MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO ALTERNATIVA ADEQUADA DE JURISDIÇÃO

EXTRAJUDICIAL MEDIATION AS AN ADEQUATE ALTERNATIVE OF JURISDICTION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7749250


Diego Nobre Murta[1]


RESUMO

O artigo pretende analisar a viabilidade da mediação ser institucionalizada pelo Tabelionatos de Notas do Brasil, como medida prima facie eadequada de solução de Litígios. Parte-se da análise da efetividade do modelo jurisdicional Estatal, pretendo dissociar a percepção de que acesso à justiça corresponde à acesso ao Judiciário. Através de pesquisa documental e bibliográfica, realiza-se uma análise eminentemente descritiva do problema da necessidade social de que a efetividade jurisdicional corresponda à pacificação do conflito, não apenas da demanda.

Palavras-chave: Jurisdição. Acesso à Justiça. Desjudicialização. Mediação.

ABSTRACT

The article intends to analyze the viability of mediation to be institutionalized by the Notary Public of Brazil, as a prima facie and adequate measure of dispute resolution. Starting from the analysis of the effectiveness of the State jurisdictional model, I intend to dissociate the perception that access to justice corresponds to access to the Judiciary. Through documental and bibliographic research, an eminently descriptive analysis is carried out on the problem of the social need for jurisdictional effectiveness to correspond to the pacification of the conflict, not only of the demand.

Keywords: Jurisdiction. Access to justice. Dejudicialization. Mediation.

INTRODUÇÃO

O acesso à Justiça no Brasil é garantido constitucionalmente de forma abstrata através do Poder Público (jurisdição). Entretanto, da promessa à concretização diversas adversidades tem ocorrido, comprometendo a efetividade da pacificação almejada. Fala-se, a certo tempo, em crise do Judiciário.

Da necessidade de se proporcionar ao cidadão o acesso à Justiça, que seja democrática e eficaz, positivou-se o sistema multiportas, em que, dentre vários meios adequados de solução de conflitos, encontramos a mediação.

Consoante o escopo do presente estudo, direcionaremos a analise à mediação como forma de solução adequada de conflitos, cujas características, que serão melhor detalhadas à frente, indicam ser o melhor método de pacificação social.

Inicialmente, após se constatar que a reforma do Judiciário, que tem sido implementada, é basicamente interna e gerencial, verificou-se a manutenção dos problemas de solução de conflitos. Analisou-se o modelo adversarial em que se estrutura a jurisdição Estatal, detalhando suas características essenciais. Logo em seguida, tratou-se da necessidade do acesso à Justiça, procurando e destacando a importância de se buscar ou construir modelos que sejam mais eficazes em proporcionar um acesso rápido e efetivo à Justiça.

Em um segundo momento, verificou-se a implantação do modelo multiportas no sistema de justiça brasileira, bem como do fenômeno da desjudicialização crescente. Elencou-se os métodos alternativos usualmente tratados pela doutrina, notadamente: a conciliação, a mediação, a conciliação e a arbitragem, que foram paulatinamente abordados em suas características peculiares.

Em um terceiro momento, a partir da compreensão das características da mediação, efetivamente adentrou-se em seu estudo mais esmiuçado para detalhando os seus pontos, ao final defender o seu emprego como prioridade pública de solução de conflitos.

Por fim, tratou-se da viabilidade da implementação do modelo de mediação através dos Tabelionatos de Notas do país.

Ao longo deste estudo procurou-se democratizar o debate trazendo à baila a opinião e as concepções de outros autores, para uma melhor compreensão e aprendizado.

Deste feita, passa-se ao desenvolvimento do artigo, momento em que serão aprofundadas as nuances relativas à problemática proposta.

1. A JURISDIÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA

Nas últimas décadas, o Poder Judiciário crescentemente se viu envolto em dificuldades de prestar adequadamente o serviço que lhe foi institucionalmente incumbido como atividade típica, a jurisdição.

A partir da vigência da Constituição Federal de 1988 o foco central relacionou-se em garantir o “acesso à justiça”, que à época interpretava-se e confundia-se, eminentemente, com acesso ao Poder Judiciário. Tal concepção decorre do contexto histórico, pós-ditatura, tendo sido positivada pelo Constituinte no inciso XXXV do art. 5º da CR-88 (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).

Vários fatos corroboravam para o inacesso do jurisdicionado ao Judiciário, dentre os quais destacamos a ausência de Defensoria Pública organizada; os custos efetivos, como custas e honorários advocatícios; sobretudo a ausência de proximidade do Judiciário, do cidadão comum.

Segundo Flávia Pereira Hill:

(…) muito se evoluiu, em nosso país, no que concerne ao acesso aos tribunais, o que pode ser atribuído, dentre outros fatores, à estruturação da Defensoria Pública, à concepção do Direito Processual Constitucional, tanto no que se refere à tutela constitucional do processo, notadamente o conjunto de garantias processuais, previstas na Constituição, que pautam a interpretação e a aplicação das leis processuais e a conduta de todos os personagens do processo, quanto à jurisdição constitucional das liberdades, vale dizer, a previsão, na Constituição, de remédios ou ações constitucionais como instrumentos hábeis a tutelar direitos individuais e coletivos de elevada envergadura. Identificamos igualmente, como fator relevante, a ordenação dos microssistemas dos Juizados Especiais e do Processo Coletivo[1].

