RECORTE HISTÓRICO E FILOSÓFICO DO JOGO E EDUCAÇÃO NA CONCEPÇÃO DE  JOHN DEWEY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7689237


Misael Hipólito Ribeiro1


RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar uma reflexão sobre a filosofia educacional de John Dewey (1859-1952), analisando nele especificamente a compreensão do fenômeno conhecido como jogo que emerge do seu pensamento. No intuito de obter sucesso em nossa empreitada, procuramos em um primeiro momento, contextualizar a trajetória intelectual do autor. Na segunda parte analisamos como a noção de experiência, uma das características do pragmatismo exerce influência em seu pensamento educacional. Em um terceiro e derradeiro ato, analisamos aspectos relacionados ao jogo que permeiam o seu pensamento.

Palavras-chaves: John Dewey; filosofia educacional; história da educação; jogo.

SUMMARY: The objective of this work is to present a reflection on the educational philosophy of John Dewey (1859-1952), analyzing in it specifically the understanding of the phenomenon known as game that emerges from his thought. In order to succeed in our endeade, we tried at first to contextualize the intellectual trajectory of the author. In the second part we analyze how the notion of experience, one of the characteristics of pragmatism exerts influence on its educational thinking. In a third and final act, we analyze aspects related to the game that permeate your thinking.

Keywords: John Dewey; educational philosophy; history of education; game.

INTRODUÇÃO

Analisar o pensamento de John Dewey (1859-1952), filósofo e educador americano, é reescrever sobre parte da história da educação no Brasil, pois Dewey exerceu papel de extrema influência nas mudanças educacionais ocorridas na educação brasileira. “Dewey especialmente na década de 1920 a 1930 desempenhou um relevante papel no desenvolvimento da mentalidade dos educadores brasileiros”. (CUNHA,2000, p.247).

As ideias filosóficas e educacionais de Dewey exerceram importante papel no movimento de renovação educacional que ficou conhecido como Escola Nova, que desencadeou mudanças educacionais em diversos países, inclusive no Brasil. O pensamento deweyano, firmou raízes no Brasil por intermédio de Anésio Teixeira (1900-1971), que fora seu aluno no Teachers College da Columbia University e estabeleceu contato com o seu pensamento. Anísio foi o principal responsável pela divulgação de suas ideias em nosso país, como também por boa parte da tradução em português da obra deweyana.                                       

As ideias deweyanas emergem em um período conturbado da história republicana brasileira. Na transição do final da República velha e do início da chamada era Vargas, marcada por grandes agitações econômicas, políticas e sociais em nosso país. Essa época tem como característica uma incessante luta em torno de uma identidade nacional. 

O Brasil é dividido em 2 Brasis, um Brasil rural e outro modernizado. O estigma do Jeca Tatu, caricatura do trabalhador rural que insistia em ser pobre, indolente, atrasado emergido da literatura idealizada por Monteiro Lobato, incomodava esse outro Brasil que ansiava urgentemente por mudanças drásticas em rumo à modernização, que passava obviamente por alterar o nosso cenário educacional.                                            

De acordo com o pensamento corrente entre os nossos intelectuais, para o Brasil se modernizar e equiparar-se aos países desenvolvidos, era preciso colocar a educação como ponto central pois os outros setores da sociedade dependiam do progresso da educação e somente com uma escola nova modernizada poderia atingir essa meta, acreditava nossos intelectuais de acordo com Cunha (2000)

A influência de Dewey se fez presente na movimentada escola nova brasileira, principalmente através da presença marcante de Anésio Teixeira, um de nossos mais importantes educadores, e essa influência se fez presente também em um dos mais importantes documentos históricos da educação brasileira, que ficou conhecida como ‘ manifesto dos pioneiros da educação nova’, publicado em 1932, escrito por Fernando Azevedo e assinado por 23 signatários. 

Entre as várias ideias defendidas no manifesto, algumas eram inspiradas na filosofia educacional de Deweyana como ‘um tipo de escola que fosse vinculada ao meio social, que respeitasse as aptidões dos educandos, uma pedagogia baseada nas atividades espontâneas das crianças, que satisfazer suas necessidades individuais’ Cunha (2000, p.255).

