragmatism.

INTRODUÇÃO

O trabalho em epígrafe apresenta como objeto a análise da utilização da argumentação relacionada à matéria da Teoria da Reserva do Possível no âmbito do Direito à Saúde no Brasil. Notadamente, investiga-se como tem se dado o desenvolvimento na doutrina acerca do tema e, ainda, como os tribunais pátrios têm definido a prestação jurisdicional quando das alegações do Poder Público visando a negativa de oferecimento de serviços públicos na área de saúde, no curso de ações que demandam tratamentos médicos negados pela administração pública.

A justificativa para a escolha da temática em questão se perfaz na relevância da efetivação do Direito à Saúde, norteado pelo figurino prescrito na Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Na prática, a Teoria da Reserva do Possível é frequentemente invocada em detrimento ao Direito à Saúde e ao princípio do Mínimo Existencial, ensejando uma negativa por parte do Estado em se concretizar um importante direito social constitucionalmente elencado. Decorre, daí, a acuidade em se averiguar o entendimento perfilhado pela doutrina e pela jurisprudência do país em relação à temática, buscando-se responder se é cabível valer-se da Reserva do Possível no âmbito do arcabouço jurídico brasileiro quando da judicialização da saúde.

A relevância da abordagem justifica-se na importância do Direito à Saúde, constitucionalmente fixado, que se alvora como relevante direito fundamental. Explica-se, também, ante o crescente número de processos judiciais ligados ao tópico, tendo em vista a maior consciência dos jurisdicionados em relação à possibilidade de demandar o Estado os mais diversos tipos de tratamentos de saúde.

A investigação exibe um panorama acerca do Direito à Saúde no país, trazendo um breve histórico comparativo: antes e depois da Carta Magna (1988). Mais adiante, o texto pontua as contribuições deRichard Posner relativas à visão pragmática do Direito, analisadas na interseção entre direito e economia. Também se busca perscrutar o contexto histórico e o conteúdo da Teoria da Reserva do Possível, exibindo-se apontamentos acerca dos princípios do Mínimo Existencial, da Dignidade da Pessoa Humana e da Vedação ao Retrocesso Social. Ainda, contextualiza-se a judicialização da Saúde e, por fim, busca-se analisar a aplicação da Teoria da Reserva do Possível no âmbito doutrinário e jurisprudencial pátrio, máxime em relação ao Supremo Tribunal Federal.

Na elaboração do presente texto, adota-se a metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, sendo esta a “pesquisa o método por excelência de que dispõe o pesquisador, sem com isso esgotar os outros procedimentos metodológicos (LEITE, 1997. p. 59) A análise se concentrará na investigação de dados obtidos mediante documentos como leis, doutrinas e decisões jurisprudenciais que abordam o tema mediante metodologia descritivo-analítico-reflexiva, que possibilita a análise reflexiva através da análise de referenciais teóricos e a análise reflexiva do assunto sob o método descritivo (MARCOLINO, MIZUKAMI, 2008. p. 541-547). Assim, realiza-se uma pesquisa de cunho exploratório-descritivo mediante metodologia do tipo qualitativo para se obter um conhecimento assertivo acerca da questão. Pretende-se, através da investigação técnico-jurídica partindo de uma análise doutrinária e jurisprudencial, verificar a eficácia dos princípios relativos ao Direito à Saúde, especialmente acerca da teoria da reserva do possível no tocante à negação de tratamentos de saúde por parte dos entes estatais.

1 DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

A princípio, é cabível apresentar um breve retrospecto acerca da história da saúde pública no Brasil, bem como o viés constitucional para com o tema em questão. Primordialmente, será delineado como se deu o seu desenvolvimento ao longo da história para, então, se analisar a temática no âmbito da Constituição.

Ao longo de todo o período anterior a 1988, a Saúde Pública não era compreendida como um direito fundamental do cidadão, ou seja, como um direito público subjetivo. Vislumbrava-se somente como se assim fosse um mero serviço público que se encontrava adstrito aos trabalhadores que contribuíam para com a previdência social (SANTOS; ANDRADE, 2006. p. 191) Assim, a lógica estatal no âmbito da saúde coletiva se mostrava totalmente distinta daquela em voga com o advento da Constituição Cidadã.