Tanto foi feito, sem a devida preparação ou estruturação dos Órgãos Jurisdicionais e do sistema de justiça, que se verificou na década de noventa um congestionamento intenso de ações nos Tribunais, fenômeno chamado de “hiperjudicialização”[2].

Diante tal quadro, inexorável necessidade de reforma se fez presente instigando os operadores do direito a buscarem opções para deter ou gerenciar adequadamente o volumento “explosivo” de processos em curso.

É consabido que a República Federativa do Brasil se organiza em três poderes estruturais/funcionais: executivo, legislativo e judiciário, cabendo a este último a função jurisdicional, que alicerçada no princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da CR/88), garante (supostamente) a efetividade da democracia.

Tal princípio garante a todos a prestação de tutela jurisdicional apta a dizer o direito no caso concreto. Em função dessa garantia, em tese o Estado tem poder/dever de prestar o serviço referido (tutela jurisdicional) com qualidade e rapidez necessários (adequação). Entretanto, o que se tem visto nas últimas décadas é lastimável. Fato é, que em regra, os processos tramitavam e tramitam muito além do tempo razoável, fatalmente condenando as partes a uma justiça tardia, que se reveste em espécie de injustiça.

A crescente complexidade social vem gerando um incremento da litigiosidade no mundo, fator este que tem destacado a crise do Judiciário, ou em outros termos a incapacidade do modelo tradicional jurisdicional em ser efetivo a todos, e em tempo.

Há certo tempo já se fala em uma crise do Judiciário, tendo se movimentado a doutrina e o legislativo na busca de opções que proporcionem uma reação eficaz a esse quadro[3].

Sobre tal assunto, Boaventura Santos destaca que no sistema jurisdicional nacional há duas espécies de morosidade na prestação da jurisdição, vejamos:

(…) morosidade sistemática é aquela que decorre da burocracia, do positivismo e do legalismo. Muitas das medidas processuais adotadas recentemente no Brasil são importantes para o combate à morosidade sistêmica. Será necessário monitorar o sistema e ver se essas medidas estão a ter realmente a eficácia, mas há morosidade ativa, pois consiste na interposição, por parte de operadores concretos do sistema judicial (magistrados, funcionários ou partes), de obstáculos para impedir que a sequência normal dos procedimentos desfechem o caso[4].

Ainda sobre a crise do Judiciário, para Morais e Spengler a jurisdição padeceria de quatro tipos de crise: crise estrutural; crise objetiva ou pragmática; crise subjetiva ou tecnológica; e, crise paradigmática. A crise estrutural decorre normalmente da incapacidade orçamentária de financiar todas as necessidades estruturais, como número de juízes e funcionários adequados, a instalação de novas varas ou seções judiciárias, instalações, equipamentos, dentre (muitos) outros. Pela crise objetiva/pragmática entende-se os problemas atinentes a realidade pragmática da própria atividade jurídica, como as questões atinentes à linguagem técnica e formal, a ritualização dos atos processuais e/ou forenses, revestindo em uma pseudoburocracia que promove lentidão dos procedimentos. A crise objetiva ou pragmática refere-se a aspectos pragmáticos da atividade jurídica, englobando questões à linguagem técnico-formal utilizada nos rituais e trabalhos forenses, a burocratização e lentidão dos procedimentos, acúmulo das demandas[5]. A crise tecnológica ou subjetiva se relaciona ao despreparo tecnológica dos operadores do direito de lidarem com as novas circunstâncias fáticas, naturalmente decorrentes da complexidade social.  O avanço da sociedade traz, inexoravelmente, o advento de novas realidades que demandam o desenvolvimento de novos instrumentos normativos, processuais, e necessariamente a mudança de mentalidade. Em suma, à incapacidade de lidar com tais circunstâncias, referidos autores denominam por crise subjetiva ou tecnológica[6]. A crise paradigmática é a que decorre da inadequação dos métodos, estratégias ou opções normativas como instrumentos aptos à solução de conflitos[7].

A proliferação dos conflitos de interesses, pela crescente complexidade social, associada à ampliação igualmente crescente do acesso à Justiça, tem demonstrando certo esgotamento do modelo jurisdicional como modelo prima facie de acesso à justiça. Isso tem imposto ao Judiciário a necessidade de buscar alternativas aptas a desafoga-lo ou modelos que possam ser alternativas à jurisdição[8].

A ordem jurídica nacional tem por escopo harmonizar as relações sociais intersubjetivas, para promover a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício ou desgaste. Caso surja, no seio da sociedade, um conflito, em princípio o direito impõe que para pôr fim a tal quadro, deve ser chamado o Estado-Juiz, que irá dizer qual o direito segundo o ordenamento jurídico. Trata-se, como visto, da função jurisdicional. Durante quase toda a história do nosso país o acesso à justiça perpassava em regra pela atividade jurisdicional, exercida em regime de monopólio pelo ente Estatal. Assim, o acesso à ordem jurídica justa, ou melhor, à justiça concreta dependia do regular e adequado funcionamento da máquina pública. Como já dito, confundia-se acesso à justiça como acesso ao Poder Judiciário.

O ponto inicial da reforma do sistema de justiça brasileiro, se deu a com aprovação da Emenda Constituição nº 45/2005, que trouxe diversas medidas com finalidade de proporcionar maior agilidade dos órgãos jurisdicionais, dentre as quais ressaltamos a criação do CNJ.

