LEIOMIOSSARCOMA UTERINO: RELATO DE CASO SOBRE USO DA QUIMIOTERAPIA INTRAPERITONEAL HIPERTÉRMICA (HIPEC)

UTERINE LEIOMYOSARCOMA: CASE REPORT ON THE USE OF HYPERTHERMIC INTRAPERITONEAL CHEMOTHERAPY (HIPEC)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7829689


Fábya Andressa Mendonça Santana1
Maria Adriely Cunha Lima1
Roberto Queiroz Gurgel2


RESUMO

Leiomiossarcoma uterino (LMS) é uma neoplasia maligna rara, com alta agressividade, com risco de recorrência e de evolução para óbito elevado. Trata-se de um relato de caso sobre uma paciente com LMS apresentando recidiva local e metástase, sendo instituído tratamento desde ressecção cirúrgica até paliação. S.S.A., 57 anos, com histórico de histerectomia total por videolaparoscopia devido a LMS uterino, procurou oncologista clínico devido dor pélvica sem irradiação, associada a disúria e a sintomas intestinais com piora progressiva há 2 meses. Após exames complementares foi constatado recidiva local com metástase à distância, iniciado tratamento com QMT. Após ser constatado aumento das lesões, foi instituído HIPEC, porém sem sucesso, diante da progressão dos sintomas, foi instaurado tratamento paliativo. A paciente em questão, foi tratada com todas as propostas apresentadas pela literatura, porém por se tratar de um tumor agressivo e com pouca resposta a QMT/RDT não houve sucesso curativo, sendo iniciado tratamento paliativo. 

Palavras-chave: Leiomiossarcoma. Neoplasias Uterinas. Terapêutica.

ABSTRACT 

Uterine leiomyosarcoma (LMS) is a rare malignant neoplasm, with high aggressiveness, with high risk of recurrence and evolution to death. This is a case report of a patient with SML presenting with local recurrence and metastasis, treatment being instituted from surgical resection to palliation. S.S.A., 57 years old, with a history of total laparoscopic hysterectomy due to uterine SML, sought medical oncology due to pelvic pain without irradiation, associated with dysuria and intestinal symptoms with progressive worsening for 2 months. After complementary exams, local recurrence with distant metastasis was detected, and treatment with QMT was initiated. After an increase in lesions was observed, HIPEC was instituted, but without success, given the progression of symptoms, palliative treatment was instituted. The patient in question was treated with all the proposals presented in the literature, but because it is an aggressive tumor and with little response to QMT/RDT, there was no curative success, and palliative treatment was initiated.

Keywords: Leiomyosarcoma. Uterine Neoplasms. Therapy.

INTRODUÇÃO

Leiomiossarcoma uterino (LMS) é uma neoplasia maligna rara do músculo liso da parede uterina, representa cerca de 3% dos cânceres uterinos apesar de ser o sarcoma uterino mais comum. Trata-se de um tumor agressivo com alto risco de recorrência e de evolução para óbito, independentemente do estágio em que seja diagnosticado, o qual está relacionado com seu comportamento clínico e com a terapêutica a ser instituída. São grandes massas no miométrio que, geralmente, se espalham por via hematogênica, principalmente, para pulmões, fígado, abdome e pelve. Há 3 subtipos principais de LMS de acordo com a células predominantes, o tumor de células fusiformes (convencionais), LMS epitelióide e LMS mixóide (D’ANGELO & PRAT, 2010; HENSLEY & LEITÃO, 2023).

O quadro clínico do LMS tende a ser vago, similar ao do leiomioma, como hemorragia e sintomas de pressão vaginal ou abdominal. Além de não haver padrões patognomônicos em exames de imagem, por isso, normalmente, seu diagnóstico é realizado no pós-operatório após anatomopatológico e/ou imuno-histoquímica. (SPÁRIC et al., 2022; JUHASZ-BOSS et al., 2018). O estadiamento cirúrgico é realizado pelo sistema de classificação da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) / Tumor, Nódulo e Metástase (TNM) de 2017, o qual não prevê o prognóstico de sobrevida global para os pacientes acometidos. Para avaliar o prognóstico necessita-se de uma avaliação global com variáveis importantes como idade do paciente, tamanho do tumor, grau, extensão local, metástases distantes e taxa mitótica (ZIVANOVIC et al., 2009; AMIN et al., 2017).

