REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7539191
LUANNA RAQUEL FERREIRA COSTA
RESUMO
Oriundo do grego, o termo mimesis significa imitar. Para Aristóteles, a mimesis não é apenas uma imitação da realidade, e sim, a imitação das ações dos homens. Dessa forma, pode-se dizer que a Literatura é mimética, pois nela, as ações da realidade são representas em diversos gêneros, dentre eles, o conto. O conto tem como objetivo principal retratar a realidade, porém, de uma forma mais leve, e muitas vezes, humorística. Esse humor é visto nos contos de Humberto de Campos, escritor de múltiplas facetas, utiliza o cômico para mostrar as ações humanas da época. O presente trabalho tem como objetivo mostrar a comicidade através da mimesis, presente nos contos de Humberto de Campos.
Palavras-chave: Mimesis, cômico, contos e Humberto de Campos.
1 INTRODUÇÃO
O interesse em estudar a Literatura partiu de Platão, filósofo grego que define a arte como uma imitação da realidade. Mas foi com Aristóteles, também filósofo grego e discípulo de Platão, que esse interesse se aprofunda e inicia um estudo mais minucioso sobre o conceito de mimesis e como esta é indispensável para a compreensão dos fenômenos literários.
Para Aristóteles, a imitação é algo natural e inerente ao homem, ou seja, as narrativas literárias, ainda que ficcionais, são reflexos de ações presentes na realidade. A partir dessa perspectiva, vários gêneros literários tem como principal característica a representação da realidade através das narrativas, dentre esses gêneros, tem-se o conto. Esses textos têm como objetivo principal, retratar a realidade, porém, de uma forma mais leve, e muitas vezes, humorística, tirando assim um pouco da criticidade que alguns autores empregam.
Dentre vários contistas brasileiros, neste artigo destacar-se-á o Humberto de Campos. Escritor e jornalista maranhense que se destacou pelas crônicas e contos humorísticos, nos quais se destacarão os contos: Grãos de Mostarda, A Serpente de Bronze e Tonel de Diógenes.
Nas obras supracitadas, Humberto de Campos apresenta o humor e o irônico da literatura do século XX, retratando a realidade de uma forma mais lúdica e jocosa. O humor sempre esteve presente nas cantigas de escárnios, que tratavam sobre a realidade das camadas mais populares do Trovadorismo, e tinha uma presença marcante do cômico e da ironia na abordagem sobre as mazelas da sociedade da época. O riso, muitas vezes, é apenas uma máscara para esconder ou atenuar a tristeza, tal aspecto é notório em algumas obras, nas quais, os autores camuflam o trágico através do cômico, da sátira e das anedotas.
O presente trabalho, através de uma pesquisa bibliográfica, propõe analisar a mimesis e a representação cômica da realidade através dos contos de Humberto de Campos.
2 MÍMESIS: A REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE NA LITERATURA
A palavra mímesis é proveniente do grego, que significa a arte de “reproduzir”, “imitar”. No início de sua utilização, o termo mencionando não apresentava uma única significação, foi com Platão que a palavra ganhou importância e significado único, o mesmo compreendeu que toda produção/criação de arte não era original, e sim, cópia.
Pegando o viés do seu mestre, Aristóteles recebe a palavra mímesis e a emprega de forma diferente de Plantão. Na visão aristotélica, a mímesis não é apenas uma imitação da realidade, e sim, uma reprodução das ações humanas através da Literatura.
Essa nova concepção em relação a mimesis é vista da obra A Poética, de Aristóteles. Com a publicação desse livro, iniciou-se os estudos literários e fundou a teoria literária, dando ênfase na mimesis poética, que passa a ser a base quando se pensa em Literatura.
A partir da obra Poética, outro autor desenvolve uma teoria sobre a narrativa e a mímesis. Para Ricoeur, é fundamental entender a mímese como processos ou operações e jamais como estruturas fixas (RICOEUR, 1994, v I, p. 58). Segundo ele, não podemos identificar a representação da ação, a mímese, com uma mera réplica da realidade.
Ao longo dos séculos, o termo mimesis teve muitas reinterpretações dentro da Literatura, mas sendo sempre observada a realidade como processo mimético da Literatura.