Desde então, diversas medidas foram implementadas com a finalidade de proporcionar racionalidade e eficiência ao sistema. Permitiu-se então a ocorrência da superação do modelo formal, burocrático e legalista do Poder Judiciário. Todavia, o congestionamento de processo nos Tribunais ainda se mantém.

Em artigo notável, denominado “A Reforma Gerencial do Judiciário no Brasil, medidas, efeitos e impactos para os direitos dos cidadãos”, Andrei Koerner, Karen Elaine Sakalauska Barreira e Celly Cook Inatomi apresentam uma análise política das reformas judiciais no Brasil no período de 2004 à 2015. Segundo os autores em tais reformas “adotou-se um enfoque interno à organização, a partir do qual se colocam os desafios de encontrar a maneira mais eficiente de dar respostas às demandas”[9].

Após extensa análise dos dados, foi constatado que as reformas prioritariamente são gerenciais.

Racionalizaram-se os processos, tanto de gestão como de decisão judicial, aumentando com isso a sua capacidade de resposta e a sua estabilidade face às pressões do ambiente. A readequação se dá pela ampliação dos filtros para o ingresso, pela simplificação de procedimentos, pela padronização de processos e decisões, e o controle dos resultados, além da qualificação e motivação dos seus profissionais[10].

 Concluem, em tom crítico, que as reformas proporcionaram sim o aumento da atividade jurisdicional (resposta do Estado), todavia, em razão das opções políticas adotadas foram fixados filtros que suprimem aos litigantes o direito e oportunidade de expor as suas experiências e percepções particulares. Afirmam que o modelo formatado tem por finalidade a concretização de meios mais rápidos de eliminação de processos, o que “(…) limita a atenção dos juízes para as questões normativas e sociais subjacentes aos litígios”[11], ficando sem segundo plano a resolução do litígio. Ressaltam, ainda:

As reformas atuais partem de um diagnóstico inadequado e adotam medidas insuficientes e contraditórias. É inadequado porque adota um enfoque exclusivamente interno para a reforma do Judiciário e considera que os problemas são de gestão e complexidade dos procedimentos (…)[12].

Inevitavelmente, mesmo após diversas reformas, há que se reconhecer que o modelo jurisdicional, tradicionalmente disponível para a composição de conflitos, tem se mostrado incapaz de responder adequadamente, tanto sob o prisma quantitativo, com relação à duração razoável do processo, quanto sob o prisma qualitativo, ao falarmos em aptidão para gerar pacificação social através do término da ação, e igualmente em possibilitar que efetivamente todos tenham acesso concreto à Justiça[13].

De acordo com Nunes,

No Brasil, em regra, o pensamento jurídico sempre esteve atrelado ao modelo positivista, muitas vezes restrito à frieza das leis e aos códigos, com exagerado número de cursos de Direito e um ensino mais preparado para formar litigantes, ou seja, especialistas em defesas e ataques nas lides e disputas. Esse modelo é anacrônico e as mudanças vão exigir dos profissionais, dentro do possível, a substituição de uma cultura do litígio para uma cultura do diálogo e do acordo[14].

Em que pese a existência de modelos culturais diversos para enfrentar o litígio, é fato que o acesso à justiça é uma necessidade vital do ser social, conforme o entendimento de Mauro Cappelletti e Bryant Garth:

O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação[15].

Por tal quadro, tem se demonstrado a necessidade de um acesso à justiça efetiva, que seja adequada. Não é aceitável ou razoável submeter a solução de um conflito direta ou tão somente ao modelo jurisdicional, por vezes caro, demorado e ineficaz.

É importante frisar que a jurisdição, como modelo tradicional de solução de conflitos, possui como traço característico a litigiosidade entre as partes, ou seja, escora-se em um modelo adversarial, que segue a lógica de que uma parte ganha, enquanto a outra, perderá a demanda. Nestes termos, percebe-se que o Judiciário trata o conflito de forma técnica, com padrões legais que direcionam a solução do processo, não necessariamente do conflito. Entretanto, a prolação de sentença nem sempre finaliza o processo, pois, sem resolver o verdadeiro conflito subjacente, normalmente o sucumbente recorre às instâncias superiores[16]. É comum levar-se ao Judiciário questões de irrisória importância como briga entre vizinhos, pequenos desentendimentos ou divergências fundadas em razões emocionais.

Nessa linha, Dora Fried Schnitman, autora argentina, aduz que:

Nossa cultura privilegiou o paradigma ganhar-perder, que funciona como uma lógica determinista binária, na qual a disjunção e a simplificação limitam as opções possíveis. A discussão e o litígio – como métodos para resolver diferenças – dão origem a disputas nas quais usualmente uma parte termina ‘ganhadora’, e outra, ‘perdedora’. Essa forma de colocar as diferenças empobrece o espectro de soluções possíveis, dificulta a relação entre as pessoas envolvidas e gera custos econômicos, afetivos e relacionais[17].

Na resolução dos conflitos por meios adversariais, como ocorre na jurisdição, o interessado ingressa em uma verdadeira luta de direitos e versões, em que a satisfação de seu interesse apenas ser dará com a vitória, após gastos financeiros, desgastes emocionais, enfraquecimento da relação social, ressentimentos e culpas[18].

Tem se percebido, destarte, que o modelo jurisdicional tradicional nem sempre é o modelo adequado a todo e qualquer conflito. Sob tal perspectiva, a doutrina vinha defendendo, e o legislador adotou, com o advento do Novo Código de Processo Civil (art. 3º[19]), o sistema multiportas, que reconhece ao interessado a faculdade de submeter o seu conflito ao mecanismo que entender mais adequado, inclusive opções além dos limites do Judiciário. Esse Código vem consagrando outros métodos de solução de conflitos, com o escopo de substituir em nosso país a cultura da litigiosidade pela da consensualidade[20].

