A TEORIA DO CRIME: ANÁLISE DAS TEORIAS DELITIVAS NO ÂMBITO JURÍDICO E SUAS CLASSIFICAÇÕES FORMAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7924909


José Renato Bezerra Sales1
Italo Danyel Amorim Gonçalves dos Santos2


RESUMO:

A escolha do tema do presente trabalho acadêmico foi feita com base na dificuldade que o autor desta monografia teve em entender o quão amplo é o estudo acerca do crime, pois ao longo do tempo vários estudiosos e doutrinadores entendiam diferente o conceito e especificidade do que deveria ser o fato delituoso, e até mesmo no Brasil já vigorou diferentes teorias da que aí está hoje, e a justificativa do tema seria essa, exemplificar as teorias mais relevantes (teorias bipartide, tripartide, tetrapartide e pentapartide) e ainda as teorias da ação. Explicando a questão da teoria do crime, que é a base que sustenta todo o Direito Criminal/Penal e o Direito Processual Criminal, porém, se faz necessário ter conhecimento de sua origem e de seus principais estudiosos, para que o leitor possa minimamente ter uma noção e sentir mais segurança para compreender quando for abordado seus mais variados conceitos, teorias, entendimentos e elementos do crime (delito), onde será devidamente abordado no presente trabalho acadêmico.  

PALAVRAS CHAVE: Crime; Teoria; Delito; Bipartide; Tripartide; Tetrapartide; Pentapartide. 

ABSCTRACT:

The choice of theme for the present academic work was based on the difficulty that the author of this monograph had in understanding how broad the study of crime is, since over time several scholars and scholars understood differently the concept and specificity of what should be done. Be the criminal fact, and even in Brazil different theories have been in force than the one that exists today, and the justification of the theme would be this, to exemplify the most relevant theories (bipartite, tripartite, tetrapartite and pentapartite theories) and also the theories of action. Explaining the question of the theory of crime, which is the basis that supports all Criminal/Penal Law and Criminal Procedural Law, however, it is necessary to have knowledge of its origin and of its main scholars, so that the reader can at least have a notion and feel more secure to understand when its most varied concepts, theories, understandings and elements of crime (crime) are approached, where it will be properly addressed in the present academic work.

KEYWORDS: Crime; Theory; Crime; Bipartite; Tripartite; Tetrapartide; Pentapartide.

1. INTRODUÇÃO 

Ao analisar o conceito analítico de crime e seus elementos, primeiramente se faz necessário antes visualizar os conceitos: material, formal e analítico (estratificado) e nesse caso, há diversas divergências doutrinárias.

De tal forma, serão exemplificadas as três principais correntes acerca da teoria do crime, sendo elas a concepção bipartida (tipicidade, ilicitude), visto que quem adota essa teoria a culpabilidade seria simplesmente pressuposto de aplicação de pena, não fazendo parte integrada no conteúdo do crime, sendo essa tese defendida por vários doutrinadores, tais como: Celso Dermanto, Júlio Fabbrini Mirabete, Renê Ariel Dotti, Damásio de Jesus, Fernando Capez entre outros.

A corrente tripartida, que é majoritária, (que considera o delito exemplificado da seguinte maneira: fato típico, ilícito e culpável) inserindo a culpabilidade integrante do conteúdo do crime, é adotada também por vários doutrinadores, tais como: Rogério Greco, Nélson Hungria, Luís Regis Prado, Guilherme Nucci, Fernando Galvão, Heleno Fragoso, Francisco de Assis Toledo, Cezar Bittencourt, Edgard Magalhães Noronha entre outros.

Além dessas, a teoria tetrapartida (fato típico, ilícito, culpável e punível), sendo nessa visão a punibilidade componente do conteúdo do crime, é adotada por vários doutrinadores como por exemplo Claus Roxin (1999) e o estudioso Basileu Garcia.

Brevemente há também de lembrar da teoria pentapartida, sendo a mais divergente teoria desse estudo, defendida por Franceso Carnelut (1999), que chegou ao entendimento de que o crime e o negócio jurídico são semelhantes ao ponto de que, para ele, os caracteres do crime seriam: capacidade, legitimação, causa, forma e vontade, não vislumbrando diferenças entre ambos.

E por fim, faremos uma análise sobre as teorias da ação, onde nela se encontram as teorias: Naturalista (Causal-Naturalista, mecanicista ou causalista), Finalista da Ação e a Social da Ação.

