A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA ANÁLISE À LUZ DOS PRINCIPAIS DOCUMENTOS DO SISTEMA ONU.

THE INTERNATIONAL PROTECTION OF PERSONS WITH DISABILITIES: AN ANALYSIS IN THE LIGHT OF THE MAIN DOCUMENTS OF THE UN SYSTEM.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7797916


Marcelo Perez da Cunha Lima[1]
Maria Paula Mendonça Vieira[2]
Márcio Alvarenga Godofredo[3]
Rogério Emílio de Andrade[4]
Rubens Vinícius Vieira Nascimento[5]


RESUMO

As pessoas com deficiência em sua luta social e jurídica pela garantia de seus direitos fundamentais, principalmente, no que diz respeito à acessibilidade e à inclusão social, encontram-se legalmente protegidos por instrumentos jurídicos do ordenamento nacional e também internacional. Os tratados de direitos humanos são o instrumento mais importante para a proteção internacional das pessoas com deficiência, uma vez que, ao ser a principal fonte do Direito Internacional, vincula a ordem jurídica interna dos países com princípios dos direitos humanos, promovendo a igualdade e a inclusão social. O presente trabalho não visa esgotar os documentos internacionais relacionados à pessoa com deficiência, mas sim abordar os principais tratados e convenção, principalmente aqueles dos quais o Brasil é signatário. A justificativa e o objetivo deste estudo residem na análise dos principais documentos do sistema das nações unidades de proteção aos direitos humanos no tocante às pessoas com deficiência. A problemática que se pretende responder consiste: quais os principais documentos e qual o âmbito da proteção internacional das pessoas com deficiência no sistema onu de direitos humanos? A metodologia adotada é a qualitativa de natureza bibliográfica. A conclusão é de que, ao longo do decurso histórico, diversos documentos internacionais efetuaram a proteção das pessoas com deficiência, sendo a Convenção da ONU sobre o tema e o Tratado de Marraqueche os mais relevantes.

Palavras-Chave: Pessoas com Deficiência. Inclusão Social. Sistema ONU.

ABSTRACT

People with disabilities in their social and legal struggle to guarantee their fundamental rights, especially with regard to accessibility and social inclusion, are legally protected by legal instruments of the national and international order. Human rights treaties are the most important instrument for the international protection of people with disabilities, since, being the main source of International Law, they link the internal legal order of countries with human rights principles, promoting equality and social inclusion. The present work does not aim to exhaust the international documents related to people with disabilities, but to address the main treaties and conventions, especially those to which Brazil is a signatory. The justification and objective of this study lie in the analysis of the main documents of the system of nations units for the protection of human rights with regard to people with disabilities. The problem that is intended to be answered consists of: what are the main documents and what is the scope of the international protection of people with disabilities in the un human rights system? The adopted methodology is the qualitative one of bibliographical nature. The conclusion is that, throughout the historical course, several international documents have protected people with disabilities, the UN Convention on the subject and the Treaty of Marrakesh being the most relevant.

Keywords: People with Disabilities. Social inclusion. UN System

INTRODUÇÃO

As pessoas com deficiência em sua luta social e jurídica pela garantia de seus direitos fundamentais, principalmente, no que diz respeito à acessibilidade e à inclusão social, encontram-se legalmente protegidos por instrumentos jurídicos do ordenamento nacional e também internacional.

Os tratados de direitos humanos são o instrumento mais importante para a proteção internacional das pessoas com deficiência, uma vez que, ao ser a principal fonte do Direito Internacional, vincula a ordem jurídica interna dos países com princípios dos direitos humanos, promovendo a igualdade e a inclusão social.

O presente trabalho não visa esgotar os documentos internacionais relacionados à pessoa com deficiência, mas sim abordar os principais tratados e convenção, principalmente aqueles dos quais o Brasil é signatário.

A justificativa e o objetivo deste estudo residem na análise dos principais documentos do sistema das nações unidades de proteção aos direitos humanos no tocante às pessoas com deficiência.

A problemática que se pretende responder consiste: quais os principais documentos e qual o âmbito da proteção internacional das pessoas com deficiência no sistema onu de direitos humanos? A metodologia adotada é a qualitativa de natureza bibliográfica.

Essas são as principais questões que o presente estudo pretende desenvolver, sem prejuízo de outras que, ainda que abordadas de forma ancilar, apresentem-se como elementares à aferição das conclusões aqui pretendidas.

1 – Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de setembro de 1948

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi redigida no contexto pós segunda guerra mundial, no qual a comunidade internacional começou a se mobilizar pela paz e pelo respeito aos direitos humanos, devido, em grande parte, aos resultados das guerras mundiais.

Como se observa no Preâmbulo da Declaração[6]:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão.

Observa-se que a Declaração de 1948 retomou os ideais defendidos na Revolução Francesa, sobre tudo o dos valores supremos da igualdade, liberdade e fraternidade entre as nações, como se observa no artigo 1º[7]: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

A Declaração dos Direitos Humanos foi o primeiro documento internacional a estabelecer que todos os seres humanos são iguais e merecem ser tratados com dignidade independentemente da raça, cor, sexo, religião, posição política, nascimento, condição monetária entre outros.