Com a queda do Império e a implantação da Primeira República, a divisão de responsabilidades no âmbito da saúde se fez de forma a conjugar setores que se dividiam em privados, em filantrópicos e em mutualistas. Nesse sentido, o Estado se limitava a garantir atenção a doenças mentais e infectocontagiosas, enquanto as Santas Casas cuidavam da população carente. Por sua vez, os sindicatos se organizavam no atendimento de seus segmentos e as classes com condições financeiras faziam uso da medicina liberal (GERSCHMAN; SANTOS, 2006. p. 177-227).

Nas décadas de 1920 e 1930 foram criadas diversas assistências médicas e farmacêuticas pelas empresas a seus trabalhadores. As chamadas Caixas ou Montepios se unificaram no Governo Vargas, formando organizações públicas autárquicas que tinham abrangência em todo o país. Foram instituídas uma forma corporativa e outra universalista no âmbito da saúde nacional, ensejando a profissionalização do setor (FONSECA, 2007. p. 17). Essas reformas refletiram no país décadas após a criação.

As disposições constitucionais sobre Saúde foram introduzidas expressamente desde a Constituição de 1934, e se limitavam, em regra, a definir competências para Estados e a União legislarem sobre matéria. O diploma constitucional varguista pontuava que era de responsabilidade da União e dos Estados Federativos prestar assistência pública aos cidadãos, garantindo a todos as condições dignas de saúde (BRASIL, 1934).

            No entanto, havia ainda alguns dispositivos no referido texto constitucional, determinando competências às leis trabalhistas que faziam referência às garantias de saúde.

Na prescrição de 1934, a lei deve viabilizar condições de trabalho para o indivíduo, na cidade e no campo, consoante às necessidades sociais do trabalhador e dos interesses econômicos do Estado. Ademais, era preciso que a legislação trabalhista observasse certos regulamentos que beneficiavam os trabalhadores, como a prestação de assistência média e sanitária ao indivíduo e, principalmente, às gestantes. Estabelece-se que à gestante seriam assegurados descansos prévios e após o parto, sem que sofresse prejuízo de renda e do emprego. Da mesma forma, o trabalhador passava, também, a ter uma renda resguardada em caso de invalidez, acidentes de trabalho, morte e velhice, mediante contribuição à União. (BRASIL, 1934).

Não ocorreram alterações significativas da constituição de 1934 para a de 1937, em que foram mantidas as atribuições das leis do trabalho em relação à saúde dos trabalhadores, ficando evidente a influência dos movimentos trabalhistas da década de 1930 no ordenamento jurídico da época.

As constituições subsequentes até 1988 não trouxeram muitas inovações no que tange ao Direito à Saúde, sendo as garantias relativas a este tema dispostas em normas infraconstitucionais.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) foi a primeira na história nacional a garantir como dever do Estado o Direito à Saúde, sendo o acesso universal e igualitário para todos os cidadãos. O art. 6º da CRFB prescreve que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho […]”. Por sua vez, os artigos 196 e seguintes são mais específicos e trazem uma série de garantias em relação ao direito à saúde.

O processo de elaboração do texto constitucional se deu num contexto pós-ditadura militar, em que a população, principalmente de baixa renda, sofria com a falta de acesso à saúde durante o regime. Epidemias como a de meningite, dengue e malária impactaram muito a vida dos cidadãos, criando assim a necessidade de um sistema que garantisse ampla cobertura de saúde pública para a população.

O chamado Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, iniciado no fim da década de 1970, se mostrou de suma importância ao reivindicar o direito universal à saúde e o acesso universal e igualitário a esses serviços (PAIM; ALMEIDA-FILHO, 2014. p. 205). A atuação foi essencial para a inserção política do tema na Assembleia Nacional Constituinte e “culminaram no texto constitucional de 1988, que consagrou os princípios fundamentais que orientam a política de saúde no Brasil” (ASENSI, 2013. p.143).

No novo recorte dado pela Carta Magna, a Saúde Pública passa a integrar a Seguridade Social, sendo custeada por toda a sociedade, o que transformou o Direito à Saúde numa estrutura complexa de garantias básicas aos cidadãos: visava não somente o tratamento de enfermidades, mas também a prevenção e redução de riscos através de políticas sociais e econômicas, como versa o art. 196 da CRFB (ASENSI, 2013, p. 143).

Segundo Lenir Santos (2010, p. 147-148), diante dessa mudança de paradigmas, a Saúde Pública passou a não ser somente um dever do Estado, a fim de eludir a proliferação de doenças que prejudicasse a saúde coletiva. Doravante, vigora um sistema em que o dever estatal, no que se tange à saúde, compreende-se na formulação de políticas públicas e no fornecimento de serviços de manutenção da saúde populacional.

