SEGURANÇA E EFETIVIDADE DA RAQUIANESTESIA TORÁCICA PARA CIRURGIAS ABDOMINAIS: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

SAFETY AND EFFECTIVENESS OF THORACIC SPINAL ANESTHESIA FOR ABDOMINAL SURGERIES: CASE REPORT AND LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7613059


Alexandre Silva Pinto1
Américo Sebastian Varela Pereira de Morais2
Leandro de Souza Calil Vieira3
Mateus Barbosa Braga3


1. RESUMO

A anestesia moderna visa cada vez mais técnicas minimamente invasivas e com menor uso de agentes anestésicos. Desta forma, a anestesia regional se torna uma grande aliada por aliar segurança, rápida recuperação e conforto intra e pós-operatório aos pacientes. A raquianestesia torácica vem se tornando uma técnica de anestesia regional no arsenal de muitos anestesiologistas para cirurgias de abdome superior, entretanto, ainda existem preconceitos e desinformações em relação a este procedimento. METODOLOGIA: Para a edificação deste estudo, realizou-se uma revisão de literatura nas bases de dados, Scielo e Pubmed. Nesta revisão de literatura, os termos pesquisados foram: “raquianestesia torácica”, “bloqueio neuroeixo”, “anestesia cirurgia abdominal” e “raquianestesia”. O critério para a inclusão dos artigos foi observar a relevância e o ano de publicação de cada artigo pesquisado. Priorizou-se, com isso, artigos e estudos com estatística significativa e que foram publicados em revistas das áreas de Medicina e Saúde. CONCLUSÃO: Relatou-se o caso de um paciente oncológico submetido a cirurgia de derivação biliodigestiva sob raquianestesia torácica e sedação.

PALAVRAS-CHAVE: Raquianestesia torácica; raquianestesia; bloqueio neuroeixo; anestesia cirurgia abdominal.

ABSTRACT

The modern anesthesia increasingly seeks minimally invasive techniques with less use of anesthetic agents. In this way, regional anesthesia becomes a great ally by combining safety, rapid recovery and intra and postoperative comfort for patients. Thoracic spinal anesthesia has become a regional anesthesia technique in the arsenal of many anesthesiologists for upper abdomen surgeries, however, there are still prejudices and misinformation regarding this procedure. METHODOLOGY: For the construction of this study, a literature review was carried out in the databases, Scielo and Pubmed. In this literature review, the terms searched were: “thoracic spinal anesthesia”, “neuraxial blockade”, “abdominal surgery anesthesia” and “spinal anesthesia”. The criterion for the inclusion of articles was to observe the relevance and year of publication of each researched article. Priority was therefore given to articles and studies with significant statistics that were published in journals in the areas of Medicine and Health. CONCLUSION: We report the case of an oncology patient who underwent biliodigestive bypass surgery under thoracic spinal anesthesia and sedation.

KEYWORDS: Thoracic spinal anesthesia; spinal anesthesia; neuraxial blockade; abdominal surgery anesthesia.

2. INTRODUÇÃO

A raquianestesia é uma técnica de anestesia amplamente difundida no meio médico e utilizada em uma grande variedade de procedimentos cirúrgicos. O benefício da técnica é conhecido e tem como principal pilar o uso de anestésicos locais e adjuvantes no espaço subaracnóideo possibilitando conforto ao paciente no intra e pós-operatório, além de rápida recuperação e retorno às atividades habituais.

Em cirurgias abdominais os bloqueios ao nível do neuroeixo desempenham papel importante para o manejo anestésico, possibilitando, além de anestesia, analgesia pós-operatória, podendo ser associados ou não à anestesia geral. Estudos comparativos concluíram que a anestesia regional reduz a demanda de opioides, náuseas e vômitos no pós-operatório, devendo ser empregada sempre que possível (Yuhong, et al, 2008).

Tendo o objetivo de melhora da assistência anestésica intra e pós-operatória em cirurgias abdominais, a raquianestesia com punção em níveis torácicos se torna uma grande aliada do médico anestesiologista, permitindo bloqueios de raízes nervosas que inervam dermátomos de abdome superior e tórax com baixas doses de anestésicos locais e com mínima repercussão hemodinâmica.

Desta forma, esse trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico de paciente oncológico submetido a cirurgia de derivação biliodigestiva sob sedação e raquianestesia torácica, além de realizar uma revisão de literatura sobre a efetividade e segurança desta técnica anestésica.

3. CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 68 anos, com provável diagnóstico de neoplasia maligna do pâncreas, tipo e grau histológico à esclarecer. Previamente portador de Hipertensão arterial sistêmica, sem história pregressa de eventos cardiovasculares, capacidade funcional > 4 mets. 

O paciente apresenta proposta cirúrgica de exploração de vias biliares e derivação biliodigestiva, dando entrada em centro cirúrgico em regular estado geral, emagrecido, ictérico 4+/4+, estável hemodinamicamente, eupneico, afebril e perfusão periférica preservada. Apresentando os seguintes dados vitais: PA 148 x 86 mmHg, FC: 92 bpm em ritmo sinusal à cardioscopia, SatO2: 99% em ar ambiente e FR: 18 irpm. 

Paciente sedado com 3 mg de Midazolam, 1,25 mg de Droperidol, sendo iniciado procedimento anestésico. Optado por raquianestesia torácica ao nível de T7/T8, com agulha de Whitacre 25 G, punção por via paramediana, com saída líquor claro e aparentemente normobárico, sem queixas de parestesia durante o procedimento. 