A igualdade de tratamento entre os seres humanos significa que todas as pessoas têm direito a uma série de garantias e direitos que consistem em sua dignidade e lhe são inerentes e inalienáveis.

A proteção da pessoa com deficiência se faz necessária em tal época, uma vez que as guerras mundiais, além de provocarem milhões de mortos, fez com que aumentasse exponencialmente o número de pessoas com deficiência, devido aos ferimentos das batalhas.

Dessa forma, tal documento permitiu que as pessoas com deficiência fossem tratadas de forma digna e que a sociedade lhes garantisse seus direitos básicos.

Como exemplo da igualdade defendida em tal tratado internacional, tem se os artigos 6º, 7°, 22° e 23°[8]:

Artigo 6º. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo 7º. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 22º. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo 23º. 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

2 – Recomendação n° 99 da OIT, de 25 de junho de 1955

A Recomendação n°99 da OIT[9], de 25 de junho de 1955 possui a seguinte ementa:

Sobre princípios e métodos de orientação vocacional e treinamento profissional, meios de aumentar oportunidades de emprego para os portadores de deficiência, emprego protegido, disposições especiais para crianças e jovens portadores de deficiência.

Assim, a Recomendação visa proporcionar a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho por meio de ações afirmativas. Acerca dos princípios que nortearam o texto de tal documento, destaca Sandro Nahmias Melo[10]:

A reabilitação vocacional e a habilitação para o trabalho constituem direito de toda PPD;
A identificação de obstáculos no ambiente de trabalho e a forma de contorná-los devem constituir parte do treinamento profissional das PPDs;
A criação e o financiamento de programas de reabilitação profissional constituem responsabilidade dos governos (MELO, 2004, p.72).

Tal documento foi um marco por ser o primeiro a oferecer recomendações práticas e objetivas de como adaptar o ambiente de trabalho para as pessoas com deficiência e também na reabilitação de funcionários que sofreram algum tipo de acidente ou moléstia.

Como exemplo do ideal de não discriminação contra as pessoas com deficiência tem se o artigo 25 da Recomendação[11]:

Não deve haver qualquer discriminação contra os deficientes, incluindo aqueles que recebem benefícios por incapacidade, por isso, em termos de salários e outras condições de emprego se o trabalho é igual à dos trabalhadores não deficientes.

3 – Convenção n° 111 da OIT, de 25 de junho de 1958

A Convenção n° 111 da OIT foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n° 62.150[12], de 19 de janeiro de 1968 e diz respeito acerca da discriminação em matéria de emprego e profissão.

O artigo 1°[13] da Convenção fornece uma conceituação do termo “discriminação”:

1. Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende:
a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

Vale destacar que a Convenção exclui do conceito de discriminação a exigência de determinada qualificação para o exercício do emprego, como demonstra o item 2 do artigo 1°: “As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação”.

Nesse sentido afirma Sandro Nahmias Melo[14]:

Não constitui discriminação em razão de deficiência (invalidez), a exigência estabelecida para certos empregos que demandam elevado esforço físico, quando o pretendente da vaga for pessoa portadora de deficiência locomotora. De igual forma, não constitui discriminação o óbice no sentido que uma pessoa portadora de deficiência visual não atue como controlador de vôo, tarefa que exige a análise constante de equipamentos de radar (MELO, 2004, p. 94).

A Convenção desenvolve o conceito de igualdade de tratamento e oportunidade para as pessoas com deficiência, por meio de políticas públicas que apliquem tais princípios, conforme artigo 2º [15]:

Qualquer Membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria (MELO, 2004, p. 94).

Portanto, a importância de tal Convenção se encontra na definição e nas políticas para que não haja discriminação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

4 – Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Assembleia Geral da ONU, de 19 de dezembro de 1966

O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Assembleia Geral da ONU foi promulgado pelo Brasil pelo Decreto n° 591[16] de 06 de julho de 1992 e possui como objetivo a ratificação dos princípios trazidos pela Declaração Dos Direitos Humanos, especialmente no que tange o princípio da igualdade, oferecendo aos países mecanismos para que todos os indivíduos possam gozar de seus direitos fundamentais.

Nesse sentido dispõe o Preâmbulo do Pacto[17]:

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o relacionamento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana. Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria. Não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos.

O primeiro item do artigo 2° do Pacto descreve de forma breve seu objetivo:

Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

Portanto, a importância de tal Pacto reside na confirmação de todos os princípios da Declaração dos Direitos Humanos, no que diz respeito às pessoas com deficiência, na prática, os países se comprometeram a adotar políticas públicas e a legislar para promover a igualdade.

5 – Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 06 de dezembro de 2006

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi homologada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2006 com o objetivo de fornece mecanismo legal para a eliminação das barreiras que impedem a inclusão social das pessoas com deficiência, perpetuando o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana presente na Declaração dos Direitos Humanos.