Fazendo uma breve consideração acerca da teoria do crime, elas não se aplicam, no âmbito brasileiro, no conceito de infrações penais, pois aquelas analisam os elementos do crime e estas analisam as espécies de infrações penais, sendo elas: o crime, o delito e também a contravenção penal. Ademais, existem países que diferenciam crime de delito, no Brasil esses termos são sinônimos, não se aplicando nas teorias que acima serão abordadas.

2. CONCEITO DE CRIME

Na ótica de Eugênio Raul Zaffaroni (2002), magistrado e jurista argentino, a teoria do crime é uma área da diretriz penal que busca alcançar um conceito geral do que é delito, e também abordar seus aspectos. Segundo ele, a teoria do crime é uma área do Direito Criminal que visa explicar o que de fato é o delito e suas particularidades: 

Chama-se teoria do delito à parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, isto é, quais são as características que deve ter qualquer delito. (2002, p.384). 

Já sob o olhar de Franz Von Liszt, principal teórico e fundador da teoria finalista do Direito Penal, o crime seria:

“Crime é o injusto contra o qual o Estado commina pena é o injusto, quer se trate de delicto do direito civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, do crime, é a ação culposa e contrária ao direito”. (LISZT, 1899)

Como forma de conter o crime, o Estado sempre usou do seu poder soberano para impor medidas, por meio das leis, para definir e limitar a liberdade individual da sociedade; a punição era, e ainda é de certa maneira, a forma como o poder estatal impõe contra aquele que comete um delito.

De acordo com Cesare Beccaria, um dos nomes mais relevantes do iluminismo penal na Itália e da Escola Clássica de Direito Penal, em seu livro “Dos delitos e das penas”, a prevenção do crime é tão importante quanto estabelecer sanções dele derivadas, pois o legislador deveria antes pensar na forma de impedir o mal do que a devolvê-lo, conforme ele afirma: 

“É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que recuperá-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência. Contudo, os processos até hoje utilizados são geralmente insuficientes e contrários à finalidade que se propõem.” (BECCARIA, 2007)

Dito isso, assim que um indivíduo comete um ato que está devidamente tipificado em norma penal (incriminadora), não existindo causa excludente de ilicitude e nenhuma característica que tire a sua culpabilidade, será considerado um criminoso.

Ainda assim, sob um viés criminológico, Cesare Lombroso (2010), criminologista italiano do século XIX, desenvolveu uma teoria por meio dos seus estudos sobre a possibilidade de um indivíduo já nascer com a predisposição de delinquir, o famoso “criminoso nato”. De acordo com ele, essa prateleira de delinquentes estava diretamente relacionada ao atavismo, de forma que suas características físicas e morais evidenciavam que ele iria delinquir a qualquer momento. Por meio dessas pesquisas, Lombroso (2010) afirmava que esses criminosos tinham estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais, que os assemelhavam ao comportamento de certos animais, tribos selvagens e também plantas.

3. ANÁLISE MATERIAL DO CRIME

O crime, sob o prisma material, é o comportamento humano que ocasione alguma lesão ou risco de lesão a um bem jurídico resguardado pelo Estado, tais como os crimes contra a vida (que tem como bem jurídico protegido a vida extrauterina) e os crimes contra o patrimônio (que tem como bem jurídico protegido o próprio patrimônio). Assim dizendo, toma como base a matéria do ilícito penal.

Para o jurista espanhol Luis Jiménez de Asúa (2007), o crime é a conduta considerada pelo legislador como antagônica a uma norma criada pelo Estado e que lesam bens jurídicos protegidos advinda de um cidadão imputável que manifeste periculosidade social.

Para Vincenzo Manzini (1950), jurista italiano do século XX, o delito seria uma ação ou ainda uma omissão, imputável a um indivíduo, que lesione ou leve perigo a interesse criminalmente protegido pelo Estado, formada por certos elementos e possivelmente feita por algumas condições ou complementado de certas circunstâncias que são predeterminadas no ordenamento jurídico.

4. ANÁLISE FORMAL DO CRIME

No prisma formal, o crime seria simplesmente uma discordância entre a norma penal e a conduta praticada pelo agente, se considerando infração penal tudo aqui que o legislador determinou, pouco importando o conteúdo ali presente. É considerado um conceito não estrito, e pouco exato, pois não delimita nada, não se analisando o motivo da conduta.

