IMPACTO DO “PROGRAMA MAIS MÉDICOS” NA QUALIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO BRASIL

IMPACT OF THE “MORE MEDICAL PROGRAM” ON THE QUALIFICATION OF THE TRAINING OF HEALTH PROFESSIONALS IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7551419


Lucas Vinicius de Oliveira Castro1
José Rodrigues de Moraes Neto1
Thalis da Silva Barbosa1
Alice Iris Silva Martins1
Laura Gabryelle Sousa de Oliveira1
Vanessa Girardi Zanette1
Pâmella Maria Ferreira Cantanhêde1
Lorrany Fontenele Moraes da Silva2


RESUMO

Introdução: O Programa Mais Médicos (PMM) foi uma estratégia voltada para amenizar os efeitos da escassez de recursos humanos na área da saúde e fortalecer a atenção primária à saúde (APS), modificando tanto a formação do acadêmico, ao inseri-lo de melhor forma nas UBSs, quanto a alocação de profissionais. Objetivo: o estudo objetiva avaliar o impacto do PMM na qualificação da formação de profissionais de saúde no Brasil e os seus efeitos quanto a diminuição da escassez de profissionais no país. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa de literatura. Utilizou-se as bases de dados Scielo e MEDLINE/BVS, a partir dos descritores: ‘’Programa Mais Médicos’’, “médico’’, “qualidade” e ‘’Brasil’’. Foram selecionados trabalhos publicados entre janeiro de 2018 a outubro de 2022. Após aplicação dos critérios de elegibilidade, foram selecionados 11 artigos para o presente estudo.  Revisão de literatura: Foi demonstrado que os profissionais formados a partir do PMM apresentaram maior assistência, acolhimento emocional e afetivo, centralidade no paciente ao invés da doença, além de desenvolvimento de habilidades como trabalho em equipe e aplicação de ações de educação na comunidade. Notou-se uma forte relação entre o PMM e as melhorias de qualidade e humanização do serviço de saúde. Conclusão: O Programa Mais Médicos contribuiu para uma formação profissional mais empática e humanizada, visto que proporcionou, dentre outras coisas, maior acesso dos estudantes de medicina ao ambiente da APS.

Palavras-chave: Atenção Primária; Medicina; Saúde.

ABSTRACT

Introduction: The Mais Médicos Program (PMM) was a strategy aimed at mitigating the effects of the scarcity of human resources in the health area and strengthening primary health care (PHC), modifying both the academic training, by inserting it in a better form in the UBSs, regarding the allocation of professionals. Objective: the study aims to evaluate the impact of the PMM on the qualification of the training of health professionals in Brazil and its effects on the reduction of the shortage of professionals in the country. Methodology: This is an integrative literature review. The Scielo and MEDLINE/BVS databases were used, based on the descriptors: ”Programa Mais Médicos”, ‘doctor”, ‘quality’ and ‘Brazil”. Works published between January 2018 and October 2022 were selected. After applying the eligibility criteria, 11 articles were selected for the present study. Literature review: It was shown that professionals trained from the PMM presented greater assistance, emotional and affective reception, centered on the patient instead of the disease, in addition to the development of skills such as teamwork and application of education actions in the community. There was a strong relationship between the PMM and improvements in the quality and humanization of the health service. Conclusion: The Mais Médicos Program contributed to a more empathic and humanized professional training, as it provided, among other things, greater access for medical students to the PHC environment.

1 INTRODUÇÃO

A nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), foi instituída pelo Ministério da Saúde (MS) no ano de 2011 e  a partir disso tornou-se evidente diversos desafios encontrados dentro da Atenção Básica (AB) como a escassez de profissionais, sobretudo médicos. A distribuição de médicos no Brasil é um retrato da desigualdade que acompanha a história do país e, como consequência, as populações residentes em áreas rurais, remotas ou em periferias de grandes centros urbanos, possuem o serviço médico deficitário (SANTOS et al., 2019).

