PROJETOS SOCIAIS EM EDUCAÇÃO DESENVOLVIDOS POR ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO SETOR:  ANÁLISE E REFLEXÕES A PARTIR DO PROJETO CRESCER

SOCIAL PROJECTS IN EDUCATION DEVELOPED BY THE THIRD SECTOR ORGANIZATIONS: ANALYSIS AND REFLECTIONS FROM THE PROJETO CRESCER

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7823684


Natham Ribeiro Martins


RESUMO  

Mudanças na estrutura de funcionamento e gestão das  ONGs ocorreram com intensidade a partir da década  de 1990, como reflexo direto da constituição de 1988,  que estabelece uma discussão sobre a gestão social  como a gestão própria das Organizações do Terceiro  Setor, diferenciando-a da gestão do Estado e da gestão  privada. Este artigo tem como objetivo fazer uma  reflexão sobre a interação dessas gestões através da  análise de um projeto social em educação,  denominado “Projeto Crescer”. Esse projeto é  desenvolvido com alunos com algum tipo de dificuldade de aprendizagem e/ou com problemas  psicológicos. Os resultados dessa análise apontam  uma evolução das crianças participantes do projeto,  em termos psicopedagógicos, e uma possibilidade de  ação do projeto que inclui um trabalho específico com  as professoras e as famílias das crianças. Em termos  gerais, conclui-se que esta pesquisa, além de contribuir  para o fluxo de ações e retomada de procedimentos do  “Projeto Crescer”, também pode servir como  parâmetro de avaliação para as práticas de gestão das  ONG.

PALAVRAS-CHAVE: Organizações do Terceiro Setor, Gestão Social, Avaliação de Projetos  Sociais, Projetos Sociais em educação.

ABSTRACT  

Significant changes in the management structure and  operation of NGOs have occurred since the 1990’s due  to the 1988 Brazilian Constitution, which initiated a  discussion about social management pertaining to the  Voluntary Sector Organization, thereby differentiating  it from both State and private management. This  article seeks to conduct an analysis of the interaction  between these spheres of management. This analysis is  carried out through an educational project known as  the “Projeto Crescer”. Students diagnosed with a  learning disability or psychological problem benefited from this project. The results of this research project  show that students participating in the project showed  significant psychological and pedagogical  improvement. Regarding the project evaluation, the  results suggest the possibility of carrying out specific  activities with the elementary school teachers and the  students’ families. Finally, in addition to contributing to  the actions and procedures of “Projeto Crescer”, this  research project can also serve as a basis to evaluate  management practices adopted by NGOs.

KEY-WORDS: Voluntary Sector Organizations, Social Management, Evaluation of Social  Projects, Social Projects in Education.

INTRODUÇÃO 

As discussões sobre as ações de ONGs (organizações não-governamentais) em projetos  sociais tornaram-se progressivamente maiores a partir da promulgação da constituição de  1988. Ao discutir a relação do Terceiro Setor com o Estado, Teixeira (2011) mostra que a própria  Constituição Federal, em seus artigos 150, VI, c, 195, 199 e 204, prevê a participação dessas  entidades em projetos sociais. Como justificativa para essa participação está a fragilidade do  Estado em realizar seus objetivos no campo social, educacional, da saúde e em todos os outros  em que há a participação efetiva de entidades do Terceiro Setor.  

O Brasil é um país em que o aumento das ações das entidades do Terceiro Setor se  caracterizam, entre outras razões, pelo fato de que a cota de desafios que exigem aportes  filantrópicos robustos – por se tratar de um dos países mais desiguais do mundo e que abriga o  mais importante ecossistema para o futuro do nosso planeta, torna essa questão ainda mais  urgente (Hopstein, 2018). Logo, a necessidade de estabelecer instrumentos mais efetivos que  consigam aprimorar as políticas públicas visando melhores resultados é cada vez maior. Para  compor a tríade, Estado, sociedade civil organizada e empresas, o crescimento expressivo das  leis de fomento e incentivos fiscais como uma forma de chamar as empresas à responsabilidade  social é um dos fatores a serem ressaltados. Além disso, é importante um estudo constante das  práticas estabelecidas pelo Terceiro Setor no sentido de evitar o perigo de esses projetos  desenvolvidos tornarem-se unicamente um mecanismo de “propaganda” das empresas  financiadoras sem uma preocupação sobre a verificação de sua eficácia e, também, valorizar a  divulgação a todos os interessados sobre os resultados obtidos e a busca pela participação dos  envolvidos para que sejam fortalecidas as decisões democráticas e formulação de gestão, tanto  públicas quanto das organizações não governamentais, que contribuam cada vez mais com a  conscientização, qualificação, participação e melhoria dos processos de planejamento,  execução, acompanhamento e avaliação dos projetos sociais. 

Dessa maneira, analisar a atuação de ONGs em projetos sociais na área de educação,  em que acontece uma parceria com o Estado e a iniciativa privada, fornece um indicativo de  como hoje se estabelecem essas relações. A interação das ONGs com o local de execução do  projeto e como os saberes são compartilhados proporciona um entendimento sobre as  articulações interinstitucionais e como, a partir do momento em que se atingem os resultados  pretendidos, esses resultados contribuem para o desenvolvimento local e o desenvolvimento  das pessoas tornando-as mais atuantes, críticas e participativas, sendo estas capazes de intervir  no meio em que vivem e de modificarem suas realidades conforme os interesses locais.  

Com base nesses pressupostos, o tema deste artigo baseia-se em um estudo sobre a  eficácia dos projetos sociais executados por ONGs na área de educação. Para isto, o recorte foi o “Projeto Crescer”, desenvolvido em uma escola pública municipal na cidade de  Vespasiano/MG e executado por uma ONG. O projeto é financiado por uma empresa que atua  na fabricação de componentes para a construção civil. 

METODOLOGIA 

A abordagem da pesquisa fundamentou-se na análise do projeto social denominado “Projeto Crescer” teve como objetivo principal a análise sobre a eficácia desse projeto a um  número significativo de alunos em relação aos aspectos cognitivos e emocionais. Além dos  dados obtidos foram investigadas as possíveis razões de algumas das constatações presentes  na análise feitas a partir dos testes aplicados, entrevistas e notas das disciplinas de português e  matemática. Dessa forma, o estudo foi orientado pela pesquisa qualitativa, mas os dados foram  agrupados estatisticamente de acordo com critérios da pesquisa quantitativa. 

Quanto ao nível da pesquisa realizada, essa pode ser classificada como uma pesquisa  descritiva, baseando-se nos objetivos gerais de descrever os resultados da ação do “Projeto  Crescer”. A partir do momento em que se descrevem características de determinada população  ou fenômeno através de técnicas padronizadas de coleta de dados, temos aí os princípios de  uma pesquisa descritiva (Gil, 2017). Como preparação do trabalho foi realizada uma pesquisa  bibliográfica que teve como objetivo fundamentar os conceitos mais importantes relacionados  aos problemas investigados e oferecer dados sobre situações à presente investigação.  