Para Manoel Pedro Pimentel (1975), sob a análise formal, o crime é uma conduta, comissiva ou omissiva, antagônica ao tipo penal instituído pelo Estado, a quem o próprio atribui pena como sanção proporcional à conduta.

5. ANÁLISE ANALÍTICA OU ESTRATIFICADA DO CRIME

No conceito analítico ou estratificado do crime, como a maior parte dos assuntos jurídicos, há controvérsias doutrinárias, pois aqui se encontra o núcleo do presente trabalho, onde alguns estudiosos defendem a teoria bipartida, outros defendem a teoria tripartida (adotada pelo ordenamento jurídico), os que defendem a teoria tetrapartida e por último, a teoria pentapartida.

Como são tantos os conceitos para o crime, a análise estratificada é aquela que busca compreender mais profundamente os elementos e caracteres do delito, pois as formas de se olhar o crime formal e material, não são tão precisas e pouco exatas para o fim de ser justo na hora de aplicar a sanção.

Na forma que esse ponto é tão importante, será sustentada em diante uma abordagem mais intrínseca para que o conceito fique plenamente entendido e suas teorias sejam devidamente abordadas. 

6. TEORIA BIPARTIDA DO CRIME

A teoria bipartida do crime é adotada por inúmeros doutrinadores e estudiosos do Direito Penal, tais como: Damásio de Jesus, Fernando Capez, Cleber Masson, Celso Demanto, Julio Fabbrini Mirabete, José Frederico Marques, Renê Ariel Dotti, entre outros.

Essa teoria afirma que a culpabilidade não integra o conceito do delito (sendo apenas o fato típico e ilicitude), e seria simplesmente pressuposto de aplicação de pena, e tem como base a teoria finalista de Hans Welzel (1993) na Alemanha da década de 30 do século XX, que mudava a versão de que o dolo e a culpa, elementos subjetivos do tipo, não integrariam a culpabilidade, e sim o fato típico, mais claramente no seu elemento conduta. Diante disso, a presente teoria afirma que o crime seria caracterizado da seguinte maneira: Fato típico e ilicitude. 

6.1 FATO TÍPICO

Uma conduta contextualizada por elementos que interessam ao Direito Penal, devidamente tipificada em lei penal incriminadora, caso não esteja prevista, o fato não interessa ao Direito criminal, sendo, portanto, fato atípico (não punido pela norma penal). O fato típico por sua vez, tem seus elementos definidos que são: Conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. 

6.1.1 Conduta

É o comportamento humano, psiquicamente dirigido a um fim, podendo ser de forma dolosa ou culposa, de maneira comissiva ou também omissiva que visa uma determinada finalidade. Esse substrato do crime é excluído em caso fortuito, força maior, movimento não voluntário, inconsciência completa, movimentos reflexos e a coação física irresistível. 

6.1.2 Resultado 

Aquilo que a conduta gera. Os crimes podem ser materiais (exigem a ocorrência do resultado naturalístico como o Homicídio), formais (o resultado naturalístico é dispensável como no caso do crime de Concussão em que o crime se consuma no momento que o agente público exige e não de fato quando ele recebe a vantagem patrimonial indevida) ou ainda de mera conduta (aquele em que a norma penal apenas diz a conduta humana não havendo a possibilidade do resultado naturalístico ser ocorrido como por exemplo o crime de ato obsceno).

6.1.3 Nexo Causal 

É o vínculo que existe entre a conduta e o resultado, a causa para isto acontecer (todo fato que sem ele não teria acontecido o resultado). O Código Penal adere a teoria da equivalência, a qual se considera causa, seja por meio da ação ou omissão, que sem a ele o resultado jamais teria sido ocasionado.

6.1.4 Tipicidade

Se divide em duas tipicidades (formal e também a material), sendo a formal que afirma que o fato deve estar previsto em lei enquanto a material finaliza dizendo que a coisa atingida tem de ser relevante valorosa (a tipicidade material é afastada pelo princípio da insignificância em alguns casos).

6.2 ILICITUDE 

É o fato praticado em sentido contrário ao que diz o Direito Penal, pois se o fato for típico, deverá analisar sua ilicitude. Nem todo fato típico e ilícito, pois pode estar presente alguma excludente de ilicitude, que assim que for constatada, não haverá crime:

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: 
I – em estado de necessidade; 
II – em legítima defesa; 
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

As excludentes de ilicitude estão presentes no Código Penal, que são: Estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.

