MANIFESTAÇÃO DERMATOLÓGICA COMO PREDITOR DE SOBREVIDA EM PACIENTE PORTADOR DE CARCINOMA HEPATOCELULAR TRATADO COM SORAFENIBE

DERMATOLOGICAL MANIFESTATION AS A PREDICTOR OF SURVIVAL IN A PATIENT WITH HEPATOCELLULAR CARCINOMA TREATED WITH SORAFENIB

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7605860


Cristiane Rocha Magalhães¹-²
Marcela Dutra da Silva²
Jacqueline Braz La Rubia Corrêa²
Evely Socorro Campos Pinheiro²
Adriana Fernandes da Cruz²
Danielle Dias Correia da Silva²
Elaine da Costa Guimarães³


Relato de Caso: 

Resumo: O carcinoma hepatocelular é, atualmente, um dos tumores de maior incidência em todo o mundo, ocupando o sexto lugar entre as principais neoplasias primárias, sendo considerada a terceira causa de mortalidade por câncer no mundo. Conforme os protocolos internacionais, o tratamento oferecido ao paciente deve ser definido de acordo com o estadiamento da lesão e o Performance Status do paciente. O sorafenibe é um inibidor da tirosina quinase, que atua sobre a angiogênese tumoral, inibindo a proliferação celular, e capaz de aumentar a sobrevida global média e o tempo para progressão de doença em pacientes portadores de carcinoma hepatocelular avançado. Entretanto, eventos adversos intoleráveis são observados em alguns casos. Os principais eventos adversos relacionados aos fármacos inibidores da tirosina quinase são: hipertensão arterial, fadiga, aumento de eventos trombóticos, possibilidade de sangramento, cefaléia, proteinúria, rash e diarréia. Na prática clínica, observa-se que as toxicidades mais frequentes em relação ao uso de sorafenibe são síndrome mão-pé, diarréia e fadiga. Atualmente os eventos adversos dermatológicos são as principais causas de redução (13%), interrupção (21%) e descontinuação (10%) do tratamento com sorafenibe. A maioria desses eventos adversos ocorre nos primeiros 60 dias de tratamento e influenciam a conduta e o resultado desses pacientes. O aparecimento de eventos adversos dermatológicos em 60 dias após o início do sorafenibe está associado a uma melhor sobrevida global. Portanto, esses eventos adversos não devem ser considerados eventos negativos impeditivos da manutenção do tratamento com sorafenibe. 

Descritores: Manifestações dermatológicas, sorafenibe, carcinoma hepatocelular

Abstract: Hepatocellular carcinoma is one of the most common cancers worldwide, the sixth main primary cancer and the third leading reason for cancer death. Based on the international guidelines, the treatment offered to the patient should be held according to the staging of the lesion and to the performance status of the patient. Sorafenib is a tyrosine kinase inhibitor, which acts in the neoplasic angiogenesis, inhibiting the cellular proliferation and has led to a longer median overall survival time and time to progression in patients with advanced hepatocellular carcinoma. However, intolerable adverse events are sometimes observed. The adverse principal events related to the tyrosine kinase inhibitors are: arterial hypertension, fatigue, the increase in trombotic events, possibility of bleeding, headache, rash and diarrhea. In fact, the principal toxicity related to the use of sorafenib are: hand-foot skin reaction, diarrhea and fatigue. Nowadays, the adverse dermatologic events are the principal reason of the reduction (13%), interruption (21%) and discontinuance (10%) of the treatment with sorafenib. The majority of these adverse events appear within the first 60 days of treatment and they may influence patients management and outcome. Development of dermatologic adverse events within 60 days of sorafenib initiation is associated with better survival. Therefore, this should not to be taken as a negative event and discourage treatment maintenance.

Key-words: Dermatologic events, sorafenib, hepatocellular carcinoma

INTRODUÇÃO

O carcinoma hepatocelular é, atualmente, um dos tumores de maior incidência em todo o mundo, ocupando o sexto lugar entre as principais neoplasias primárias, sendo considerada a terceira causa de mortalidade por câncer no mundo 1.

Esse crescente aumento no número de casos dessa neoplasia deve-se, principalmente, ao aumento no número de casos de infecções pelo vírus da hepatite B e hepatite C, além do aumento da sobrevida de pacientes portadores de doenças hepáticas crônicas 1.