A proposta central desta pesquisa, conforme exposto anteriormente, relacionou-se à  análise de um projeto de intervenção em duas escolas públicas municipais de Vespasiano/M.G:  Escola Municipal José Paulo de Barros e Escola Municipal Maria de Paula Santos. Os dados foram coletados junto a dois grupos de alunos(as) da E. M. Maria de Paula Santos: um  grupo do 4º ano e outro grupo do 5º ano, ambos do ensino fundamental, totalizando 34 alunos,  entre 9 e 11 anos.  

Foram investigados os pareceres dos professores e psicólogos, além dos testes aplicados  nos alunos e as notas de português e matemática das duas primeiras etapas de 2012. Foram  estabelecidos dois grupos para essa investigação: alunos participantes do “Projeto Crescer” e das atividades do projeto e, outro grupo, não participante do projeto. 

Participaram da pesquisa crianças do 4º e 5º anos do ensino fundamental por já  estarem, supostamente, alfabetizadas e, também, pelo fato de o projeto ter definido que essas  séries seriam prioritárias para a realização das atividades depois de entrevistas realizadas com  coordenadores e direção das escolas. Logo, foram analisadas crianças que há mais tempo  participam das oficinas. Para a composição da amostra foram escolhidas 17 crianças, já que  esse é o número total de crianças do 4º e 5º anos que participam do Projeto Crescer na Escola  Municipal Maria de Paula Santos, e 17 crianças não participantes do projeto. As crianças não  participantes foram escolhidas em igual número e pertencentes às mesmas séries e turmas das  crianças participantes, além de terem a mesma idade média. Seguindo esses critérios, houve  uma escolha aleatória.  

Também fizeram parte da amostra para delineamento dos dados obtidos por  entrevistas: uma professora do 4º ano, uma professora da turma do 5º ano, ambas professoras  de todas as crianças do grupo experimental e grupo controle, além das duas psicólogas  coordenadoras do “Projeto Crescer” que atuam na E. M. Maria de Paula Santos. 

A coleta de dados foi desenvolvida por meio dos seguintes instrumentos: 

1) Levantamento dos documentos da escola para coletar notas dos alunos  durante as duas primeiras etapas letivas de 2012; 
2) Entrevistas com as professoras do 4º e 5º anos antes da entrada das  crianças no projeto e após quatro meses de participação destas no  projeto;
3) Entrevistas com as psicólogas do projeto no mesmo período de tempo  em que as professoras foram entrevistadas; 
4) Realização de testes psicológicos antes do início das atividades do  projeto e após quatro meses da participação das crianças no mesmo.
Os testes realizados foram: as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven  (MPCR), o Teste de Desempenho Escolar (TDE) e a Escala de “Stress” infantil (ESI). 

No delineamento dos dados fornecidos por pessoas foi analisado um procedimento de  “quase-experimento” (Gil, 2017) realizado com dois grupos: crianças participantes do “Projeto  Crescer” e crianças não participantes do projeto. Para esses dois grupos foram aplicados os três  testes psicológicos em dois momentos, com um intervalo de quatro meses. Esses testes foram  escolhidos por ajudarem a identificar o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento  emocional, o nível de estresse e a agressividade, além do grau de socialização dessas crianças. É  importante enfatizar que todos esses testes são aprovados e considerados válidos pelo CFP  (Conselho Federal de Psicologia).  

Sobre os dados obtidos através dos testes e dos documentos da escola e dos técnicos  da ONG, foram organizados procedimentos quantitativos, estatísticos e comparativos. No caso  das entrevistas, organizou-se um procedimento qualitativo baseado na análise de conteúdo. Dentre as opções de análise de conteúdo, foi adotado o registro de unidades por tema e, em  seguida, tais registros foram organizados por categorias, tendo como referência os itens do  roteiro de entrevista (Bardin, 2013). 

O PROJETO CRESCER 

Em julho de 2010 o CRAS (Comitê de Relações Ambientais e Sociais) da empresa Mecan,  abriu um processo para selecionar um projeto social que o próprio CRAS financiaria. Como pré-requisitos, esse projeto deveria ser apresentado por uma ONG, ter como local de execução do  projeto escolas públicas municipais em Vespasiano/MG e ter como público alvo os estudantes do ensino fundamental dessas escolas. 

No final de julho de 2010 o CRAS selecionou a ONG ABRADH (Associação Brasileira de  Ações Integradas para o Desenvolvimento Humano) que é a executora do projeto que recebeu  o nome de “Projeto Crescer”. A ABRADH é uma associação existente, informalmente, desde  1995. Em vinte de setembro de 1999 foi registrada formalmente sob o número 102.269 (cento  e dois mil duzentos e sessenta e nove) no cartório de registro civil das pessoas jurídicas de Belo  Horizonte/MG. Em seu estatuto, a ABRADH especifica os critérios básicos para ser considerada  uma ONG, conforme foi descrito anteriormente. Tais critérios são: 

a) A ABRADH é uma entidade de direito privado e de natureza filantrópica, sem  finalidade lucrativa e de diretoria não remunerada; 
b) Todas as rendas da associação são aplicadas exclusivamente no Brasil e investidas total  e obrigatoriamente na manutenção, expansão e qualificação de sua estrutura e  serviços;
c) Em caso de extinção e/ou dissolução e/ou reforma da ABRADH essas deverão ser  feitas com a devida aprovação da totalidade dos membros da assembleia geral. No  caso de extinção da ABRADH ou dissolução o patrimônio da mesma será revertido para  uma entidade com os mesmos fins estatutários que a ABRADH. 

Em agosto de 2010 o “Projeto Crescer” foi iniciado, primeiramente, com o  estabelecimento de parceria entre a ABRADH e a Prefeitura Municipal de Vespasiano/MG. Essa  parceria foi realizada através da Secretaria Municipal de Educação que estabeleceu a execução  do projeto na Escola Municipal José Paulo de Barros, no bairro Santo Clara, vizinho à Mecan.  Inicialmente foi feito um contato com o diretor da escola que estudou e apresentou o projeto  a coordenadores e supervisores da escola. Aprovado por todos, foi realizada uma reunião em  agosto de 2010 com os professores da escola. O projeto teria como eixo principal o atendimento  de crianças e adolescentes por psicólogos, professores de capoeira, Kung Fu, futebol, teatro,  artes e música. Os alunos seriam encaminhados pelos professores e orientadores da escola. Um  comunicado sobre o início do projeto foi feito pela escola e enviado aos pais e responsáveis. 

Em abril de 2011 o projeto foi ampliado para a Escola Municipal Maria de Paula Santos,  localizada no bairro Morro Alto. Novamente foi feito um contato com a diretora da escola que  procedeu da mesma forma que a direção da E.M. José Paulo de Barros, ou seja, foi feita uma  reunião com os coordenadores e supervisores e, depois, uma reunião com os professores. Por  último, foi realizada uma reunião com os pais comunicando sobre o “Projeto Crescer”.  