6.2.1 Estado de necessidade

Essa excludente de ilicitude é prevista no artigo 24 do CP:

Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

6.2.2 Legítima defesa

Está prevista no artigo 25 do CP:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

O estrito cumprimento do dever legal não foi especificado pelo Código Penal, no entanto ele é explicado por Marcello Jardim Linhares como:

“Trata-se da ação praticada em cumprimento de um dever imposto por lei, penal ou extrapenal, mesmo que cause lesão a bem jurídico de terceiro. Pode-se vislumbrar, em diversos pontos do ordenamento pátrio, a existência de deveres atribuídos a certos agentes que, em tese, podem configurar fatos típicos”. (LINHARES, 1911).

O exercício regular de direito também não foi especificado pelo Código Penal, e é explicado também por Marcello Jardim Linhares como: 

“É o desempenho de uma atividade ou a prática de uma conduta autorizada por lei, que torna lícito um fato típico. Se alguém exercita um direito, previsto e autorizado de algum modo pelo ordenamento jurídico, não pode ser punido, como se pratique um delito”. (LINHARES, 1911).

Com base na explicação da teoria bipartida, Fernando Capez afirma a possibilidade de existir o crime mesmo com isenção de pena pelo agente:

“Quando se fala na aplicação de medida de segurança, dois são os pressupostos: ausência de culpabilidade (o agente deve ser inimputável) + prática de crime (para internar alguém em um manicômio por determinação de um juiz criminal, é necessário antes provar que esse alguém cometeu um crime). Com isso, percebe-se que pode haver crime sem culpabilidade” (CAPEZ, 2011).

Analisando por esse ângulo, o inimputável, mesmo não podendo ser submetido a uma sanção penal, por não ser culpável, não deixa ele de ter sido o responsável pelo delito, pois apenas a pena é afastada e não o crime, sendo demonstrado para os defensores da presente teoria sendo essa a mais acertada.

7. TEORIA TRIPARTIDA DO CRIME:

Essa concepção, adotada e usada pelo Código Penal, afirma que a culpabilidade, não seria um simplesmente pressuposto de aplicação de pena, e sim seria parte integrante do conceito analítico do crime.

Para que não configure a figura do delito, o fato precisa ser: atípico; ou enquadrado em uma das hipóteses de exclusão da ilicitude (estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito, CP, art. 23, incisos I, II e III conforme explicado acima na exemplificação da teoria bipartida); ou que se encaixe em alguma das excludentes de culpabilidade (inimputabilidade; potencial desconsciência da ilicitude e por último a inexigibilidade de conduta diversa).

As teorias bipartida e tripartida são bem semelhantes, o que as diferenciam são os elementos da culpabilidade, que na bipartida é um mero pressuposto de aplicação de pena e na tripartida integra de fato a configuração estratificada do crime. Além do fato típico e da ilicitude, nessa esfera a culpabilidade se define como:

7.1 CULPABILIDADE 

Trata-se da possibilidade do agente ser considerado culpável perante o Estado, e atribuir culpa ao agente pelo fato típico e ilícito praticado. Na teoria normativa, não se analisa o elemento subjetivo do tipo (dolo e culpa) na culpabilidade, sendo que este integra a tipicidade. A culpabilidade também (igual o fato típico e ilícito) se subdivide em: Imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa.

7.1.1 Imputabilidade

Capacidade de receber culpa, de entender o caráter ilícito da conduta, caso o agente sofra de doença mental, será considerado inimputável, podendo ser submetido à medida de segurança, e também são considerados inimputáveis para fins penais os menores de 18 anos de idade e o agente em caso de embriaguez acidental completa.

7.1.2 Potencial consciência da ilicitude do fato

É a necessidade de que o agente tenha consciência da ilicitude do fato, ou ao menos tenha a possibilidade de conhecê-la (exclui a potencial consciência: o desconhecimento da lei é, como regra geral, inescusável, mas será escusável o erro sobre a ilicitude do fato, se for inevitável, excluindo a potencial consciência da ilicitude do fato e isenta o agente de sanção penal).