O Manifesto defendia a escola pública, gratuita, educativa e laica. Os escolanovistas ao exporem seu  ideário, foram alvos de ataques pelo grupo de intelectuais ligados ao pensamento católico, principalmente pela proposta de laicidade. 

O grupo conservador católico acusava os escolanovistas que a adoção do Laicismo, fim do ensino religioso nas escolas,geraria como efeito colateral e  consequência, o comunismo.Essas mesmas críticas também eram endereçadas a Dewey, pois a sua filosofia educacional era igualmente desaconselhável, pois rejeitava a noção de princípios e ideais absolutos, transcendentes, segundo Cunha e Costa (2002).

A radicalização desse discurso contra o pensamento liberal, identificando-os como esquerdistas na década de 1950 e 1960, provoca o afastamento da leitura de autores liberais e consequentemente também de John Dewey, agravada ainda mais pelo desdobramento de pesquisas da década de 1980 e 1990, atribuindo teor conservador o pensamento de matizes liberais, de acordo com Mendonça e Brandão (2008)

No entanto, essa política de aversão ao pensamento liberal parece ter sido superada e como ponto de partida desta retomada das pesquisas de Dewey no Brasil, elegemos duas obras em especial, os livros “Dewey: filosofia e experiência democrática” de Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral, e ‘John Dewey uma filosofia para educadores em sala de aula’ de Marcus Vinícius da Cunha, dentre outros títulos publicados recentemente que analisam variados aspectos do pensamento Deweyano.

O propósito deste trabalho reside justamente em contribuir com as pesquisas em relação ao pensamento Deweyano, especificamente analisar como o autor concebe o jogo, dentro de seu pensamento e, esta análise é justificada por este aspecto de suas ideias terem sido praticamente inexplorado pelos estudiosos do seu pensamento; ou não ser retratado de maneira pormenorizada como nos trabalhos de Kishimoto (1993-1998).

Entendemos que a falta de pesquisa sobre esse aspecto em particular do pensamento Deweyano, o jogo, pode ter sido agravado entre outros fatores, por conta da direção das políticas educacionais no Brasil, historicamente atribuírem a responsabilidade no âmbito escolar dos jogos e da recreação a Educação Física, de acordo com Dantas Júnior (2003).

Ressaltamos que o pensamento deweyano  no âmbito da Educação Física foi durante muito tempo relegado a segundo plano, apesar de importantes pesquisas surgidas recentemente como os trabalhos de Dantas Júnior (2003), Ferreira Neto (1999). Porém, dirimir as nuances que permeiam a discussão entre Educação Física e pensamento de Dewey, está além das modestas pretensões deste trabalho.

Nesse artigo, pretendemos em um primeiro momento, destacar um pequeno esboço da vida e da obra do autor. Em uma segunda etapa, abordaremos a sua filosofia educacional, para em um terceiro e derradeiro ato, analisar como o autor entende a natureza do jogo, as especificidades do jogo com a sua filosofia educacional.

No intento de obter sucesso em nossa empreitada, utilizamos como Fontes diretas do pensamento de John Dewey os seguintes livros: Vida e educação (1959); Experiência e educação (2010); Como pensamos (1959); Democracia e educação (1959); Reconstrução em filosofia (1959). Adotamos também como fonte de pesquisa livros e artigos de pesquisadores contemporâneos de seu trabalho.

1.2 BIOGRAFIA DE JOHN DEWEY

O nosso intuito em esboçar uma pequena biografia sobre Dewey é no sentido de contextualização, servindo de plano de fundo histórico para situarmos o seu pensamento. Em Burlington, uma pequena cidade do estado de Vermont, nasceu John, em 20 de outubro de 1959.A família de Dewey chegou aos Estados Unidos em 1960 e professavam a fé protestante congregacionalista. John era filho de uma dona de armazém e recebeu em sua infância uma educação desinteressada e desestimulante onde o autor percebe que boa parte de seu aprendizado fora realizado fora dos âmbitos escolares (cunha 1994, p.15-16).