A escolha dessas duas escolas se justifica por dois fatores: a) são escolas que localizam se próximas à Mecan, atendendo filhos e filhas de funcionários e colaboradores; b) são escolas  que atendem crianças com baixo rendimento pedagógico e que possuem inúmeros problemas  de ordem psicológica, como transtorno de atenção, hiperatividade, dificuldade de socialização,  nível alto de agressividade, problemas afetivos e estresse generalizado.  

Segundo dados do mês de outubro de 2012, o “Projeto Crescer” atendeu, nas duas  escolas, 444 (quatrocentos e quarenta e quatro alunos). São estudantes do 2º ano do ensino  fundamental até o 9º ano do ensino fundamental, com faixa etária variando dos 7 aos 16 anos.  Também segundo dados de outubro de 2012, foram oferecidas as seguintes atividades:  atendimento em psicologia, acompanhamento pedagógico, música, aulas de kung Fu, aulas de  capoeira e aulas de futebol. A participação dos estudantes, conforme as atividades, pode ser  visualizada abaixo: 

TABELA 1 – Distribuição dos estudantes nas oficinas oferecidas pelo “Projeto Crescer”

Fonte: elaboração própria, 2012.

O fluxo de ação do projeto é estabelecido através da relação entre a direção das escolas,  as coordenadoras e supervisoras das séries escolares, professoras das turmas e psicólogos da  ABRADH. A partir de uma reunião realizada no início de cada semestre, ou seja, fevereiro e  agosto de cada ano, entre os psicólogos da ABRADH e a direção, estabelecem-se a organização  do projeto em relação a: espaços físicos que serão utilizados, número de crianças/adolescentes  e turmas atendidas pelo projeto e reuniões e outras atividades a serem realizadas. Em uma  segunda etapa, os psicólogos reúnem-se com as coordenadoras, supervisoras e professoras  para determinar que alunos(as) serão encaminhados para a psicologia, sendo critérios para esse  encaminhamento os(as) alunos(as) que apresentam:  

a) Problemas cognitivos: (atenção, concentração, percepção, memória, linguagem,  raciocínio, lógica, estratégia de resolução de problemas, tomada de decisões, etc.). Todos esses interferem, diretamente, no rendimento escolar, averiguado pelo  projeto, na evolução das notas de português e matemática; 
b) Problemas emocionais: tristeza, desânimo, apatia, alto nível de agressividade, fobias,  eventos de pânico, insegurança, entre outros; 
c) Problemas de socialização: não se relacionam bem com colegas, professoras e demais  funcionários da escola, ou, liderança exacerbada, gerando atritos e eventos de  heteroagressividade e/ou autoagressividade. 

A partir do encaminhamento para a psicologia, os atendimentos passam a ser realizados  semanalmente. São atendimentos em grupos, variando o número de participantes de acordo  com a idade e série. Em média são oito estudantes em cada sessão de atendimento.  

Os psicólogos são os responsáveis pelo encaminhamento dos estudantes para as outras  atividades do projeto, de acordo com a demanda individual observada nos atendimentos.  Sendo assim, os que apresentam defasagem cognitiva e baixo rendimento escolar passam a  frequentar a oficina de acompanhamento pedagógico, na qual são realizadas atividades de  complementação ao trabalho da professora em sala de aula, tais como prática de exercícios,  acompanhamento de “para casa”, realização de exercícios extras e, em muitos casos, revisão  de conteúdos das séries anteriores a que o(a) aluno(a) está matriculado(a). Os estudantes com  problemas de socialização, sem interação com os colegas e/ou timidez excessiva, passam a  frequentar as aulas de futebol e/ou capoeira. Para as aulas de música são encaminhados os  alunos(as) que apresentam problemas emocionais ligados à dificuldade de expressão  emocional e insegurança. Para as aulas de Kung Fu são encaminhados os alunos(as)  heteroagressivos e/ou com questões de insegurança.  

Mensalmente, todos os coordenadores de oficinas e os psicólogos realizam relatórios  de acompanhamento sobre todos(as) os(as) alunos(as). Nesses relatórios há um  acompanhamento individual além de relatos sobre as atividades desenvolvidas e descrição  sobre métodos utilizados e resultados esperados. Esses relatórios são discutidos e, a partir  deles, são elaboradas novas estratégias de ação. Semestralmente todo o trabalho realizado é  apresentado ao CRAS, que além das questões de ordem técnica do projeto, avalia a aplicação  dos recursos e os resultados alcançados. Após essas reuniões o CRAS define sobre a  continuidade do projeto para o semestre seguinte, o que acontece desde agosto de 2010. 

Diante do exposto, foi estabelecido como referência de análise a discussão sobre a eficácia do “Projeto Crescer” o qual busca ampliar as possibilidades de desenvolvimento  psicopedagógico dos alunos das escolas municipais.  

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Os dados obtidos nesse levantamento serão apresentados em três partes: inicialmente,  os resultados dos testes ESI (Escala de “stress” Infantil), MPCR (Matrizes Progressivas Coloridas  de Raven) e TDE (Teste de Desempenho Escolar). Em seguida, os dados relacionados ao  desempenho dos alunos nas disciplinas de português e matemática ainda como resultados do  TDE e, por último, a análise de conteúdo das entrevistas realizadas.  

A importância da aplicação dos testes é justificada pelo fato de que esses instrumentos  fornecem uma referência para a análise sobre a evolução, ou não, dos alunos que participam  do projeto. Essa análise passa a ser mais criteriosa por ser comparada com um grupo não  participante do “Projeto Crescer” e que foi submetido aos mesmos testes. Os testes escolhidos  avaliam resultados em áreas apontadas por todos os envolvidos com as crianças do projeto  (escola, professoras, família e psicólogas) como sendo as principais “dificultadores” no processo  de ensino/aprendizagem. Essas áreas são: o nível de estresse dos alunos, o desempenho escolar  e o conteúdo em matemática e português adquirido pelos alunos, além do nível de raciocínio  lógico e capacidade cognitiva. Enfatiza-se que esses testes foram aplicados em dois momentos:  imediatamente antes do início da participação dos alunos no “Projeto Crescer” e quatro meses  depois do início das atividades do projeto, culminando com o fim do segundo bimestre escolar.  Como já mencionado, inicialmente, foram escolhidas 17 crianças participantes do projeto e 17  não participantes do projeto para fazerem os testes. Contudo, ao final de todas as aplicações,  15 crianças do projeto e 15 não participantes foram as que, efetivamente, fizeram todos os  testes. Dessa forma, foram analisados os resultados de 30 alunos para cada teste realizado. 