Por isso, é necessária a realização de um rastreamento nessa população de pacientes portadores de hepatopatia crônica, objetivando o diagnóstico precoce e um posterior tratamento em fase inicial de doença, com melhores resultados 1,2

Conforme os protocolos internacionais, o tratamento deve ser oferecido ao paciente de acordo com o estadiamento da lesão e o Performance Status do paciente, variando desde tratamentos curativos, como a ressecção cirúrgica, o transplante hepático e a ablação por radiofreqüência, até tratamentos capazes de prolongar a sobrevida do paciente de maneira significativa sem, portanto, serem considerados tratamentos curativos, como a quimiombolização hepática e o tratamento medicamentoso com sorafenibe. Esses últimos em casos de doença mais avançadas 1,2.

RELATO DO CASO

Paciente com 54 anos, branco, masculino, casado, natural do RJ, motorista. 

O paciente apresentou um episódio de descompensação hidrópica, com ascite e edema de membros inferiores, sendo diagnosticada cirrose hepática por hepatite C crônica, durante internação hospitalar. 

História de hemotransfusão há 30 anos após acidente automobilístico.

Após anamnese, exame físico e a realização de exames complementares, o paciente foi classificado como Child-Pugh B7 com um Performance Status 1.

Foi realizada uma ultrassonografia de abdome que evidenciou dois nódulos hepáticos.

Posteriormente, foi realizada uma ressonância nuclear magnética com estudo dinâmico de abdome que evidenciou dois nódulos hepáticos, sendo o maior medindo 5.0cm (no segmento V/VIII) e o menor medindo 3.2cm (segmento VIII), além de uma lesão infiltrativa em lobo esquerdo. Havia, ainda, trombose tumoral em ramo esquerdo da veia porta.

RNM pré tto

Fig. 1: Ressonância Nuclear Magnética pré-tratamento.

Após novos exames laboratoriais (alfa-fetoproteína > 1000ng/ml) foi confirmado o diagnóstico de carcinoma hepatocellular.

Seguindo o diagnóstico, foi realizado o estadiamento do tumor hepático.

Realizada cintilografia óssea que não evidenciou lesão óssea compatível com lesão metastática. Assim como a tomografia computadorizada de crânio, que não apresentou lesão compatível com metástase a distância do carcinoma hepatocelular. A tomografia de tórax demonstrou lesão pulmonar compatível com metástase.

De acordo com a principal classificação utilizada em todo o mundo, atualmente, a classificação de Barcelona (BCLC: Barcelona Clinic Liver Cancer Group) 2, o paciente foi classificado como BCLC C e indicação de iniciar tratamento medicamentoso com sorafenibe. 

BCLC EASL 2012

Fig. 2: Adaptado de EASL–EORTC Clinical Practice Guidelines: Management of hepatocellular carcinoma. Journal of Hepatology, 2012.

Iniciado sorafenibe (via oral) em dose plena: 400mg a cada 12 horas. Houve uma boa tolerância inicial, porém, após 4 semanas do início do tratamento, o paciente apresentou rash cutâneo em tórax e abdome. 

Paciente rash 1

Fig. 3: Rash cutâneo em região abdominal. Arquivo pessoal 

Paciente rash 2

Fig. 4: Rash cutâneo em região torácica. Arquivo pessoal 

Paciente rash 3

Fig. 5: Região palmar íntegra e sem rash. Arquivo pessoal 

Foi submetido a tratamento com prednisona 20mg/dia associado a fexofenadina 120mg/dia por 7 dias, com regressão total das lesões após esse período. Sendo suspenso o sorafenibe nesse período (7 dias), com reintrodução posterior após melhora clínica das lesões .

Pciente melhora 1

Fig. 6: Paciente após suspensão do Sorafenibe, já sem lesões. Arquivo pessoal 

O paciente continuou em acompanhamento ambulatorial, sem novas lesões cutâneas, assim como o surgimento de novos eventos adversos relacionados a medicação.

Foi realizada nova tomografia computadorizada de abdome com estudo dinâmico após 3 meses do início do tratamento com sorafenibe, evidenciando uma resposta parcial pelo mRecist 3, com uma importante redução da vascularização da lesão e uma importante redução da angiogênese dos trombos tumorais.

RNM pós tto 1
RNM pós tto 2

Fig. 7: Ressonância Nuclear Magnética prós-tratamento

O paciente continua em acompanhamento clínico em uso da medicação há 6 meses.

DISCUSSÃO 

O sorafenibe foi o primeiro agente sistêmico que demonstrou melhora significativa da sobrevida global e do tempo para progressão da doença em pacientes com HCC avançado 4. Os protocolos internacionais recomendam atualmente esse medicamento como tratamento de primeira linha de pacientes com HCC irressecável que não são elegíveis para terapias locorregionais 2. Em geral, o sorafenibe preserva a função hepática dos pacientes em tratamento. 