Dito isso, tem-se que grande parte das Universidades atuais, sobretudo as públicas, são claramente restritas, ferindo o que a Constituição Federal de 1988 garante à toda população. A fim de reverter esse quadro, o Governo Federal instituiu o Programa Mais Médicos (PMM) em 2013, objetivando aumentar a disponibilidade do serviço médico no território brasileiro, principalmente nas áreas mais carentes de assistência (baixo número de médicos/habitante e pouco recursos financeiros ) (BARBOSA et al., 2018).

Nesse contexto, o PMM trabalha baseado em três eixos definidos: alterar a matriz curricular nos cursos de medicina, para ampliar a abordagem da saúde comunitária e AB; fomentar novos aparelhos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), visando uma melhor estrutura durante o atendimento aos pacientes e, por fim, a contratação emergencial de médicos brasileiros, brasileiros formados no exterior ou estrangeiros (BARBOSA et al., 2018). O programa ainda visa aumentar as vagas de graduação em medicina e residência médica, o que oferece melhor qualificação profissional (SHIMOCOMAQUI et al., 2021).

Assim, o PMM foi uma estratégia voltada para amenizar os efeitos da desigual distribuição de recursos humanos na área da saúde e fortalecer a atenção primária à saúde (APA), modificando tanto a formação do acadêmico, ao inseri-lo de melhor forma nas UBSs, quanto a alocação de profissionais (MAIA et al., 2020). Inicialmente o programa supracitado foi promulgado através da Medida Provisória n° 621, em 8 de julho de 2013, entretanto, foi convertida na Lei n° 12.871 em 22 de outubro de 2013 (BRASIL, 2013). Durante o primeiro ano do PMM foram ofertadas mais de mil vagas para médicos com graduação em instituições brasileiras e estrangeiras, assim, mais de doze mil vagas foram preenchidas por médicos estrangeiros e brasileiros com formação em instituições estrangeiras, sem possuírem a revalidação do diploma no país (RECH et al., 2018).

A seleção desses profissionais se deu em etapas e ordem de prioridade, sendo elas: primeiras vagas destinadas a brasileiros; em seguida aos médicos brasileiros, porém com registro estrangeiro; em terceiro, destinadas aos médicos não brasileiros com registros em outros países; e em último lugar, as destinadas a médicos a partir da cooperação internacional existente entre o Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Ministério de Saúde Pública de Cuba (BENEVIDES et al., 2020)

A alteração na forma como os profissionais são alocados modifica como a formação médica é feita, pois ao serem enviados para as áreas mais desassistidas, a atenção primária à saúde é colocada em destaque e passa a ser um dos focos de discussão política na área da saúde. Com isso, o desequilíbrio entre o cuidado ofertado e a demanda das comunidades passa a ser menor, melhorando a qualidade da saúde, sobretudo, em locais de maior desigualdade (BARBOSA et al., 2018).

Um estudo indica que o PMM fortaleceu a AB, com melhorias na qualidade do atendimento ofertado e na organização do trabalho, diminuição das internações por causas resolvidas na atenção básica, bem como a não distinção no grau de orientação dependendo do tipo de profissional (SHIMOCOMAQUI et al., 2022). Foi possível, ainda, reativar equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e ampliar quase que a totalidade de municípios brasileiros pequenos graças ao maior acesso à APS, com médicos brasileiros ou não, com destaque nas regiões mais vulneráveis socioeconomicamente e com escassez de profissionais (RECH et al., 2018; BENEVIDES et al., 2020).

Dentro da APS existem alguns atributos os quais os profissionais de saúde devem desenvolver. Dentre eles há os essenciais, primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação de cuidados, que irão indicar se o serviço de saúde é de fato provedor de APS, e os derivados: focalização na família, orientação comunitária e competência cultural, os quais qualificam as ações da assistência primária à saúde. Nesse sentido, uma forma de avaliar tais tributos é por meio do instrumento de avaliação da APS (Primary Care Assessment Tool – PCATool), validado em diversos locais. Há também o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ), o qual monitora os indicadores de saúde e assim estimula a manter melhores níveis destes (RECH et al., 2018).