As avaliações das notas de português e matemática foram importantes, pois, essas  disciplinas foram o foco do trabalho do acompanhamento pedagógico. Como o TDE avalia o  desempenho nessas duas matérias, optou-se pelo levantamento das notas apenas nessas  disciplinas escolares, o que foi feito a partir dos boletins e diários de classe. O ESI foi aplicado  para análise das reações psicológicas e perfil emocional frente a eventos que exijam adaptação  das crianças. Mudanças estas que incluem alterações psicológicas e comportamentais (Lipp e  Lucarelli, 2008). O MPCR foi aplicado para a análise do nível de inteligência e capacidade  cognitiva gerais (Alves, Malloy-Diniz, Paula e Schlottfeldt, 2018). Por fim, as entrevistas  realizadas foram a base para o entendimento dos resultados encontrados. Inicialmente, as  professoras do ensino regular mostraram o motivo para o encaminhamento de determinados  alunos para o projeto. Logo, os testes ajudaram a entender se essas razões apresentadas pelas  professoras foram ou não procedentes. Ao final dos quatro meses, a nova rodada de entrevistas  mostrou como as professoras perceberam os alunos após esse tempo em que foram  submetidos às atividades do projeto.  

No caso das entrevistas com psicólogas da ABRADH, os relatos da primeira entrevista  mostraram a percepção dessas em relação aos alunos no que se refere aos aspectos cognitivos,  emocionais, nível de violência e socialização. Quatro meses depois a entrevista foi repetida e,  dessa vez, o relato centrou-se na evolução dos alunos após esse tempo de participação no projeto. As categorias analisadas foram as mesmas, ou seja, cognição, emoção, nível de  violência e socialização.  

Sobre as entrevistas, como explicitado anteriormente, procedeu-se a uma análise de  conteúdo. A técnica utilizada para análise das entrevistas foi a categoria. Dessa forma, no caso  das professoras, as categorias para análise foram agrupadas a partir dos seguintes temas:  motivos para o encaminhamento do aluno para o projeto; dificuldades que o aluno apresenta  nas áreas cognitiva e psicológica, socialização, melhoras apresentadas pelo aluno. No caso das  psicólogas da ABRADH, as categorias para análise foram agrupadas nos seguintes temas:  características do aluno em relação ao desenvolvimento psicológico e emocional; nível de  violência e socialização; desenvolvimento cognitivo. 

O PROJETO CRESCER EM NÚMEROS: BUSCANDO REFERÊNCIAS 

Para atingir o objetivo geral estabelecido para a pesquisa, ou seja, analisar a eficácia de  um projeto social executado por uma organização não-governamental, financiado por uma  empresa e em parceria com escolas públicas, foi realizado o procedimento apresentado no item  anterior. Os dados obtidos nesse levantamento serão apresentados, a seguir, em duas partes:  inicialmente, os resultados dos testes (ESI, MPCR e TDE). Em seguida, a análise de conteúdo das  entrevistas realizadas.  

RESULTADOS ESI (ESCALA DE STRESS INFANTIL) 

O ESI é um teste que avalia o nível de stress infantil e que permite identificar sintomas  e efeitos psicológicos e sintomas e efeitos físicos que indiquem que a criança esteja vivendo um  momento de estresse.  

Para avaliação dos resultados do ESI os principais critérios quantitativos utilizados para  dizer se a criança possui sinais significativos de estresse são os seguintes: 

▪ Quando aparecem círculos completamente cheios, de resultado 4, em 7 ou mais itens  da escala total; 

▪ A nota igual ou maior que 22 pontos foi obtida em quaisquer dos dois fatores a seguir:  reações físicas e reações psicológicas; 

▪ A nota igual ou maior que 21 pontos foi obtida em quaisquer dos dois fatores a seguir:  reações psicológicas com componente depressivo e reações psicofisiológicas; ▪ A nota total da escala foi maior que 86 pontos. 

Além desses fatores, considerou-se para análise do ESI a possibilidade de aumento de  escala do estresse após os quatro meses entre as aplicações do teste, independentemente dos  valores da escala. Os resultados do ESI estão organizados na tabela 2 que apresenta dados de  alunos participantes do Projeto Crescer (APC) e na tabela 3, que apresenta dados de alunos não  participantes do Projeto Crescer (ANPC). 

Tabela 2 – Distribuição dos resultados do teste ESI em estudantes participantes do “Projeto  Crescer”.

Fonte: Elaboração própria, 2012. 

Em relação aos alunos não participantes do Projeto Crescer (ANPC), os resultados são  exibidos na tabela 3. 

Tabela 3 – Distribuição dos resultados do teste ESI em estudantes não participantes do  “Projeto Crescer”.  

Fonte: Elaboração própria, 2012. 

De acordo com os resultados apresentados nas tabelas anteriores, pode-se deduzir uma  significativa redução dos sinais de estresse no grupo participante do “Projeto Crescer”, ou seja,  dos 15 alunos do grupo pesquisado, cinco crianças que apresentaram sinais de estresse na  primeira aplicação não apresentaram sintomas na segunda avaliação, o que representa 33,4%  do total.  

Sobre o grupo não participante do projeto, o número de crianças com sinais de estresse  manteve-se o mesmo. Salienta-se aqui outro dado importante. Como o projeto tem por  objetivo atingir crianças com os sintomas apontados pelo teste, esperava-se que, no grupo dos  alunos não participantes, houvesse um menor número de crianças sem as características de  estresse.  

Sobre o resultado relacionado à escala total do teste (última coluna das tabelas 2 e 3),  independentemente do resultado inicial ou final indicar ou não estresse, pode-se identificar  que, do grupo APC, dois alunos aumentaram o escore total (13,3%) enquanto 13 diminuíram  este escore (86,7%). No grupo ANPC, seis alunos aumentaram o escore total (40%) enquanto  nove alunos (60%) diminuíram este escore.  

Percebe-se que o grupo APC apresenta um resultado bem expressivo no que se refere à  diminuição dos escores totais identificadores de situação de estresse. Apesar de o grupo ANPC  também possuir um resultado de 60% de diminuição dos escores totais, é importante analisar  qual foi a taxa média de escore total que apresentou diminuição em cada grupo. 

No grupo APC, essa média foi de 17,2 pontos por criança que apresentou redução e, no  caso do grupo ANPC, esta média foi de 5,1 pontos. Logo, o grupo dos alunos acompanhados  apresentou uma taxa de redução em pontos do escore três vezes maior que a do grupo dos  alunos não acompanhados.

RESULTADOS MPCR (MATRIZES PROGRESSIVAS COLORIDAS DE RAVEN) 

 Para a análise do teste MPCR considera-se uma interpretação por percentil, em que o  valor atingido no teste é comparado com um quadro de percentil que discrimina o nível de  inteligência em cinco diferentes escalas: “intelectualmente superior” (grau 1) , “definidamente  acima da média na capacidade intelectual” (grau 2s se for superior ou grau 2i se for inferior)),  “intelectualmente médio” (grau 3s se for superior ou grau 3i se for inferior), “definidamente  abaixo da média na capacidade intelectual” (grau 4s se for superior ou grau 4i se for inferior) e  “intelectualmente deficiente” (grau 5). 