3 O CÔMICO NA LITERATURA
Desde a antiguidade, o riso e o cômico despertam o interesse de estudiosos. Entre as várias hipóteses de surgimentos e significados, o riso sempre esteve ligado aos Deuses e ao divino, dessa forma, a história relata que o riso surgiu na mitologia grega, quando Hera, mulher de Zeus, depois de uma briga com o marido, o abandona. Para provocá-la e a fazer voltar, Zeus espalha o boato de que encontrou uma nova mulher, constrói uma estátua, que é coberta por um véu, representando a nova noiva e anuncia seu próximo casamento. Hera, curiosa e em fúria, retorna para conhecer a suposta noiva de Zeus e sem perder tempo, aproxima-se da estátua, retirando o véu que encobria a escultura. Para seu espanto, a estátua não representava mulher alguma e ao descobrir a farsa, cai em gargalhadas. A partir daí, surge o riso, segundo a mitologia.
A comicidade só existe no que é propriamente humano e que o maior inimigo do riso é a emoção. Sobre essa assertiva, Bergson (1983) afirma:
Chamamos atenção para isto: não há comicidade fora do que é propriamente humano. Uma paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia, porém jamais risível. Riremos de um animal, mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana. Riremos de um chapéu, mas no caso o cômico não será um pedaço de feltro ou palha, senão a forma que alguém lhe deu, o molde da fantasia humana que ele assumiu. Como é possível que fato tão importante, em sua simplicidade, não tenha merecido atenção mais acurada dos filósofos? Já se definiu o homem como “um animal que ri”. (BERGSON 1983, P. 7)
A dicotomia e a complexidade do riso também despertaram o interesse de grandes filósofos, dentre eles destaca-se Platão, que na obra O Filebo, apresenta o riso como uma divisão dos prazeres verdadeiros e falsos. Segundo o filósofo grego, os prazeres verdadeiros seriam instâncias ligadas ao conhecimento, à essência, a pureza, como por exemplo, as sublimes belezas. Já os prazeres falsos se enquadram nas afecções mistas, ou seja, a construção do prazer acompanhado também pela dor. No que tange o riso e o cômico, Lévis –Strauss defende que:
O riso resulta de uma conexão rápida e inesperada de dois campos semânticos distanciados – conexão, aliás, que também recebe o nome de “curto-circuito”. Em nossa apreensão do mundo, teríamos sempre uma “reserva de atividade simbólica para responder a todo tipo de solicitação de ordem especulativa ou prática”. No caso do cômico, diz Lévi-Strauss, essa reserva “acha-se privada de ponto de aplicação: subitamente liberada e sem poder se dissipar no esforço intelectual, ela se desvia em direção ao como que o riso dispõe de todo um mecanismo montado para que ela se gaste em contrações musculares”. Desse modo, o riso corresponde a uma “gratificação da função simbólica”. (ALBERTI 1999, P.19)
É indubitável que a comicidade também sempre esteve presente na literatura brasileira, ainda que historicamente tenha sido discriminada pela falta de seriedade, é um discurso que emprega uma linguagem criativa para a construção de sentido. Apesar da jocosidade presente nos mecanismos linguísticos, o texto cômico aborda não só a “brincadeira”, mas também aspectos socioculturais.
O humor sempre esteve presente nas cantigas de escárnios, que tratavam sobre a realidade das camadas mais populares do Trovadorismo, e tinha uma presença marcante do cômico e da ironia na abordagem sobre as mazelas da sociedade da época. O riso, muitas vezes, é apenas uma máscara para esconder ou atenuar a tristeza, tal aspecto é notório em algumas obras, nas quais, os autores camuflam o trágico através do cômico, da sátira e das anedotas.
No século XIX, a manifestação do cômico na literatura brasileira apresenta três concepções: a comédia de costumes, marcada pela ridicularização e zombaria de temas políticos e econômicos; A picaresca, que se opõe à comédia de costumes, na qual o grande enfoque é o realismo sociocultural; e a sátira menipeia, marcada pela ironia dos aspectos morais.
Muitos autores brasileiros utilizam a linguagem cômica em suas obras, neste trabalho, analisar-se-á Humberto de Campos, escritor e jornalista maranhense, se destacou pelas crônicas e contos humorísticos, nos quais se destacarão os contos: Grãos de Mostarda, A Serpente de Bronze e Tonel de Diógenes.
4 OS CONTOS CÔMICOS DE HUMBERTO DE CAMPOS
Humberto de Campos Veras, dono de uma linguagem humorística inigualável, nasceu em 1886, em Miritiba, cidade que atualmente recebe o seu nome, no Maranhão. Em 1892, quando perdeu o pai, Joaquim Gomes de Faria Veras, foi levado para São Luís, a partir dessa data, uma série de mudanças ocorreu na vida de Campos, dando assim o início de uma grande jornada na literatura brasileira. A paixão pelas letras veio aos dezessete anos, quando foi morar no Pará, começou a trabalhar de redator no jornal Folha do Norte. Esse foi o primeiro contato com as letras, percorreu por vários jornais e dessa forma iniciou a carreira de cronista, poeta e contista. Publicou em 1911 seu primeiro livro de poesia, intitulado de Poeira.