Em um cenário de constante aumento de instituições de ensino de medicina no país e estudos preliminares que apontam a ampliação do acesso à saúde e diminuição das desigualdades e escassez de médicos, surge o interesse em realizar mais estudos no âmbito, com o fito de demonstrar a efetividade do PMM em melhores indicadores de saúde. Assim, o presente estudo objetiva avaliar o impacto do PMM na qualificação da formação de profissionais de saúde no Brasil, bem como o seu o impacto do programa na APS e na saúde da população, além de mensurar os seus efeitos quanto a diminuição da escassez de profissionais no país.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, de caráter descritivo. A construção deste trabalho baseou-se em seis etapas: 1) elaboração da questão problema; 2) escolha das bases de dados e descritores; 3) definição dos critérios de inclusão e exclusão; 4) busca e seleção dos artigos a partir da leitura dos títulos e resumos identificados; 5) leitura integral dos artigos pré-selecionados, com aplicação dos critérios de elegibilidade e análise crítica e 6) confecção da revisão com a síntese das informações encontradas.

Para conduzir a pesquisa, foi utilizada a seguinte questão norteadora: “Como  o “Programa Mais Médicos” influenciou a qualidade da formação de profissionais da saúde no Brasil?”. Posteriormente, foi realizada a seleção dos dados, categorização do estudo, análise e síntese das informações e apresentação da revisão integrativa de literatura. A busca de artigos foi realizada nas bases de dados Scielo e MEDLINE/BVS, a partir dos descritores em português: ‘’Programa Mais Médicos’’, “médico’’, “qualidade” e ‘’Brasil’’. Realizou-se o cruzamento entre esses vocabulários, através do uso dos operadores booleanos AND e OR (Figura 1).

Figura 1 : Estratégia de busca de acordo com as bases de dados selecionadas.

Base de dadosCruzamentoQuantitativo
MEDLINE/BVSPrograma Mais Médicos AND (qualidade OR capacitação profissional OR formação profissional em saúde)27
SCIELOPrograma Mais Médicos AND (qualidade OR habilidade OR impacto na saúde) AND (Brasil OU brasileiros)15

Como critérios de inclusão foram utilizados textos completos publicados em português e inglês, com ano de publicação entre janeiro de 2018 a outubro de 2022. Excluiu-se trabalhos que não enfatizavam os impactos do programa supracitado na formação acadêmica médica, artigos de opinião e os que se encontravam duplicados.

A busca foi realizada no mês de outubro de 2022, por meio de dois autores, os quais procederam, de forma individual, com a leitura dos títulos e dos resumos identificados, após isso, foi efetuada a leitura dos artigos na íntegra. Depois da organização dos dados selecionados, as informações trazidas pelos autores foram relacionadas aos objetivos do presente artigo. Não se utilizou estratégias para avaliar a qualidade dos artigos utilizados para esta revisão.

3 REVISÃO DE LITERATURA

Identificou-se 15 artigos na base de dados Scielo e 27 na MEDLINE, totalizando 42 estudos. Após aplicação dos critérios de elegibilidade, foram pré-selecionados 13 artigos, dos quais apenas 11 foram incluídos na amostra final. A busca e seleção das pesquisas ocorreu de acordo com a estratégia do grupo PRISMA e está representada no fluxograma a seguir.

Figura 2 : Fluxograma de seleção dos artigos incluídos no estudo.

Fonte: Adaptado do PRISMA(2009)

O seguinte quadro contém a relação dos artigos utilizados nesta revisão, apresentando o(s) autor(es), ano de publicação, título, objetivos e principais resultados constatados em cada um.

Quadro 1 : Resultados da revisão conforme os autores/ano de publicação, título, objetivos e principais resultados.