A alteração normativa do Novo Código de Processo Civil brasileiro, muito além de ser apenas uma alteração legal, busca de forma profunda uma alteração cultural e comportamental dos operadores do direito para que se apercebam que o acesso à justiça, garantida pelo princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, pode ser acessada através de um conjunto integrado de métodos adequados de composição de conflitos, e não tão somente por meio do modelo jurisdicional[21]. É o que passaremos a tratar.

2. MODELO MULTIPORTAS – DESJUDICIALIZAÇÃO

Urge destacar que o conflito é uma decorrência natural da diversidade e disparidade dos seres que integram uma sociedade. A solução adequada destes conflitos é uma necessidade imperiosa da sociedade, pois reflete no nível de pacificação social, direito fundamental. Portanto, considerando tal necessidade, com as dificuldades de efetividade da jurisdição, os processualistas modernos tem, como visto, excogitado novos meios para a solução dos conflitos (lides) que aportam no Judiciário.

Muito além de se pensar na melhoria gerencial dos Órgãos do Poder Judiciário, apresentou-se com a positivação do modelo multiportas uma oportunidade de se moldar e desenvolver novos modelos de justiça fora do Poder Judiciário. Esse fenômeno é denominado desjudicialização que à grosso modo consiste na percepção de acesso à justiça fora da estrutura do Judiciário.

A desjudicialização vem se desenvolvendo tanto no campo da jurisdição voluntária, mais proficuamente, quanto no habitat da jurisdição contenciosa.

As demandas vinculadas à jurisdição voluntária não demandam complexidade para formalização da desjudicialização em razão da ausência do litígio. Todavia, quanto às questões de jurisdição contenciosa podemos mencionar como alternativas possíveis para a resolução de conflitos: a autocomposição e a heterocomposição (arbitragem).

Os métodos, classicamente chamados incorretamente de alternativos, têm como traço básico certa ruptura com o formalismo processual. Para a melhor solução dos conflitos a desformalização é imprescindível para a celeridade adequada. Associada a isso, há igualmente certa delegalização, eis que, por tais métodos, há maior margem de liberdade para as soluções não-jurisdicionais. Essas características são encontradas em medidas diferentes conforme o método alternativo implementado.

A autocomposição permite a solução de conflitos sem a necessária interferência da jurisdição, e se dá pelo sacrifício integral ou parcial do interesse das partes envolvidas no conflito através da vontade unilateral ou bilateral das partes. Como a autocomposição é um modelo de solução alternativa consensual, ou seja, decorrente da vontade das partes, constitui o modelo de composição de conflitos mais condizente com a opção democrática do Estado brasileiro, pois concretiza a pacificação social de forma voluntária e não tenta concretizar de forma impositiva. Tal modelo alicerça se no diálogo.

Sobre as formas autocompositivas, Nunes leciona que:

No procedimento das formas autocompositivas devem estar presentes o diálogo simples, a cooperação responsável, a colaboração solidária, a autogestão dos problemas, a participação ativa e, sobretudo, a liberdade, pois sem liberdade não há democracia e sem democracia não poderemos falar em autonomia e livre-arbítrio para tomar decisões.[22]

A autocomposição é um gênero, do qual são espécies a transação, a mais comum, a submissão e a renúncia. Tais resoluções podem ser implementadas através dos métodos compositivos: negociação, conciliação e mediação.

A negociação é um modelo de resolução de conflitos consensual que ocorre sem a intervenção de um terceiro, as partes envolvidas buscam a solução do conflito sozinhas mediante um ajuste de interesses.

Para Walsir Edson Rodrigues Júnior:

(…) atividade constante na rotina transacional, a negociação prescinde da intervenção de terceiros, visto que as partes buscam, a partir de suas referências pessoais, uma resolução para a disputa mediante a argumentação[23].

Quanto à arbitragem, trata-se de método de solução de conflitos ligeiramente distinto, pois consiste em um meio heterocompositivo, ou seja, a decisão é outorgada à um terceiro neutro, que goze da confiança das partes. Trata-se de método extrajudicial de resolução de conflitos. Na arbitragem, as partes escolhem um terceiro de sua confiança que será responsável pela solução do conflito de interesses, sendo que a decisão desse terceiro é impositiva, o que significa que tal decisão resolve o conflito concreto independentemente da vontade das partes. A decisão no âmbito da arbitragem tem o mesmo valor de uma sentença judicial.

Tanto a conciliação quanto a mediação são formas de resolução em concreto de conflitos, que ocorrem com a interferência de um terceiro entre as partes, que atuará como espécie de intermediário.

Na conciliação, o conciliador irá propor possíveis resoluções para o conflito, cabendo as partes aceitar ou não. A figura do terceiro interlocutor proporcionará o efetivo debate entre os litigantes, captando de cada lado a necessidade ou demanda para formulando uma possível solução, buscar a conciliação dos envolvidos na relação de atrito[24]. Para Wolkmer[25], a conciliação tem a enorme vantagem de permitir a solução de conflitos de forma célere e imediata, sem a necessidade de se adentrar na análise do mérito da causa ou o dos trâmites processuais burocráticos.