O tratamento base do LMS é a cirurgia, em que o útero deve ser removido por inteiro, visto que sua morcelação está associada a pior prognóstico e pode causar disseminação neoplásica. Nos casos em que é confirmado metástase, a citorredução cirúrgica foi considerada como uma possibilidade terapêutica a ser utilizada, visando a HIPEC (Quimioterapia Intraperitoneal Hipertérmica). Já no que diz respeito à quimioterapia (QMT) e a radioterapia (RDT) adjuvante, ainda não há evidências sólidas sobre seu benefício na sobrevida em comparação com o monitoramento das pacientes. Nos casos de recidiva local ou metastática a ressecção cirúrgica mantém-se como uma opção a ser oferecida em alguns casos selecionados, visto que estar associada a um aumento da sobrevida, caso não haja recomendação, o tratamento paliativo é instituído (GOCKLEY et al., 2014; HENSLEY & LEITÃO, 2023).

Diante do exposto, esse trabalho tem como objetivo avaliar o caso de uma paciente acometida com LMS com metástase associada, em que foi realizado tratamento cirúrgico, citorredução e QMT adjuvante. 

RELATO DE CASO

Paciente S.S.A., 57 anos, sexo feminino, casada, peso 64 quilogramas e altura 1,54 metros (Índice de Massa Corporal 26,99). Negou uso de medicações diárias e alergias, apresentava hérnia discal nível L4-L5, de histórico obstétrico relatou 4 gestações e 2 partos. Como histórico, referiu ainda histerectomia total por videolaparoscopia em 30/11/2020, devido LMS uterino (> 5 centímetros em imagem) com necrose tumoral, com tamanho e margens não avaliadas, imunohistoquímica 10/10cga. Referente aos hábitos de vida negou tabagismo e etilismo, sem alergias.

Procurou oncologista clínico em 25/01/2021 devido a presença de dor pélvica sem irradiação, associada a disúria e a sintomas intestinais com piora progressiva há cerca de 2 meses, diante disso foi solicitado exames complementares e que a mesma trouxesse exames referente a época em que foi realizado o tratamento cirúrgico do LMS. Em consulta de retorno (25/02/2021) foi apresentado resultado de exame de imagem realizado em pré-operatório de histerectomia, que identificou aumento uterino nodular, sendo solicitado exames laboratoriais e tomografia computadorizada (TC) para classificação. Foi informado sobre a possibilidade da necessidade de 4 ciclos de QMT adjuvante (docetaxel e gencitabina) a cada 3 semanas para tratamento, visto que era foi firmado o diagnóstico de neoplasia e se tratava de um tumor de alto grau em paciente jovem com ótimo índice de desempenho.

Em consulta de seguimento no dia 03/02/2021, paciente manteve dor em região abdominal, agora localizada em flanco direito com irradiação para dorso. Em exames laboratoriais solicitados não foi observado alterações, enquanto que a TC de abdome total teve laudo conclusivo com relato de lesão expansiva em corpo uterino (6,3 x 5,4 x 4,4 cm). Após discussão com outros especialistas foi optado pela QMT adjuvante (Tabela 1).

Tabela 1. Achados laboratoriais da paciente.

LaboratórioResultado Referência
02/02/2021
Hemoglobina
Leucograma
Plaquetograma
Glicemia
Ureia
Creatinina

13,3 g/dL
6.020/mm³
175.000/µL
89 mg/dL
36 mg/dL
0,62 mg/dL

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
150.000 a 450.000/µL
70 a 99 mg/dL
8 a 20 mg/dL
0,7 a 1,3 mg/Dl
10/04/21
Hemoglobina
Leucograma
Plaquetograma
Glicemia
Ureia
Creatinina
Bilirrubina total
Fosfatase alcalina
GGT
Potássio
Sódio
TGO
TGP
Vitamina D