Autores / ano de publicaçãoTítuloObjetivosPrincipais Resultados
Oliveira, F. P.; Santos, L. M. P.; Shimizu, H., 2019Programa Mais Médicos e diretrizes curriculares nacionais: avanços e fortalecimento do sistema de saúde.Analisar as representações sociais de estudantes de medicina sobre o trabalho na atenção básica no contexto de implantação das referidas diretrizesNas representações sociais de estudantes de medicina correspondentes à ‘primeira geração universitária’ há destaque para a evocação de termos como ‘vínculo’, ‘responsabilidade’ e ‘comunidade’. Nas escolas ‘tradicionais’, os termos mais destacados foram ‘desvalorizado’ e ‘precariedade’, sugerindo vivência insuficiente na AB.
Soares et al, 2022O Programa Mais Médicos na produção científica brasileira: uma revisão integrativaRevisar a literatura científica brasileira a respeito das produções referentes ao PMMNotou-se a manutenção do interesse da comunidade científica da área de saúde pública/saúde coletiva em acompanhar e avaliar o processo de implementação do PMM, devido a sua importância no processo de fortalecimento e melhoria da qualidade da Atenção Básica no SUS.
Garcia et al., 2022Perfil dos médicos Programa Mais Médicos na Bahia e a utilização da ferramenta do TelessaúdeRetratar o perfil dos médicos que atuam no estado da Bahia no PMM e a utilização da ferramenta do TelessaúdeOs profissionais médicos que atuam no PMM-BA são, em sua maioria, mulheres, seguido por  homens, que declararam possuir registro profissional no Conselho Regional de Medicina (CRM) e no Registro Médico de Saúde (RMS). Quanto ao uso da plataforma Telessaúde, 49,5% da amostra conhecem e possuem cadastro na plataforma, 33,2% participaram de treinamentos e 38,9% utilizam a ferramenta.
Biscegli et al., 2019Programa Mais Médicos: desempenho dos alunos de um curso de medicina em um teste de conhecimentoAvaliar o conhecimento e posicionamento de alunos de um curso de Medicina sobre o PMM.Dos alunos, 51,7% afirmaram conhecer o PMM e 45,9% disseram pelo menos ter alguma ideia sobre ele. 79,9% não consideraram ético o exercício profissional de médicos estrangeiros sem revalidação do diploma; 63,3% acreditavam que o PMM pudesse melhorar a assistência básica no país e só 29,9% acreditavam em benefícios do mesmo para sua futura atuação profissional.
Shimocomaqui et al, 2021Educação à Distância e o” Programa Mais Médicos”: aprimoramento das práticas em saúde na Atenção Básica em um município do Amazonas.Relatar a experiência acerca das contribuições de um curso de especialização em saúde da família EaD, no aprimoramento das práticas em saúde na atenção básica (AB).A EaD na formação de profissionais de saúde na AB foi uma ferramenta potente no aprimoramento das práticas em saúde.
Maia et al, 2020A qualidade de serviços de atenção primária, à formação profissional e o Programa Mais Médicos em uma região de saúde do sudoeste goianoAvaliar a APS com base em seus atributos, sob a perspectiva dos profissionais, por meio do PCATool, verificando fatores que se associam à melhor atenção.A análise bivariada e múltipla mostrou diferença estatística entre as variáveis profissão e os escores essencial, derivado e geral. Médicos do Programa Mais Médicos apresentaram maiores pontuações médias (7,68 essencial; 9,11 derivado; 8,04 geral) quando comparados aos outros profissionais médicos e enfermeiros.