Na mediação, o terceiro interventor, no acaso o mediador, não irá propor solução. Caberá a este apenas aproximar as partes ao diálogo, para que sozinhos consigam alcançarem um ponto comum de acordo, que solucione o empasse.

De acordo com Bolzan de Morais e Fabiana Spengler[26]:

A mediação é um método alternativo que não há adversários, apenas consiste na intermediação de uma pessoa distinta das partes, que atuará na condição de mediador, favorecendo o diálogo direto e pessoal. O mediador facilita a comunicação sem induzir as partes ao acordo, e quando este existe, apresenta-se total satisfação dos mediados[27].

A mediação é definida pela Lei Federal nº 13.140/2015 (LM) como a “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (LM, art. 1º, parágrafo único).

A mediação e a conciliação não se confundem. A distinção é dada por Hale, Pinho e Cabral:

O mediador direciona seus esforços no aprimoramento da comunicação dos mediandos. Não lhe é lícito oferecer opções de acordo. Essa característica do mediador é o principal diferencial entre a mediação e a conciliação. Esta, ao contrário, tem com condutor um profissional ativo, que dirige uma atividade mais dinâmica. Não tem a intenção de recuperar o diálogo entre os participantes, concentrando- se exclusivamente na questão objetiva, isto é, no conflito. Não obtido o acordo e esgotadas as opções e propostas sugeridas pelos participantes da sessão de conciliação, o conciliador, diferentemente do mediador, poderá oferecer novas alternativas. A passividade deste em relação àquele refere-se somente à possibilidade de apresentação de soluções, visto que o mediador utiliza suas técnicas de forma ativa, sem retirar, contudo, a autoria e o protagonismo dos envolvidos. (…) A mediação está inserida no rol de métodos que levam em conta e trabalham os interesses das partes (interest-based methods), nos quais são identificadas as preocupações, as necessidades e os desejos dos envolvidos como ponto de partida para a seleção de questões a serem solucionadas. Enquanto na mediação se buscam os interesses por trás das posições, a conciliação trabalha apenas com as posições externadas pelas partes.
A diferenciação entre mediação e conciliação também é feita pela doutrina pelo critério da adequação entre a natureza do conflito e o método eleito. A mediação apresentar-se-ia mais apropriada para litígios oriundos de relações continuadas – relações de parentesco, de vizinhança, de sociedade etc. (…) enquanto a conciliação (ou a avaliação neutra de terceiro) serviria melhor aos conflitos originados em relações descartáveis, como relação de consumo, acidentes automobilísticos etc[28].

Considerando o escopo deste trabalho, é necessário dar maior enfoque à mediação, pois, dentre todos os modelos, é aquela que proporcionando o diálogo entre as partes, busca a construção por estas da solução mais adequada, naturalmente não apenas solucionando o possível processo em curso, mas bem mais além, permite o ajuste do conflito, possibilitando a efetiva pacificação social, tão necessária em um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, as letras de Hale, Pinho e Cabral:

A desjudicialização das controvérsias e a autocomposição pelas partes do processo é uma realidade nos grandes sistemas processuais como forma de resolver os problemas estruturais da justiça, mas, acima de tudo, com meio de se atingir uma satisfação mais plena por parte dos envolvidos nos conflitos, destacando-se, neste último caso, os benefícios da mediação na pacificação social, já que essa técnica se aprofunda nas razões emocionais que cercam as relações conflituosas, trazendo mais legitimidade aos ajustes e mais chance de acabar em definitivo com o dilema estabelecido[29].

3. A MEDIAÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DE CONFLITOS

A mediação pode ser empregada nos processos judiciais, tanto na fase inicial, quanto naqueles já em curso, além da hipótese de mediação extrajudicial.

O modelo da mediação, em regra, gera uma elevada satisfação dos seus usuários, pois a solução, partindo de um ajuste/acordo mútuo, confere-lhes a sensação de protagonismo. A participação na construção dos termos do acordo, naturalmente com ajustes recíprocos (ganhos e perdas) gera a sensação íntima de haver construído o melhor acordo; obviamente em oposição à solução jurisdicional, que, normalmente, atua no sistema binário, ganhador-perdedor.

Diante da crise do judiciário brasileiro, supramencionada, a mediação foi um dos objetos do II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, firmada pelos três Poderes da República no ano de 2009. Dentre os pontos acordados, assumiu-se o compromisso de “fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados a maior pacificação social e menor judicialização”[30].

Na busca de concretizar essa linha, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 125/2010, que formalizou e instituiu, no âmbito do Poder Judiciário, a “Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências”. As normas decorrentes desse ato passaram a orientar a prática da mediação no nosso país.

Na sequência, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Resolução nº 118/2014, que dispõe sobre a “Política Nacional de incentivo à autocomposição no âmbito do Ministério Público”.

De forma inusitada, o Novo Código de Processo Civil (NCPC), Lei Federal nº 13.105/2015, inseriu várias normas que tratam da mediação judicial, instituindo no âmbito processual brasileiro a opção pelo diálogo prévio, permitindo a solução inicial das demandas por meio das formas consensuais alternativas, notadamente a mediação.

Entretanto, tal matéria foi tratada de forma específica em Lei Especial, a Lei Federal nº 13.140 (LM) de 26 de junho de 2015, conhecida na doutrina como o marco legal da mediação no Brasil.

