RASTREAMENTO DO CÂNCER DE COLO UTERINO NO MUNICÍPIO DE VALENÇA- RJ ENTRE 2017 E 2022

CERVICAL CANCER SCREENING IN THE MUNICIPALITY OF VALENÇA-RJ BETWEEN 2017-2022.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7766464


Tâmisa Bastos Leal1
Ana Luiza Kozlowsky de Alencar2
Anna Clara Yoshimura e Silva3
Daniel Kenji Yoshioka4
Pedro Fontes Libório Corrêa5
Victorya Mendes Ferreira Domingues6
Luciana Amaral Lemos7


Resumo

Introdução: Em 2020, o câncer de colo uterino foi responsável por, aproximadamente, 604.000 novos casos e 342.000 mortes em todo o mundo (SUNG et al., 2020), sendo que no Brasil a ocorrência do câncer cervical é extremamente alta. Atualmente, as diretrizes clínicas mantêm a recomendação para rastreamento trienal em mulheres de 25 a 64 anos de idade após dois exames anteriores consecutivos negativos para malignidade. O câncer de colo uterino acomete a região inferior do útero, sendo que sua principal causa resulta da infecção pelos tipos oncogênicos do Papilomavírus Humano (HPV). Objetivos: O presente estudo visa analisar a identificação de lesões e inconformidades indicativas de câncer de colo de útero no exame citológico (Papanicolau) em pacientes oriundos do município de Valença do estado do Rio de Janeiro entre os anos de 2017-2022. Metodologia: Por meio da plataforma SISCAN (Sistema de Informação do Câncer) e DATASUS (Departamento de Informática do SUS) foram analisados os dados do município de Valença, do estado do Rio de Janeiro, acerca dos exames citopatológicos realizados em mulheres de 25 a 64 anos no período de 2017 a 2022. As variáveis estudadas incluíram: município, faixa etária, presença de citopatológico anterior, adequabilidade do exame, citopatológicos normais e alterados. As informações obtidas foram tabuladas utilizando o software Excel. Com a utilização de dados de domínio público disponibilizados por meio eletrônico, esse estudo é isento de análise pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).  Resultados e Discussões: Dos 5.529 exames realizados no período de 2017 a 2022, com amostra satisfatória, 1.262 foram normais e 4.267 apresentaram resultado fora da normalidade. Nos últimos três anos avaliados, 2020, 2021 e 2022, constatou-se que dentre a faixa etária preconizada para rastreio do câncer de colo uterino, as mulheres entre 45 a 54 anos tiveram mais exames com resultados alterados. Em 2020, ainda no período pandêmico, percebeu-se uma queda do número de exames citopatológicos coletados, resultando em apenas 376 com amostras satisfatórias. Conclusão: Os resultados revelaram predomínio de alterações em mulheres com idade entre 45-54 anos submetidas ao exame papanicolau de amostra satisfatória e com citologia prévia. Além disso, os dados do DATASUS demonstraram que nos últimos 2 anos a realização e consequente notificação dos exames de rastreio para o câncer de colo de útero superou os anos anteriores, incluindo o período da pandemia.

Palavras–chave: Brasil/epidemiologia; Neoplasias do Colo do Útero; Diagnóstico;

Abstract

Introduction: In 2020, cervical cancer was responsible for approximately 604,000 new cases and 342,000 deaths worldwide (SUNG et al., 2020), and in Brazil the occurrence of cervical cancer is extremely high. Currently, clinical guidelines maintain the recommendation for triennial screening in women 25 to 64 years of age after two previous consecutive negative examinations for malignancy. Cervical cancer affects the lower region of the uterus, and its main cause results from infection by oncogenic types of the Human Papillomavirus (HPV). Objectives: The present study aims to analyze the identification of lesions and unconformities indicative of cervical cancer in cytological examination (Pap smear) in patients from the municipality of Valença in the state of Rio de Janeiro between the years 2017-2022. Methodology: Through the SISCAN (Cancer Information System) and DATASUS (SUS Computer Department) platform, data from the municipality of Valença, Rio de Janeiro state, were analyzed about cytopathological exams performed in women aged 25 to 64 years in the period from 2017 to 2022. The variables studied included: municipality, age range, presence of previous cytopathological exam, adequacy of the exam, normal and altered cytopathological exams. The information obtained was tabulated using Excel software. Using public domain data made available electronically, this study is exempt from analysis by the National Research Ethics Committee (CONEP) and the Research Ethics Committee (CEP).  Results and Discussions: Of the 5,529 exams performed from 2017 to 2022 with a satisfactory sample, 1,262 were normal and 4,267 showed an abnormal result. In the last three years evaluated, 2020, 2021 and 2022, it was found that among the age range recommended for cervical cancer screening, women between 45 and 54 years had more exams with altered results. In 2020, still in the pandemic period, there was a decrease in the number of cytopathological tests collected, resulting in only 376 with satisfactory samples. Conclusion: The results revealed a predominance of alterations in women aged 45-54 years submitted to pap smears with satisfactory samples and with previous cytology. In addition, data from DATASUS showed that in the last 2 years the performance and consequent notification of screening tests for cervical cancer exceeded previous years, including the pandemic period.