Barbosa et al, 2018Programa Mais Médicos: como avaliar o impacto de uma abordagem inovadora para superação de iniquidades em recursos humanosDiscutir a necessidade de se viabilizar estudos quase-experimentais capazes de mensurar o impacto do PMM junto à saúde da população.As avaliações do PMM, embora incipientes, produziram evidências positivas quanto à ampliação do acesso e melhoria da qualidade da APS no Brasil, um país de médio desenvolvimento econômico.
Rech et al, 2018Qualidade da atenção primária à saúde no Brasil e associação com o Programa Mais MédicosEstimar a qualidade da APS brasileira medida pela experiência do usuário conforme o Instrumento PCATool Brasil, e avaliar a sua associação com o provimento de médicos pelo PMM.O tipo de médico, cubano ou brasileiro, não influenciou diferentemente o grau de orientação (Escore Geral) da APS no país.
Telles, H.; Silva, A.L.A; Bastos, C., 2019Programa Mais Médicos do Brasil: a centralidade da relação médico-usuário para a satisfação com o programa.fatores associados à satisfação das comunidades atendidas pelo Programa Mais Médicos do Brasil (PMMB),Demonstrou-se a presença majoritária de médicos intercambistas cooperados (cubanos), a alta experiência dos profissionais envolvidos com a atenção básica à saúde, a boa qualidade do atendimento médico e sua forma mais humanizada, tendo como determinante a relação entre médico e usuário para a avaliação positiva do programa.
Benevides et al., 2020Satisfação dos médicos do Programa Mais Médicos na Paraíba, Brasil: avaliação por modelagem de equações estruturais.construir um modelo de avaliação da qualidade do trabalho no PMM, baseado na satisfação do médico participante, utilizando a abordagem da modelagem de equações estruturaisO instrumento proposto neste artigo possibilitou uma visão ampla sobre os aspectos envolvidos na satisfação do trabalho do médico, sintetizando um ponto de partida para análises e validações posteriores sobre a qualidade do trabalho na atenção básica.
Franco, C.M; Almeida, P.F; Giovanella, L., 2018A integralidade das práticas dos médicos cubanos no Programa Mais Médicos na cidade do Rio de Janeiro, BrasilAnalisar a integralidade das práticas dos médicos cubanos no PMM por meio de entrevistas com médicos cubanos e grupo focal com supervisoras do PMMA atuação dos médicos cubanos apresenta elementos condizentes à integralidade das práticas na atenção primária, com prestação de um leque amplo de ações e serviços, coerente com a complexidade dos problemas de saúde e pluralidade dos cenários.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Uma pesquisa realizada na região Nordeste avaliou quatro cursos de medicina de Instituições Federais, sendo dois deles classificados como grupo “tradicional”, por terem sido fundados antes de 1960, e dois grupos “novos”, criados em 2014. Nesse contexto, foi aplicado um questionário a tais grupos referente a palavras que eram evocadas quando o participante se deparava com o termo “trabalho na atenção básica”. Diante disso, para o grupo de alunos “tradicionais” houve predominância dos termos “desvalorização” e “precariedade”, sendo constatada uma maior fragilidade no vínculo de tais estudantes ou profissionais na Atenção Básica. Por outro lado, alunos do grupo “novos” tiveram uma visão mais coerente com a realidade da Atenção Básica, com uso dos termos “vínculo”, “responsabilidade” e “comunidade”. Essas novas experiências pedagógicas foram proporcionadas pelo PMM, o que mostra sua importância para a formação médica (OLIVEIRA; SANTOS; SHIMIZU, 2019). Nesse aspecto, tal fato está relacionado aos valores e princípios preconizados pela atenção primária à saúde, tais como solidariedade, equidade e participação social (BRASIL, 2010).