Com esse figurino, o Direito à Saúde, que se sedimentou em meio ao rol dos direitos sociais e que recebeu um tratamento relevante no âmbito da constituição brasileira, possui uma proteção jurídica diferenciada no âmbito do arcabouço jurídico-constitucional brasileiro (CARLOS NETO, 2018. p. 18; SARLET, 2002. p. 2)

1.1 Pragmatismo em Posner e o custo social dos direitos

O pragmatismo jurídico, que tem como um dos principais defensores Richard Posner, teoriza que as ações levadas a cabo pelos seres humanos devem ocorrer em conformidade com sua adaptação ao meio social no qual se inserem e, de acordo com as circunstâncias, deixa-se de lado preceitos filosóficos ou abstratos.

Em concordância com Arruda (2011, p.26), constata-se que o pragmatismo jurídico indica a integração de metodologias de áreas diversas, para uma maior clareza do processo deliberativo. E mais, o direito é um objeto político e social, cujo personagem principal é o juiz.

Dessa forma, defende-se que outras áreas do conhecimento sejam incluídas no âmbito da prestação jurisdicional. Acerca do método pragmático, Carvalho (2006, p.63) expõe a forma com que o pragmatismo rompe com os debates cogitativos; debates esses influenciados por questões morais ou até mesmo advindas da Filosofia. Indo de encontro a essas especulações abstratas, o pragmatismo toma como base as análises práticas de ações ou conceitos, baseadas em experiências sociais. Conclui-se que o entendimento racional e objetivo do pragmatismo fazem parte da teoria da atividade judicial (CARVALHO, 2006. p. 63)

Para Posner (2009. p. 84.), ainda que se almeje justificar a defesa das liberdades fundamentais com base na eficiência, há casos concretos em que se devem buscar outras bases filosóficas.

Para ele, a atuação do juiz é de interpretação e aplicação das normas de forma a sopesar as consequências que as decisões possíveis apresentam, estando o mesmo circunscrito à defesa da democracia, da separação de poderes, da constituição e ainda da linguagem jurídica como maneira de se comunicar de forma efetiva.

Deve, portanto, o juiz pragmático solucionar os casos com a solução que seja a melhor não apenas no presente, como no futuro, podendo o mesmo ainda valer-se de uma perspectiva econômica para avaliar adequadamente as consequências de uma determinada decisão.

Tal atitude se perfaz em um acréscimo da complexidade da prestação jurisdicional e enseja maiores desafios no tocante ao ônus argumentativo do julgador, que necessita ter “disposição para basear as decisões públicas em fatos e consequências, não em conceitualismos e generalizações” (ALVES, 2019. p. 122).

Nesse sentido, convém trazer à baila uma frase central de Ronald Coase, que se fez o percursor da análise econômica do direito, a qual se perfaz em uma noção paradigmática no tocante à judicialização da saúde: “[o] custo de exercer um direito (de usar um fator de produção) é sempre a perda sofrida em outro lugar em consequência do exercício desse direito”. (COASE, 2003, p. 190)

Assim, verifica-se que os deferimentos em certas searas relativas aos direitos fundamentais, inclusive no tocante à saúde, tem o condão de fazer com que outros direitos sejam suplantados em razão de certa decisão judicial. Nesse sentido,

[…] antes de se afirmar que uma pessoa determinada possui um direito fundamental determinado, há de se analisar os custos desse direito e, somente diante da confirmação de que há possibilidades reais de atendimento ao ainda então invocado direito, reconhecer-se tal postulação como direito fundamental (GALDINO, 2002, p. 342)

Entretanto, ao seguir essa linha de pensamento, verifica-se a desigualdade que é provocada por decisões judiciais que concedem tratamentos de saúde, o que gera reflexos econômicos à administração pública que refletem negativamente na sociedade, devendo ser levado em consideração os custos gerados pelo direito à saúde.

1.2 Dignidade da pessoa humana, mínimo existencial e vedação ao retrocesso social

A organização jurídico-constitucional contemporânea se encontra fundamentada, inicialmente, no princípio da dignidade da pessoa humana. Essa noção se tornou um princípio expresso com o advento da Carta Magna brasileira, sendo que todas as normas de tal seara não podem prescindir de tal mandamento constitucionalmente insculpido.

Tal noção é normalmente vinculada na marcha do desenvolvimento do Direito Privado. Ao longo do tempo, também se transformou em um pilar do Direito Público, eis que se trata de fundamento da ordem constitucional contemporânea, ou seja, um vértice do Estado de Direito (CUNHA, 2002, p. 260).

