MICOBACTERIOSE ATÍPICA CUTÂNEA POR MYCOBACTERIUM ABCESSUS SUBSPECIE ABSCESSUS: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7668314


Lívia Eloi Castro Santos;
Maraya de Jesus Semblano Bittencourt;
Caren dos Santos Lima;
Larissa Negrão Quaresma;
Ana Carolina Batista Pamplona de Freitas;
Pedro Carneiro Marinho;
Gabriela Athayde Amin;
Heliana Freitas de Oliveira Góes;
Lorena Silva de Carvalho.


INTRODUÇÃO

O gênero Mycobacterium contempla espécies do complexo M.tuberculosis e as denominadas Micobactérias Não Tuberculosas (MNT), atípicas, anônimas, oportunísticas ou não classificadas¹. Este último trata-se de outras micobactérias patogênicas não causadas por Mycobacterium tuberculosis e M.leprae². Em virtude de sua natureza ambiental e muitas vezes oportunista, as micobactérias de crescimento rápido, especialmente o M.abscessus, estão entre as espécies que mais causam infecções teciduais e são altamente resistentes à maioria dos quimioterápicos¹. O reconhecimento desses agentes etiológicos e suas principais fontes de infecção, são os principais pilares para o sucesso terapêutico.

RELATO DE CASO

Paciente masculino, 69 anos, procurou serviço de dermatologia devido surgimento de “feridas na pele” após banho de rio há cerca de um ano. Relata que as lesões surgiram inicialmente no braço esquerdo com progressão posterior para o direito. Ao exame dermatológico observamos placas eritemato-exulceradas infiltradas, de limites imprecisos e contornos irregulares, com presença de pústulas e recobertas por crostas melicéricas disseminadas em toda extensão dos membros superiores (Figuras 1, 2 e 3). Optou-se por realizar biópsia da lesão. Ao exame anatomopatológico observou-se na epiderme áreas de acantose, espongiose difusa e focos de pústulas subcórneas ricas em neutrófilos; já a derme apresentava-se ocupada por um denso e difuso infiltrado inflamatório composto por histiócitos de amplo citoplasma claro, alguns multinucleados, além de linfócitos, plasmócitos e neutrófilos, associados a numerosos vasos ectásicos, focos de necrose caseosa, fibrose e derrame eritrocitário (Figuras 4a e 4b). Após correlação com os dados clínicos, anatomopatológico e identificação da espécie através da cultura, confirmou-se o diagnóstico de micobacteriose atípica por Mycobacterium abscessus sub sp. abscessus. O tratamento foi realizado com associação de moxifloxacino 400mg/dia mais azitromicina 500mg/dia durante seis meses, levando a remissão completa das lesões (Figuras 5,6 e 7).

Figura 1

Figura 2 Figura 3

Figura 4a Figura 4b

Figura 5

Figura 6 Figura 7

DISCUSSÃO

A micobacteriose atípica pode ocorrer tanto em indivíduos imunocompetentes quanto em indivíduos imunodeprimidos⁵. Quando em contato com o homem e alguns animais, podem causar doenças por meio da quebra de barreira do hospedeiro. Relatos de casos, cada vez mais frequentes, demonstram que as principais fontes de infecção pelas MNT são ambientais e hospitalares após procedimentos cirúrgicos ¹. O complexo M. abscessus consiste em grupo de micobactérias de crescimento rápido (crescem em meio de cultura sólido em menos de 7 dias), com alta frequência de resistência microbiana e que causam grande variedade de lesões cutâneas ². Atualmente esta espécie é dividida em duas subespécies: M.abscessus subespécie abscessus e M. abscessus subespécie bolleti. Este grupo causa diversos tipos de infecções teciduais, sendo as infecções cutâneas e as pulmonares as mais comuns ¹. Em geral, as lesões são inflamatórias, com placas papulosas ou nodulares, indolores e evoluem no local da inoculação do agente. A lesão pode formar abscessos (necrose da hipoderme). O diagnóstico é confirmado por meio do isolamento do agente em cultura³. O exame anatomopatológico evidencia processo inflamatório granulomatoso, crônico e necrosante. O M. abscessus é muito resistente à maioria dos agentes quimioterápicos. No tratamento das infecções causadas por este patógeno, muitas vezes é necessária a remoção do tecido lesionado, necrosado e a remoção de corpos estranhos. Esta espécie é naturalmente sensível à claritromicina, azitromicina e amicacina1. Quando não for possível o isolamento ou identificação do agente causal, o tratamento pode ser iniciado com a associação de macrolídeo com quinolona5. Recomenda-se tratamento superior a quatro a seis meses ².

CONCLUSÃO

Devido à crescente incidência das MNT, suas diferentes fontes de infecção, resistência aos diferentes agentes antimicrobianos, tendência à cronicidade das lesões devido diagnósticos errôneos e/ou tardios, gerando um considerável impacto na qualidade de vida dos indivíduos acometidos, o presente relato ratifica a importância do reconhecimento das micobacterioses atípicas pelos dermatologistas como parte importante das hipóteses diagnósticas das infecções de pele e anexos, culminando na correta abordagem e no sucesso terapêutico.

REFERÊNCIAS

¹Carvalho NFG, Ferrazoli L, Riveron MBA, Chimara E. Caracterização dos surtos causados pelo grupo Mycobacterium abscessus. Rev. Inst Adolfo Lutz. São Paulo, 2012; 71(2):228-36.

²Nogueira LB, Garcia CN, Costa MSC, Moraes MB, Kurizky OS, Gomes CM. Non- tuberculous cutaneous mycobacterioses. An Bras Dermatol. 2021;96.

³Silva DLF, Valandro LS, Velho PENF, França AFEC. Atypical cutaneous mycobacteriosis caused by M.fortuitum acquired in domestic ambience. An Bras Dermatol.2020; 95:390 -1.

⁴Mello RB, Moreira DN, Pereira ACG, Lustosa NR. Cutaneous infection by Mycobacterium lentiffavum after subcutaneous injection of lipolytic formula. An Bras Dermatol. 2020; 95:511-3.

⁵Belda JRW, Chiachio N, Criado JRP. Tratado de Dermatologia 3ed. Rio de Janeiro: Ed Atheneu; 2018.