Segundo Hale, Pinho e Cabral, o Estado nunca possuiu de fato o monopólio da solução de todo e qualquer conflito, pois a negociação dos interesses particulares frente um litígio é uma ocorrência natural das relações sociais, desde a antiguidade. Nestes termos aduzem que:

A nova lei de mediação (Lei nº 13.140/2015) – e o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que também trata do instituto – não tem, assim, o condão de instituir a mediação, seja aquela realizada judicial ou extrajudicialmente, mas tão somente o de regulamentá-la, com inegável intuito de propaga-la na sociedade e, conseguintemente, fomentar sua utilização também entre aqueles que enxergam na jurisdição o único mecanismo hábil de solução de controvérsias[31].

A mediação consiste num meio consensual de composição de conflitos, em que as partes, com auxílio de uma terceira pessoa (mediador) estabelecem um diálogo propositivo e por fim acordam sobre a melhor forma de pacificarem o conflito, por consenso. É comum se referirem a mediação como forma alternativa de solução de conflitos, entretanto parte da doutrina crítica o uso do termo “alternativa”, pois compreendem que a mediação é prática antiga na sociedade, e já era empregada muito antes de se instituir um modelo jurisdicional. Associada a isso, ainda defendem que a mediação não é uma alternativa ao modelo judicial, pela lógica que um excluiria o outro, mas ao contrário. São formas de solução de conflitos que se complementam. Por fim, defendem que o melhor adjetivo à mediação seria trata-lo como método “adequado”[32].

Jasson Torres leciona que:

É indiscutível a importância da mediação como modelo que se expande no seio da sociedade, como mecanismo válido na solução dos conflitos. Por isso, a confiança gradativamente vem aumentando nos instrumentos menos formais, diretos e rápidos no atendimento do direito reclamado pelo cidadão. Dessa forma, acreditamos num programa que pode ser desenvolvido e colocado em prática junto à organização do Poder Judiciário, como importante auxiliar dos órgãos encarregados da solução dos conflitos e preocupados com o mais amplo acesso à justiça[33].

Segundo tal autor, “não há dúvida que a mediação não só vai influir decisivamente para diminuir o número de processos nas instâncias ordinárias e nos tribunais, como se constituirá num campo fértil de solução alternativa de conflitos”[34]. Percebe-se que além de proporcionar a solução dos processos em curso, o modelo mediativo permite a pacificação da relação entre as partes.

A mediação não busca o acordo como fim maior ou único, como ocorre na conciliação, pois a formalização de um acordo não dá garantias de que o conflito real será resolvido, às vezes, pode inclusive acirrar o litígio. A permanência do conflito é terreno fértil para o desenvolvimento de novos desgastes e discórdias.

Na mediação o foco é buscar a pacificação social através da restauração da relação social entre as partes com a consequente desconstrução do litígio. É comum que a mediação necessite de vários encontros, seja em conjunto ou separadamente. Como visto, além de atuar em um conflito presente, a mediação permite a prevenção de futuras novas discórdias.

Segundo Tânia Almeida:

Por dedicar-se ao restauro da relação social e à desconstrução do conflito o que lhe confere caráter preventivo de amplo alcance social, a mediação vem sendo considerada o método de eleição ideal ou mais apropriado para desacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo seja por vínculos de parentesco, trabalho, vizinhança ou parceria[35].

Corroborando tal entendimento temos Mauro Cappelletti e Humberto Dalla, para os quais a mediação é o método mais adequado para a resolução de litígios decorrentes de relações interpessoais continuadas[36].

Durante o procedimento de mediação, segundo Nunes:

O mediador precisa desconstruir o paradigma cultural da barganha ou da lide para levar vantagem e transformar competição em cooperação. Deverá construir opções de benefícios mútuos, de redução de incerteza, de fortalecimento de pessoas, de reciprocidade, de melhoria da comunicação e dos relacionamentos[37].

A mediação, portanto, consiste em eficaz alternativa que, ao permitir soluções flexíveis, criativas, baratas e céleres, fornece ao cidadão um serviço resolutivo de conflitos que corresponde às aspirações democráticas dos usuários[38].

4. MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL ATRAVÉS DOS TABELIONATOS DE NOTAS

Os Tabelionatos de Notas são espécie de Serventias Extrajudiciais, nos termos da Lei 8.935/94, responsáveis à grosso modo em formalizando a vontade das partes conferir segurança preventiva aos atos da vida jurídica, evitando e/ou minorando conflitos.

A Constituição Federal de 1988 tratou das serventias extrajudiciais através das normas constantes do art. 236. A elas conferiu (delegou) a prestação dos serviços notariais e de registro, funções essencialmente públicas, para serem exercidas em caráter privado por delegatários aprovados em concurso público de provas e títulos, e fiscalizados pelo Poder Judiciário. A estrutura das Serventias Extrajudiciais foi fixada pela Lei Orgânica nº 8.935/94 que previu no art. 11 a garantia de independência técnica.

Nestes termos, pelas Serventias Extrajudiciais é possível que um serviço público seja exercido por um particular capacitado (comprovada por concurso de seleção) que tem ampla liberdade para gerir administrativamente a prestação do serviço, de forma muito mais vantajosa e flexível que o Poder Público.

O maior sucesso, nos Tabelionatos de Notas, da adoção do fenômeno da desjudicialização sem sombra de dúvidas ocorreu com a edição da Lei Federal 11.441 de 2007 que permitiu a possibilidade de se formalizar inventário, divórcio e serração consensuais diretamente nos Tabelionatos de Notas, fora do Judiciário.