Com apenas 15 anos, após terminar seus estudos secundários, Dewey ingressa na universidade de Vermont para estudar artes e ali, ao cursar Filosofia, através da leitura da obra de T.H. Huxley, tem contato com a teoria da darwinista. Por intermédio da influência de sua ex-professora Torrey, definitivamente John aprofunda seus estudos filosóficos. Em 1882, Dewey ingressa na universidade Johns Hopkins e em 1884, ele concluiu seu doutorado com uma tese a respeito da psicologia de Kant (Cunha 1994, p.16-17)

Na Universidade John Hopkins, prevalecia um clima de verdadeira efervescência intelectual, e Dewey tem a oportunidade de ser aluno de grandes nomes da filosofia, como George Morris. Inclusive por intermédio de Morris, John estuda sistematicamente a filosofia de Hegel, de acordo com (Cunha 994, p.17).

John Dewey, após doutorar-se em Hopkins, inicia sua carreira acadêmica na universidade de Michigan, onde Dewey trabalha junto com George Mead (1863-1931) e nesse período tem acesso às obras de William James, em especial o livro ‘Princípios de psicologia’ Dewey trabalhou de 1884 até 1894 em Michigan, depois ele se transferiu para a universidade de Chicago, onde em 1896, funda a Escola-Laboratório de Chicago.

A estadia de Dewey em Michigan e em Chicago foram importantes, pois do contato com os pensamentos de G.Mead (1863-1931) e William James (1842-1910) permitiu a Dewey elaborar sua versão da filosofia experimentalista e, de sua passagem por Chicago, colocar em prática suas ideias pedagógicas.

Em 1905, Dewey muda-se então para Nova Iorque, trocando a universidade de Chicago pela universidade da Columbia, trabalhando lá até a sua aposentadoria em 1930, neste período Denis escreve alguns de seus trabalhos mais importantes, podendo destacar ‘Como pensamos’ (1910); ‘Democracia e educação’ (1916); ‘Reconstrução em filosofia’ (1920); e ‘Experiência e natureza (1925) ’.

John Dewey é considerado um dos maiores filósofos do século XX e faleceu em 1952, aos 92 anos. Dewey em sua extensa produção acadêmica abordou temas variados e distintos como Educação, Política, Psicologia, Artes e Filosofia.

O final do século XIX e início do século XX, nos Estados Unidos, é marcado pelo fim da guerra civil americana e de grande desenvolvimento e consolidação do capitalismo.Esse período é igualmente importante para o surgimento do movimento filosófico, conhecido como pragmatismo, que tem em Charles Peirce(1839-1914), W. James(1842-1910) e John Dewey como pioneiros.

2. A CATEGORIA DE EXPERIÊNCIA E EDUCAÇÃO DEWEYANA

Compreender o pensamento de Dewey é um trabalho árduo, devido a magnitude e abrangência dos temas abordados pelo autor, podendo ser analisado por vários prismas. Ao nosso ver é necessário entender o conceito e o significado da ‘experiência’ para uma análise que se proponha frutífera de seu pensamento educacional, pois para Dewey, a filosofia e a educação caminham juntos de mão dadas, a educação na concepção Deweyana é como um laboratório, para ser testadas as concepções filosóficas, sendo para ele a filosofia, a ‘teoria geral da educação’. O pragmatismo deweyana tem como característica, excluir qualquer instância metafísica, supra-humana, transcendental, eliminando as dicotomias existentes como pensamento-ação, corpo-mente, teoria e prática.