O sorafenibe é um inibidor da tirosinoquinase que atua sobre a angiogênese tumoral inibindo a proliferação celular. Os principais eventos adversos relacionados aos fármacos inibidores da tirosinoquinase são hipertensão arterial, fadiga, aumento de eventos trombóticos, possibilidade de sangramento, cefaleia, proteinúria, rash e diarreia. Na prática clínica, observa-se que as toxicidades mais frequentes em relação ao uso de sorafenibe são síndrome mão-pé, diarreia e fadiga 5

Alguns estudos correlacionaram esses eventos adversos ao prognóstico do tratamento com sorafenibe. 

Um estudo publicado em 2010 demonstrou aumento do tempo para progressão da doença nos pacientes que apresentaram algum evento adverso dermatológico, assim como maior controle do tumor (medido por meio do mRECIST) 3 nos pacientes que também apresentaram esses mesmos eventos adversos dermatológicos 6.

Outro estudo, publicado em 2012, demonstrou que os eventos adversos dermatológicos (incluindo-se síndrome mão-pé, rash, prurido, estomatite, eritema e alopecia) foram os principais eventos adversos encontrados nos primeiros 21 dias após o início do tratamento com sorafenibe, observados em 62% dos pacientes. Os que apresentaram esse tipo de efeito colateral tiveram sobrevida significativamente maior em relação aos pacientes que não apresentaram esses mesmos efeitos colaterais 7

Embora não sejam potencialmente fatais, esses eventos adversos dermatológicos afetam de forma considerável a qualidade de vida dos pacientes e podem ainda complicar-se com infecção, dor e limitação das atividades diárias. Além disso, a eficácia do tratamento pode ser comprometida em caso de redução da dose da medicação devido a efeitos colaterais. 

Atualmente os eventos adversos dermatológicos são as principais causas de redução (13%), interrupção (21%) e descontinuação (10%) do tratamento. 

Recentemente, um importante estudo 8 demonstrou que o desenvolvimento de eventos adversos dermatológicos nos primeiros 60 dias após o início do uso de sorafenibe está associado a melhor sobrevida. 

CONCLUSÃO

Os efeitos colaterais dermatológicos não devem ser considerados eventos negativos ou impeditivos da manutenção do tratamento com sorafenibe. 

Tais eventos adversos dermatológicos podem ser considerados, atualmente, importantes marcadores prognósticos do tratamento com sorafenibe e, por isso, o diagnóstico precoce e o controle adequado dessas reações são fundamentais para a continuação do tratamento, evitando-se, assim, a redução e até mesmo a suspensão desnecessária do medicamento, o que comprometeria o resultado final. 

Não está definido na literatura, até o momento, o motivo da associação dos eventos adversos dermatológicos com o aumento da sobrevida dos pacientes com carcinoma hepatocelular. Mas se trata de importante e promissor marcador prognóstico de resposta no caso desses pacientes. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Forner A, Llovet JM, Bruix J. Hepatocellular carcinoma. Lancet 2012. Published online. Disponível em: <www.thelancet.com> 
  2. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL–EORTC Clinical Practice Guidelines: Management of hepatocellular carcinoma. J Hepatol 2012; 56: 908–943.
  3. Lencioni R, Llovet JM. Modified RECIST (mRECIST) Assessment for Hepatocellular Carcinoma. Seminars in Liver Disease 2010; 30 (1), 52-60.
  4. Llovet J. et al. (SHARP Investigators Study Group). Sorafenib in advanced hepatocellular carcinoma. N Engl J Med 2008; 359 (4); 378-390.
  5. Cheng AL , Kang YK, Chen Z, et al. Efficacy and safety of sorafenib in patients in the Asia-Pacific region with advanced hepatocellular carcinoma: a phase III randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Lancet oncol 2009; 10: 25-34.
  6. Vincenzi B, Santini D, Russo A, et al. Early Skin Toxicity as a Predictive Factor for Tumor Control in Hepatocellular Carcinoma Patients Treated with Sorafenib.  Oncologist 2010; 15: 85–92. 
  7. Otsuka T, Eguchi Y, Kawazoe S, et al. Skin toxicities and survival in advanced hepatocellular carcinoma patients treated with sorafenib. Hepatol Research 2012; 42: 879–886.
  8. Reig M, Lope CR, Llarch N, et al. Dermatologic adverse events within the first 60 days of sorafenib treatment are associated with better overall survival in patients with hepatocellular carcinoma (HCC). J Hepatol  2013; 58 (Suppl. 1): 113. 

¹ Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
² Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro, Brasil.
³ Hospital Universitário Gaffree Guinle, Rio de Janeiro, Brasil.