A vantagem desse modelo de jurisdição extrajudicial consensual pode ser mensurada em números. Segundo a publicação denominada “Cartório em Números”, editada em 2021, 3ª edição, consta que: 

Desde 2007, quando foi instituída a Lei n° 11.441/07, que autorizou a lavratura de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais em Tabelionato, mediante escritura pública, os Cartórios de Notas de todo o Brasil já realizaram mais de 4,5 milhões de atos dessa natureza, gerando uma economia histórica ao Estado. Segundo o estudo Justiça em Números, conduzido em 2020, pelo Conselho Nacional de Justiça, cada processo que entra no Judiciário custa em média R$ 2.369,73 para o contribuinte. Isso significa dizer, que multiplicado por 4,5 milhões, o erário brasileiro economizou cerca de 10,6 bilhões de reais com a delegação deste serviço aos Cartórios de Notas. A população deixou de levar um ano para se divorciar na Justiça, para fazer o ato no mesmo dia em um cartório. A população deixou de levar 15 anos para fazer o Inventário na Justiça, para fazer o ato em 15 dias em um cartório.

Tais fatos, incontroversos, “(…) credenciou as serventias extrajudiciais como polo legítimo de prestação da jurisdição em seus contornos contemporâneos”[39]. Nesse sentido tem-se defendido a ampliação da desjudicialização através dos Tabelionatos de Notas a única serventia tecnicamente apta a formalizar a vontade das partes, portanto a única capaz de exercer a jurisdição contenciosa através das autocompositivas.

Considerando as vantagens do modelo de autocomposição pela mediação e a eficácia dos Tabelionatos de notas nas atividades públicas através do exercício privado. Natural seria um maior estímulo para que os Tabelionatos de Notas do País, presentes em 5.570 municípios brasileiros (capilaridade em muito superior ao poder judiciário) exercessem as formas autocompositivas para solução de conflitos, notadamente a medição.

Nesse sentido foi proposta a Emenda nº 349 à Medida Provisória nº 1.085 de 27 de dezembro de 2021, que tendo sido aprovada pelo Congresso em 31/05/2022, encontra-se para sanção presidencial. Essa emenda determina o acréscimo no art. 7º da Lei 8.935/94 dos §2º à §4º, vejamos o texto do §2º:

§2º. A mediação, a conciliação e a arbitragem realizada por tabeliães de notas serão remuneradas conforme as tabelas de emolumentos estaduais.

A positivação desta norma é importante, todavia o maior desafio consiste na implantação efetiva desse modelo, sob pena de se tornar apenas mais uma promessa.

Importante essa reflexão, pois segundo Flávia Pereira Hill:

(…) no Brasil, muito se propala, em tese, a adoção da Justiça Multiportas. No entanto, apenas reverberar o “slogan” infelizmente não possui o condão de concretamente alterar a configuração do nosso sistema de justiça, fortemente centrada no Poder Judiciário até os dias atuais. Cabe, então, a pergunta: a Justiça Multiportas será, no Brasil, uma realidade ou apenas uma miragem?[40].

Indagamos igualmente, os Tabelionatos de Notas irão assumir mais essa função jurisdicional com sucesso?

O tempo dirá. Todavia, a construção e desenvolvimento dessa nova “porta” demanda maturidade da concepção de pluralismo decisório e particularidades que só um modelo de prestação privado pode oferecer, como: seleção e manutenção de prepostos para atuar como mediadores/conciliadores que tenham formação multidisciplinar e aptidão psicológica para o consenso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A incapacidade do Poder Judiciário de dar uma solução célere e adequada aos diversos processos lhe conferidos, conforme exige as normas e princípios constitucionais, tem direcionado os estudiosos à percepção do esgotamento do modelo jurisdicional como opção inicial e adequada a todo e qualquer conflito. Sob tal prisma, tem-se desenvolvido estudos sobre métodos ou modelos de solução de conflitos que sejam mais céleres, baratos, acessíveis, e obviamente adequados.

A noção de acesso à justiça dissociou-se da percepção de corresponder-se de acesso ao Judiciário. Com a superação desse dogma, fixou-se legalmente o modelo multiportas de acesso à Justiça, permitindo ao cidadão a escolha do meio que reputar mais adequado à solução do seu conflito, conforme as particularidades do caso.

A implantação da cultura da jurisdição multiportas representa a superação da lógica anacrônica segundo o qual o Judiciário deveria ser a prima ratio.

Essa concepção, além da necessidade de suplantar a crise judicial, manifesta-se sobretudo como modelo democrático do sistema jurisdicional brasileiro.

Através do presente artigo, pretendeu-se realizar uma análise crítica do modelo jurisdicional como promessa de tutela Estatal adequada, compreendendo a sua inadequação a todo e qualquer conflito. Assim, buscou- se analisar igualmente a adoção de métodos alternativos de solução de conflitos, consoante o sistema multiportas, em especial a mediação.

Portanto a adoção crescente da mediação como opção compositiva vem ao encontro da concretização e fortalecimento da democratização da resolução de conflitos no Brasil, pois permite de forma madura a solução dos possíveis conflitos sociais, de forma célere, sem grandes desgastes financeiros e emocionais, sob um procedimento sigiloso. Por tudo isso, ao contrário do modelo jurisdicional, onde se acirra o conflito, pela mediação desenvolve-se um ambiente social harmônico e cooperativo, com a manutenção ou restauração da “paz social”[41].