O Brasil assinou a Convenção em 2006 e a ratificou em 2008, sendo submetida à votação no Congresso Nacional, recebendo aprovação de 3/5 da Casa, resultando na mudança de seu status para emenda constitucional, por meio do Decreto Legislativo n° 186 de 09 de julho de 2008.

No preâmbulo da Convenção são enumerados os princípios da dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais, igualdade, liberdade e justiça, em conformidade com a Carta das Nações Unidas[18].

Conforme se verifica nos itens “b” e “c” do preâmbulo:

b) Reconhecendo que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, proclamaram e concordaram que toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie,
c) Reafirmando a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação.

Uma das inovações trazidas pela Convenção presente no Preâmbulo foi o reconhecimento de que as pessoas com deficiência fazem parte da sociedade de forma plena, possuindo potencial, capacidade e qualidades que contribuem para coletividade, fazendo parte do bem-estar comum e da riqueza da diversidade. Conforme se verifica no item “m”:

m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza, O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

A finalidade da Convenção foi de assegurar o pleno exercício dos direitos humanos e fundamenteis à pessoa com deficiência, conforme se verifica no artigo 1°:

Conforme mencionado em item anterior, a Convenção apresentou uma nova e mais correta definição de pessoa com deficiência, dando maior enfoque ao indivíduo e sua dignidade do que a deficiência. Além disso, reconheceu que a deficiência é um conceito em evolução, portanto, seu significado é construído e modificado com o tempo.

A nova definição está presente no artigo 1°:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

No artigo 2° da Convenção está presente a conceituação dos termos “comunicação”, “língua”, “discriminação”, “adaptação razoável” e “desenho universal”; que são importantes para o desenvolvimento do restante do texto legislativo, sendo a grande inovação o conceito do “desenho universal”, essencial para a acessibilidade, que consiste nos moldes do artigo 2°:

“Desenho universal” significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico. O “desenho universal” não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias.

O artigo 3° contém a enumeração dos princípios que embasaram a Convenção, sendo que constituem normas que devem nortear os aplicadores para se atingir, de maneira geral, o respeito a dignidade e a diversidade, e que as barreiras que impedem a inclusão social estão na sociedade e não na pessoa com deficiência. Os princípios são:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas.
b) A não-discriminação;
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade;
g) A igualdade entre o homem e a mulher;
h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

No artigo 4° estão as obrigações que os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover para alcançar a finalidade da Convenção, cumpre destacar as seguintes obrigações: adoção de medidas legislativas e administrativas para assegurar os direitos previstos, eliminação da discriminação da pessoa com deficiência, realização de pesquisa e desenvolvimento de produtos, serviços, equipamento e instalações com o desenho universal, proporcionar informação acessível entre outras obrigações.

O artigo 6° diz respeito à proteção da mulher com deficiência, reconhecendo que a desigualdade de gêneros afeta também as pessoas com deficiência, necessitando de um amparo específico; dispõe tal artigo:

1. Os Estados Partes reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, portanto, tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção.

O artigo 8° trata da conscientização das famílias que possuem algum ente com deficiência e da sociedade como um todo acerca do fim da discriminação e da diversidade, combatendo assim o preconceito e os estereótipos. Algumas medidas referidas no artigo 8° são:

a) Lançar e dar continuidade a efetivas campanhas de conscientização públicas, destinadas a:
I) Favorecer atitude receptiva em relação aos direitos das pessoas com deficiência;
II) Promover percepção positiva e maior consciência social em relação às pessoas com deficiência;
III) Promover o reconhecimento das habilidades, dos méritos e das capacidades das pessoas com deficiência e de sua contribuição ao local de trabalho e ao mercado laboral;
b) Fomentar em todos os níveis do sistema educacional, incluindo neles todas as crianças desde tenra idade, uma atitude de respeito para com os direitos das pessoas com deficiência;
c) Incentivar todos os órgãos da mídia a retratar as pessoas com deficiência de maneira compatível com o propósito da presente Convenção;
d) Promover programas de formação sobre sensibilização a respeito das pessoas com deficiência e sobre os direitos das pessoas com deficiência.

O artigo 9° trata da acessibilidade, reconhecendo-a como direito instrumental para que as pessoas com deficiência usufruam de seus direitos fundamentais; fornecendo medidas concretas para que os Estados Partes se transformem em sociedades acessíveis.

O artigo 12° garante as pessoas com deficiência igualdade perante a lei, gozando de capacidade legal em igualdade de condições. Uma das inovações foi no que tange à “capacidade legal”, permitindo que as pessoas com deficiência tenham conta bancária, pertences, que estejam aptas a herdar bens. Conforme se verifica no seguinte trecho do artigo 12°:

Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens.