A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), acerca de tal base principiológica, entende que a dignidade é a característica humana que diferencia este ser dos demais animais, concedendo-o uma posição de superioridade. Dessa forma, esse atributo é um direito crônico do indivíduo, que independente do Estado ou do merecimento humano (ANTUNES ROCHA, 2000, p.72).

Assim, com a superveniência da sua aparição com o status de fundamento da República, o princípio da dignidade humana deve nortear todo o sistema jurídico, inclusive no tocante à concretização dos direitos sociais ligados à seara da saúde.

Conforme a doutrina, a Teoria do Mínimo Existencial apresenta como função a atribuição de certos direitos aos jurisdicionados. Esses direitos subjetivos mínimos podem ser demandados em face do Poder Público, inclusive quando da ocorrência da diminuição da prestação de serviços sociais dos mais básicos que tem o condão de garantir a existência do cidadão (KRELL, 2002 p. 62).

Para o STF, o conceito de “mínimo existencial”, que por consequência reflete na Constituição, possui o propósito de assegurar aos cidadãos um cenário de existência respeitável. Por conseguinte, tal parecer torna-se viável por meio dos direitos sociais básicos (BRASIL, 2012).

Outros autores professam que o mínimo existencial encontra origem no âmbito da dignidade da pessoa humana, sendo formado pelas condições mais básicas e essenciais de existência, que “corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia jurídica positiva ou simétrica (BARCELLOS, 2002, p. 278)

Verifica-se que o entendimento de uma proibição ao retrocesso, ou proibição de regressividade, tem sido discutido na seara da doutrina constitucional de forma crescente. O debate acerca da chamada não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais encontra adeptos na Europa e já é desenvolvido na doutrina brasileira (QUEIROZ, 2006). Possui, assim, uma ligação com o Princípio da Segurança Jurídica, encartado no artigo 5º, caput, da Constituição da República (SARLET, 2012. p. 442)

Como decorre deste último, a proibição ao retrocesso seria uma garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, que ensejaria a devida proteção da confiança da população em relação à ordem jurídica adotada pelo Estado (NETO, 2014, p. 78), máxime no tocante a direitos sociais e garantias fundamentais.

Notadamente, em linhas gerais, elenca-se a obrigação estatal de manter a progressividade no fomento dos direitos sociais – e de estabelecer a proibição da regressividade nessa matéria (COURTIS, 2006). É um assunto que se liga à discussão acerca do Estado Social, ressaltando-se as sucessivas crises econômicas vividas (CASTORIADIS, 1996, p. 14-15), com destaque para a redução de direitos e garantias advindos de uma intervenção legislativa que afete benefícios sociais outrora concedidos (NOVAIS, 2016. p. 254).

Defende-se que o princípio em questão se trata de um limite material implícito no tocante a direitos fundamentais sociais que são assegurados pela Carta Magna e que tem como pano de fundo a característica de alta densidade normativa. Dessa forma, tais garantias não podem ser retiradas mediante emendas constitucionais ou pela legislação infraconstitucional, eis que já estabelecidas pelo texto máximo do país (FERNANDES, 2020. p. 902).

Entre as diferentes visões doutrinárias, também se destaca a relação do princípio da vedação ao retrocesso social com o mínimo existencial e com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, levando-se em consideração em primeiro plano a efetivação de algum direito fundamental ou direito social vinculados ao mínimo existencial, verifica-se que a mitigação deste princípio afetaria a própria dignidade humana. Isso não poderia ser aceito, já que se trata da legislação de condições e prestações mínimas para uma vida digna (SARLET, 2012. p. 463)

Essas seriam, em linhas gerais, as considerações acerca da discussão doutrinária sobre os princípios da dignidade humana, do mínimo existencial e da vedação ao retrocesso legal em matéria constitucional social.

1.3 Teoria da Reserva do Possível

A Teoria da Reserva do Possível apresenta uma fundamentação ampla no âmbito doutrinário da jurisprudência e da doutrina do Brasil e do mundo. O surgimento do conceito supracitado se deu no âmbito da Corte Constitucional Alemã em decisão de 1972 referente ao caso de Numerus Clausus BverfGE 33, S. 303.

Frisa-se que o decisum ora analisado é da década de 1970. O contexto alemão à época se perfazia em um período de grande antagonismo entre os sistemas relacionados à política e à economia no país, com reflexos diretos em seu sistema jurídico. Isso porque ainda havia o muro de Berlim e a nação se encontrava dividida entre o capitalismo e o socialismo. Essa divisão era relevante até mesmo em relação aos deslocamentos realizados no país.