Outro estudo reforçou a relação do PMM com a prática clínica mais humanizada e diferenciada, apesar de não omitir a existência de lacunas no programa, sobretudo relacionadas ao desenvolvimento da educação interprofissional (SOARES, 2022). Além disso, tendo em vista que o PMM busca suprir a necessidade de médicos, principalmente em regiões prioritárias como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, uma pesquisa mostrou que tal Programa, na Bahia, resultou em uma maior assistência médica, além de acolhimento emocional e afetivo (GARCIA, 2022). Apesar disso, de acordo com os estudos feitos com base no PCATool,  um aspecto essencial e que demonstrou-se de modo inadequado na APS, se refere à integralidade, sobretudo em relação a insuficiência de oferta das necessidades relacionadas à saúde dos indivíduos, e os recursos fundamentais para essas (PRATES et al., 2017).

Entre um dos artigos analisados, denotou-se o impacto da educação à distância (EAD) no programa mais médicos, visando analisar os benefícios e malefícios que tal contexto trouxe para o ensino. De maneira geral, constatou-se que os recursos tecnológicos são um grande diferencial para o sucesso do projeto, contudo, o acesso limitado à internet por alguns estudantes compromete o processo de aprendizado e desenvolvimento educacional. Além disso, a constante interação entre os alunos com os diferentes ambientes virtuais ofertados foi fundamental e necessário no espaço de diálogo entre o orientador/tutor e aprendiz, nos fóruns e nas discussões de casos clínicos. Tais ambientes de interação multimídia estimularam o interesse dos estudantes, promovendo uma maior qualificação profissional (SHIMOCOMAQUI, 2021). Assim, o uso de modo adequado e eficiente dos sistemas informatizados ocasiona diversos benefícios e progressos, como uma melhor análise dos serviços prestados pelos profissionais e o cadastro de usuários (TRINDADE, 2019)

Ademais, outra pesquisa, que visou identificar as percepções de discentes do curso de medicina de uma faculdade brasileira sobre o aprendizado na comunidade durante acompanhamento de equipes de saúde da família integradas ao PMM, relatou que a experiência com os médicos do programa foi importante para o desenvolvimento de habilidades como trabalho em equipe e aplicação de ações de educação em saúde junto à comunidade. Contudo, o mesmo estudo mostrou que as práticas de muitos médicos estrangeiros do PMM estavam em desacordo com os protocolos utilizados no Brasil, o que demonstra a presença de barreiras a serem enfrentadas para a efetiva  adequação de tais profissionais no contexto brasileiro de atenção básica (BISCEGLI, 2019). Isso é observado, também, pelo fato de no Brasil ser dado grande importância ao PCATool, instrumento que avalia a APS, visto que o país apresenta cerca de 68,20% das pesquisas em todo o mundo sobre o assunto (PRATES et al. 2017)

Além disso, uma pesquisa, realizada por meio de entrevistas com os usuários, com o intuito de analisar a satisfação das comunidades assistidas pelo Programa Mais Médicos do Brasil (PMMB), foi efetuada em mais de 700 municípios brasileiros em 2014, período em que o programa teve início. Nesse sentido, em relação ao grau de contentamento com o programa, mais de 60% das notas atribuídas foram superiores a 9, fato que deixa evidente a importância do programa. Ademais, foi informado que o atendimento com o advento do projeto ocorre de modo mais adequado, com menores filas e maior facilidade em referenciamentos (encaminhamento para os especialistas). Outrossim, as maiores notas foram designadas por pessoas e comunidades de menores rendas, o que evidencia a relevância do programa em ofertar melhor atendimento aos indivíduos de maior vulnerabilidade social (TELLES; SILVA; BASTOS, 2019).

Outro estudo foi feito no estado da Paraíba, devido a esse local ter recebido uma quantidade significativa de médicos advindos do PMMB, fato que fez esse estado ser o quarto com o maior crescimento no número de médicos no período. O programa também possibilitou o atendimento de toda a demanda de médicos necessitada pelos gestores municipais, situação que contribuiu com a melhora do sistema de saúde nessa localidade. O principal intuito da pesquisa era analisar a satisfação dos médicos que trabalham no PMMB e as dimensões dessa. Assim, a maior parte desses profissionais consideraram o emprego nesse projeto como satisfatório, sobretudo devido às condições de trabalho e da equipe de saúde, fato que se mostra importante, visto que corrobora a atração e permanência desses médicos no programa (BENEVIDES et al., 2020).

Ademais, outra análise realizada no município de Rio de Janeiro, buscou estudar a prática dos médicos cubanos incluídos no PMMB de maneira integral, por meio de duas instâncias: a abordagem biopsicossocial e a dimensão de prevenção, assistência e promoção à saúde. Nesse sentido, foi visto que os médicos conheciam o perfil epidemiológico da comunidade, identificavam as desigualdades sociais presentes e utilizavam métodos que abordavam o paciente como o centro do cuidado, fatos que mostram a qualidade não apenas biológica, mas também psicológica e social do atendimento prestado pelos profissionais médicos do PMMB. Ademais, todos esses trabalhadores orientavam os pacientes sobre alimentação saudável e abandono de hábitos prejudiciais, como o tabagismo, e também atendiam a livre demanda e acompanhavam grupos prioritários, fatores que contribuem para a adequada prevenção e promoção à saúde (FRANCO; ALMEIDA; GIOVANELLA, 2018). Dessa maneira, isso está de acordo com um dos atributos essenciais dos serviços de atenção primária à saúde, a saber, a integralidade, dado que este preconiza questões como aspectos biopsicossociais, promoção, prevenção e cura da doença (BRASIL, 2010).

