DOENÇA ASSOCIADA AO ANTICORPO DA GLICOPROTEÍNA DE OLIGODENDRÓCITOS DA MIELINA (MOGAD) COM ENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7879001


Paulo Hermes de Lima Amaral
Nise Alessandra Carvalho de Sousa
Pedro Thiago de Cristo Rojas Cabral
Isabelle Amanda Ricarte Reis


Resumo:

A doença associada ao anticorpo da glicoproteína de oligodendrócitos da mielina (MOGAD) é um distúrbio inflamatório do sistema nervoso central caracterizado por ataques de desmielinização imunomediada visando predominantemente os nervos ópticos, cérebro e medula espinhal. A doença tem predileção por crianças.

Trata-se de um relato de caso, no qual a coleta de dados foi realizada através de revisão do prontuário. O estudo em questão seguiu os preceitos éticos preconizados pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Sendo respeitados valores culturais, morais e religiosos, assegurando a inexistência de conflito de interesses entre o autor e os sujeitos do estudo.

Paciente masculino, 13 anos de idade, natural de Anori-AM. Acompanhante se queixou que o mesmo apresentava comportamento infantilizado, prejuízo na acuidade visual bilateral e fraqueza nos membros, com episódios de queda. Após investigação propedêutica adequada, recebeu diagnóstico provável de Desordem associada a glicoproteína de oligodendrócitos da mielina (MOGAD) com comprometimento do sistema nervoso periférico (SNP), manifestada em nosso paciente como polirradiculopatia.

A glicoproteína oligodendrócitos da mielina (MOG), uma proteína na superfície dos oligodendrócitos que já foi considerada como um potencial alvo de anticorpos na esclerose múltipla (EM). Segundo revisão em base de dados (PUBMED), há estudos que corroboram a ocorrência de comprometimento periférico associado ao MOGAD, presente em 7% dos pacientes MOGAD em uma coorte australiana.

A presença de mielorradiculite, síndromes de desmielinização central e periférica combinadas e neuropatias inflamatórias podem estar associadas à MOGAD e podem ser responsivas à imunoterapia, não devendo desencorajar a procura por MOGAD em pacientes com contexto clínico adequado.

Palavras-chave: doença associada ao anticorpo da glicoproteína de oligodendrócitos da mielina; sistema nervoso periférico; Anti-MOG IgG.

Introdução  

A doença associada ao anticorpo da glicoproteína de oligodendrócitos da mielina (MOGAD) é um distúrbio inflamatório do sistema nervoso central caracterizado por ataques de desmielinização imunomediada visando predominantemente os nervos ópticos, cérebro e medula espinhal. A doença tem predileção por crianças (Höftberger R, Guo Y, Flanagan EP, et al; 2020).

A glicoproteína oligodendrócitos da mielina (MOG), uma proteína na superfície dos oligodendrócitos, já foi considerada como um potencial alvo de anticorpos na esclerose múltipla (EM), mas os primeiros estudos foram inconclusivos. Em 2007, ocorreu um avanço, associando MOG-imunoglobulina G (IgG) como uma doença desmielinizante separada (Höftberger R, Guo Y, Flanagan EP, et al; 2020).

Posteriormente, foram desenvolvidos ensaios baseados em células de nova geração e o fenótipo MOGAD tornou-se mais claro, com os pacientes agora reconhecidos como tendo episódios de neurite óptica, encefalomielite disseminada aguda, mielite transversa ou outras manifestações do sistema nervoso central (SNC), isoladamente ou em combinação. Havia características sobrepostas e diferenças importantes clinicamente, radiologicamente e na análise do líquido cefalorraquidiano distinguindo MOGAD de Esclerose Múltipla e transtorno do espectro de neuromielite óptica (Höftberger R, Guo Y, Flanagan EP, et al; 2020).

Por conseguinte, MOGAD foi confirmado como um distúrbio desmielinizante do sistema nervoso central.