Deve-se levar em conta, ainda, a sua extensão territorial. Isso porque não se trata de um país tão grande, eis que se pode compará-lo a alguns estados brasileiros. Tal fato se faz importante conforme alguns embasamentos da decisão ora analisada. 

Com o fito de ilustrar tal diferenciação, de se ver que o PIB alemão foi de 881,3 bilhões de dólares em 1979, chegando a 4,233 trilhões em 2021. Já o PIB brasileiro era de 221,3 bilhões em 1979 e alcançou a monta de 1,609 trilhão em 2021, o que denota o quão discrepante é a situação de ambos os países (World Development Indicators).

Discutia-se, in casu, a regulamentação para a admissão de estudantes de Medicina em universidades do país alemão. Notadamente, as Universidades de Hamburgo e da Baviera estabeleceram limitações no tocante à entrada de alunos no referido curso visando possibilitar o funcionamento dos curso, tendo em vista o alto custo com tal formação acadêmica.

Por seu turno, os estudantes se baseavam no direito estabelecido constitucionalmente de que os alemães têm o direito de escolher livremente sua profissão. Assim, a Corte alemã definiu a constitucionalidade da limitação de vagas (SCHWABE, 2005. p. 656).

Discutiam-se as restrições impostas pelas universidades no tocante ao acesso à educação superior em face da Lei Fundamental que garantia a liberdade da escolha de profissão. No julgamento, o Tribunal da Alemanha entendeu que, mesmo que tivesse os referidos recursos para abertura de vagas no curso de Medicina, não se poderia impor ao Estado a obrigação que não tivesse cunho ligado à razoabilidade e à possibilidade, em conformidade com a teoria da reserva do possível. Isso porque não seria possível comprometer programas diversos ligados a outros direitos fundamentais com o fito de tão somente ampliar o acesso às universidades, pois isso comprometeria a própria noção de estado social (OLSEN, 2006, p. 233)

É cabível rememorar que o caso então sub judice na Corte Constitucional alemã ocorreu tendo como escopo o artigo 12 da chamada Grundgesetz. Sua redação afirma taxativamente que todos os alemães teriam o direito de escolher livremente sua profissão, o lugar de trabalho e o de aprendizagem (ALEMANHA, 1949).

Levando-se em consideração o artigo supracitado, bem como o contexto histórico e o escopo do caso apresentado, pode se apreender os quatro principais embasamentos relativos ao caso:

(a) quando o início de uma profissão – como no caso de médicos – pressupuser uma determinada formação, as limitações ao livre acesso à formação prescrita [para o início da atividade de médico] devem ser tão rigidamente avaliadas, como os próprios pressupostos de admissão para a profissão.
(b) quanto mais fortemente o Estado moderno se inclina à seguridade social e ao fomento cultural dos cidadãos, mais aparece, no contexto da relação entre cidadãos e Estado, a exigência complementar pela outorga de direito fundamental da participação (grundrechtliche Verbürgung der Teilhabe) em prestações estatais, ao lado do postulado original da garantia de direito fundamental da liberdade em face do Estado.
(c) em um Estado de direito e social de liberdade não mais pode confiar-se à livre decisão dos órgãos estatais delimitar a seu bel prazer o círculo dos favorecidos e excluir uma parte dos cidadãos. Pelo contrário, decorre aqui, do fato de o Estado oferecer prestações, um direito de todo cidadão qualificado para o ensino superior de participar, a princípio igualmente, da chance de vida oferecida.\
(d) em virtude desses efeitos, não se pode negar que o Numerus Clausus absoluto de matrícula de candidatos se encontre à margem do constitucionalmente aceitável (MATSUSHITA, 2017).

Tendo em vista o caso analisado e a interpretação perfilhada pelo tribunal em comento, estabeleceu-se que o limite existente para a realização de matrículas dos alunos nas referidas universidades estava intimamente ligado à ausência de capacidade orçamentária à disposição para se destinar tais recursos aos cursos de Medicina.

É cabível trazer à baila o ensinamento acerca da decisão da Corte alemã, que põe em voga o que pode ser exigido, por parte do indivíduo, da coletividade e do legislador responsável. De acordo com Schwabe (2005, p.663), não seria cabível à situação a criação de um direito individual do cidadão com o propósito de criação de vagas de estudo, visto que não pôde ser percebida uma violação constituição referente a esta área de estudo. Desta forma, percebem-se limitações do que o indivíduo pode demandar do poder judiciário, conforme os princípios de racionalidade.