Fazendo-se um agrupamento dentro dos dois grupos, APC e ANPC, obtêm-se os  seguintes resultados mostrados na tabela 4 abaixo. Para análise e interpretação considera-se o  grau relacionado à classificação por escores apresentado acima. 

TABELA 4 – Distribuição dos resultados percentuais do teste MPCR nos grupos APC e ANPC. 

Fonte: Elaboração própria, 2012. 

Na tabela 4 acima, o grau para interpretação refere-se ao tipo de capacidade intelectual.  Na distribuição percentual dos resultados do MPCR pode-se observar que, em relação ao grupo  APC, houve uma diminuição do grau 5 (intelectualmente deficiente) e um aumento de grau  máximo da interpretação comparando-se os dois momentos de aplicação do teste. Enquanto  na primeira aplicação o valor máximo de grau observado foi o 3s (Intelectualmente médio – superior), na segunda aplicação este grau subiu para 2i (definidamente acima da média na  capacidade intelectual – inferior).  

Comparando-se os resultados, observa-se que, no grupo ANPC, aconteceu o contrário  em relação ao grau máximo de capacidade intelectual observado no teste. Na segunda  aplicação o grau máximo observado foi o 2s (definitivamente acima da média na capacidade intelectual – superior) e, na primeira aplicação, o grau máximo observado foi o 1 (intelectualmente superior).  

Outro fator importante é o que diz respeito ao grau dos alunos em números totais que  estão nos últimos níveis de interpretação, ou seja, considerados como “definidamente abaixo  da média na capacidade intelectual – inferior” ou “intelectualmente deficientes”. O teste avalia  a capacidade cognitiva relacionada à capacidade do indivíduo em extrair um significado de uma  situação confusa, à capacidade de desenvolvimento de novas compreensões e à capacidade de  estabelecer conexões para lidar com problemas. Logo, ao se dizer que um aluno está em um  determinado grau de interpretação, significa que as capacidades especificadas acima podem  evoluir, passando para um grau acima, não apresentar evolução ou podem, ainda, evoluir  passando para um grau abaixo. No grupo APC, considerando-se os dois níveis de interpretação  mais abaixo na escala (“definidamente abaixo da média na capacidade intelectual – inferior” ou  “intelectualmente deficientes”), observa-se que 60% dos alunos estavam aí alocados quando  da primeira aplicação do teste. Esse número, na segunda aplicação, foi reduzido para 46,7 %.  No grupo ANPC a primeira aplicação mostra que 20% dos alunos estavam nesse nível de  interpretação e, na segunda aplicação, esse número caiu para 6,7%.  

Sobre esses dados note-se que o grupo APC mostra representativo número de alunos  pertencentes a esse nível de interpretação (“definidamente abaixo da média na capacidade  intelectual – inferior” ou “intelectualmente deficientes”) na primeira aplicação do MPCR (60%  ou 9 alunos), o que vai ao encontro à proposta do “Projeto Crescer” de atender alunos que  apresentem dificuldades cognitivas e de baixo desempenho escolar. No grupo ANPC esse  número já é consideravelmente menor, 20% (3 alunos). Logo, mesmo havendo diminuição nos  dois grupos de análise, essa diminuição no grupo APC atingiu alunos considerados  “intelectualmente deficientes”, que sequer aparecem em ANPC.  

Analisando-se a melhoria de grau apresentada em cada grupo, pode-se deduzir que, em  APC 46,7% (7 alunos) apresentaram melhoria de nível, enquanto que, em ANPC 40% (6 alunos)  apresentaram melhoria de nível. Em APC 26,7% (4 alunos) diminuíram o nível de interpretação  e em ANPC 33,3% (5 alunos) diminuíram este nível de interpretação. Nos dois grupos, 26,7% (4  alunos) permaneceram no mesmo nível de interpretação.  

De uma forma geral, os dados do grupo APC comparados ao do grupo ANPC,  relacionados à melhoria de grau, foram melhores. Mas, mesmo sendo melhores, as atividades  do “Projeto Crescer” para o acompanhamento dos alunos com baixo desenvolvimento cognitivo  e baixo rendimento escolar, precisam ser adaptadas para cada grau que os alunos apresentam.  Ter nas mesmas oficinas alunos interpretados como “intelectualmente deficientes” e também  alunos interpretados como “intelectualmente médios – superior” pode interferir nesses dois  grupos. Ou contribuindo para um grupo permanecer estagnado por falta de atividades mais  estimulantes ou por dificuldade na resolução dessas, de acordo com o grupo. Também torna-se pertinente buscar respostas, nos dois grupos, sobre o motivo para alguns alunos  apresentarem diminuição no grau de interpretação. Fatores inerentes à aplicação do teste  podem interferir nessas respostas. Mas, além disso, pode-se levantar como hipótese de que as  atividades escolares e do projeto não contribuíram para este desenvolvimento cognitivo. Outro  fator seria que esses resultados não apareceram devido ao tempo curto de aplicação dos testes  (4 meses). 

RESULTADOS DO TDE

Para a análise do TDE é apresentado uma tabela de classificação dos escores brutos por  série escolar. Os escores para os testes de escrita, aritmética e leitura são apresentados  separadamente para melhor observação do desenvolvimento do aluno. Dessa forma, o teste é  comparado com uma tabela que discrimina o escore atingido em três diferentes escalas:  “superior”, “médio” e “inferior”. 

Os dados para análise do TED apresentam resultados vinculados a procedimentos  específicos das disciplinas de português e matemática, sendo eles: habilidades em escrita,  leitura e operações básicas de matemática. Esses resultados, em relação aos níveis de evolução  dos alunos, apresentaram-se da seguinte maneira no grupo APC: os alunos do 4º ano iniciaram  no nível inferior em relação a todas as categorias (escrita, leitura, aritmética e escore total) e,  após a segunda aplicação do TDE, continuaram no nível inferior. Os alunos do 5º ano, em  relação à categoria escrita, terminaram a segunda aplicação com a seguinte distribuição: 11,1%  no nível superior; 33,3% no nível médio e 55,6% no nível inferior. Importante salientar que, do  total, 22,2% dos alunos evoluíram em termos de mudança de nível, já que 11,1% mudaram do  nível médio para o superior e, no mesmo percentual, do nível inferior para o nível médio.  

Sobre a categoria aritmética, 33,3% dos estudantes, após a segunda aplicação do TDE,  estavam no nível médio, enquanto que 66,7% estavam no nível inferior. Desse total, 33,3%  mudaram, entre a primeira e segunda aplicações, do nível inferior para o nível médio. Os  mesmos dados repetiram-se na categoria leitura, em relação ao nível após a segunda aplicação,  sendo que 22,2% mudaram do nível inferior para o nível médio.  