O artigo 19° da Convenção garante as pessoas com deficiência o direito a uma vida independente e a inclusão na comunidade a qual pertencem, com a mesma liberdade de escolha e de oportunidades que os demais indivíduos, conforme se verifica no seguinte trecho do artigo 19° da Convenção:

a) As pessoas com deficiência possam escolher seu local de residência e onde e com quem morar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e que não sejam obrigadas a viver em determinado tipo de moradia;
b) As pessoas com deficiência tenham acesso a uma variedade de serviços de apoio em domicílio ou em instituições residenciais ou a outros serviços comunitários de apoio, inclusive os serviços de atendentes pessoais que forem necessários como apoio para que as pessoas com deficiência vivam e sejam incluídas na comunidade e para evitar que fiquem isoladas ou segregadas da comunidade;
c) Os serviços e instalações da comunidade para a população em geral estejam disponíveis às pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades, e atendam às suas necessidades.

No artigo 24° da Convenção estão as disposições relacionadas com o tema da Educação, assegurando as pessoas com deficiência acesso ao sistema educacional inclusivo em todos os níveis (uma das inovações está no acesso ao ensino superior), bem como do aprendizado em toda a vida.

Acerca de tal artigo, afirma Ricardo Tadeu Marques da Fonseca[19]:

esse dispositivo constitui a base para o sucesso das políticas públicas, uma vez que a escola é o primeiro lócus de participação política e social fora do âmbito familiar. Ademais, a convivência entre jovens e adultos com e sem deficiência desde a infância rompe tabu, quebra correntes institucionais e, naturalmente, propicia o aprendizado e o respeito à diversidade humana. É possível afirmar-se que a escola inclusiva universalizada fará dispensável, ao longo dos anos, qualquer outra política de ação afirmativa. Sem ela, ao contrário, os esforços de inserção da pessoa com deficiência em sociedade serão esvaziados (FONSECA, 2009, p. 270).

O artigo 27° reconhece o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, sendo inovador no sentido de assegurar igualdade de oportunidades com as demais pessoas, devendo o trabalho ser de livre escolha e o ambiente deve ser acessível e inclusivo. Algumas das medidas descritas no artigo 27° são:

a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho;
b) Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho;
c) Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas;
d) Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado;
e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego; (…).

No artigo 29º é assegurado as pessoas com deficiência os direitos políticos e oportunidade de exercê-los de forma igual as demais pessoas, incluindo o direito de votar e ser votado como representante.

Os artigos 31° ao 50° da Convenção não tratam mais de direitos, e sim fornecem aos Estados Partes mecanismo administrativos para implementação das medidas afirmadas e também acerca do monitoramento, com destaque a criação do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a elaboração de relatórios a ser averiguados e debatidos em conferências.

6 – Influência da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU sobre o ordenamento jurídico brasileiro

Após o panorama exposto sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que apresenta o contexto em que foi criado bem como as mudanças provocadas no cenário internacional. Agora nos dedicaremos ao trato da questão no que tange as influências provocadas na sistemática brasileira, em especial nos quesitos referentes às mudanças legais provocadas.

Conforme já mencionamos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência institui um verdadeiro divisor de águas do ponto de vista histórico na garantia e promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos e em especial das Pessoas com Deficiência.

O documento reitera os princípios universais, compreendidos como a dignidade, integralidade, igualdade e não discriminação, princípios que os Governos devem se pautar para estabelecer os compromissos visando atingir à integração das mais variadas dimensões da deficiência nas políticas públicas, além das obrigações peculiares voltadas à conscientização da sociedade para a deficiência, combatendo os preconceitos e atuando de forma a promover a real inclusão social das pessoas com deficiência.

Com mecanismos inovadores, como a criação do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência, também por meio do Protocolo Facultativo anexo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O primeiro atua no sentido de garanti a aplicação efetiva dos direitos das pessoas com deficiência, se utilizando de um sistema de monitoramento internacional da aplicação da Convenção. O segundo atua, por meio de forma reconhecidamente inovadora, que é a garantia do direito de particulares, de indivíduos ou grupo de indivíduos oferecerem denúncias individuais ao Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

Neste sentido, cabe agora discutir alguns dos principais impactos causado na sistemática brasileira, após a Convenção ter sido recepcionado pela Constituição Federal com “equivalentes às emendas constitucionais”, tendo em vista que obedecera ao rito legislativo, estabelecido pela própria constituição no seu Art. 5º, § 3º, conforme se segue:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo).

Seguindo as provocações do autor Luiz Alberto David de Araujo[20], no seu artigo intitulado “Mudanças legislativas (Código Civil, C.L.T., Código Eleitoral) e direito à inclusão”, pequeno em tamanho, mas estarrecedor quanto às reflexões propostas. Neste, relembra que, apesar do desconhecimento quase absoluto, é importante ressaltar que a Convenção foi o “único documento que foi aprovado, desde o ano de 2004, data da promulgação da Emenda 45, foi a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”.

Desta forma, pareada a Constituição Federal, “o Decreto Legislativo n. 186, de 09 de julho de 2008 e o Decreto n. 6.949 de 25 de agosto de 2009, fizeram ingressar no sistema jurídico brasileiro uma norma com equivalência ao texto constitucional: a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”.