Verifica-se que o foco da assertiva acima exposta se perfaz na possibilidade de o cidadão exigir certa demanda de forma racional da coletividade, sendo este um dos fundamentos da decisão alemã.

Segundo Caliendo (2008, p.200), a Teoria da Reserva do Possível (Vorbehalt dês Möglichen) pode ser definida como a limitação do poder do Estado para a concretização de exigências referentes a um direito social, em virtude da doutrina constitucionalista alemã que ocasionou a limitação de vagas a um estudante (numerus-clausus Entscheidung).

Realizado o cotejo analítico dos fundamentos da decisão alemã, bem como definida a teoria analisada, é cabível explicitar a sua recepção no âmbito da doutrina brasileira. Inicialmente, observa-se que a recepção da Teoria da Reserva do Possível no Brasil não se trata de um tema pacificado. Isso ocorre em decorrência das já citadas diferenças entre o país em que a doutrina surgiu e o Brasil.

Nesse sentido, faz-se oportuno entender acerca da criação da reserva do possível, desenvolvida em um cenário distinto do que vivencia atualmente a sociedade brasileira. Entende-se que é necessário analisar criteriosamente a aplicação de tal doutrina alemã no judiciário brasileiro, visto que essa é advinda de um país extremamente distinto. Inclusive, com bases culturais, sociais, históricas e jurídicas únicas (CUNHA JR, 2011, p. 761).

Frisa-se que o autor foca nas diferenças existentes no padrão de vida brasileiro em face daquele existente no país alemão, demandando cautela no tocante ao traslado de teorias estrangeiras no país. Notadamente, o traslado de teorias com origem em outros países deve levar em consideração as realidades socioeconômicas distintas, ensejando que muitas vezes o sentido de tais teorias acabe se perdendo.

Assim, as teorias que se desenvolveram no bojo alemão acerca da interpretação dos direitos fundamentais não são passíveis de terem seu translado sem dificuldades ao Brasil, eis que os jurisdicionados daquela nação não viram o nascimento de tal teoria em um âmbito de mais de cem milhões de pessoas vivendo na pobreza, em situação de exclusão social (KRELL,  p. 107).

Dessa forma, o sistema jurídico e constitucional de certo país deve ser avaliado e aplicado em conformidade com as suas condições sociais, econômicas e culturais. Sendo necessário considerar o contexto de surgimento de teorias estrangeiras, eis que não é possível “transportar-se um instituto jurídico de uma sociedade para outra, sem se levar em conta os condicionamentos a que estão sujeitos todos os modelos jurídicos” (DANTAS, 2000, p. 66).

Acerca do tema, faz-se necessário ainda recorrer ao júbilo conimbricense de Canotilho, doutrinador português com grande influência no Brasil. Canotilho (2004, p.481) critica a Teoria da Reserva do Possível, observando que o conceito contribuiu para criar uma ideia errônea de que os direitos sociais só são válidos enquanto o Estado tiver recursos financeiros. Assim, pode-se afirmar que esta equivalência resulta em um conceito sem nenhuma validade jurídica. O autor supracitado ressalta a existência da reserva do possível em face da chamada “reserva do financeiramente possível”, tema tratado também por Ricardo Lobo Torres (2009. p. 109).

Torres faz a distinção entre a teoria da reserva do possível e a questão orçamentária quando da concretização dos direitos sociais. Para ele, existe uma “desinterpretação da ‘reserva do possível’ no Brasil”. Assim, poder-se-ia afirmar que o significado de origem quando de sua importação ao Brasil foi deturpado:

No Brasil, portanto [a reserva do possível], passou a ser fática, ou seja, possibilidade de adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade financeira, que pode compreender a existência de dinheiro somente na caixa do Tesouro, ainda que destinado a outras dotações orçamentárias! Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre pode extrair mais recursos da sociedade, segue-se que há permanentemente a possibilidade fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública! Em outras palavras, faticamente é impossível a tal reserva do possível fática! (TORRES, 2009, p.109)

Já para Olsen (2011. p. 222) “a reserva do possível surge como um excelente escudo contra a efetividade dos direitos fundamentais à prestação positiva, pois nada poderia ser feito, ainda que houvesse vontade polític”, face à escassez de recursos”. A autora assevera que a efetividade dos direitos fundamentais “[…]decorrem da busca do atendimento das necessidades humanas, […] correspondem a imperativos da dignidade, e deveriam ser satisfeitos independentemente da provisão do mercado”. Todavia, ela conclui que “a positivação desses direitos em cartas constitucionais não foi suficiente para garantir sua exigibilidade” (OLSEN, 2011 p. 311).