13,6 g/dL
4.900/mm³
186.000/µL
94 mg/dL
32 mg/dL
0,7 mg/dL
0,7 mg/dL
137 U/L
36 U/L
4,5 mmol/L
133 mmol/L
42 U/L
38 U/L
44,2 ng/Ml

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
150.000 a 450.000/µL
70 a 99 mg/dL
8 a 20 mg/dL
0,7 a 1,3 mg/Dl
0,2 a 1,2 mg/dL
35 a 104 U/L
8 a 41 U/L
3,5-5,5 mmol/L
135-145 mmol/L
> 40 U/L
> 56 U/L
> 20 ng/mL
21/05/2021
Leucograma
Segmentados 

2.800/mm³
812/mm³

4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
21/05/21
Hemoglobina
Leucograma
Segmentados
Plaquetograma
Glicemia
Ureia 
Creatinina
Bilirrubina total
Fosfatase alcalina
GGT
Potássio
Sódio
TGO
TGP

9,6
2.800
812
118.000
87
27
1,12
0,51
58
77
4,2
140
58 U/L
68 U/L

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
150.000 a 450.000/µL
70 a 99 mg/dL
8 a 20 mg/dL
0,7 a 1,3 mg/Dl
0,2 a 1,2 mg/dL
35 a 104 U/L
8 a 41 U/L
3,5-5,5 mmol/L
135-145 mmol/L
> 40 U/L
> 56 U/L
24/05/2021
Hemoglobina
Leucograma
Segmentados
Plaquetograma 

10,4 g/dL
27.000/mm³
13.500/mm³
359.000/ µL

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
150.000 a 450.000/µL
11/06/2021
Hemoglobina
Leucograma
Segmentados
Plaquetograma
Glicemia
Ureia 
Creatinina
Bilirrubina total
Fosfatase alcalina
GGT
Potássio
Sódio
TGO
TGP

9,6
1.900
399
110.000
105
26
0,97
0,71
47
78
4,4
138
48 U/L
51 U/L

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
150.000 a 450.000/µL
70 a 99 mg/dL
8 a 20 mg/dL
0,7 a 1,3 mg/Dl
0,2 a 1,2 mg/dL
35 a 104 U/L
8 a 41 U/L
3,5-5,5 mmol/L
135-145 mmol/L
> 40 U/L
> 56 U/L
05/07/2021
Hemoglobina
Leucograma
Segmentados
Plaquetograma

9,5
39.000
16.380
292.000

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
150.000 a 450.000/µL

Legenda: TGO – transaminase oxalacética; TGP – transaminase pirúvica; GGT – Gama Glutamil Transferase.

Fonte: dados da pesquisa, 2023

Na consulta do dia 20/02/2021, a paciente manteve a mesma queixa da anterior, sendo que trouxe a TC (15/02/2021) com laudo relatando presença de micronódulos pulmonares bilaterais não calcificados, o maior medindo 2,5 cm em ápice de pulmão direita, diante disso foi optado por solicitar uma Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET-CT ou PET SCAN) para melhor investigação dos micronódulos. Após resultado de PET SCAN (09/03/2021) evidenciando ausência de lesão hipermetabólica, ficou definido como plano terapêutico 4 ciclos de QMT adjuvante (gencitabina e docetaxel) a cada 21 dias, sendo necessário a realização de TC de abdome total e de tórax a cada 3 meses e consultas a cada 21 dias para acompanhamento. É válido mencionar que a mesma era candidata a RDT, visto que se trata de uma paciente jovem e sem comorbidades.

Foi necessária consulta com pneumologista (01/04/2021) no decorrer do tratamento devido ao relato de piora de quadro de tosse secretiva presente desde 2015, agora presente, principalmente, à noite, e associada a dispneia intermitente aos moderados esforços, além dos achados presentes em exames de imagem solicitados. Além disso, paciente apresentou no interrogatório sintomatológica queixas como coriza, espirros e prurido nasal ou ocular após exposição à poeira. Não era vacinada para influenza e tinha exposição a pássaros e travesseiros de pena. 