Sobre os escores totais, 77,8% permaneceram no nível inferior e 22,2% no nível médio.  Dentre os que subiram para o nível médio, 11,1% migraram do nível inferior e os outros 11,1%  permaneceram neste nível após a segunda aplicação do TDE. Para o grupo APC, o gráfico 1 mostra a distribuição dos alunos após a segunda aplicação do teste para cada nível de análise. 

Gráfico 1 – distribuição percentual dos resultados do grupo APC após a segunda  aplicação do TDE em relação aos níveis por categoria do teste. 

Fonte: elaboração própria. 

No grupo ANPC, os alunos do 4º ano na categoria escrita iniciaram no nível inferior e,  após a segunda aplicação, permaneceram. Na categoria aritmética houve em 16,6% dos alunos uma diminuição do nível, de médio para inferior. Os outros 83,4% iniciaram e  permaneceram no nível inferior. No nível leitura houve um aumento de nível, do inferior para  o médio, em 16,6% dos estudantes. Os outros 83,4% permaneceram no nível inferior. No escore  total, para os alunos do 4º ano, todos iniciaram e terminaram as aplicações no nível inferior.  

Os alunos do 5º ano do grupo ANPC, em relação à categoria escrita, iniciaram e  permaneceram no mesmo nível, não havendo movimentação para níveis abaixo ou acima.  Sendo assim, 11,1% permaneceram no nível superior, 22,2% no nível médio e 66,7% no nível  inferior. Na categoria aritmética, todos terminaram a segunda aplicação no nível inferior, mas,  11,1% iniciaram no nível médio. Os mesmos resultados foram observados após a segunda  aplicação nas categorias leitura e escore total, inclusive no que se refere à mudança de nível  médio para inferior (11,1% dos casos). O gráfico 2 mostra esta distribuição após a segunda  aplicação. 

Gráfico 2 – distribuição percentual dos resultados do grupo ANPC após a segunda aplicação  do TDE em relação aos níveis por categoria do teste. 

Fonte – elaboração própria. 

Comparando-se os dois gráficos nota-se a grande predominância, independentemente  da categoria e do grupo (APC ou ANPC), de alunos no nível inferior. Logo, constata-se que apesar  de os alunos frequentarem o 4º e 5º anos do ensino fundamental, não apresentam domínio de  habilidades básicas em leitura, escrita e aritmética, segundo o TDE. Outro fator importante  pode ser observado em relação à mudança de nível entre os grupos APC e ANPC. Enquanto que  no grupo APC, comparando-se todas as categorias, 60% dos estudantes mudaram para um nível  imediatamente acima, apenas 6,7% dos estudantes do grupo ANPC passaram para um nível  acima após a segunda aplicação do TDE. No entanto, analisando-se a diminuição de nível em  todas as categorias, enquanto que no grupo APC não ocorreu esse movimento em nenhum  instante, no grupo ANPC 26,7% dos estudantes passaram do nível médio para o nível inferior.  Como o acompanhamento psicopedagógico do “Projeto Crescer” estabelece práticas para que  os estudantes façam atividades de reforço escolar relacionadas à recuperação dos conteúdos  dos anos anteriores, pode-se considerar esse fator como uma hipótese para explicar a  diminuição de nível dos alunos que não participam do projeto.  

Apesar de observar-se uma melhora em alguns alunos do grupo APC, os resultados ainda  não são significativos por apresentarem, no total, 86,7% dos estudantes no nível inferior.  Levando-se em conta que são habilidades, supostamente, de que todos já deveriam ter  domínio, é um resultado muito aquém do necessário. Entretanto, como mostrado antes,  sabendo-se das características desses alunos, em relação ao grau cognitivo e de estresse,  aliando-se a isso o tempo curto do projeto, alguns resultados podem ser relativizados.  

Como última análise do TDE é importante mostrar como os dados apresentam-se em  relação ao aumento ou diminuição em cada categoria, independentemente do nível em que  estavam na primeira aplicação ou passaram a estar após a segunda aplicação. Em todas as  categorias e nos dois grupos, APC e ANPC, houve crescimento comparando-se os escores iniciais  e finais. Os resultados são os seguintes, mostrados na tabela 5. 

TABELA 5 – Percentual do número de estudantes que apresentaram crescimento nos  escores de cada categoria. 

Fonte: Elaboração própria, 2012. 

Em todas as categorias há um aumento maior no grupo APC. Em algumas categorias esse  aumento é significativo, como na escrita e escore total (mais de 70%). Estes resultados  permitem estabelecer uma relação entre as atividades desenvolvidas pelo “Projeto Crescer” no  intuito de melhorar o rendimento escolar em português e matemática e os resultados  apresentados pelos estudantes participantes do projeto, já que houve um aumento desse  rendimento muito superior neste grupo comparando-se com o grupo ANPC. A média simples  desse aumento no grupo APC foi de 61,65% e no grupo ANPC foi de 26,68%. 

POR DETRÁS DOS NÚMEROS: AS CRIANÇAS DO PROJETO CRESCER 

Foram realizadas entrevistas com as professoras regulares das crianças participantes do  “Projeto Crescer”. Uma professora do 5º ano e uma do 4º ano. Também realizou-se entrevistas  com as duas psicólogas do projeto. 

Essas entrevistas estão de acordo com a análise de conteúdo, organizadas em temas e  categorias. De acordo com Bardin (2013, p. 103), a unidade de registro por categoria “é a  unidade de significação a codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como  unidade de base, visando à categorização e a contagem frequencial”. Sendo assim, a partir das  entrevistas, organizaram-se temas específicos que geraram categorias para caracterização  desses temas. Esta organização teve como objetivo, em relação às professoras, entender os  motivos para encaminhamento dos alunos para o “Projeto Crescer” e apreender como as  professoras, após quatro meses, perceberam a evolução dos alunos. Em relação às psicólogas, os objetivos principais foram identificar as principais características dos alunos, antes do início  do projeto e após 4 meses de permanência no “Projeto Crescer”, no que se refere à cognição,  desenvolvimento emocional e socialização. 

No caso das professoras, os temas em que foram agrupadas as respostas são os  seguintes: 

▪ Motivos para encaminhamento do aluno para o “Projeto Crescer”;  
▪ Principais dificuldades cognitivas, de socialização, psicológicas e histórico de violência;
▪ Principais melhorias apresentadas pelos alunos após a participação no “Projeto Crescer”  por quatro meses. 

Em relação ao primeiro tema, percebe-se nas entrevistas das professoras que o motivo  mais apontado refere-se à inadaptação dos alunos por questões cognitivas. Mas, também,  questões psicológicas que não são muito detalhadas pelas professoras por desconhecimento  do significado do que elas observam. Um exemplo desta situação no depoimento de uma  professora: 

Ele não acompanha a turma e não realiza as atividades em tempo hábil. Tem  dificuldade de leitura e escrita. Além disso, é muito triste. Parece que tem sofrimento  interno, chora do nada, dificuldade de aprender. (P2) 

Sobre as principais dificuldades cognitivas, de socialização, psicológicas e histórico de  violência apresentadas pelos alunos, os termos que mais aparecem nos depoimentos das  professoras são: repetência, não é alfabetizado, leitura e escrita ruins, não consegue  acompanhar a turma, não consegue falar, não se relaciona com os colegas.  