Já Sarlet (2003. p. 265) professa que é preciso analisar a teoria da reserva do possível em conformidade com a razoabilidade da pretensão individual em detrimento da sociedade, já que “mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável”.

Por seu turno, Krell (2022, p.22) defende que o Poder Judiciário não poderia, em princípio, realizar intervenções no âmbito do poder que controla as opções legislativas, com exceção de violações evidentes e arbitrárias. Entretanto, de acordo com o autor, pode-se concluir que os Poderes Legislativo e Executivo brasileiros não conseguem cumprir plenamente as normas constitucionais. Nesses casos, vê-se cada vez o crescimento de uma parcela populacional que exige a intervenção do Judiciário em situações de omissão em relação aos Direitos Fundamentais Sociais do cidadão.

Desta forma, a Teoria da Reserva do Possível liga-se umbilicalmente à razoabilidade da pretensão, que diz respeito à proporcionalidade. A respeito de tal princípio, considera-se que a proporcionalidade é o equivalente a um juízo de valores, posto em voga no cumprimento das normas jurídicas. Sabe-se que na realização de certas ordens jurídicas, valores serão colocados em prova, ocasionando um atrito que deve ser analisado conforme o princípio da proporcionalidade (JUSTEN FILHO, 1998, p.118).

Realizado este panorama, passa-se a realizar algumas pontuações sobre o papel constitucional das cortes brasileiras, especialmente o STF, que ainda terá suas decisões mais relevantes em matéria da Teoria da Reserva do Possível acima analisada para assim se compreender a aplicação do princípio em comento na jurisprudência do Pretório Excelso.

2 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

 Realizadas as devidas pontuações acerca da teoria da reserva do possível, passa-se à análise de decisões judiciais que denotam o tratamento dado pelos tribunais pátrios ao direito à saúde. Inicialmente, verifica-se que o STF apresenta decisões paradigmáticas no tocante ao assunto ora analisado.

Notadamente, no âmbito do Agravo em Recurso Extraordinário nº 745.745/MG, percebe-se a utilização das bases principiológicas da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e da vedação ao retrocesso social de forma a reforçar o argumento relativo ao devido controle jurisdicional da legitimidade da omissão do poder público.

A controvérsia cingiu acerca da suspensão da prestação de serviços públicos de saúde de uma rede de assistência municipal às crianças e aos adolescentes de certa cidade mineira. A decisão invocou precedente do mesmo tribunal no sentido de que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o conceito de reserva do possível não pode ser utilizado pelo poder estatal para livrar-se das suas obrigações, determinadas pela Constituição (BRASIL, 2004).

Ainda se salientou que deveria ser observado o mínimo existencial para se garantir a rede de assistência à saúde para crianças e adolescentes, fundamentando-se tal argumentação em outro precedente relativo ao mínimo existencial da Corte. De acordo com o Supremo, o mínimo existencial possui como embasamento a própria Constituição. A saber, o propósito é assegurar ao indivíduo seus direitos sociais básicos, por meio da atuação do Estado. Ou seja, este atua como uma instituição facilitadora para os cidadãos viverem em condições dignas (STF, ARE-AgR 639.337/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma. 2011).

Doravante, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.595/DF, aviada em face da diminuição de recursos pelo governo no âmbito da saúde, o voto do relator deferiu a medida cautelar demandada, salientando o dever geral de efetivação dos direitos fundamentais que deve ser observado pelo Estado. Concluiu-se que a omissão estatal em fazer cumprir o percentual delimitado para os gastos em saúde pelo texto constitucional poderia ser objeto de controle jurisdicional.

Isso porque, conforme a vedação ao retrocesso social, o núcleo dos diretos conquistados no âmbito legislativo não poderiam ser revogados por uma nova norma, que seria inválida, inconstitucional, se o Estado não demonstrasse a sua razoabilidade e proporcionalidade.

Há ainda outros julgados paradigmáticos relativos à seara da saúde. No julgamento de um paciente com HIV que dependia de fármacos do SUS, o Ministro Celso de Mello assentou que o direito à saúde representa uma consequência que se faz indissociável do direito à vida. Segundo o art. 196 da Constituição, o direito à saúde é garantido a todos os cidadãos. Sendo assim, cabe ao Estado atuar por meio de políticas públicas para viabilizar o cumprimento da Constituição, abrangendo os cidadãos portadores de HIV. Na concepção do Ministro Celso de Mello, o direito à saúde é intrinsecamente ligado ao direito à vida, de forma que ambos devem ser garantidos com afinco (BRASIL, 2000).