Administrado 10 mg de Bupivacaína hiperbárica, 2,5 mcg de Sufentanil e 80 mcg de Morfina intratecal, sem intercorrências. Realizado posicionamento cirúrgico em decúbito dorsal com proteção de feixes vasculonervosos e colocado manta térmica. Administra-se por via intravenosa 2 g de Cefazolina, 30 mg de Cetorolaco de Trometamina, 2 g de Dipirona, 10 mg de Dexametasona e 4 mg de Ondansetrona. 

Iniciado procedimento cirúrgico com incisão mediana supra transumbilical alta, realizado inspeção de cavidade, ressecção de lesões sugestivas de metástase em segmentos hepáticos II e III, esvaziamento da via biliar, coledocotomia e drenagem da vesícula biliar. 

Paciente manteve- se estável durante todo o período intra operatório, com necessidade de correções pontuais de hipotensão arterial com shots de 5 mg de Efedrina. Ao fim do procedimento, foi encaminhado à sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e mantido em observação por 2h, não houve queixa de dor no período. 

Alta para leito de enfermaria, com escala de Aldrete 10/10 e manteve sem necessidade de novas doses de opióides durante as primeiras 24h de pós-operatório. 

4. DISCUSSÃO

A raquianestesia é uma técnica consolidada na prática médica e resulta da denervação farmacológica ao nível da medula espinhal após administração de anestésicos locais no espaço subaracnóideo. Sabidamente esse procedimento é seguro quando realizado abaixo do nível de L2, já que, na maioria dos indivíduos adultos, a medula espinhal termina em L1/L2, entretanto, são descritas técnicas para realização da raquianestesia em níveis torácicos, contudo há um maior risco de lesão iatrogênica de medula espinhal, caso realizada sem a prudência necessária. 

Em alguns tipos de cirurgias de abdome superior, a raquianestesia torácica apresenta vantagens sobre a raquianestesia realizada em níveis lombares, possibilitando bloqueio sensitivo de dermátomos torácicos inferiores e abdome superior com baixas doses de anestésicos, com bloqueio simpático restrito apenas a área anestesiada e mínimo envolvimento de membros inferiores, logo, causando menor redução da pré carga e na pressão arterial. Desta forma, a raquianestesia torácica é uma alternativa viável em pacientes idosos ou com reserva fisiológica reduzida. 

Através de estudos de ressonância magnética de 346 pacientes, foi possível concluir que a maior distância  entre a dura-máter e a medula espinhal é encontrada ao nível de T5/T6 (Park 2016). Essa mesma distância foi mensurada por Imbelloni et al. (2010), os quais chegaram à conclusão que há um espaço médio de 5,19 min ao nível de T2, 7,75 mm em T5 e 5,88 mm em T10, sendo esses intervalos mais que o suficiente para acomodar a ponta e orifício de saída uma agulha Whitacre 25G com segurança. 

Além do mais, compreende-se que, em vértebras torácicas, os espaços entre os processos espinhos estão dispostos a 45° em relação à pele, dura-máter e medula espinhal, desta forma, essa angulação permite que a ponta da agulha seja inserida o mínimo possível no espaço subaracnóideo, reduzindo as chances de lesões neurológicas.

Roux et al. (2022) objetivaram, por sua vez, os níveis de pressão e volume de anestésico local necessários para cada tipo cirúrgico, sendo para as cirurgias de abdome superior uma fundamental punção entre espaços intervertebrais de T4/T5 até T10/T11 e em média 1,5 a 2 ml de Bupivacaína hiperbárica, associada ou não a adjuvantes. 

Não foram encontrados na literatura relatos de cirurgias de derivação biliodigestiva sob raquianestesia torácica, entretanto, no caso exposto, foi realizado punção e volume de anestésicos semelhante aos orientados para laparotomias abdominais de incisões extensas.

5. CONCLUSÃO

A raquianestesia torácica é uma técnica de anestesia regional segura, replicável, eficaz e barata, sendo uma excelente opção para cirurgias de abdome superior além de propiciar boa analgesia pós-operatória e alta precoce da SRPA. 

Apesar de poucos trabalhos relacionados ao tema, cada vez mais é possível encontrar na literatura relatos de casos e estudos retrospectivos sobre a raquianestesia torácica, evidenciando-se que esta técnica, progressivamente, está sendo mais utilizada por anestesiologistas em todo mundo.

Por meio do caso relatado, foi possível ser evidenciado a aplicabilidade da técnica de raquianestesia em nível torácico e todos seus efeitos benéficos para o bom desfecho.

6. FINANCIAMENTO

Relato de caso realizado com financiamento próprio, tendo como maiores gastos itens para pesquisa e desenvolvimento do artigo.

1. Notebook – R$ 1500,00

2. Milheiro de papel A4 – R$ 150,00

3. Tinta de impressora – R$ 150,00

7. REFERÊNCIAS

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1Anestesiologista TSA/SBA, Preceptor no serviço de Residência Médica em Anestesiologia no HMC/FSFX
2Anestesiologista TEA/SBA, Preceptor no serviço de Residência Médica em Anestesiologia no HMC/FSFX
3Médico residente em Anestesiologia pelo HMC/FSFX – MEC.