Neste ponto caberia o emprego das mais variadas artimanhas linguísticas permitida pela língua portuguesa para destacar a importância deste fato, pois, conforme comentário do autor Luiz Alberto David de Araujo ao Art. 3º, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência[21], está recepção acaba por posicionar a Convenção em posição hierárquica superior às demais normas do sistema, emparelhando à própria Constituição[22].

A referida Convenção, já no seu primeiro artigo trata de esclarecer qual seu propósito bem como sua definição de pessoas com deficiência bem como seu propósito, conforme se segue:

Artigo 1
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Com isso, não resta dúvida que o conteúdo do conceito de “pessoa com deficiência” deve ser retirado da referida Convenção. Conforme orienta o autor Luiz Alberto David de Araujo (ARAUJO, 2015), essa recepção provocou algumas alterações relevantes no cenário normativo brasileiro, como o fato do decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que apresentava um critério médico para definir quem se enquadrava ou não na definição de pessoa com deficiência. Como a Convenção traz critério diferente e sendo ele norma superior acaba por revogar o referido decreto.

Neste sentido que o autor segue seus esclarecimentos dizendo os motivos pelos quais a Súmula 377, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, merece críticas. Pois não observa as inúmeras modificações que a recepção da Convenção gerou. Pois estabelece, em julgamento ocorrido em 22 de setembro de 2009, data posterior a recepção da Convenção, estabelece que “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes” [23].

Com a edição da referida Súmula o STJ acaba por demonstrar, se não um descaso com os 23,9% da população brasileira com alguma deficiência[24], no mínimo uma interpretação equivocada dos princípios da Convenção, em seu Art. 3º. Pois o conteúdo da referia Súmula insiste em continuar legitimando a delimitação de quem se amoldaria ao conceito de pessoa com deficiência por meio de laudos médicos.

Sugerindo assim que o fato de determinada pessoa ser diagnosticada com “visão monocular” a tornaria automaticamente apta a ser emoldurada no conceito de “pessoa com deficiência”. O que insiste em tratar os sujeitos de forma genérica, o que é contrário aos princípios da Convenção. Neste sentido é o esclarecimento da autora Flávia Piovesan (PIOVESAN, 2006), no seu livro “Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional”, quando explica a respeito do processo de multiplicação de direitos, em suas palavras:

envolve não apenas o aumento dos bens merecedores de tutela, mediante a ampliação dos direitos à prestação (…) como também extensão da titularidade de direitos, com o alagamento do próprio conceito de sujeito de direito (…). Esse processo implicou ainda a especificação do sujeito de direito, tendo em vista que, ao lado do sujeito genérico e abstrato, delineia-se o sujeito de direito concreto, visto em sua especificidade e na concretude de suas diversas relações (PIOVESAN, 2006, pg. 177-178).

De forma que o esclarecimento exposto corrobora com a crítica realizada pelo autor Luiz Alberto David de Araujo (ARAUJO, 2015) a Súmula 377 do STJ. Em sentido semelhante Flávia Piovesan, no seu texto “Pobreza como violação dos direitos humanos” que o respeito as diferenças são fundamentais no processo de individualização dos sujeitos de direitos, pois “ao lado do direito à igualdade, surge, também, como direito à diferença. Importa o direito à diferença e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial” (PIOVESAN, 2004, pg. 147).

O autor Luiz Alberto David de Araujo[25] reconhece as dificuldades em analisar caso a caso para finalmente poder constar quem se encaixa ou não na definição, entretanto alertar que não há outra forma, pois, essa pessoa genérica a qual a Súmula se refere pode estar incluída como pode estar excluída. Dependerá das barreiras do seu dia a dia e da sua situação pessoal, já aplicando o novo conceito. Nas suas palavras:

A Convenção da ONU traz um novo conceito de pessoa com deficiência, muito mais complexo do que o critério médico existente até então. Em seu artigo primeiro, envolve o conceito com a idéia de barreiras que a pessoa enfrenta. Assim, o resultado não é mais apenas e tão somente a aplicação de um critério médico, mas decorrência da aplicação, caso a caso, da pessoa em análise com o seu ambiente de trabalho, social, de lazer etc. (ARAUJO, 2015).

De forma que seus princípios deve ser o fundamento de todas as ações do Estado brasileiro. Da mesma forma deve ser a procedência em relação às vagas reservadas em concurso público, conforme determina o artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, bem como as vagas reservadas para as pessoas com deficiência nas empresas com mais de cem funcionários, conforme a chamada Lei de Quotas, lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Além da destinação do benefício da assistência social previsto pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. Nas palavras do autor Luiz Alberto David de Araujo[26]:

Isso significa que os princípios estarão presentes não só na formulação das futuras leis, como também estarão presentes, de forma obrigatória, nas decisões dos juízes, nos atos da Administração Pública. O Poder Executivo (toda a Administração Pública) não pode decidir contrariamente aos princípios. Esses vetores vão determinar a forma de agir do administrador público. A discricionariedade do Poder Público em suas decisões recebe limite forte e determinado: os princípios da Convenção. Não se trata mais de entregar a decisão para o Poder Executivo para que ele delibere dentro dos limites da lei. A lei sofreu um reforço de caráter superior e que vincula o Administrador: são os princípios da Convenção (ARAUJO, 2014, pg. 42, grifo nosso).