Foi constatado a presença de divertículo paratraqueal à direita com comunicação com a traqueia em região posterolateral, além de nódulo em vidro fosco em região anterior de lobo superior direito (LSD) e nódulo semissólido (2.1cm) com bronquiectasia central em lobo superior esquerdo (LSE) na TC de tórax, enquanto que no PET SCAN havia a presença de coleção paratraqueal superior à direita, sendo aventado hipótese diagnóstica de fístula ou divertículo traqueal. Além de opacidade em vidro fosco em LSE medindo 0.9 cm e nódulo de 0.3 cm em lobo inferior direito. A partir dos achados foi levantado como hipóteses diagnósticas divertículo de traqueia, nódulo em vidro fosco (LSD) e nódulo semi-sólido em LSE de origem inflamatória ou neoplásica, além de rinite alérgica. Sendo encaminhada para avaliação do cirurgião torácico e orientada quanto a necessidade de acompanhamento dos nódulos em lobos superiores. 

Durante tratamento quimioterápico, paciente apresentou leucócitos de 2.800/ mm³, com segmentados de 812/mm³ no dia 21/05/2021, logo uma neutropenia sem relato de febre, sendo avaliada e optado por realizar fator estimulador de colônias granulocitárias (G-CSF) por três dias consecutivos, com resposta ao tratamento. Em consulta de seguimento oncológico, no dia 07/06/2021, queixou-se de dores generalizadas e mucosite após início da QMT, diante disso foi orientada quanto ao tratamento da mucosite com nistatina e mantido tratamento QMT. Retornou no dia 11/06/2021 apresentando novamente neutropenia após 2 ciclos de QMT, sem relato de febre, necessitando de tratamento com G-CSF. Devido à manutenção da mucosite com quadro de odinofagia e dificuldade para se alimentar, além de baixa adesão ao tratamento com nistatina, foi optado por realizar fluconazol por 7 dias. 

Em consulta de seguimento oncológico no dia 13/07/2021 foi avaliado exames laboratoriais e TC de controle do tórax, abdome total e pelve sendo observado a presença de esteatose hepática, diante disso foi solicitado novos exames para monitorização pós tratamento quimioterápico. Em 07/10/2021, paciente retornou com melhora do quadro geral, sem queixas e sem alterações em exames complementares, sendo orientada quanto a necessidade de seguimento trimestral. Entretanto, a paciente retorno em 03/11/2021 devido a presença de dor abdominal difusa em cólica, em TC de abdome total solicitada previamente (22/09/2021) com pelo menos 2 formações teciduais anômalas, maior de 2 x 2cm, em topografia do útero, com realce periférico de contraste, já na ressonância magnética (RM) pélvica (26/10/2021) havia pelo menos 3 lesões sólidas arredondadas adjacentes a região supravesical, compatíveis com recidiva de neoplasia. Outros exames solicitados foram mamografia, BIRADS-2 (achados benignos), densitometria óssea evidenciando osteopenia, colpocitológico negativo para células neoplásicas, e exames laboratoriais (Tabela 2).

Tabela 2. Achados laboratoriais da paciente.

LaboratórioResultado Referência
28/09/2021
Hemoglobina
Leucograma
Plaquetograma
Glicemia
Ureia 
Creatinina
Bilirrubina total
Fosfatase alcalina
GGT
Potássio
Sódio
TGO
TGP
Vitamina D
Colesterol total
HDL
LDL
Triglicerídeos

14,1 g/dL
3.900/mm³
173.000/µL
99 mg/dL
30 mg/dL
0,7 mg/dL
0,6 mg/dL
142 U/L
37 U/L
4,0 mmol/L
139 mmol/L
29,7 U/L
19,4 U/L
50,4 ng/mL
162,3 mg/dl
37,4 mg/dl
98,2 mg/dl
133 mg/dl

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
150.000 a 450.000/µL
70 a 99 mg/dL
8 a 20 mg/dL
0,7 a 1,3 mg/Dl
0,2 a 1,2 mg/dL
35 a 104 U/L
8 a 41 U/L
3,5-5,5 mmol/L
135-145 mmol/L
> 40 U/L
> 56 U/L
> 20 ng/mL
< 170 mg/dl
> 40 mg/dl
< 130 mg/dl
< 150 mg/dl
26/07/2021
CA 125
CEA 

