QUALIDADE DE VIDA EM PACIENTES COM DOENÇA RENAL E BAIXA MASSA MUSCULAR

QUALITY OF LIFE IN PATIENTS WITH KIDNEY DISEASE AND LOW MUSCLE MASS

CALIDAD DE VIDA EN PACIENTES CON ENFERMEDAD RENAL Y BAJA MASA MUSCULAR


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7806429


Karine da Silva Oliveira¹*,
Neíres Alves de Freitas2,
Catarina de Vasconcelos Pessoa3,
Lorenna Saraiva Viana4,
Jéssika Lorena Parente Linhares5,
Normanda de Almeida Cavalcante Leal6,
Rayssa Maria de Sousa Silva7,
Ana Karine Carneiro de Albuquerque8,
Carulina Cardoso Batista9,
Fernanda Maria Magalhães Silveira10.


RESUMO

Objetivo: Definir um ponto de corte (cut-off) de índice de tecido magro (ITM) para classificar baixa massa muscular na doença renal em fase terminal (DRFT) em pacientes em hemodiálise (HD), e comparar a qualidade de vida (QV) entre pacientes com massa muscular normal e baixa. Métodos: Estudo transversal, observacional, analítico e do tipo quantitativo. Foram estudados 245 pacientes com DRFT em HD em dois centros de diálise na região Norte do Ceará, Brasil, entre abril e junho de 2017. Bioimpedância e teste de preensão manual foram utilizados para avaliar, respectivamente, a massa muscular e a força muscular. Classificou-se baixa massa muscular de acordo com a força muscular, e foram comparadas as dimensões de QV entre os pacientes com massa muscular normal e baixa. Resultados: Foi encontrada uma prevalência de 41,2% de pacientes com baixa massa muscular. Na regressão linear multivariada, a baixa massa muscular só conseguiu prever de forma independente a pontuação relacionada ao funcionamento físico. Conclusão: A baixa massa muscular afeta no funcionamento físico de pacientes com insuficiência renal terminal submetidos à HD. Acredita-se que exercícios de resistência devem ser experimentados entre os pacientes em HD com o objetivo de melhorar a qualidade de vida.

Palavras-chave: Qualidade de vida, Insuficiência Renal Terminal, Hemodiálise.

ABSTRACT

Objective: To define a cut-off point of lean tissue index (LTI) to classify low muscle mass in end-stage renal disease (ESRD) in hemodialysis (HD) patients, and to compare the quality of life (QL) between patients with normal and low muscle mass. Methods: Cross-sectional, observational, analytical and quantitative study. A total of 245 patients with ESRD undergoing HD at two dialysis centers in the North region of Ceará, Brazil, between April and June 2017 were studied. Bioimpedance and handgrip tests were used to assess, respectively, muscle mass and muscle strength. Low muscle mass was classified according to muscle strength, and the QL dimensions were compared between patients with normal and low muscle mass. Results: A prevalence of 41,2% of patients with low muscle mass was found. In multivariate linear regression, low muscle mass was only able to independently predict scores related to physical functioning. Conclusion: Low muscle mass affects the physical functioning of patients with end-stage renal failure undergoing HD. It is believed that resistance exercises should be tried among HD patients in order to improve quality of life.

Key words: Quality of life, Terminal Renal Failure, Hemodialysis.

RESUMEN

Objetivo: Definir un punto de corte (cut-off) del índice de tejido magro (ITM) para clasificar la masa muscular baja en la enfermedad renal terminal (ERT) en pacientes en hemodiálisis (HD), y comparar la calidad de vida (CV) entre pacientes con masa muscular normal y baja. Métodos: Estudio transversal, observacional, analítico y cuantitativo. Se estudiaron un total de 245 pacientes con ERT en HD en dos centros de diálisis en la región norte de Ceará, Brasil, entre abril y junio de 2017. Se utilizaron pruebas de bioimpedancia y prensión manual para evaluar, respectivamente, la masa muscular y la fuerza muscular. La masa muscular baja se clasificó de acuerdo con la fuerza muscular y las dimensiones de la CV se compararon entre pacientes con masa muscular normal y baja. Resultados: Se encontró una prevalencia del 41,2% de pacientes con baja masa muscular. En la regresión lineal multivariada, la baja masa muscular solo fue capaz de predecir de forma independiente las puntuaciones relacionadas con el funcionamiento físico. Conclusión: La baja masa muscular afecta el funcionamiento físico de los pacientes con insuficiencia renal terminal en HD. Se cree que los ejercicios de resistencia deben probarse entre los pacientes con EH para mejorar la calidad de vida.