Neste sentido, após estabelecermos as coordenadas referentes ao “relevo normativo” da Convenção na sistemática normativa pátria, poderemos então continuar na breve análise da Convenção em si, buscando a apreensão de seus princípios. O que, quando devidamente compreendido e interiorizado, atuara com uma espécie de “fiel da balança”, por fornecer certos elementos que permitirão à realização de uma avaliação para saber se determinada lei ordinária se encontra ou não em concordância com a Convenção, no limite com a própria Constituição.

Seguindo a perspectiva, basta relembrarmos os sete princípios que a referida Convenção aborda, em seu Art. 3º, conforme citado, cujos princípios não carregam em sua definição grandes dificuldades. Entretanto, o desafio reside na aplicação dos mesmos nas diversas ocasiões que as ações dos entes públicos e privados devem estar em harmonia com a Convenção. Desafios que, a título exemplificativo, foi tratado no presente trabalho no tópico 5 – “Princípio da Igualdade” – referente à Aplicação do conceito de Igualdade.

De outra monta, recorremos novamente aos ensinamentos do autor Luiz Alberto David de Araujo (ARAUJO, 2014), quando diz que os princípios não podem ser separados e aplicados individualmente. Dizendo ainda que eles são interligados e seu conteúdo é claramente identificado[27].

Afirmação que retira seu fundamento da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que além de gozar de destacada posição na hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro, apresenta também características que elevam seu poder e seu âmbito de atuação, que são: a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade, a universalidade, a efetividade, a interdependência, e a complementaridade.

Das características dos Direitos Humanos elencados, merece destaque a “interdependência”, que pode ser entendido pelo fato de tais direitos estarem vinculados uns aos outros, não podendo ser vistos como elementos isolados, mas sim como um todo, um bloco que apresenta interpenetrações que se tocam na finalidade, a garantia da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido faz sem mister recorremos as reflexões de Fábio Konder Comparato (COMPARATO, 1997) no seu artigo intitulado “Fundamento dos Direitos Humanos” [28], quando trata a respeito das características que verdadeiramente compõe a pessoa humana e consequentemente fundamenta o conceito de “dignidade da pessoa humana”, em suas palavras:

Esse conjunto de características diferenciais do ser humano demonstra, como assinalou Kant, que todo homem tem dignidade, e não um preço, como as coisas. O homem como espécie, e cada homem em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma.37 Mais ainda: o homem é não só o único ser capaz de orientar suas ações em função de finalidades racionalmente percebidas e livremente desejadas, como é, sobretudo, o único ser cuja existência, em si mesma, constitui um valor absoluto, isto é, um fim em si e nunca um meio para a consecução de outros fins. É nisto que reside, em última análise, a dignidade humana (COMPARATO, 1997, pg.18, grifos do autor).

Tal é a importância desta primeira e única Convenção que foi adotada e internalizada pelo Brasil que recentemente foi sancionada a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, intitulada como Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Segundo o autor Luiz Alberto David de Araujo (ARAUJO, 2015), a referida lei modificou não só o Código Civil, mas também o Código Eleitoral, a Consolidação das Leis do Trabalho (a C.L.T.), o Estatuto da Cidade, dentre outros diplomas vigentes.

Entretanto, sustenta o autor que a referida Lei não inova, pois se avanço foi em relação ao cumprimento de seus deveres assumidos pelo Brasil quando ratificou a Convenção da ONU, que foi a fonte primaria da alteração na sistemática normativa brasileira (ARAUJO, 2015). Inclusive o referido “novo conceito” de pessoa com deficiência já estava em vigor e produzia seus efeitos, por força da internalizarão da Convenção.

Sua abordagem atua no sentido de esclarecer que o texto da nova lei nada mais faz que tornar efetivo parte dos compromissos assumidos perante a Convenção da ONU que o Brasil já havia a muito ratificado. De forma geral, alerta que:

Se temos um direito novo, não podemos continuar pensando em forma de aplicação antiga. Há que repensar o tema para permitir, em cada caso, a análise das barreiras e dos obstáculos da inclusão. E a Convenção, em seu artigo primeiro, traz regra clara, de aplicabilidade imediata (ARAUJO, 2015).