Apresentação do caso

GLF, gênero masculino, 13 anos de idade, natural de Anori-AM. A mãe relatou que, nos primeiros anos de vida, apresentou desenvolvimento neuropsicomotor adequado para faixa etária. Entretanto, com três anos de idade, o mesmo apresentou 01 episódio de crise epiléptica febril tônico-clônico generalizada, com duração entre cinco a dez minutos, com relatos de cefaleia e sonolência no pós-ictal. A partir de então, notou-se desenvolvimento cognitivo com comportamento infantilizado e dificuldade no aprendizado escolar. Aos sete anos de idade, evoluiu com prejuízo visual bilateral associado a dor a mobilização ocular, em caráter de instalação subaguda. Ademais, mãe afirma que após nove anos de idade, notou surgimento de fraqueza predominantemente em membros inferiores distalmente, além de relatos de quedas frequentes, incapacidade para andar de bicicleta e prejuízo na realização de movimentos finos.

De antecedentes pessoais, referiu apenas uma correção tendínea aos cinco anos de idade. Negou demais comemorativos do ponto de vista comórbido. Ademais, não apresentava histórico familiar de doenças neurológicas ou outros quadros semelhantes. Por fim, referiu não fazer uso de medicações contínuas.

Ao exame neurológico, o paciente se apresentou orientado em relação a tempo, espaço, pessoa e doença. Com fluência verbal preservada, porém com comportamento infantilizado para idade. Foi realizado teste de rastreio para déficit cognitivo (mini-exame do estado mental: 22/30 pontos). Na avaliação da motricidade, o paciente apresentou tônus flácido, além de hipotrofia global, com maior predomínio em membros inferiores distalmente. Quanto a força e potência motora, notou-se presença de tetraparesia simétrica de predomínio crural (Força Motora em MMII grau 4- distal e 4+ proximal; Força Motora em MMSS 4+ distal). Reflexos tendinosos profundos: arreflexia global.  Reflexo Cutâneo-plantar: indiferente bilateral. Marcha de aspecto cerebelar. Quanto a coordenação, foi evidente a presença de disdiadococinesia e dismetria.  Apresentava equilíbro tanto estático quanto dinâmicos prejudicados. Na avaliação da sensibilidade, notou-se a presença de hipopalestesia distal mais evidente em membros inferiores. Pela avaliação de Snellen, apresentava acuidade visual 20/300 em olho esquerdo e 20/200 em olho direito. Fundoscopia evidenciando atrofia de nervo optico bilateral.

 Durante investigação, foi aventada a hipótese de um distúrbio combinado do sistema nervoso central e periférico, tendo em vista a presença de acometimento cognitivo, visual e cerebelar associada a achados de neurônio motor inferior. Em relação a investigação etiológica, foi realizada RM de crânio e medula, evidenciando hiperintensidade em T2/FLAIR na substância branca periventricular, estendendo-se para região subcortical, de aspecto mal delimitado. Também se notou alteração de sinal em topografia infratentorial e medular alta e baixa (hiperintensidade em T2/STIR acometendo região cervical e lombossacral com extensão para raízes bilateralmente). Foi submetido a análise do liquor cefalorraquidiano, que ratificou a presença de processo inflamatório intratecal em atividade, com presença de bandas oligoclonais e índice de IgG aumentado no líquor. A dosagem sérica do anti-aquaporina-4 foi negativa.

Considerando-se fenótipo de apresentação clínica, achados em exames complementares e perfil epidemiológico, optou-se pela dosagem do anti-MOG IgG, com resultado positivo, corroborando um provável diagnóstico de Desordem associada a glicoproteína de oligodendrócitos da mielina (MOGAD) com comprometimento do SNP, manifestado em nosso paciente como polirradiculopatia.

