REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7806742
Mariana Silva Ribeiro
Talita Ravagnani Bisson
Paola Silva Marrocos
RESUMO
Objetivo: esta é uma revisão narrativa baseada no levantamento de literatura atual em bases de dados sobre celulite pré-septal, com o objetivo de analisar as características clínicas, diagnósticas e terapêuticas da doença. Introdução: a celulite pré-septal é uma infecção que acomete os tecidos palpebrais anteriormente ao septo orbitário. Sua etiologia pode ser bacteriana ou viral e geralmente decorre da lesão direta da pálpebra ou por extensão de um processo infeccioso adjacente, como sinusite. O diagnóstico é clínico e o tratamento consiste no uso de antibioticoterapia como principal medida. Revisão bibliográfica: a celulite pré-septal é considerada uma doença pediátrica por ser predominante nesta faixa etária. Deve ser diferenciada através do exame clínico da celulite pós-septal, esta requer uma abordagem diferenciada, visto que pode evoluir com pior prognóstico. Atualmente, os principais agentes etiológicos são o S. pneumoniae e o S. aureus. Manifesta-se clinicamente com edema e eritema palpebral, dor e epífora unilateral. Exames de imagem podem auxiliar no diagnóstico das complicações intracranianas. O tratamento inicialmente empírico é eficaz na cobertura dos germes mais frequentemente responsáveis e na prevenção do acometimento posterior ao septo.
PALAVRAS CHAVE: celulite pré-septal, órbita, infecção
ABSTRACT
Objective: this is a narrative review based on a survey of current literature in databases on preseptal cellulitis, with the objective of analyzing the clinical, diagnostic and therapeutic characteristics of the disease. Introduction: Preseptal cellulitis is an infection that affects the eyelid tissues anteriorly to the orbital septum. Its etiology can be bacterial or viral and usually results from direct injury to the eyelid or by extension of an adjacent infectious process, such as sinusitis. The diagnosis is clinical and the treatment consists of the use of antibiotic therapy as the main measure. Literature review: preseptal cellulitis is considered a pediatric disease because it is predominant in this age group. Post-septal cellulitis should be differentiated through clinical examination, as it requires a different approach, as it can evolve with a worse prognosis. Currently, the main etiological agents are S. pneumoniae and S. aureus. It manifests clinically with eyelid edema and erythema, pain and unilateral epiphora. Imaging exams can help in the diagnosis of intracranial complications. The initially empirical treatment is effective in covering the most frequently responsible germs and in preventing posterior involvement of the septum.
KEYWORDS: preseptal cellulitis, orbital, infection
1 INTRODUÇÃO
A celulite pré-septal ou periorbitária é uma infecção que atinge os tecidos palpebrais anteriormente ao septo orbitário a partir de um evento desencadeante identificável, exógeno ou endógeno, sendo frequentemente relatada sua ocorrência após lesão direta da pálpebra ou por extensão de um processo infeccioso-inflamatório adjacente, como em casos de sinusite, infecções de vias aéreas superiores ou conjuntivite.
Atualmente os agentes etiológicos mais frequentes são o S. aureus e espécies de Streptococcus, como S. pneumoniae e S. pyogenes.
Os sinais e sintomas da celulite pré-septal incluem edema e eritema palpebral, dor e epífora.
O diagnóstico é clínico. A avaliação clínica deve se basear em um exame oftalmológico amplo e no reconhecimento de sinais e sintomas e de uma história clínica compatível com celulite pré-septal. É fundamental avaliar a presença de envolvimento orbital, tendo em vista que a celulite orbital cursa com maiores chances de complicações e pior prognóstico.
O tratamento da celulite pré-septal deve ser iniciado prontamente e modificado de acordo com a resposta clínica. Recomenda-se a instituição de antibioticoterapia empírica oral de amplo espectro com cobertura para os patógenos mais frequentes em regime ambulatorial para casos leves ou hospitalar, por via endovenosa, se houver indicação de internação.
O diagnóstico precoce e intervenção terapêutica apropriada são essenciais para prevenir complicações oculares e do SNC, bem como mortalidade.