Neste sentido, para o Brasil cumprir seus compromissos junto a Convenção e garantir aos aproximadamente 50 milhões de pessoas com deficiência[29] a garantia do exercício de sua cidadania plena, que será efetiva mediante a existência de um meio acessível, que favoreça a inclusão social entre todas as pessoas, e, portanto, concretiza igualdade de direitos e deveres entre todos. Tendo em vista tal objetivo não existem soluções milagrosas. Quanto aos entes que deve participar do processo, deve ter claro que sistema mudou e que agora (desde a aprovação da Convenção da ONU) ele exige a análise de barreiras ambientais, que só poderá ser identificada na análise de caso a caso (ARAUJO, 2015).

Em sentido esclarecedor é a constatação da autora Laís Vanessa Carvalho de Figueirêdo Lopes[30], na sua monografia de mestrado em direito, orientado pela professora Flávia Piovesan, quando trata a respeito da fase conhecida como a que surgira a Era dos Direitos. Em suas palavras:

Surge então o novo paradigma da deficiência baseado nos direitos humanos: a visão ou modelo social, segundo o qual o ambiente tem influencia direta na liberdade da pessoa com limitação funcional, que poderá ter sua situação agravada por conta do seu entorno e não em razão de sua deficiência de per si (LOPES. 2009, p.166, grifos da autora).

 Para além do exposto, concluímos com trecho dos comentários a Convenção, do autor Luiz Alberto David de Araujo[31] que aponta qual seria a postura desejada quando se encontrar diante um caso concreto que provoque dúvidas de qual seria a atuação esperada a luz da Convenção:

Se tivermos dúvidas se uma pessoa tem capacidade, em virtude de sua deficiência, para exercer tal ou qual função, a solução se dará pela inclusão, ou seja, permitir que ela tenha a oportunidade de tentar. O estágio probatório, o contrato de experiência são formas de permitir que a pessoa com deficiência possa demonstrar suas habilidades e competências. Não tendo sucesso, não seria o caso de mantê-las nos postos. No entanto, vedar, a priori, a sua participação seria agir contra o princípio da inclusão social constante no artigo terceiro, da Constituição e contra o princípio da Convenção (ARAUJO, 2014, pg. 45).

Conforme mencionado, resta claro que na dúvida quanto as possibilidades de determinada pessoa com deficiência exercer determinadas atividades, do ponto de vista do princípio da inclusão social contido na Convenção, a atitude mais adequada é possibilitar que a mesma atue e demonstre empiricamente suas habilidades. Se satisfatórias permanece na função, se insatisfatória não seria o caso de conservar na função. O que seria inadmissível é o julgamento de forma apriorística, sem lhe possibilitar oportunidade, o que seria um ato que atentaria contra o princípio da inclusão social contida no Art. 3º, da referida Convenção.

7 – Tratado de Marraqueche

O Tratado de Marraqueche foi ratificado pelo Brasil em 2015 e aprovado no ordenamento jurídico interno seguindo o processo de emenda constitucional, motivo pelo qual goza do mesmo status (assim como a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência).

Em linhas gerais, o principal objetivo do tratado é facilitar o acesso de bens culturais às pessoas com deficiência, visando, principalmente, atacar as barreias impostas àqueles com deficiência visual ou com dificuldades de manuseio de material impresso. Para tal, o tratado se vale de estabelecer limitações e exceções aos direitos autorais, resultando na possibilidade de os bens intelectuais serem utilizados para a produção e disponibilização das obras em formatos acessíveis (como em formato Braile ou audiolivro), sem que seja necessário solicitação autorização ou remuneração aos titulares dos direitos autorais das obras.

Dispõe o art. 4º do Tratado de Marraqueche:

As Partes Contratantes estabelecerão na sua legislação nacional de direito de autor uma limitação ou exceção aos direitos de reprodução, de distribuição, bem como de colocação à disposição do público, tal como definido no Tratado da OMPI sobre Direito de Autor, para facilitar a disponibilidade de obras em formatos acessíveis aos beneficiários. A limitação ou exceção prevista na legislação nacional deve permitir as alterações necessárias para tornar a obra acessível em formato alternativo.

Dessa forma, um dos principais benefícios oriundos da ratificação do Tratado é a possibilidade de ampliação do acervo de obras em formato acessível, ou seja, as barreias que impedem a devida eficácia do direito à educação e ao lazer de determinadas pessoas com deficiência serão, em parte, mitigadas.

Não obstante a ratificação do referido diploma internacional ser, indubitavelmente, uma conquista, ainda é necessário que o Tratado de Marraqueche seja plenamente incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, por meio das alterações nas legislações de direitos autorais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O referido estudo chega à conclusão de que no âmbito internacional as pessoas com deficiência são destinatárias de diversos normativos, sendo que o Estatuto da Pessoa com Deficiência consiste no principal dispositivo, tendo em vista que rompe com diversos paradigmas e positiva os principais direitos a serem respeitados e garantidos pelos Estados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ARAUJO, Luiz Alberto David. Mudanças legislativas (Código Civil, C.L.T., Código Eleitoral) e direito à inclusão. Disponível in: < http://emporiododireito.com.br/mudancas-legislativas-codigo-civil-c-l-t-codigo-eleitoral-e-direito-a-inclusao-por-luiz-alberto-david-araujo/#_ftn2 > Acesso em: 16 de jul. 2022.

ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 42.

COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos Direitos Humanos. São Paulo: IEA/USP, 1997. Texto disponível em: <http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/comparatodireitoshumanos.pdf>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2022.

FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa, 2009, p. 270.

LOPES, Laís Vanessa Carvalho de Figueiredo. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, seu Protocolo Facultativo e a acessibilidade. São Paulo: s.n, 2009.

MELO, Sandro Nahmias. O direito constitucional da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004, p.72.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de setembro de 1948, disponível em: <HTTP//:WWW. http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf >. Acesso em 27 de outubro de 2022.



[6] Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de setembro de 1948, disponível em: <HTTP//:WWW. http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf >. Acesso em 27 de outubro de 2022.
[7] Ibidem.
[8] Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de setembro de 1948, disponível em: <HTTP//:WWW. http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf >. Acesso em 27 de outubro de 2022.
[9] Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/convention>. Acesso em 25 de outubro de 2022.
[10] MELO, Sandro Nahmias. O direito constitucional da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004, p.72.
[11] Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/convention>. Acesso em 25 de outubro de 2022.
[12] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D62150.htm .
[13] Ibidem.
[14] MELO, Sandro Nahmias. O direito constitucional da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004, p.94.
[15] Ibidem.
[16] Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm>. Acesso em 12 de dezembro de 2018.
[17] Ibidem.
[18] Decreto Legislativo nº 186 de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm>. Acessado em 18 de fevereiro de 2019.
[19] FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa, 2009, p. 270.
[20] ARAUJO, Luiz Alberto David. Mudanças legislativas (Código Civil, C.L.T., Código Eleitoral) e direito à inclusão. Disponível in: < http://emporiododireito.com.br/mudancas-legislativas-codigo-civil-c-l-t-codigo-eleitoral-e-direito-a-inclusao-por-luiz-alberto-david-araujo/#_ftn2 > Acesso em: 16 de jul. 2022.
[21]DEFICIÊNCIA, Novos Comentários à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com/Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR)/Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) • Novos Comentários à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: SNPD – SDH-PR, 2014.
[22] ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 42.
[23] Cf. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmulas do STJ. Disponível in: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=377&&b=SUMU&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 18 de jul. de 2022.
[24] Cf. CARTILHA DO CENSO 2010. Pessoas com Deficiência. Coordenação-Geral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência. Brasília: SDH-PR/SNPD, 2012. Disponível in: < http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf >. Acesso em: Acesso em: 16 de jul. 2022.
[25] Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David. Mudanças legislativas (Código Civil, C.L.T., Código Eleitoral) e direito à inclusão. Disponível in: < http://emporiododireito.com.br/mudancas-legislativas-codigo-civil-c-l-t-codigo-eleitoral-e-direito-a-inclusao-por-luiz-alberto-david-araujo/#_ftn2 > Acesso em: 16 de jul. 2018.
[26] Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014.
[27] Ibidem, p. 42.
[28] Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos Direitos Humanos. São Paulo: IEA/USP, 1997. Texto disponível em: <http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/comparatodireitoshumanos.pdf>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2022.
[29] Cf. CARTILHA DO CENSO 2010. Pessoas com Deficiência. Coordenação-Geral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência. Brasília: SDH-PR/SNPD, 2012. Disponível in: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf>. Acesso em: 16 de jul. 2018.
[30] Cf. LOPES, Laís Vanessa Carvalho de Figueiredo. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, seu Protocolo Facultativo e a acessibilidade. São Paulo: s.n, 2009.
[31] Cf Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014.


[1] Bacharel, Especialista e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, atua como Procurador do Município e exerce a docência na FACIC e na FASC. Endereço eletrônico para contato: m.cunhalima@uol.com.br
[2] Professora Especialista – Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA; Bacharel em Direito – Centro Universitário Armando Álvares Penteado – FAAP; Especialista em Registros Públicos – UNICEA; Mestranda em Direito Constitucional – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. E-mail: mendoncavieiramariapaula@gmail.com
[3] Advogado, Diretor Administrativo na Câmara Municipal de Cachoeira Paulista e Professor Universitário na Faculdade de Ciências Humanas de São Paulo – FACIC e Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Mestre em Direito Sociais, Especialista em Direito Processual Penal, Civil e Trabalhista. E-mail: prof.marciogodofredo@facicsp.com.br
[4] Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie), Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito (USP); Professor Universitário no Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA, Faculdade de Ciências Humanas do Estado de São Paulo – FACIC.
[5] Professor Especialista do Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Mestrando em Design, Tecnologia e Inovação pelo Centro Universitário Teresa D’Ávila. Especialista em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Administrativo e Licitações; Especialista em Direito Imobiliário pela Faculdade Única de Ipatinga. Bacharel em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências de Vitória da Conquista. Advogado, Servidor Público Municipal e Professor Universitário. E-mail: rubensvieiraadv@gmail.com