Na filosofia social deweyana, o conhecimento só tem sentido quando aplicado em situações emergidas da vida. O autor condena ideia presente na filosofia tradicional de que a ‘experiência nunca se ergue acima do particular, do contingente e do provável (…) experiência em si é defeituosa(…) a única universalidade e certeza encontra-se numa região acima da experiência, na região do racional’ (DEWEY,1959, p.98-100)

Dewey, entende que é preciso reconstruir a filosofia, pois o mundo fechado de verdades absolutas, de formas fixas, de fronteiras definidas, que os filósofos de outras épocas acreditavam, não é possível de existir na modernidade, pois esse mundo evoluiu e se opõem radicalmente ao mundo da ciência moderna, um mundo que alargou extensamente seus limites, Dewey (1959)

Para o autor, a ciência já demonstrou que o conhecimento proveniente dela pode modificar o mundo e o método científico foi definitivamente reconhecido pela ciência, exercendo uma verdadeira luta para quebrar todas rigidez aparente e, portanto, não é possível permanecer em realizado na filosofia, a ideia do conhecimento como saber contemplativo, uma visão de mero espectador do conhecimento, Dewey (1959b).

Esta noção de experiência defendida por Dewey pode ser falsamente acusada como utilitária, porém contra essa acusação ele procurou rebater, pois de acordo com Dewey: tal mudança não envolve a diminuição da dignidade da filosofia, nem a remoção desta de um plano elevado para plano de grosseiro utilitarismo. Significa, sim, que a função primordial da filosofia é a do explorar racionalmente as possibilidades da experiência; especialmente as da experiência humana coletiva Dewey,(1959b)

O autor entende que esses antagonismos como teoria e prática, saber ou fazer, inteligência e ação tem suas origens na sociedade grega, das concepções de experiência e de razão, formuladas por Platão e Aristóteles e resultam das mesmas condições que proporcionou uma educação para o trabalho e educação para o lazer, Dewey (1959a).

A educação para o trabalho e a educação liberal, tem suas origens do modo rígido de organização da sociedade grega, de homens livres e de trabalho escravo, da apatia dos homens que não necessitavam trabalhar para sua própria substâncias, desprezar os interesses práticos, Dewey(1959a).

Para Dewey, a origem dessas dicotomias é o modo de organização em classes, pois de acordo com o autor ‘elas só se complementarão quando se refletirem no desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente democrática, sociedade em que todos tomam parte em serviços de utilidade prática, e todos desfrutam nobre ócios’ (Dewey, 1959a, p.282)

A visão da filosofia de mundo Uno defendido pelo autor, livre dos dualismos, quando trazidos para campo educacional, só poderia resultar em críticas ao modelo de educação tradicional que colocava em dois olhos opostos, a criança e o currículo, pois de acordo com Dewey era preciso abandonar  a ideia de matéria como algo estanque, integral, dogmática e alheia a experiência da criança; era necessário representar repensar a experiência como sendo um processo em movimento, “trata se de obter uma reconstrução contínua, que parta da experiência infantil (…) para a experiência representada pelos corpos organizados de verdades, a que chamamos ‘matérias de estudo” (Dewey, 1959a,p.58,59).

O autor diagnosticou como um dos problemas do modelo de escola vigente justamente a opção existente entre a criança e currículo que fracionam o saber da criança, arrancando ela de um mundo onde tudo é contato pessoal e introduzindo em um mundo que parta das experiências das matérias , do método lógico, da lógica do adulto que ensina, só podendo resultar em um processo educacional mecânico, formal e morto onde ‘estudo’ é o equivalente de fadiga e lição são sinônimos de tarefa, Dewey (1959a). 

Dewey, entende o mundo em constante evolução, fruto da ciência moderna que a mobilidade da escola tradicional não compreenderá e que para o eminente filósofo consistia em um grave problema, pois não fazia sentido para ele em um mundo onde a mudança era regra, prevalecer uma educação como preparação do educando para assumir responsabilidades futuras, de preparar para obter sucesso na vida, onde o conhecimento era oriundo dos livros didáticos e o professor é o principal responsável pela transmissão de um corpo de verdades fixas, escola está onde o conhecimento é organizado como produto final; fruto de uma produção cultural de uma sociedade que acreditava que o futuro será como passado, usado em uma sociedade onde a regra é a mudança e não a imobilidade de outrora.Dewey (2010).