7,1 U/mL
1 ng/mL

< 35 U/mL
< 3,5 ng/mL
26/07/2022
Hemoglobina
Leucograma
Segmentados
Plaquetograma
Ureia
Creatinina
Bilirrubina total
Potássio
Sódio
TGO
TGP

7,7
7.780
5.679
355.000
21
0,5
0,4
3,5
129
23 U/L
13 U/L

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
150.000 a 450.000/µL
8 a 20 mg/dL
0,7 a 1,3 mg/Dl
0,2 a 1,2 mg/dL
3,5-5,5 mmol/L
135-145 mmol/L
> 40 U/L
> 56 U/L
05/07/2021
Hemoglobina
Leucograma
Segmentados
Plaquetograma

9,5
39.000
16.380
292.000

12 a 16 g/dL
4.500 a 11.000/mm³
2.000 a 7.500/mm³
150.000 a 450.000/µL

Legenda: TGO – transaminase oxalacética; TGP – transaminase pirúvica; GGT – Gama Glutamil Transferase.

Fonte: dados da pesquisa, 2023

Em avaliação com cirurgião oncológico, após discussão com comitê da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, foi dito como melhor abordagem terapêutica o tratamento através de citorredução com peritoniectomia e HIPEC, visto que na RM havia sarcomatose peritoneal. Enquanto aguardava liberação da cirurgia foi solicitado uma ultrassonografia (21/03/2022) que notou lesão em loja uterina compatível com mioma, mas sem recidiva, paciente sem queixas.

No dia 25/04/2022, paciente deu entrada em pronto socorro com queixa de dor pélvica intensa e hematúria, em TC abdominal realizada foi constatado presença de lesão volumosa em pelve com provável infiltração para bexiga do sarcoma fusocelular, sendo optado por realizar internação para executar novo estadiamento, após isso a mesma recebeu alta com liberação para realizar a cirurgia. Em 20/05/2022 foi realizado a citorredução com HIPEC, no pós-operatório em 30 dias não apresentava queixas. Paciente apresentou boa evolução após cirurgia, sendo optado por avaliação da oncologia clínica sobre o custo benefício do tratamento QMT sistêmico, imunohistoquímica laudada como LMS, sendo solicitado novas TC para reestadiamento.

Em TC de tórax (22/08/2022) observou o surgimento de nódulos sólidos, não calcificados, de tamanhos variados e distribuição randômica pelo parênquima pulmonar, notadamente nos campos pulmonares superiores, medindo até 0,7 cm, com suspeita de implantes secundários. Permanecem inalterados opacidades em vidro fosco nos segmentos apicais (1,3 cm à direita e 2,0 cm à esquerda), com persistência da formação cística mediastinal a direita paratraqueal (2,8×3,5cm), provavelmente um divertículo, enquanto que na TC de abdome não houve alterações evolutivas. Por isso, aventou-se a probabilidade de tratamento paliativo, além de encaminhamento para nova avaliação com pneumologia, a qual optou por discutir o caso no Tumor Board. 

Após discussão do caso no Tumor Board em 08/09/2022, foi sugerido uma investigação diagnóstica através de biópsia do nódulo sólido de LSD para confirmação de doença metastática do LMS. Enquanto que as lesões em vidro fosco, principalmente, do LSE contêm característica de neoplasia primária pulmonar, com crescimento lento (adenocarcinoma in situ ou minimamente invasivo), dado as características e estabilidade, com possibilidade de biópsia transtorácica posterior, com isso paciente foi encaminhada novamente ao cirurgião torácico. 

Em consulta de seguimento com cirurgião oncológico, no dia 21/09/2022, houve retorno da dor abdominal em flanco esquerdo com forte intensidade há cerca de 15 dias sem melhora ao uso de analgésicos, sendo realizado ultrassonografia de abdome em que foi evidenciado sinais de recidiva pélvica neoplásica, ficando como hipótese diagnóstica sarcoma uterino avançado com recidiva pélvica pós-HIPEC. Foi solicitado uma TC de pelve com urgência e discussão de caso com oncologista sobre tratamento quimioterápico paliativo ou radioterapia para tratamento álgico. 