De certa forma, essas dificuldades detalham os motivos pelos quais as professoras  julgaram necessário o encaminhamento desses alunos para o projeto. No decorrer das  entrevistas, as entrevistadas tendem a separar as questões psicológicas justificando a razão  delas não poderem interferir para contribuir com a melhora do rendimento escolar destes  alunos. Como alguns são repetentes, essa repetência pode ser justificada pelo fato de que as  professoras não são psicólogas e que, para esses alunos serem aprovados, há uma necessidade  do trabalho de outros profissionais para auxiliá-las em situações em que elas não conseguem  resultados. Esta situação pode ser percebida no depoimento de uma delas, quando se  questionou quais as dificuldades psicológicas deste aluno e como elas foram identificadas. 

A criança não fala nada. Não sei o som da voz dela. Tem muitas faltas e não é alfabetizada. Não consegue nem copiar. Também não se relaciona com ninguém. Não  é cuidada em casa. Não sei o que fazer com ela. Vai ser reprovada com certeza. A  escola precisa de psicólogos para estas crianças. Eu sou professora. Não sei como agir  com casos assim. (P2) 

Sobre o terceiro tema estabelecido para análise das entrevistas das professoras, ou seja,  quais foram as principais melhorias apresentadas pelos alunos participantes do projeto após  quatro meses dessa participação, ambas as professoras identificaram melhoras nos alunos participantes do projeto. Em alguns alunos, todos os quesitos perguntados: cognitivos,  socialização, psicológicas e envolvimento em situações de violência, foram citados como em  evolução. Para outros alunos essa melhora ocorreu em um quesito ou outro, mas, como  característica geral, as professoras sempre identificaram que os participantes do projeto  apresentaram características que mostram que eles adquiriram conhecimentos e habilidades antes não observadas.  

Em relação às entrevistas finais com as professoras, nota-se uma percepção geral de  melhora dos alunos atendidos pelo projeto. Como dito anteriormente, essa melhora é  identificada, inicialmente, na evolução da aprendizagem e, imediatamente, vinculada ao  comportamento e disciplina dos alunos. Logo, podemos inferir haver uma relação, para as  professoras, entre o bom desempenho escolar e a melhoria de disciplina. Apesar de o projeto  contribuir para essa melhora, segundo as professoras, uma pergunta a ser feita está ligada a  seguinte situação: se a professora não mudar a dinâmica das aulas em sala, esse  comportamento “melhor” dos alunos permanecerá? A mesma pergunta em outra perspectiva:  o insucesso do aluno é só “culpa” do aluno? Essa análise leva a uma possibilidade que foi  constatada nas reuniões gerais entre professoras, coordenação pedagógica, psicólogas da  ABRADH e direção da escola: a necessidade do projeto também trabalhar com a capacitação  das professoras.  

No caso das psicólogas, os temas em que foram agrupadas as respostas são os seguintes:  

▪ Principais características em relação à cognição, desenvolvimento psicológico, nível de  violência e socialização observadas antes do aluno frequentar as atividades do projeto;
▪ Principais evoluções em relação à cognição, desenvolvimento psicológico, nível de  violência e socialização observadas no aluno após 4 meses de frequência às atividades  do projeto. 

Em relação ao primeiro tema, apesar do contato entre os alunos e psicólogos ainda, até  aquele momento, não ter acontecido, os relatos são mais detalhados do que os relatos das  professoras. Os relatos das psicólogas, antes do início das atividades no projeto, foram  baseados em encontros preparatórios, os quais tiveram como método algumas dinâmicas e  entrevistas individuais e em grupos. Sobre a cognição, percebe-se nas respostas das psicólogas  uma concordância com as professoras. A caracterização deste aspecto das crianças foi relatada  como: comprometida, com dificuldade de aprendizagem, dificuldade para entender comandos,  não alfabetizado ou, ainda, apresenta respostas lentas. Apesar da concordância entre as  professoras e psicólogas em relação ao baixo desenvolvimento cognitivo, uma diferença  observada entre os relatos destas profissionais é que, para as psicólogas, esta categoria de  análise foi separada dos critérios psicológicos, o que não ocorreu, como citado anteriormente,  entre as professoras. 

Sobre o desenvolvimento psicológico, o nível de violência e socialização, pode-se inferir  algumas características gerais das crianças a partir dos relatos das psicólogas. Primeiro, muitos  alunos são colocados como “sem maiores problemas”. Mesmo sem detalhamentos, as  psicólogas já estabelecem algumas relações de causalidade entre determinados significados  dos comportamentos expressos em sala de aula e o baixo rendimento escolar. As psicólogas  descrevem que muito da metodologia dos atendimentos e, também, do encaminhamento para  as outras oficinas, aconteceram a partir das observações das primeiras entrevistas. Na continuidade do projeto e, como citado anteriormente, no trabalho com as professoras, que  será iniciado em 2013, as relações de causalidade entre os comportamentos expressos e os  diagnósticos realizados por elas servirão de base para intervenções mais específicas. 

Sobre o segundo tema analisado nas entrevistas com as psicólogas, que é relacionado  às principais evoluções em relação à cognição, desenvolvimento psicológico, nível de violência  e socialização observadas no aluno após quatro meses de frequência às atividades do projeto,  os relatos mostram que as entrevistadas observaram uma evolução geral dos alunos. Sobre esse  tema, as psicólogas nas entrevistas utilizaram algumas categorias de análise, recorrentemente,  para mostrar essa evolução nas quais se destacam os seguintes aspectos: a) melhoria nas  atividades pedagógicas; b) melhoria na socialização e c) importância do diagnóstico. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao analisar os projetos sociais em educação executados pelas OTS, entende-se que a  maneira que estes projetos são concebidos, formatados e executados demonstram que,  atualmente, há uma preocupação grande para que se desenvolva uma gestão típica do Terceiro  Setor. Esta gestão típica do Terceiro Setor não desconsidera algumas prerrogativas básicas do  sistema de gestão do Estado e das empresas privadas. Mas, pretende ir além no sentido de que  a gestão social é a gestão própria da sociedade civil, onde não se perseguem objetivos  puramente econômicos e que o campo de ação é público, porém não estatal.  

Articulando a gestão social e a missão das ONGs no estabelecimento de funções  gerenciais no trabalho destas organizações, há um comprometimento com a eficiência, eficácia  e efetividade dos projetos executados. Dentre estas funções gerenciais, ou seja, o  planejamento, organização, direção e controle, esta pesquisa priorizou a análise de um projeto,  denominado “Projeto Crescer”, a partir do processo avaliativo das ações executadas por esse  projeto.  