Palabras clave: Calidad de vida, Insuficiencia Renal Terminal, Hemodiálisis.

INTRODUÇÃO

A qualidade de vida (QV) entre os pacientes submetidos à hemodiálise (HD) tornou-se um tema frequentemente discutido na literatura científica devido ao fato de que os recentes avanços técnicos relacionados a procedimentos dialíticos não tiveram impacto na sobrevida(BARBOSA LMM, et al., 2007). Ainda mais, avanços técnicos em HD não trouxeram mudanças nas características da própria terapia de substituição renal. Os pacientes com doença renal em estágio terminal (DRET) ainda sofrem com vários fatores de estresse, como mudanças na dinâmica familiar, restrições alimentares, restrições financeiras, disfunção sexual, consciência da morte iminente, limitações funcionais em conjunto com a doença, efeitos da medicação e outros. Este contexto explica a alta prevalência de condições de psicopatologia neste público, como a depressão e a ansiedade (CUKOR D, et al., 2007). Os pacientes com insuficiência renal terminal ainda apresentam o menor nível de QV quando comparados com pacientes com outras doenças crônicas, como insuficiência cardíaca congestiva, angina, diabetes, doença pulmonar crônica, artrite e câncer (MITTAL SK, et al., 2001).

Dessa forma, até então, não houve significativa melhoria na qualidade de vida entre pacientes em HD (BRADLEY JA,et al., 1981). Provavelmente porque a maioria dos estressores associados à terapia renal substitutiva por HD e a própria DRET são imutáveis. Porém, formas de enfrentamento, satisfação sexual e estado nutricional são alguns dos aspectos modificáveis para este público, quando associados à QV (CLEARY PD,  et al., 1995; SANTOS PR, et al., 2012; SANTOS PR, et al., 2006). Portanto, há a necessidade de se identificar variáveis associadas à baixa qualidade de vida em pacientes submetidos à HD que podem ser passíveis de intervenção, com o objetivo de melhorar o seu nível.

Ferreira VMS e Caprara A (2018) também afirmam que, na medida em que os avanços tecnológicos acontecem, não se observa mudanças relacionadas às práticas de saúde. Faltam recursos e habilidade para o profissional de saúde lidar na sua relação com o paciente e, consequentemente, qualificar o seu cuidado.

A baixa massa muscular vem emergindo como uma questão central entre os pacientes com insuficiência renal terminal. A sarcopenia parece ser prevalente entre os pacientes em HD (ISOYAMA N, et al., 2014). A definição atual de sarcopenia não leva em consideração somente a baixa massa muscular, mas também os impactos da baixa massa muscular na função muscular. Em outras palavras, a sarcopenia é destacada no contexto das consequências da baixa massa muscular na força muscular (avaliada principalmente pelo teste de aperto de mão, hand grip test), bem como nos impactos sobre habilidades funcionais diárias, como vestir-se, levantar-se, comer, andar e outras (CRUZ-JENTOFT AJ, et al., 2010).

No Brasil, não se sabe ao certo a prevalência de baixa massa muscular entre os pacientes em HD (BRASIL, 2017). Porém, atualmente, há uma diversidade de métodos para avaliação da massa muscular. Nos centros de diálise, a bioimpedância tem sido amplamente utilizada para avaliar o estado nutricional e a condição volêmica. Como no Brasil não há um ponto de corte (cut-off) estabelecido para classificar baixa massa muscular por bioimpedância, principalmente pela falta de parâmetros populacionais, realizou-se este estudo com um plano de duas etapas: inicialmente procurou-se definir um cut-off de índice de tecido magro (ITM), avaliado por bioimpedância, para classificar baixa massa muscular, com base no teste de preensão manual (hand-grip), considerando com baixa massa muscular os pacientes com baixa força muscular. Em seguida, com base nesse cut-off, comparou-se a QV entre os pacientes com massa muscular normal e baixa.

Assim, neste presente estudo, buscou-se comparar o nível de qualidade de vida entre os pacientes com massa muscular normal e baixa, na perspectiva de que, no caso da baixa massa muscular sendo associada à baixa qualidade de vida, a baixa massa muscular deve ser um alvo para as intervenções que visam melhorar a QV.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, observacional, analítico e do tipo quantitativo. A coleta de dados foi realizada entre meses de abril e junho de 2017.