Não obstante, entende que não pode haver uma rejeição total à produção cultural da humanidade, é necessário, encontrar um ponto de equilíbrio,uma ligação entre a experiência e o presente, é preciso “descobrir a conexão exata entre as realizações do passado e os problemas do presente existente na experiência” (DEWEY,2010, p.25).

Não se trata de simplesmente oportunizar aos alunos experiências, é importante que sejam experiências educativas, torna se premente discernir a natureza e o valor educativo dessas experiências pois de acordo com Dewey: a crença de que toda educação verdadeira é fruto da experiência não significa que todas as experiências são verdadeiramente ou igualmente educativo. Experiência e educação não são equivalentes umas às outras. Algumas experiências são educativas(…). Outras experiências podem ser tão desconectadas uma das outras que, embora agradáveis e até excitantes, não se articulam cumulativamente (DEWEY,2010, p.267). 

Portanto, para que ocorram experiências realmente educativas é necessário organizar o ambiente escolar de modo que a escola esteja preparada em condições para agir e fazer, que o aluno entre em contato direto com a matéria educativa, inclusive de natureza física, articulados em atividades em grupo, Dewey (1959a).

Dewey,considera que mais importante que oferecer ideias pré-fixadas e currículo fechado, era importante o aluno ter participação em atividades compartilhadas, nesses casos,o “professor é um aluno e o aluno é sem saber um professor “(DEWEY, 1959a, p.176).

Na concepção deweyana, a educação é entendida como desenvolvimento, uma reconstrução, sendo o processo mais importante que a simples aquisição de conhecimento, mais importante que aprender é a educação estimular a capacidade de aprender a aprender; ou nós temos do autor “ desenvolvimento o desenvolvimento tem um fim, em vez de ser ele próprio um fim” (DEWEY, 1959a, p.54).

No prisma do autor, é necessário para a escola ter como base do ensino a experiência de vida da criança, ter como ponto de partida o método psicológico, surgindo de um verdadeiro interesse, de uma dúvida, fruto de uma incerteza que estimule a busca por uma solução; pensar reflexivamente como hipóteses, como método de uma genuína experiência educativa, pois para ‘o ato de pensar é investigação, é pesquisa pessoal, original, da pessoa que faz, mesmo que todo o resto do mundo já conhece aquilo que ele procura descubrir’.( Dewey 1959a, p.162).

O filósofo entendia que a educação exerce um papel fundamental como função social e os valores que seus membros atribuem como essenciais aos seus descendentes para uma vida em sociedade, pois a educação tende a perpetuar hábitos (Dewey 1959a, p.88,89).

Portanto uma concepção pedagógica como um processo contínuo como a que ele propôs em si só pode ter um significado a partir do momento que se tenha em mente a sociedade que se propõem assim construir (Dewey 1959a, p.104).

Para Dewey, a ideia da educação como capacidade para um constante desenvolvimento, como uma reconstrução contínua, só poderá ser estendida a todas as pessoas em sociedade onde tem a cooperação mútua e oportunidades para reconstruções de hábitos de benefícios igualitários a todas as pessoas, sendo possível apenas em uma sociedade democrática (Dewey 1959a, p.108).

Para o autor a mudança da sociedade passa necessariamente pela escola e enquanto não se resolva o que pode e o que deve ser ensinado aos alunos, para formação de uma atitude científica, a educação escolar é apenas uma perigosa experiência de acerto e erro para concretização de uma sociedade democrática de acordo com (Dewey 1970, p.236).

Dewey entendia a democracia não tão somente como uma forma de governo, mas como uma verdadeira opção de vida, a única maneira inteligente de organização da sociedade e conclama que a democracia como uma aspiração da humanidade poderá se expandir a todos, de acordo com as nossas escolhas, da difusão de uma atitude científica, como base para a formação de consensos entre as pessoas, portanto para Dewey a construção da democracia é um dever moral a todos como chave para uma vida inteligente,Dewey (1970).