Keywords: Brazil/ epidemiology; Uterine Cervical Neoplasms; Diagnosis;

Introdução

Em 2020, o câncer de colo uterino foi responsável por, aproximadamente, 604.000 novos casos e 342.000 mortes em todo o mundo (SUNG et al., 2020) e, além disso, foi o quarto câncer mais comum em mulheres (BRAY et al., 2018). Trata-se de uma doença de evolução lenta que, inicialmente, costuma se tratar de uma condição de caráter benigno, mas que posteriormente passa por sucessivas transformações intra epiteliais. 

De acordo com Vaccarella (2013), diversos países de primeiro mundo apresentam expressiva queda da mortalidade e incidência do câncer cervical devido à implantação do rastreamento organizado com base no exame citopatológico (Papanicolau). No Brasil, a ocorrência do câncer cervical é extremamente alta se comparada a estes países. É visto que existe grande desigualdade regional no país, com alta mortalidade em regiões mais pobres, como Norte e Nordeste, sobretudo em seu interior. (SUNG 2021; BARBOSA 2016; AZEVEDO E SILVA 2020).

 O rastreamento do câncer cervical no país foi iniciado no final dos anos 90 com base no teste de Papanicolau (INCA, 2018). Atualmente, as diretrizes clínicas mantêm a recomendação para rastreamento trienal em mulheres de 25 a 64 anos de idade após dois exames anteriores consecutivos negativos para malignidade.

Esse exame detecta as lesões precursoras antes destas se tornarem invasivas. Inicialmente, essas anormalidades são denominadas displasias, mas com a persistência da infecção e a não detecção precoce, a lesão evolui para câncer (CONSOLARO, 2014). Tais displasias podem ser classificadas em alterações celulares benignas do colo, células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US), células escamosas atípicas em que não é possível excluir lesão intraepitelial escamosa de alto grau (ASC-H), lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL) e lesão intraepitelial de alto grau (HSIL). 

O câncer de colo uterino acomete a região inferior do útero que evolui a partir das lesões anteriormente citadas, sendo que sua principal causa resulta da infecção pelos tipos oncogênicos do Papilomavírus Humano (HPV), sendo que o HPV 16 e 18 são responsáveis por 70% dos cânceres. Vale ressaltar ainda que esta se trata de uma infecção sexualmente transmissível, que  ​​constitui um dos fatores de risco para seu desenvolvimento. (SHIFFMAN, 2007). 

Diante do exposto, o presente estudo visa analisar a identificação de lesões e inconformidades indicativas de câncer de colo de útero no exame citológico (Papanicolau) em pacientes oriundos do município de Valença do estado do Rio de Janeiro entre os anos de 2017-2022.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo, utilizando dados dos sistemas de informações do SUS, referentes ao rastreamento, diagnóstico e tratamento do câncer do colo do útero em mulheres de 25 a 64 anos, no Brasil e regiões de residência, entre 2017 e 2022. Do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS) foi obtido o número de exames citopatológicos realizados por ano no Brasil, em mulheres de 25 a 64 anos, por meio da seleção dos procedimentos exames cérvico-vaginal/microflora e cérvico-vaginal/microflora – rastreamento (códigos 0203010019 e 0203010086, respectivamente). 

Dados referentes às mulheres que tiveram exames citopatológicos e histopatológicos alterados foram obtidos no Sistema de Informação do Câncer (SISCAN) para a análise das estimativas de necessidade de procedimentos de investigação diagnóstica e tratamento. Todos esses dados são de acesso público na página de Internet do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e por esse motivo não foram submetidos à análise pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).  

Resultados e Discussão

Foram realizados no período de 2017 a 2022, 5.529 exames com amostra satisfatória, dos quais 1262 foram normais e 4.267 apresentaram resultado fora da normalidade, os quais incluem a classificação: alteração celular benigna, ASC-US, ASC-H, LSIL e HSIL, sendo que no ano de 2022 esse valor foi de 1.841 exames, ao passo que em 2021 foram 1.158 e em 2020 houve um total de 276 exames alterados cuja amostra era satisfatória. Vale ressaltar ainda que, dessas pacientes, todas apresentavam exame de citologia anterior. 