Este é um estudo baseado em um levantamento bibliográfico do período de 2000 a 2021 nas bases de dados SciELO, PubMed, MedLine e Lilacs. Apesar de ser uma doença frequente na faixa etária pediátrica e das complicações potencialmente graves da celulite periorbitária, existem poucos estudos sobre o assunto e não há consensos definitivos para o manejo terapêutico, portanto o presente trabalho tem como objetivo analisar as características da celulite pré-septal na infância.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Pode-se definir a celulite pré-septal como uma infecção dos tecidos moles anteriores ao septo orbital, que acomete a porção anterior da pálpebra e não envolve estruturas oculares como órbita, gordura e musculatura. Deve ser diferenciada da celulite pós-septal, a qual acontece na porção posterior ao septo. São doenças distintas e sua diferenciação pode ser desafiadora, pois tendem a manifestar-se com sintomas parecidos. No entanto o diagnóstico diferencial é importante porque na celulite orbital o potencial de piores desfechos é maior. Isso é possível através de sinais clínicos sugestivos de acometimento pós-septal que podem ser observados no exame físico.
Quanto à sua epidemiologia, trata-se de uma doença frequente entre crianças pequenas, sendo que 80% dos pacientes acometidos são menores de 5 anos de idade, assim é considerada uma doença pediátrica. É mais comum no inverno devido sua associação com infecções das vias aéreas superiores. Além disso é uma das queixas oculares mais frequentemente relatadas pelos pacientes na atenção primária.
Sua ocorrência é frequentemente relatada após lesão direta da pálpebra por picadas de insetos, trauma palpebral ou lesões de pele. São também fatores de risco importantes conjuntivite, dacriocistite e infecções do trato respiratório superior, como rinossinusite. A celulite periorbitária é a complicação mais frequente da rinossinusite. Nas crianças os seios paranasais não estão completamente desenvolvidos, e isto, associado à proximidade anatômica e estruturas vasculares compartilhadas, facilita a disseminação contígua e hematogênica da infecção para as estruturas oculares.
Historicamente, um dos patógenos mais frequentemente associados à celulite periorbitária é o Haemophilus influenzae tipo B (Hib). Após a introdução da vacinação Hib observou-se uma redução nos casos de celulite periorbitária por Hib, assim como por outras causas. Uma possível justificativa é que o Hib não é apenas um patógeno ativo, mas também atua como facilitador para outros organismos. Atualmente, no período pós vacinal, os agentes infecciosos causadores mais comuns são Staphylococcus aureus, espécies de Streptococcus (S. pyogenes, S. viridans e S. pneumonie), anaeróbios e adenovírus, que refletem os agentes causadores de infecções do trato respiratório superior.
As manifestações clínicas incluem edema e eritema palpebral, dor unilateral e epífora. O edema pode ser intenso a ponto de dificultar a avaliação do globo ocular e abertura dos olhos. Pode ainda haver a presença de febre e manifestações nasais como rinorreia bilateral, na maioria dos casos, purulenta. Em casos mais graves pode ocorrer quemose, sendo importante excluir a presença de corpo estranho.
A avaliação clínica tem como objetivo confirmar que o envolvimento mantém-se restrito às estruturas periorbitárias anteriores ao septo orbitário. Ao exame físico, pacientes com celulite pré-septal apresentam-se com acuidade visual normal, ausência de proptose, motilidade ocular normal, ausência de dor orbital, reatividade pupilar normal, além de ausência de edema de nervo óptico e ingurgitamento venoso posterior à oftalmoscopia.
São sinais de alarme sugestivos de envolvimento orbital: proptose, redução unilateral da acuidade visual, limitação ou dor à movimentação ocular, visão anormal de cores, reatividade pupilar prejudicada e sintomas sistêmicos, incluindo febre ou comprometimento neurológico.
O diagnóstico é clínico, contudo, alguns trabalhos recomendam avaliação complementar para a exclusão de acometimento orbital, especialmente na presença de febre, através de hemograma completo, hemocultura e TC de órbita com contraste. A presença de sintomas sugestivos de acometimento pós-septal indica a realização de exame de imagem, usualmente tomografia computadorizada com contraste (TC). A TC possibilita a avaliação da extensão da inflamação e também está indicada na presença de edema extenso que impossibilita a avaliação clínica e na ausência de melhora em 24 a 48 horas após início do tratamento. Também são indicações os casos que evoluem com sintomas sugestivos de envolvimento orbital, como oftalmoplegia, deterioração da acuidade visual, edema bilateral, proptose ou sinais de acometimento do sistema nervoso central.