Pelo exposto, no sistema multiportas brasileiro, as formas alternativas de solução de conflitos devem ser encaradas como as primeiras opções que devem ser buscadas para a resolução de um litígio, de forma que somente se deve acionar o Poder Judiciário, em último caso (ultima ratio).

Eis o grande desafio, pois essa lógica ainda não foi absorvida pelos operadores do direito da forma adequada, mantendo-se engessados pela cultura adversarial. A cultura consensual deve ser priorizada, concretizada e estimulada, para promover legitimidade social ampla e fazer do Brasil mais uma referência no assunto.

Nessa linha e considerando as particularidades das serventias extrajudiciais, defende-se a estimulação da mediação através dos Tabelionatos de Notas do Brasil, como junção da melhor medida à melhor sistemática. 

REFERÊNCIAS

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[1] HILL, Flávia Pereira. Desjudicialização da Execução Civil: Reflexões sobre o Projeto de Lei nº 6.204/2019. Revista Eletrônica de Direito Processual. Volume 21, número 3. Setembro-Dezembro de 2020, p. 166.
[2] HILL, Flávia Pereira. Desjudicialização e acesso à Justiça além dos Tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial. Revista Eletrônica de Direito Processual. Volume 22, número 1. Janeiro-Abril de 2021, pp. 379-408.
[3] BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem:
alternativas à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[4] SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo:
Cortez, 2007, p. 42-43.
[5] BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem:
alternativas à jurisdição. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[6] Ibidem, 2008.
[7] Ibidem, 2008.
[8] CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Mediação: aplicação no Brasil. Conferência proferida
no 2º Congresso Brasileiro de Administração da Justiça. R. CEJ, Brasília, n. 17, p. 58, abr./jun.
2002.
[9] KOERNER, Andrei; BARREIRA, Karen Elaine Sakalauska; INATOMI, Celly Cook. A Reforma Gerencial do Judiciário no Brasil: medidas, efeitos e impactos para os direitos dos cidadãos. Acta sociológica núm. 72. Enero-Abril de 2017, p. 36.
[10] Ibidem, 2017, p. 36.
[11] Ibidem, 2017.
[12] Ibidem, 2017.
[13] CASELLA, Paulo Borba; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Mediação de conflitos: novo
paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
[14] NUNES. Antonio Carlos Ozório. Manual de mediação: guia prático para conciliadores.- São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 37.
[15] CAPPETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, p.11-12.
[16] BACELLAR, Roberto Portugal. A Mediação no Contexto dos Modelos Consensuais de
[17] SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas na resolução de conflitos. In: SCHNITMAN, Dora
Fried; LITTLEJOHN, Stephen (Org.). Novos paradigmas em mediação. Tradução de Marcos A.
G. Domingues e Jussara
Haubert Rodrigues. Porto Alegre: ArtMed, 1999, p. 17.
[18] NUNES. Antonio Carlos Ozório. Manual de mediação: guia prático para conciliadores.- São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
[19] Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§1º. É permitido a arbitragem, na forma da lei.
§2º. O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser
estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público,
inclusive no curso do processo judicial.
[20] BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem:
alternativas à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[21] THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON,
Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 3. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de
Janeiro: Forense, 2016.
[22] NUNES. Antonio Carlos Ozório. Manual de mediação: guia prático para conciliadores.- São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 34.
[23] RODRIGUES JR., Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. – Belo Horizonte:
Del Rey, 2006, p. 46-47.
[24] BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem:
alternativas à jurisdição. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[25] WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico. Fundamentos de uma nova cultura no Direito.
2 ª Ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1997, p. 277.
[26] BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem:
alternativas à jurisdição. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[27] Ibidem, 2008.
[28] HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. O
marco legal da mediação no Brasil – comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. –
São Paulo: Atlas, 2016, p. 38-39.
[29] HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. O
marco legal da mediação no Brasil – comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. – São
Paulo: Atlas, 2016, p. VI.
[30] BRASIL – II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS
ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm>. Acesso em: 09 de jun. de 2022.
[31] HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. O
marco legal da mediação no Brasil – comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. –
São Paulo: Atlas, 2016, p. 36.
[32] Ibidem, 2016.
[33] TORRES, Jasson Ayres. O acesso à justiça e soluções alternativas. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p. 168.
[34] Ibidem, 2005, p. 175.
[35] ALMEIDA, Tania. Mediação e conciliação: dois paradigmas, duas práticas diversas apud
SOUZA, Luciane Moessa de; CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Mediação de conflitos: novo
paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 94-95.
[36] HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. O
marco legal da mediação no Brasil – comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. – São
Paulo: Atlas, 2016, p. 40.
[37] NUNES. Antonio Carlos Ozório. Manual de mediação: guia prático para conciliadores.- São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, 35.
[38] CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Mediação: aplicação no Brasil. Conferência proferida
no 2º Congresso Brasileiro de Administração da Justiça. R. CEJ, Brasília, n. 17, p. 58, abr./jun.
2002.
[39] HILL, Flávia Pereira. Desjudicialização e acesso à Justiça além dos Tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial. Revista Eletrônica de Direito Processual. Volume 22, número 1. Janeiro-Abril de 2021, p. 384.
[40] Ibidem, 2017, p. 382.
[41] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral da Mediação: à luz do Projeto de Lei e
do Direito comparado.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 10


¹Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Notário titular do Tabelionato de Notas e Protesto de Valença-BA. Professor Assistente de Direito da Faculdade Brasileira do Recôncavo – FBBR. Especialista em Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Empresarial e Direito Notarial e Registral. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.