7.1.3 Exigibilidade de conduta diversa 

Verifica-se se o autor poderia ter praticado a conduta em conformidade com o ordenamento jurídico, sendo punido somente se lhe era exigível e possível de sua parte conduta diversa, se ele de fato tinha a possibilidade de escolher não cometer o fato (exclui a exigibilidade a coação moral irresistível, obediência hierárquica quando a ordem não for claramente ilegal).

8. TEORIA TETRAPARTIDA DO CRIME

Essa terceira teoria, minoritária e nunca adotada pelo ordenamento penal pátrio, afirma que o crime é todo fato típico, ilícito, culpável e ainda punível, a qual é defendida pelo jurista Basileu Garcia.

O jurista Claus Roxin (1999), alemão da Universidade de Munich, também sustenta a presente teoria e apresenta a definição de que considerando a política criminal deve esclarecer na seara da incriminação tal quais os predicados legais penais, a punibilidade deve sim fazer parte como forma de responsabilização pelo crime.

9. TEORIA PENTAPARTIDA DO CRIME

O jurista Francesco Carnelut (1999), analisou o crime de uma ótica diferente, na qual segundo seus estudos, a definição desse se assemelha muito a de um negócio jurídico comum, vislumbrando muitas similaridades, sendo os requisitos de ambos: capacidade, legitimação, causa, forma e vontade, não vislumbrando diferenças entre ambos.

10. TEORIAS DA AÇÃO

Fazendo agora uma análise sobre as teorias da ação delitiva principais, e é perceptível que antes da reforma do Código Penal de 1984, a teoria que estava sendo adotada era a teoria naturalista-causal da ação, onde nela o substrato da culpabilidade tinha os elementos da imputabilidade, a exigibilidade da conduta diversa e por fim, o dolo e culpa. Assim, percebe-se que nessa teoria que a culpabilidade era o lugar mais certo para se analisar os elementos subjetivos do tipo (dolo e a culpa).

Entretanto, com a reforma do Código Penal de 1984, a teoria finalista da ação passou a ser utilizada onde o dolo normativo é substituído por um simples dolo natural quando ele é realocado para o elemento da conduta humana junto com a culpa que se localizam no caractere da tipicidade, e assim é analisado a finalidade do agente ativo do delito, podendo ele responder tanto de forma dolosa ou ainda da forma culposa.

10.1 TEORIA NATURALISTA (OU MECANICISTA)

Esta teoria foi elaborada pelo professor e mestre Franz von Liszt (1889) no final do século XIX e que se manteve até meados do século XX e teve como um de seus maiores pilares o mestre Ernest von Beling (da Universidade de Munique na Alemanha), sendo este também o encarregado do termo tipicidade. Além desses, também podemos destacar alguns doutrinadores que defendem essa ideia, como por exemplo: Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Battaglini, Pietro Nuvolone, Frederico Marques, Magalhães Noronha entre outros.

Para quem defende essa teoria, não há qualquer diferença entre uma ação com dolo (dolosa) e uma ação com culpa (culposa), pois em ambas o resultado no mundo exterior é o mesmo, ignorando totalmente a vontade do agente (do conteúdo finalista).

Para o mestre Franz von Liszt (1889), a definição de ação é a exteriorização de um movimento corporal do ser humano que altere o mundo exterior, perceptível pelos sentidos humanos e também produzida por uma vontade, sendo uma ação ou ainda omissão voluntária, porém, não existindo qualquer finalidade do agente.

Na teoria naturalista os elementos de dolo e culpa são analisados na culpabilidade. Se analisa então, que independente da vontade do indivíduo a sua conduta é tida como típica, exemplificando que, se ele estiver dirigindo um carro de forma correta, porém um terceiro pula em direção ao seu veículo com a intenção de se suicidar e faleceu instantaneamente.

Com base no exemplo supracitado, percebe-se que analisando o caso por meio da teoria naturalista houve crime, independentemente da vontade do condutor do veículo que atropelou acidentalmente, pois o fato é típico, e não existindo também uma excludente de ilicitude, também será ilícito e somente pôr fim a conduta do agente será definida na culpabilidade no momento que for analisado os elementos do dolo e da culpa, percebendo que pela falta deles sua conduta não é culpável.

10.2 TEORIA FINALISTA DA AÇÃO

Essa teoria foi desenvolvida por Samuel Von Puffendorf (1636-1694), cujos estudos vieram do filósofo grego Aristóteles foram importantes para que Welzel fizesse a doutrina da ação final (WELZEL, 1993).