Por seu turno, o Ministro Ayres Britto definiu que “a saúde é constitucionalmente qualificada como direito fundamental de dupla face (direito social e individual indisponível) (BRASIL, 2012)”.

Já o Ministro Lewandowski afirmou em outro julgado que, em decorrência de razões éticas e jurídicas com fundamento no arcabouço normativo constitucional, o respeito indeclinável à vida e à saúde humana deve estar sempre acima de interesses financeiros e secundários do Estado quando o julgador se vê diante de tal confronto (BRASIL. 2013).

Recursos relacionados a fins terapêuticos para crianças também foram assegurados em decisão da ministra Carmen Lúcia, que entendeu que o Poder Público tem a obrigação relativa ao fornecimento de medicamentos, próteses e outros recursos para o tratamento.

Conforme entendimento do Ministro Luiz Fux,

A assistência à saúde, a ser atendida de forma solidária pelos entes públicos (Estados, DF e Municípios), deve ser integral, alcançando o fornecimento de medicamentos, materiais de difícil acesso, ou tratamento a doentes que dele necessitem para o uso permanente ou por tempo determinado (BRASIL. 2013).

Assim, conclui-se que a jurisprudência exarada pelo Pretório Excelso diuturnamente rechaça a teoria da Reserva do Possível, notadamente ressalvando a ocorrência de justo motivo que possa ser auferido de forma objetiva, e concede a primazia do entendimento da obrigação estatal em possibilitar o direito à saúde à população que recorre ao judiciário.

CONCLUSÃO

O trabalho em epígrafe objetivou a análise da utilização da teoria da reserva do possível no âmbito da judicialização da saúde no Brasil. Conforme se observou, no período que antecede a Constituição da República de 1988 a saúde não era um direito fundamental, sendo considerado tão somente um serviço público circunscrito ao âmbito dos contribuintes da previdência social.

Com o advento da Carta Magna em vigor, o direito à saúde se consolidou como dever do Estado, muito em decorrência do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira. A partir disso, a saúde pública passou a integrar a seguridade social e começou a ser financiada por toda a sociedade, ensejando uma estrutura complexa com diversas garantias básicas à população.

Verifica-se que o arcabouço jurídico-constitucional relativo à saúde do país na contemporaneidade, bem como a construção no âmbito das cortes brasileiras, máxime em relação ao Supremo Tribunal Federal, apresenta uma grande tendência a se assentar no âmbito dos princípios da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e ainda da vedação ao retrocesso social.

Enquanto a dignidade da pessoa humana se perfaz em princípio basilar no âmbito da Constituição Federal e pressupõe a ideia de justiça humana, o princípio do mínimo existencial tem como escopo atribuir certos direitos à população, ensejando prerrogativas de condições adequadas para uma existência digna. Por seu turno, a vedação ao retrocesso social se perfaz em uma proteção à população em relação aos direitos fundamentais já conquistados.

É certo que a construção doutrinária e jurisprudencial no tocante ao direito à saúde no país se olvida totalmente das teorias ligadas ao pragmatismo jurídico, bem como do custo social apresentado pelos direitos sub judice, vez que se alicerça no âmbito de princípios que possibilitam o direito à prestação de serviços de saúde constitucionalmente elencados, o que faz com que o Estado tenha que arcar com tais gastos e deixe de assegurar outros direitos de searas diversas.

Notadamente, a concessão da prestação jurisdicional no âmbito da saúde com base nos direitos fundamentais pode ensejar que outros direitos sejam suplantados, devendo-se, segundo Posner, analisar os custos deste direito e averiguar as possibilidades de seu atendimento.

Destarte, é possível observar que o Supremo Tribunal Federal apresenta uma posição. Está também perfilhada pelos mais diversos tribunais do país, que rechaça a estudada teoria da reserva do possível e que dá primazia aos direitos fundamentais da Constituição, se olvidando dos reflexos econômicos gerados à administração pública e à sociedade, sendo o ideal que os custos gerados pelo direito à saúde sejam observados de forma mais sistêmica e não apenas individual com primazia à proporcionalidade, que se presta a ponderar os valores existentes dentro de certo sistema jurídico.

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