Já no estudo que entrevistou 41 enfermeiros e 31 médicos na região sudoeste II do estado do Goiás, utilizando Primary Care Assessment Tool (PCATool), percebeu-se que os médicos do PMM obtiveram maiores pontuações médias (7,68 essencial; 9,11 derivado; 8,04 geral) quando comparados aos outros médicos e enfermeiros. Profissionais com formação acadêmica oriundos de instituições públicas apresentaram melhores escores nos atributos avaliados e, além disso, o tempo de formação e de trabalho foram satisfatórios. Desse modo, notou-se que existe uma forte relação entre o PMM e as melhorias de qualidade e humanização do serviço de saúde (MAIA, 2020).

Apesar de 40 anos da divulgação dos princípios de Alma-Ata, ainda existem dificuldades na melhoria da APS. Entretanto, o PMM mostrou-se uma saída eficaz para enfrentar o desafio da falta de profissionais, ampliando o acesso e melhorando a qualidade da APS no Brasil, um país em desenvolvimento. Tais melhorias ficam evidentes nos indicadores de desempenho da APS, como a permanência dos médicos que aumentou, na maioria das regiões, após a implementação do programa, assim como a disponibilização de médicos em regiões que estatisticamente necessitavam de assistência. Sendo assim, os resultados foram satisfatórios, mostrando pontos positivos em relação a ampliação do acesso, equidade, satisfação dos usuários, humanização do cuidado e aumento de cobertura da APS (BARBOSA, 2018). Diante disso, um estudo realizado no estado de Santa Catarina sobre avaliação do PCAtool no local, também demonstrou que o Acesso de Primeiro Contato e Integração do cuidado, fatores essenciais para a qualidade da APS, estavam muito abaixo da média adequada (PSCHEIDT et al., 2022), situação que demonstra a necessidade do “Programa Mais Médicos” nesta localidade.

De modo igual, em um estudo transversal realizado a nível nacional, que utilizou PCATool para comparar os médicos cubanos do PMM, brasileiros do PMM e os da equipe ESF, revelou-se que, quanto a percepção dos usuários, os médicos cubanos tiveram um escore levemente maior, porém, sem diferença estatística significante. Além disso, o estudo também mostrou que com os médicos do PMM associou-se um pequeno aumento no Escore de Acesso alcançado com o PCATool, com maior escore em regiões de maior vulnerabilidade socioeconômica, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os fatores que mais influenciaram esse resultado foram número de consultas e quantidade de visitas domiciliares. Portanto, conclui-se que a nacionalidade do profissional não influenciou tanto o escore, mas sim na ampliação de acesso e do reforço do papel fundamental do médico na APS (RECH, 2018).

Destaca-se como limitação do estudo a impossibilidade de análise mais profunda dos protocolos utilizados pelos cubanos, que muitas das vezes estão em desacordo com os do Brasil. Tal limitação é decorrente do pequeno número de estudos disponíveis na literatura e é importante que seja o foco de futuras pesquisas, a fim de compreender de forma adequada os impactos, entraves e conquistas do programa, contribuindo para fomentar outras políticas públicas dessa natureza.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos resultados deste estudo, conclui-se que o Programa Mais Médicos contribuiu para uma formação profissional mais empática e humanizada, visto que este proporcionou, dentre outras coisas, maior acesso dos estudantes de medicina ao ambiente de Atenção Básica, fator que corroborou para um maior contato com pacientes e, assim, o desenvolvimento de habilidades profissionais fundamentais ao médico.

Ademais, a carência de médicos em algumas regiões e localidades se demonstra um entrave para o desenvolvimento da equidade em saúde, uma vez que as populações mais vulneráveis das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, além das da periferia das grandes cidades são as que mais acometidas por essa desigualdade.

REFERÊNCIAS

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¹Graduando(s) em Medicina. Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, Maranhão – Brasil

2Docente do curso de Medicina. Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, Maranhão – Brasil