Para Puffendorf (1927), a ação humana somente era aquela feita com vontade e também pelo intelecto, pelas específicas capacidades do ser humano.

Na ideia finalista, Welzel atribuiu muita importância na vontade humana (finalidade do indivíduo), exemplificando que no direito penal contemporâneo os fatos praticados sem a vontade e finalidade do agente são irrelevantes, sem os elementos do dolo e da culpa (WELZEL apud BITENCOURT, 2019: 303). Um dos fatos mais importantes dessa teoria foi a descoberta da criação dos elementos subjetivos do tipo.

No finalismo também, o dolo e culpa são analisados no primeiro substrato do crime (Tipicidade) e mais específico no elemento da conduta humana.

Com a reforma da parte geral do Código Penal de 11 de julho de 1984, o dolo e a culpa migraram da culpabilidade para a tipicidade, e na culpabilidade integrou-se o potencial consciência da ilicitude do fato.

No exemplo que foi feito na teoria naturalista, o desenvolvimento é totalmente diferente, pois seria o indivíduo dirigindo um automóvel de forma correta e um terceiro pula na frente com a intenção de se suicidar e faleceu instantaneamente. Neste caso o fato será atípico por ausência de conduta (irrelevante penal), ou seja, a conduta do motorista do veículo não será tida como crime, pois ao analisar o dolo e a culpa que agora estão na tipicidade (fato típico) mais precisamente na conduta, o crime é excluído, pois o condutor do veículo não teve nenhuma intenção de cometer o homicídio que houve no caso, fica caracterizada que a finalidade do agente não era de fato criminosa.

Essa teoria nasceu de uma combinação de pensamentos filosóficos como Aristóteles, Hegel, Anaxágoras, Kant e Hartmann, com as considerações jurídicas de Puffendorf, Alexander Graf Zu Dohna e Hellmut von Weber e é completado definitivamente por Hans Welzel, onde a análise do delito usa como pressuposto o fato de que a causalidade é obra da inteligência do ser humano.

10.3 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO

E por fim, temos a teoria social da ação que foi feita com base no contexto histórico do século XX e que nunca foi adotada pelo Código Penal.

Seus principais defensores são: Maihofer, Maurach, Engisch, Schmidt, Jescheck, entre outros.

A ideia dessa teoria foi aprimorar o conceito de ação desenvolvido por Liszt, onde nela apenas as condutas voluntárias humanas de fato produzissem resultados com bastante relevância social, ou seja, se determinado fato for considerado socialmente aceitável pela coletividade, então o mesmo não poderia ser típico.

Em síntese, para esta teoria a ação é vista como o comportamento humano relevante, sendo apta a alterar o relacionamento do indivíduo em seu ambiente social, mesmo que o fato seja tipicamente compatível com algum tipo incriminador, não pode ser vista como crime se for feita em um ambiente social que tolere essa conduta, excluindo assim a tipicidade da conduta.

Para Jescheck (1993), a teoria finalista por si só não é completa por não considerar o aspecto social da conduta do ser humano. 

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho foi feito com o intuito de discorrer sobre as mais variadas teorias que englobam o crime e suas várias formas de classificação, tendo em vista que o que mais enriquece o ordenamento jurídico brasileiro é a discussão, pois cada doutrinador entende que o delito pode ser da forma que ele vê, e com base nisso é feito os entendimentos jurídicos (jurisprudências, súmulas, súmulas vinculantes) e também as classificações (formal, material).

Com base nisso, o presente trabalho buscou exemplificar como as teorias de hoje foram elaboradas por meio das teorias antigas, tendo em vista que como o Direito deve acompanhar a sociedade, as teorias do delito também seguem por esse raciocínio, pois em cada momento histórico da humanidade teve a sua forma de controlar a sociedade por meio da criminalização de certas condutas, desde o Código de Hamurabi até o momento contemporâneo.

Vale comentar também a importância de existir critérios objetivos para que se possa criminalizar (primária e secundária) condutas, tendo em vista que o Estado não pode ter controle absoluto para evitar tanto impunidades quanto punições desumanas.

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1Estudante de direito da Faculdade Católica Dom Orione.
2Orientador: Professor Mestre do Programa em cultura e território pela UFNT e Professor da Faculdade Católica Dom Orione.