Paciente evoluiu com complicações neoplásicas, apresentando semi-oclusão intestinal e derrame pleural com necessidade de internação hospitalar em 16/01/2023, apresentando alterações laboratoriais como anemia e hiponatremia, sendo iniciado quimioterapia com doxorrubicina (75mg/m2) durante período, paciente com estágio IV (T1N1M1), escala de performance ECOG 1. Não houve melhora da anemia após tratamento com concentrado de hemácias, optando-se por encaminhá-la à hematologia. Após reavaliação em 2 meses, optou-se por manter quimioterapia paliativa contínua até momento em que houver benefício com objetivo de controlar doença e sintomas, com seguimento a cada 21 dias, ressalta-se que paciente não é candidata a radioterapia.

Em seguimento no dia 21/02/2023, realizado 2 ciclos de quimioterapia, apresentou queixa de epigastralgia. Durante avaliação foi constatado presença de implantes tumorais dolorosos em couro cabeludo, conduzindo com analgesia. Em 27/02/2023, após o 3º ciclo de quimioterapia, seria proposto nova reavaliação para reestadiamento, porém durante avaliação para liberação do ciclo, paciente evoluiu com queda do estado geral, dor, distensão abdominal e piora da anemia. Sendo encaminhada para emergência de modo que fosse feito tratamento sob regime de internação e, após isso, segmento com médicos assistentes. 

DISCUSSÃO

O LMS acomete mulheres com idade média de 50 anos, sendo que o sangramento uterino anormal tende a ser o sintoma mais comum, seguido pelo aumento do volume abdominal e dor pélvica. Tipicamente, são grandes (>10 centímetros) e tendem a apresentar mitoses abundantes (>10/10 cga), áreas de necrose e hemorragia. Nesse caso, observa-se que a paciente se encontra dentro da faixa etária e dor pélvica, além de apresentar características do LMS como massa grande com necrose tumoral e mitose 10/10cga, apesar desses achados não serem patognomônicos, ressalta-se que pelos critérios de Stanford (atipia celular, mitose e necrose coagulativa) a presença de dois itens indicam um aumento do risco de disseminação metastática (JUHASZ-BOSS et al., 2018; SILVERBERG & KURMAN,1992; MEMARZADEH & BEREK, 2023). 

Em retorno para oncologista clínico após início de sintomas, foi constatado recidiva tumoral. A recidiva local e as metástases hematogênicas são frequentes, por isso antes da reabordagem cirúrgica após uma recidiva é necessário que seja realizado um rastreio com exames de imagem para nova classificação, como foi realizado no caso da paciente com TC de tórax, abdome e pelve para avaliar a terapêutica mais adequada. Ressalta-se que o órgão mais afetado pelas metástases é o pulmão, sendo que a paciente apresentou em exame imagens sugestivas de disseminação (SPÁRIC et al., 2022; ROBERTS et al., 2018). Por apresentar alto risco de recidiva, o acompanhamento do LMS tem a ser a cada 3 ou 4 meses com exame clínico e de imagem pelo menos nos primeiros 2 anos, como foi realizado com a paciente. Apesar de não haver evidência sobre a interferência dessa conduta na sobrevida, a mesma é recomendada por diretrizes do National Comprehensive Cancer Network (D’ANGELO & PRAT, 2010; HENSLEY & LEITÃO, 2023).  