Nos últimos três anos avaliados, 2020, 2021 e 2022, constatou-se que dentre a faixa etária preconizada para rastreio do câncer de colo uterino, as mulheres entre 45 a 54 anos tiveram mais exames com resultados alterados, o que vai ao encontro da literatura, já que  as mulheres nessa faixa etária tem maior risco de desenvolverem lesões de alto grau e demonstra a importância do exame ser realizado na faixa etária dos 25-64 anos pelo Ministério da Saúde (MS).

Segundo o MS (2011), para que a amostra seja satisfatória é necessária a presença de células metaplásicas ou endocervicais representativas da zona de transformação, não sendo necessária a representação dos epitélios escamoso, glandular e /ou metaplásico para considerar o exame adequado. Esta pesquisa apontou um alto índice de adequabilidade das amostras. 

Os resultados anteriores a 2020 foram desconsiderados nesse quesito devido a baixa quantidade de exames realizados, sendo que tal achado correspondeu a um valor extremamente inferior aos anos mais recentes, o que nos leva a inferir que houve uma possível subnotificação de rastreamento com laudos anormais ou até mesmo uma não realização de tal rastreio, o que impacta na epidemiologia do câncer de colo uterino e uma falha na prática da prevenção secundária. 

Em 2020, ainda no período pandêmico, percebeu-se uma queda do número de exames citopatológicos coletados, resultando em apenas 376 com amostras satisfatórias, se comparado aos anos de 2021 e 2022, que chegaram a somar 3.847 exames realizados. Acredita-se que essa diferença se deva à dificuldade e até mesmo medo de deslocamento até os ambientes hospitalares.

Conclusões

Os resultados revelaram predomínio de alterações em mulheres com idade entre 45-54 anos submetidas ao exame papanicolau de amostra satisfatória e com citologia prévia. Além disso, os dados do DATASUS demonstraram que nos últimos 2 anos a realização e consequente notificação dos exames de rastreio para o câncer de colo de útero superou os anos anteriores, incluindo o período da pandemia. 

Sob essa perspectiva, é necessário destacar que a expressiva diferença do número de exames realizados nos anos anteriores a 2020 sugere uma possível subnotificação. Isso reforça a importância e necessidade da notificação e do rastreio adequados para as patologias abordadas, a fim de que possíveis diagnósticos sejam feitos precocemente, a fim de garantir melhores desfechos e sobrevida às pacientes. 

Para isso, é necessário que os profissionais prestadores de assistência à saúde da mulher sejam devidamente treinados, a fim de garantir  cumprimento dos protocolos do Ministério da Saúde acerca do rastreamento do câncer de colo uterino na faixa etária pré-estabelecida e preconizada.

Referências 

  1. Azevedo e Silva G, Jardim BC, Ferreira VM, Junger WL, Girianelli VR. Cancer mortality in the capitals and in the interior of Brazil: a four-decade analysis. Revista de Saúde Pública 2020; 54:126. 
  2. Barbosa IR, Souza DLB, Bernal MM. Regional inequalities in cervical cancer mortality in Brazil: trends and projections through to 2030. Ciências de Saúde Coletiva 2016; 21:253-62. 
  3. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, et al. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer Journal Clinical 2018; 68:394.
  4. Consolaro M, Engler S. Citologia clínica cervicovaginal: texto e atlas. 1 ed. São Paulo: Rocca; 2014
  5. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Viva Mulher 20 anos: história e memória do controle do câncer do colo do útero e de mama no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; 2018. 
  6. Ministério da Saúde [MS] Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero; Brasília; 2011.
  7. Schiffman M,Castle PE, Jeronimo J, Rodriguez AC, Wacholder S. Human papillomavirus and cervical cancer. Lancet. 2007; 370: 890-907. 
  8. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, et al. Global can- cerstatistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 can- cers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2021; 71:209-49. 
  9. Vaccarella S, Lortet-Tieulent J, Plummer M, Franceschi S, Bray F. Worldwide trends in cervical cancer incidence: impact of screening against changes in disease risk factors. Eur J Cancer 2013; 49:3262-73. 

1Médica formada pelo Centro Universitário Presidente Antônio Carlos – JF (UNIPAC) e Residente de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Escola de Valença.
2Acadêmica de Medicina da UNIFAA
3Acadêmica de Medicina da UNIFAA
4Acadêmico de Medicina da UERJ
5Acadêmico de Medicina da UFS
6Acadêmica de Medicina da UNIFAA
7Médica Ginecologista e Obstetra e preceptora da disciplina de Saúde da Mulher da UNIFAA.