Os participantes do estudo foram os pacientes submetidos à HD nos dois centros de diálise localizados no município de Sobral, na região norte do estado do Ceará, Brasil (local do estudo). A população (total) de pacientes era constituída por 281 pessoas; desta população, após a aplicação dos critérios de inclusão e de exclusão, 245 pacientes com insuficiência renal terminal formaram a amostra. Como critérios de inclusão considerou-se: pacientes com DRET que se encontravam em tratamento regular de HD desde a data de 01/03/2017 e com idade acima de 18 anos; já os critérios de exclusão foram: pacientes amputados, que apresentavam déficit cognitivo, sequelas ou desordens progressivas do sistema nervoso central, miopatia, doenças reumatológicas, pacientes que por qualquer razão estavam internados e os que não assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

Os dados demográficos, a duração do tempo de diálise, o tipo de acesso vascular e a etiologia subjacente à doença renal foram obtidos a partir de registros médicos dos centros de diálise. A classe econômica foi classificada de acordo com critérios do formulário emitido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Este instrumento validado classifica os níveis de classe econômica em cinco subgrupos: A (melhor status) até E (pior status) (ABEP, 2017).

A cada paciente também foi atribuído um índice baseado na comorbidade, conforme descrito por Khan et al. O índice de Khan leva em consideração nove comorbidades (diabetes, infarto agudo do miocárdio, angina pectoris, insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática, doença pulmonar obstrutiva crônica, colagenoses, fibrose pulmonar e tumor visceral) e a faixa etária para classificar o paciente em três graus de comorbidade: grau I (baixo risco), grau II (médio risco) e grau III (alto risco) (KHAN IH, et al., 1996).

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como kg/m².

Foram realizados testes laboratoriais para creatinina sérica, hemoglobina, albumina, colesterol, cálcio e fósforo. O produto de cálcio-fósforo foi calculado a partir da multiplicação dos resultados de cálcio e fósforo. A dose de diálise foi avaliada utilizando-se uma equação de segunda geração Kt/V por Daugirdas (DAUGIRDAS JT, 1993).

Utilizou-se a versão brasileira validada do Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Questionnaire (SF-36) para mensurar o nível de qualidade de vida. Este é um questionário de 36 itens validado que engloba questões relacionadas ao funcionamento físico, estado psicológico e convívio social, e que gera pontuações de 0 (pior) a 100 (melhor) para oito sub-escalas de QV: capacidade funcional (CF), função física (FF), dor corporal (DC), estado geral de saúde (EGS), vitalidade (VT), socialização (SO), função emocional (FE) e saúde mental (SM) (CICCONELLI RM, et al., 1999).

Os pacientes foram avaliados por meio da análise de bioimpedância realizada pelo dispositivo BCM® (Fresenius Medical Care, Bad Homburd, Alemanha). Foram submetidos à bioimpedância após a sessão de diálise. Foram obtidos os seguintes dados: índice de tecido magro (kg/m²), índice de gordura (kg/m²) e a sobrecarga hídrica relativa (%). A hiperidratação foi classificada como sobrecarga de líquida relativa maior que 15%.

Utilizou-se um dinamômetro Crown® (Técnica Industrial Oswaldo Filizola) para realizar três avaliações, a cada minuto, da força de preensão da mão dominante, tendo como resultado final a média dos três valores, em Kgf. Os pontos de corte para classificar a força de preensão manual normal foram ajustados para sexo e idade, de acordo com Schlussel et al (SCHLUSSEL MM, et al., 2008).

A significância estatística foi considerada para um valor de p<0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o pacote do programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 22.0.

A pesquisa foi submetida para apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), localizada em Sobral, o qual obteve parecer favorável sob nº 2.000.060 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 65824716.7.0000.5053. Todo o estudo foi financiado com recursos dos próprios pesquisadores.

RESULTADOS

As características da amostra dos pacientes submetidos à HD nos dois centros de diálise estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1 – Características da amostra dos pacientes submetidos à HD nos dois centros de diálise, n = 245. Sobral – CE, 2017.  

A Tabela 2 mostra os escores das oito dimensões da QV avaliadas pelo SF-36.