Essa análise foi estabelecida a partir de dados quantitativos e qualitativos. Os dados  quantitativos mostraram nos dois grupos pesquisados de alunos da Escola Municipal Maria de  Paula Santos os resultados em testes psicológicos que analisaram nível de “stress”, raciocínio  lógico e desempenho escolar em matemática (aritmética) e português (leitura e escrita). Além  dos testes, realizou-se análise das notas em português e matemática relativas aos dois  primeiros bimestres de 2012.  

Em relação a esses dados pode-se notar que os alunos participantes do “Projeto  Crescer” apresentaram resultados que enfatizam a diminuição dos identificadores de situação  de “stress”. Sabendo-se da estreita ligação entre estes identificadores de situação de “stress” e  as experiências vivenciadas pelas crianças em suas famílias relacionadas à violação de direitos,  explica-se o motivo das crianças atendidas pelas psicólogas conseguirem uma diminuição do  nível desses identificadores. Da mesma maneira, os melhores resultados nos testes de  raciocínio lógico e de desempenho escolar apresentados pelos alunos participantes do projeto  podem ser creditados ao acompanhamento psicológico, mas, também, às atividades de acompanhamento psicopedagógico. De toda forma, em alguns dados comparativos, os  resultados não foram satisfatórios. Uma das explicações para isto relaciona-se ao fato do curto  período de tempo entre as aplicações dos testes. Além desse fator, o nível de  comprometimento neuropsicológico de algumas crianças não permitiu acontecer uma evolução significativa, ocasionando, inclusive, o encaminhamento de algumas delas para atendimento  específico nos postos de saúde do município (psicologia, psiquiatria e neurologia). Em relação  às notas de português e matemática, os alunos participantes do projeto melhoram o  rendimento significativamente comparando a primeira e segunda etapas.  

Por meio das entrevistas realizadas com as professoras e psicólogas buscaram-se  informações com pessoas fundamentais no projeto. A partir delas um entendimento maior da  situação das crianças atendidas foi adquirido. As dificuldades apontadas pelas professoras em  sala de aula mostraram a necessidade do trabalho com as docentes. A desmotivação e  desinteresse acabam por prejudicar a ação desses profissionais e a reprovação torna-se o  caminho mais curto para resolver a situação de “crianças problemáticas”. Desta forma, é  importante para o “Projeto Crescer” discutir com a escola e mesmo com a Secretaria Municipal  de Educação de Vespasiano, ações objetivando um trabalho específico com as professoras. Da  mesma maneira em relação aos pais das crianças. Sempre que foram chamadas à escola para  receberem informações das psicólogas, informações estas relacionadas à procura de  profissionais que pudessem ajudar em algum diagnóstico, as famílias mostram-se solícitas e  prontas a participar. Esse fato enfatiza a necessidade de ampliação do projeto visando à  mobilização desses pais e busca por maior participação deles no cotidiano da escola. Os  entrevistados acreditam que essas duas ações, com as professoras e com as famílias, são  fundamentais para o crescimento e maior eficácia do projeto. Logo, algumas situações  relacionadas ao trabalho das professoras, como o não estabelecimento de uma metodologia  eficaz para um grupo tão heterogêneo de alunos, poderiam ser melhores trabalhadas quando  as professoras conseguem explicitar esta situação em momentos específicos onde elas seriam  ouvidas e ajudadas. O mesmo pode-se dizer em relação aos pais. 

Observa-se que os aspectos apontados pelas entrevistadas estão vinculados aos  processos de desenvolvimento local. Nas entrevistas, a participação da escola e da comunidade  são colocados como fatores fundamentais para a maior participação e evolução das crianças.  Quando se analisa o bairro Morro Alto, a dinâmica da comunidade local e o poder paralelo  estabelecido pelo tráfico de drogas, entende-se o motivo de tanta dificuldade da participação  das pessoas nas instituições como a escola. A articulação com a rede de proteção e garantia dos  direitos das crianças e adolescentes completam o quadro no sentido de favorecer a  aproximação entre escola e comunidade.  

Sendo assim, a partir das entrevistas e do referencial teórico, alguns questionamentos  apontam para novas investigações. Primeiro no que diz respeito ao processo avaliativo. Uma  vez que se estabelece uma avaliação do projeto executado, torna-se necessário desenvolver  ações para implementar o que percebe-se não está apresentando resultados. Deste modo, o  “Projeto Crescer” precisa organizar uma avaliação sistemática e estabelecer com a empresa  financiadora condições de mudar o estabelecido quando a avaliação indicar tal fato.  

Segundo, a partir do momento que o projeto iniciar o trabalho com as professoras ou  com as famílias, é importante estabelecer como este trabalho será avaliado. Em muitos  momentos as ONGs planejam, organizam, mas, não se preocupam, nessa organização e  planejamento, de elencar processos avaliativos. É uma prática estabelecida e só quebrada  quando a instituição financiadora vincula a liberação de recursos com a avaliação.  

Terceiro, para a ABRADH aprimorar seus projetos de intervenção, foram realizadas  entrevistas com a comunidade e trabalhadores da escola. Após o início do projeto esses  contatos não foram restabelecidos. Logo, identifica-se uma relação não participativa e com problemas na construção de arenas de discussão sobre o “Projeto Crescer”. Entende-se que a  aproximação com as professoras e rede de proteção aos direitos das crianças e adolescentes  pode ser o caminho para isto. 

Por último, mas não menos importante, aprimorar as oficinas oferecidas pela ABRADH.  É preciso discutir mais sobre o que cada uma das atividades: futebol, música, Kung Fu, capoeira,  acompanhamento escolar e a própria psicologia, podem contribuir para o desenvolvimento  físico, emocional, cognitivo e social das crianças. 

Sendo assim, a contribuição para que essa pesquisa seja um estímulo para a prática de  análise de projetos sociais desenvolvidos por OTS, o projeto de intervenção desenvolvido foi a  realização de um seminário em 2013, apoiado pela Mecan, empresa que financia o “Projeto  Crescer”, cujo tema foi a “avaliação de projetos sociais executados por OTS”. Além disso, o  modelo de análise proposto nesta pesquisa será apresentado à ABRADH e organizado em forma  de manual e disponibilizado no site da ONG a partir da aprovação da primeira reunião da  ABRADH em 2013. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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Bardin, L. (2013). Análise de conteúdo (6ª ed.). Lisboa, Portugal: Edições 70. Gil, A. C. (2017). Como elaborar projetos de pesquisa (6ª ed.). São Paulo: Editora Atlas. 

Hopstein, Graciela et al. (Org.) (2018). Filantropia de justiça social, sociedade civil e  movimentos sociais no Brasil. Rio de Janeiro: E-Papers. 

Lipp, M. E. N.; & Lucarelli, M. D. M. (2008). Escala de stress infantil (6ª e.). São Paulo: Casa  do Psicólogo. 

Teixeira, J. (2011). O terceiro setor em perspectiva: da estrutura à função social. Belo  Horizonte: Editora Fórum.