3.A FILOSOFIA EDUCACIONAL DEWEYANA E O JOGO 

Não podemos dizer que foi DEWEY, o introdutor dos jogos e brincadeiras no cenário escolar. Qualquer afirmação nesse sentido corre o risco de ser improcedente; pois uma análise em estudos de pesquisadores que se debruçaram em estudar o jogo, entre eles Kishimoto (1993);(1996);(1998), iria justamente nos desabonar, no entanto, não podemos negar a importância das atividades práticas dos jogos em sua concepção pedagógica.

De acordo com o autor, a introdução das atividades ativas na educação, se deve em consequência dos estudos proporcionados pela psicologia infantil e do esforço de reformadores educacionais (Dewey 1959a, p.214).

Surgiu justamente da necessidade de reconhecer a experiência de vida da criança e de suas habilidades para desenvolvimento de ações educativas. Adoção de atividades que os alunos praticavam fora do âmbito escolar nos jogos e nas atividades práticas, só foi possível na medida em que essas atividades reduziam a separação entre a vida escolar e o mundo extra-escolar. (Dewey 1959a, p.214).

Dewey reconhece a função educativa presente nessas atividades e condena o uso de jogos, brinquedos e ocupações ativas meramente para o repouso do ‘tédio e da fadiga’ dos trabalhos escolares regulares como meras distrações agradáveis entende que a necessidade de incluir os jogos e os trabalhos ativos dentro do currículo decorre justamente da sua importância para a formação de hábitos intelectuais e sociais.

A escola na concepção deweyana de escola democrática não pode ser separado da vida, deve ser uma ‘sociedade em miniatura’ e os campos de jogos, oficina, salas de trabalho, laboratórios, são importantes na medida em que proporcionam atitudes cooperativas, comunicativas  e de intercâmbios entre os alunos  sendo uma conexão entre a escola e a sociedade, (Dewey 1959a, p.394).

Os jogos são importantes na medida em que servem de exemplo de resolução de conflitos e formação de consensos em uma sociedade democrática, proporcionando controle social sem violar a liberdade das pessoas, fruto do interesse compartilhado da maioria. De acordo com Dewey, se os jogos forem observados, eles guardam uma relação estreita de ‘representações dramáticas da sociedade’ (Dewey 1959a, p.157).

Por fato reside justamente que para existir jogo é necessária a existência de regras, fazem partes de jogo, não podendo existir jogos sem aceitação de regras, se houver qualquer alteração nas regras, mudasse a maneira de jogar, e a partir do momento que todos participem do jogo sem burlar as regras, não existem alguma imposição externa, apenas participam livremente da atividade (Dewey,2010, p.54).

Para Dewey, jogos e trabalhos foram introduzidos nas escolas, pelos interesses que essas atitudes despertavam as crianças, pelo prazer que essas atividades proporcionam, porém não basta introduzir os jogos nas escolas de maneira irrefletida dentro do currículo como mera distração ociosa, é necessário extrair dos mesmos o valor ativo para proporcionar o aprendizado, pois os jogos praticados nas ruas não possuem nenhuma finalidade educativa, a aprendizagem decorrente dos jogos e brinquedos é apenas um subproduto.

Dewey entende que é necessário ao educador compreender a função educativa dessas atividades, podendo ser tanto uma experiência educativa como uma educativa. O autor consegue captar com extrema sensibilidade que não basta a introdução dos jogos da maneira que é praticado nas ruas, do cotidiano das crianças nas escolas para proporcionar aprendizado, podendo sofrer inclusive o risco de proporcionar às crianças uma experiência deseducativa, pois ‘os jogos tendem a reproduzir e fortalecer não só as excelências como também a rudeza do ambiente da vida do adulto’(Dewey 1959a, p.216).

Nas obras do autor consultadas para esse estudo, em alguns momentos Dewey usa jogos, em outros momentos brinquedos ou mesmo brincadeiras. A pergunta que surge naturalmente; entenderá o autor jogo, brincadeira e brinquedo como sinônimos?