Tabela 2 – Pontuações relacionadas às oito dimensões da qualidade de vida. Sobral – CE, 2017.

Dimensões da qualidade de vidaPontuações (0-100)
Capacidade functional54,9 ± 28,7
Função física50,0 ± 42,4
Dor corporal68,2 ± 31,0
Estado geral de saúde53,5 ± 22,3
Vitalidade67,4 ± 23,4
Socialização83,6 ± 24,9
Função emocional60,8 ± 44,7
Saúde mental75,2 ± 22,0

Os dados são apresentados por média ± DP.
Fonte: Oliveira KS, et al., 2017.

Com base na diferença estatística do índice de tecido magro (16,9 ± 4,0 vs. 14,9 ± 3,6 kg /m²) com um desvio padrão (DP) muito semelhante entre os pacientes com força muscular normal e baixa, definiu-se um cut-off de índice de tecido magro maior que 15 kg/m² para a classificar massa muscular como normal, conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 – Comparação do índice de tecido magro entre pacientes com força muscular baixa e normal. Sobral – CE, 2017.

 Força muscular NormalBaixa resistência muscularP
Índice de tecido magro (kg/ m²), média ± DP  16.9 ± 4.0  14,9 ± 3,6  <0,001
Legenda: P = significância estatística; DP = Desvio padrão.
Os dados são apresentados por média ± DP.
Fonte: Oliveira KS, et al., 2017.

Por conseguinte, havia uma prevalência de 41,2% de pacientes com baixa massa muscular. Na comparação de QV entre os pacientes com massa muscular normal e baixa, houve três dimensões que foram associadas com valor mais baixo (pior) entre os pacientes com baixa massa muscular: capacidade funcional, saúde mental e vitalidade (Tabela 4).

Tabela 4 – Comparação da qualidade de vida entre pacientes com baixa massa muscular e normal. Sobral – CE, 2017.

Dimensões da qualidade de vidaBaixa massa muscular (ITM até 15 kg/m²)Massa muscular normal (ITM> 15 kg/m²)P
Capacidade functional48,0 ± 29,259,8 ± 27,4<0,001
Função física46,2 ± 43,052,7 ± 41,90,244
Dor corporal65,8 ± 30,969,9 ± 31,70,322
Estado geral de saúde53,2 ± 23,653,7 ± 21,40,866
Vitalidade63,0 ± 23,470,4 ± 22,90,015
Socialização82,5 ± 25,684,3 ± 24,50,570
Função emocional58,0 ± 44,662,7 ± 44,80,426
Saúde mental70,3 ± 24,178,6 ± 19,80,003

Legenda: P = significância estatística; ITM = Índice de Tecido Magro; DP = Desvio padrão.
Os dados são apresentados por média ± DP.
Fonte: Oliveira KS, et al., 2017.

Essas três dimensões foram positivamente correlacionadas com o índice de tecido magro: capacidade funcional (r = 0,233, p <0,001), vitalidade (r = 0,176; p = 0,008) e saúde mental (r = 0. 191 p = 0,004), o que significa que, quanto maior o índice de massa magra, maior (melhor) a pontuação dessas dimensões citadas. No entanto, na análise multivariada, o índice de tecido magro foi um preditor independente de apenas uma dimensão de QV: capacidade funcional (Tabela 5). A idade e o índice de comorbidade também foram preditores de CF.

Tabela 5 – Preditores da dimensão capacidade funcional. Sobral – CE, 2017.

 PreditoresB (coeficiente de regressão)P
Gênero1.4000,750
Idade-0,3300,008
Tempo em HD-0,0140,777
Classe social-1,6860,515
Hemoglobina-0,0570,938
Kt/V-0,1140,966
Índice de comorbidade-7,4810,005
Índice de tecido magro1.1110,043

Legenda: B = coeficiente de regressão; P = significância estatística
Os dados são apresentados por média ± DP.
Fonte: Oliveira KS, et al., 2017.