O LMS apresenta uma biologia agressiva, além de ter uma resistência relativa a QMT/RDT, por isso há uma dificuldade em terapias que sejam eficazes para aumentar a sobrevida dos pacientes ou, até mesmo, proporcionar cura. A terapia adjuvante nos estágios iniciais ainda é controversa, sendo que o acompanhamento pós-cirúrgico apresenta resultado similar a essa abordagem, além de não causar morbidade. Diante disso, QMT e RDT adjuvante ficam reservadas para casos avançados com envolvimento intra-abdominal ou metástase à distância, principalmente, devido ao alto risco de progressão, se optado apenas por tratamento cirúrgico. Na paciente em questão, foi realizado tratamento adjuvante com docetaxel e gencitabina, apesar de não haver evidências congruentes sobre seu benefício na sobrevida no LMS (sobrevida específica da doença < 30% em 5 anos). Embora gemcitabina/docetaxel e doxorrubicina sejam os regimes mais usados na doença avançada ou recorrente (RICCI et al., 2017; ROBERTS et al., 2018; HENSLEY et al., 2009).

A QMT adjuvante com doxorrubicina e trabectedina é tratamento de escolha nos casos de LMS avançado, após o estudo randomizado de Pautier P et al. (2022) observar um aumento da sobrevida nos pacientes que realizaram essa combinação ao comparar com os que foram tratados com apenas doxorrubicina. Refere aos efeitos colaterais da QMT, a paciente apresentou episódios de neutropenia, além de mucosite e anemia refratária. Pautier P et al. (2022) constataram que a neutropenia foi o evento adverso mais comum, seguido por anemia e trombocitopenia, similar aos efeitos apresentados pela paciente. Outros efeitos colaterais observados são fadiga, manifestações gastrointestinais e toxicidade pulmonar (HENSLEY & LEITÃO, 2023).   

Após a presença de novas lesões neoplásicas em exames de imagem foi realizada uma discussão com outros especialistas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, sendo realizado citorredução cirúrgica com HIPEC. A cirurgia citorredutora é realizada por abordagem tradicional aberta ou laparoscópica com remoção da neoplasia macroscopicamente, após isso são infundidos agentes quimioterápicos aquecidos (40 a 41,5ºC) para atingi-la microscopicamente, logo a HIPEC visa maximizar o efeito da QMT, visto que o calor aumenta a penetração da droga e facilita a citotoxicidade. Além de ser uma cirurgia abdominal de grande porte, ocorre estresse térmico e efeitos deletérios dos quimioterápicos, causando mudanças de fluido, eletrólitos e acido-básico (LEWIS & DABO-TRUBELJA, 2023; HARPER et al., 2022).    

A citorredução com HIPEC é utilizada para tratamento de neoplasias com metástases intraperitoneais, com objetivo de aumentar a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes. Após estudos no LMS não foi constatado um aumento na sobrevida, apesar de autores falarem de haver um benefício em seu uso, atualmente, trata-se apenas de uma especulação, sendo que o seu uso fora de ensaios clínicos não é recomendado. Diante da progressão do quadro da paciente, o tratamento paliativo foi instituído para a mesma (HENSLEY & LEITÃO, 2023; DÍAZ-MONTES et al., 2018). 

O prognóstico do LMS em geral já é ruim, no caso da paciente pode haver uma piora devido o procedimento cirúrgico minimamente invasivo realizado previamente, caso tenha sido realizado o processo de morcelamento. Por isso, atualmente, novas técnicas têm sido desenvolvidas para tentar realizar diagnóstico diferencial pré-operatório entre LMS e leiomioma, a exemplo disso pesquisas moleculares como MED12, HMGA2, TOP2A e outras (SPÁRIC et al., 2022; HENSLEY & LEITÃO, 2023; JUHASZ-BOSS et al., 2018). 

CONCLUSÃO

O LMS é uma neoplasia rara, com risco alto de recidiva local e metástase hematogênica. Observa-se que a paciente em questão evoluiu com recidiva local, sendo optado, inicialmente, por tratamento cirúrgico e QMT adjuvante, contudo houve progressão das lesões e, após discussão com outros especialistas, foi instituído tratamento com HIPEC, porém sem sucesso. Diante da evolução da paciente, o tratamento paliativo foi a melhor proposta com objetivo de atingir uma melhora clínica. 

REFERÊNCIAS

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1Graduandas de Medicina da Universidade Tiradentes, Aracaju – Sergipe
2Cirurgião Oncologista e Professor da Universidade Tiradentes, Aracaju – Sergipe