A nosso ver, a resposta é negativa, pois para Dewey “a vontade de brincar é mais importante que o próprio brinquedo. É uma atitude de espírito enquanto brinquedo é uma manifestação exterior passageira, dessa atitude”(DEWEY, 1959d, p.208).

Para o autor nos brinquedos as coisas são plásticas, podendo variar de acordo com o interesse das vontades das crianças, diferentemente dos jogos que existem regras a seguir, e são apenas meios de atingir fins definidos, Dewey (1959c).

Emerge da concepção deweyana, no entanto uma ideia para o jogo totalmente radical, pois para o autor em seu significado intrínseco jogos, indústria  e trabalho não são contrárias, diferença entre eles se devem às condições sociais.Dewey (1959a).

Porém, o próprio autor afirma em seguida que, ‘ o trabalho manual ou industrial apresenta pouca coisa em que se empreguem os sentimentos ou imaginação; são séries de saturados esforços mais ou menos máquinas’ (DEWEY,1959a, p.223) 

CONCLUSÃO

Buscamos neste trabalho proporcionar uma introdução no pensamento deweyano em relação ao jogo. Procuramos compreendê-lo através de um estudo sistemático de suas obras. Não temos a intenção em esgotar a temática em relação ao tema abordado, a nossa prestação foi justamente colaborar com o estudo do pensamento deweyano em relação à educação.

Dewey entende que o trabalho humano nas indústrias é automatizado por conta da condição social e se desaparecido de condicionantes sociais poderia também ter aspecto próprio como imaginativo.Ora, se por sua vez, o jogo é livre, plástico e imaginativo.,o que podemos afirmar de um trabalho criativo?

A noção de jogo do autor não analisa aspectos pormenorizados do jogo x esporte como um fenômeno social,a bem da verdade por conta da profissionalização do jogo como esporte ser incipiente à época do autor.

Ao nosso ver, a solução encontrada para o autor para pensar dessa maneira vem justamente do seu diagnóstico; para Dewey, a origem dos problemas estão justamente na sociedade em classes; superada as divisões de classes, todos poderão desfrutar tanto de trabalho como de lazer, resultando em trabalho com a atitude criativa dos jogos, que ao nosso ver, só poderá resultar em arte.

Não podemos olvidar que para Dewey a concepção antagônica de teoria x prática,fazer x fazer ,inteligencia x ação remonta aos gregos e gerou a distinção de trabalho e lazer.Um aspecto relevante do seu trabalho em relação ao jogo é justamente o valor  educativo do jogo como meio de resolução de conflitos quer seja na sociedade em miniatura (escola) ou como dentro do seu conceito de democracia.

Compreendemos que compulsar o pensamento de John Dewey como fonte de pesquisa é extremamente importante, afinal várias ideias de Dewey permanecem ainda como enorme barreira a ser transposta em nosso cotidiano. Dewey sempre foi um homem à frente do seu tempo, pois conceitos amplamente analisados dentro de sua ampla bibliografia estão atualmente sendo fonte de apropriação, inclusive em áreas que no tempo que o nosso autor vivia, eles nem existiam, ou mesmo curiosamente ele não havia escrito.

As ideias deweyana de professor reflexivo e pensamento reflexivo, o aprender a aprender, aprender fazendo, que o conhecimento precisa ter significado, conexão com a vida do educando, que integram as teorias atuais de educação, já permeiam seu pensamento educacional e filosófico desde de o início do século passado. 

John Dewey, no entanto, não é um ator para ser lido ou rotulado como apenas um clássico, até porque o próprio Dewey rejeita o conhecimento como apenas pertencente ao passado, algo como um monumento histórico ou ‘ galharia seca do passado’, termo cunhado pelo próprio autor. 

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Mestrando em educação pela Universidade de Uberaba-UNIUBE, vinculado a linha de pesquisa Processos Educacionais e seus fundamentos. Professor da rede pública municipal de educação de Miguelópolis e Morro Agudo-SP. Advogado. Atualmente é coordenador da Comissão de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente da 258° Subseção OAB-SP. E-mail: hipolitoribeiroadvocacia@gmail.com