Alterações laboratoriais como leucocitose, elevação da PCR e VHS podem ser observadas na vigência de celulite periorbitária, porém são inespecíficas e não devem ser utilizadas isoladamente para o diagnóstico definitivo.
Na ausência de melhora clínica e excluindo-se envolvimento pós-septal, diagnósticos diferenciais devem ser considerados, a exemplo conjuntivite alérgica e dermatite de contato.
A celulite pré-septal demanda diagnóstico preciso e tratamento adequado, visto que a infecção pode avançar posteriormente na órbita e resultar em graves complicações. Tais complicações incluem abscessos, trombose de seios cavernosos, infecções intracranianas incluindo meningite, empiema subdural e abscesso intracerebral, além da recorrência de episódios de celulite periorbitária. Também pode cursar com compressão do nervo óptico e isquemia, resultando em perda visual. Deve-se considerar evolução para celulite pós-septal na presença de sinais de gravidade, tais como dor à movimentação ocular, proptose, oftalmoplegia e diplopia.
Quanto ao tratamento, os protocolos variam entre as instituições e não há um consenso sobre o mesmo. A abordagem inicial consiste na instituição de antibioticoterapia empírica direcionada para os organismos que causam infecções respiratórias superiores, particularmente sinusite.
Protocolos recentes orientam uma abordagem baseada nos sintomas e idade do paciente. Para crianças com 3 anos ou mais e sinais de acometimento restrito às estruturas pré-septais, como edema e eritema palpebral, sugere-se tratamento ambulatorial com amoxicilina-clavulanato por 7 dias, e, caso se observe melhora em 24 horas, dar continuidade ao tratamento. Há também estudos que demonstram boas taxas de sensibilidade ao uso de cefalosporinas de primeira geração, como a cefalexina. Caso seja notada piora ou ausência de melhora em 24 horas, recomenda-se internação hospitalar e substituição do antibiótico por ceftriaxone intravenosa e metronidazol oral. Cefalosporinas são uma boa opção por apresentarem boa penetração à membrana hematoencefálica, o que é importante na prevenção de disseminação da infecção para o SNC. Desfechos favoráveis são observados com o uso do metronidazol, por sua capacidade de cobrir germes anaeróbios. Reavaliações a cada 24 horas devem ser realizadas com o intuito de observar a evolução do paciente e modificar o tratamento se necessário. Em caso de melhora, recomenda-se manter antibioticoterapia intravenosa até a melhora clínica, após a qual o paciente pode continuar o tratamento ambulatorial com antibióticos orais até totalizar 10 dias de tratamento.
Nos casos de pacientes internados que estão recebendo antibioticoterapia intravenosa e apresentam piora do quadro em um período de 24 a 48horas, recomenda-se a realização de tomografia de crânio para avaliar envolvimento orbital.
O uso de corticoides sistêmicos por curo período e em baixas doses demonstrou ser benéfico quando associado à antibioticoterapia para tratamento da celulite periorbital. O tratamento adjuvante com corticoesteroides associou-se a redução na inflamação orbital e à hospitalização por tempo mais curto.
Após a alta, recomenda-se o retorno ao ambulatório de oftalmologia ou pediatria em até 2 semanas para seguimento.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A celulite pré-septal é uma doença predominantemente pediátrica e é a complicação orbitária mais comum em crianças. Geralmente é uma condição auto-limitada e que pode ser manejada com tratamento medicamentoso, contudo pode evoluir com propagação orbital e complicações graves que podem demandar intervenções cirúrgicas. Desde que abordada adequadamente, a celulite pré-septal apresenta bom prognóstico. Dado que a celulite pré-septal é frequente em crianças e predispõe ao risco de sérias complicações, compreende-se a importância do conhecimento dos profissionais de saúde sobre o tema e de sua correta intervenção, afinal com o diagnóstico precoce e antibioticoterapia adequada, tal prognóstico pode ser evitado.
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