Discussão

A descoberta de um anticorpo sérico específico da doença que se liga seletivamente à glicoproteína oligodendrócitos de mielina (MOG) levou a uma maior compreensão de um espectro distinto de distúrbios, hoje conhecidos como MOGAD. As características patológicas suportam uma doença desmielinizante do sistema nervoso central mediada por anticorpos, distinta da esclerose múltipla e da desordem do espectro da neuromielite optica (Cobo-Calvo A, Ruiz A, Maillart E, et al; 2018).

Os dados epidemiológicos para MOGAD são limitados principalmente porque o anti-MOG IgG foi descoberto apenas em 2007, e os testes diagnósticos não estavam amplamente disponíveis até recentemente. A incidência e prevalência são amplamente desconhecidas, embora estudos na Europa sugiram que a incidência de MOGAD esteja entre 1,6 e 3,4 por 1.000.000 pessoas-ano. As crianças representam até metade dos casos relatados (Cobo-Calvo A, Ruiz A, Maillart E, et al; 2018).

Embora nenhuma das características clínicas da MOGAD seja específica da doença, algumas são altamente características. Estes incluem, principalmente, ataques agudos de neurite optica (que pode ser bilateral), mielite transversa e encefalomielite aguda disseminada. Tais manifestações podem coexistir com síndromes neurológicas adicionais e menos comuns (de Mol CL, Wong Y, van Pelt ED, et al; 2020).

Segundo revisão em base de dados (pubmed), há estudos que corroboram a ocorrência de comprometimento periférico associado ao MOGAD, presente em 7% dos pacientes MOGAD em uma coorte australiana.

Existem hipóteses propostas para justificar os processos de desmielinização concomitantes do sistema nervoso central e periférico (Rinaldi S, Davies A, Fehmi J, et al; 2021) (Vazquez Do Campo R, Stephens A, Marin Collazo IV, Rubin DI; 2018):

  1. O MOG é encontrado em uma isoforma que pode ser liberada no liquor cefalorraquiano, desencadeando ou “disseminando” a autoimunidade quando drenada para o SNP por meio de mimetismo molecular com proteínas mielínicas periféricas. 
  2. A identificação da expressão periférica de MOG em ratos e primatas aumenta a possibilidade de uma resposta imune direcionada ao MOG em estruturas nervosas centrais e periféricas, mas isso requer mais investigações em humanos.
  3. Os ataques autoimunes podem potencialmente atingir antígenos não compartilhados nos compartimentos do SNC e do SNP em indivíduos com maior suscetibilidade à autoimunidade.

Conclusão

A presença de mielorradiculite, síndromes de desmielinização central e periférica combinadas e neuropatias inflamatórias podem estar associadas à MOGAD e podem ser responsivas à imunoterapia, não devendo desencorajar a procura por MOGAD em pacientes com contexto clínico adequado.

Referências bibliográficas:

  1. Höftberger R, Guo Y, Flanagan EP, et al. The pathology of central nervous system inflammatory demyelinating disease accompanying myelin oligodendrocyte glycoprotein autoantibody. Acta Neuropathol 2020; 139:875.
  2. Rinaldi S, Davies A, Fehmi J, et al. Overlapping central and peripheral nervous system syndromes in MOG antibody-associated disorders. Neurol Neuroimmunol Neuroinflamm 2021; 8.
  3. Cobo-Calvo A, Ruiz A, Maillart E, et al. Clinical spectrum and prognostic value of CNS MOG autoimmunity in adults: The MOGADOR study. Neurology 2018; 90:e1858.
  4. Vazquez Do Campo R, Stephens A, Marin Collazo IV, Rubin DI. MOG antibodies in combined central and peripheral demyelination syndromes. Neurol Neuroimmunol Neuroinflamm. 2018;5(6):e503. Published 2018 Sep 11. doi:10.1212/NXI.0000000000000503.
  5. de Mol CL, Wong Y, van Pelt ED, et al. The clinical spectrum and incidence of anti-MOG-associated acquired demyelinating syndromes in children and adults. Mult Scler 2020; 26:806.