DISCUSSÃO

Os desafios iniciais relacionados à manutenção da vida de pacientes com DRET em HD eram caracterizados principalmente por aspectos da área técnica: a segurança das máquinas, qualidade da água utilizada para diálise, biocompatibilidade das membranas dialisadoras, entre outros. Essencialmente, a superação dos desafios técnicos visava fornecer reposição, o mais semelhante possível, à função de excreção dos rins. Os avanços técnicos inicialmente tiveram impacto na morbidade e sobrevivência. No entanto, a sobrevida atualmente é estacionária, e os esforços atuais têm sido direcionados para proporcionar aos pacientes uma melhor qualidade de vida. Questões como bem-estar, distúrbios psiquiátricos, incapacidade functional e disfunções sexuais são todos os principais resultados. E, infelizmente, não há recomendações para melhorar a qualidade de vida com base em evidências de níveis I ou II na literatura (MADHAN K, 2010).

O achado deste estudo, de um ponto corte de ITM para classificar baixa massa muscular, levou a resultados sobre prevalência de baixa massa muscular entre os pacientes em HD muito semelhantes aos encontrados na literatura (FERREIRA VMS e CAPRARA A, 2018; SANTOS NSJD, et al., 2004). Embora os escores das três dimensões (capacidade funcional, vitalidade e saúde mental) de QV tenham sido menores (mais pobres) entre os pacientes com baixa massa muscular, a baixa massa muscular apenas predisse pior CF, que é uma importante dimensão da QV. Dentre os 36 itens do SF-36, há 12 itens relacionados à capacidade funcional, que geram um escore final relacionado a essa dimensão. Esses 12 itens perguntam sobre a capacidade de tomar banho, vestir-se, andar um quarteirão ou mais, curvar-se, ajoelhar-se, subir escadas, levantar-se e carregar mantimentos, por exemplo. Assim, os pacientes com pior CF (menor escore) apresentam limitações relacionadas às atividades diárias, afetando negativamente seu bem-estar e qualidade de vida.

Em um estudo anterior, com uma amostra dos mesmos centros de diálise desta presente pesquisa, observou-se que a desnutrição classificada de acordo com o IMC e a menor ingestão de proteína foram associados à pior QV (dimensão estado geral de saúde), principalmente entre pacientes do sexo feminino em HD. Além disso, foi encontrada deficiência funcional maior em pacientes com baixa massa muscular em comparação com aqueles com massa muscular normal, usando o Health Assessment Questionnaire Disability Index Stanford para avaliar o nível de capacidade funcional dos pacientes. Este questionário avalia a função dos movimentos finos dos membros superiores, atividades locomotoras dos membros inferiores e atividades que envolvem ambas as extremidades (superiores e inferiores) (SANTOS PR, et al., 2006). 

Outros autores também encontraram maior massa muscular associada a uma melhor CF (MADHAN K, 2010; SANTOS NSJD, et al., 2004). Feroze U, et al. (2011) descobriram que os pacientes com insuficiência renal terminal em manutenção por HD com menor massa muscular perceberam uma pior qualidade de vida. Martinson M, et al. (2014) apresentaram que os níveis mais elevados de músculo no meio da coxa (o que indica uma maior massa muscular) foram associados a distâncias mais longas de caminhada de seis minutos. No entanto, há pelo menos um resultado discordante: Marcus RL, et al. (2015) mensuraram a massa muscular por ressonância magnética e testaram a capacidade funcional por meio um teste de caminhada de 6 minutos, e não encontraram associação entre a menor caminhada de 6 minutos e a baixa massa muscular. Os autores especulam que a falta desta associação deve-se ao fato de que o meio urêmico pode prejudicar a função muscular, independente da massa muscular.

Os resultados desta pesquisa indicam que o incentivo à prática de exercícios, especialmente os de resistência, devem ser experimentados pelos pacientes em HD, como uma estratégia de melhoria da qualidade de vida. Os dados confirmam ainda que os exercícios físicos de resistência realizados em níveis mais elevados são uma forma eficaz e segura de reverter a perda muscular em pacientes com DRET.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa foi capaz de propor um ponto de corte preliminar para a massa muscular normal de acordo com um dispositivo amplamente utilizado para análises de bioimpedância, além de trazer a massa muscular como uma possível variável a ser direcionada para melhorar a QV de pacientes com DRET. Constatou-se também que a baixa massa muscular impacta na capacidade funcional de pacientes com DRET em HD, e que o exercício de resistência deve ser incentivado entre os pacientes em HD, visando melhorar a QV.

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1,2,3 Escola de Saúde Pública Visconde de Sabóia (ESP-VS), Sobral-Ceará.
*e-mail: kariineoliveeira01@gmail.com
4,5,6 Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral – CE.
7,8,9 Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina – PI.
10 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis – SC.