Nos contos de Humberto de Campos é notório a dicotomia, ora moralista, ora sentimental. O uso do cômico e da ironia pode ser observado na narrativa O Filho do Comendador, da obra Grãos de Mostarda (1926).
A generosidade do comendador, durante os meses de expectativa, foi espantosa. Fraldas, camisinhas, sapatinhos de lã, barretinhos de seda, tudo isso entrava em quantidade pela porta do palacete, em que dona Enedina engordava contente, esperançada com a ideia de ter, enfim, uma criaturinha do seu sangue. Passou-se, porém, o quinto mês. E o sexto. E o sétimo. Este último, passou-o o velho capitalista a procurar, sorridente, um nome para o pirralho. E concluiu:
– Se for homem, chamar-se-á Benevenuto.
– E se for mulher? – Indagou a esposa.
-Terá o nome da mãe. Será, também, Enedina…
Antes do oitavo mês, o comendador mandou a esposa para a Europa. E trinta dias depois, recebia o seguinte telegrama: “Comendador Felisberto Maia – Rio. – Extrai fibroma. Saudades – Enedina”.
Para o capitalista, essa notícia foi um choque. E foi furioso, apoplético de raiva, que respondeu imediatamente: “Madame Felisberto Maia – Paris – Combinação aqui foi dar outro nome criança. Caso insista dar nome Fibroma recém-nascido suspenderei mesada – Felisberto”.
E respirou, com força. Era pai… (CAMPOS 1926, P.9).
Além da obra Grãos de Mostarda, Campos teve outras narrativas que tiveram muita relevância na literatura, para este trabalho foram analisados os contos: Serpente de Bronze, Tonel de Diógenes e Grãos de Mostarda, já supracitado.
No livro A Serpente de Bronze (1921), Campos aborda uma temática mais religiosa, apesar de ter sido um homem cético. Nessa nova tendência na escrita, Humberto de Campos deixou de lado os assuntos sociais e políticos para abordar, através de uma linguagem crítica e com traços de ironia, temas bíblicos, que pelo tom malicioso e sarcástico, despertavam o riso dos leitores.
A serpente, na divindade, representa a maldição, o castigo para pecadores. No conto O Filósofo, da obra A Serpente de Bronze, (1921) Humberto trata sobre a criação divina das espécies, usando a metáfora, através do humor e da ironia, como mostra o trecho da obra:
Certo dia, dominado pelas ideias reacionárias bebidas em autores modernos, passeava o coronel pelo pátio da fazenda, quando, ao ver as andorinhas que voejavam por cima do gado, voltou novamente a raciocinar:
-É isso mesmo, não há dúvida! O mundo e muito mal-arranjado. Aqui está, por exemplo, este boi. Por que, tendo ele chifres, patas, orelhas, e sendo tão forte, há de viver sempre na terra, a arrastar-se pelo solo, quando aquela andorinha, que não tem nada disso, se locomove, rápida, ligeira, dominando os ares?
Nesse momento, porém, uma andorinha que Ihe passava por cima, deixou escapar alguma cousa que Ihe fazia sobrecarga, e que foi cair, certeira, na cabeça descoberta do coronel. Este levou a mão instintivamente a calva, e, olhando os dedos, brancos daquela indignidade, caiu de joelhos, clamando, arrependido:
– Perdoai-me, Senhor, perdoai-me! O mundo está muito bem organizado! O que nele ha, o que nele vive, o que nele existe, foi feito com perfeição, com acerto, com sabedoria! E levantando-se, limpando a mão:
– Imagine-se que fosse um boi!… (CAMPOS 1921, P.8).
Apesar de não ser humorista, Humberto de Campos, por muitas vezes, era intitulado como tal. Na obra Tonel de Diógenes, (1920) abordou temas relacionado ao cotidiano, à mulher e assuntos pitorescos, além de retratar também assuntos bíblicos, sempre colocando uma pitada de humor e ironia.
-Terminado esse trabalho áspero, tonou Jeová outro punhado de barro mais fino, e começou a dar-lhe forma, arredondando-lhes as curvas, suavizando-lhe as arestas, imprimindo-lhe, enfim, uma graça nova. Acabada a obra, colocou-a ao sol, como a primeira. Aconteceu, porém, que o barro em que modelara a Mulher era mais dútil, mais brando, mais delicado do que o do Homem. E como calor do sol fosse violento demais para cerâmica tão melindrosa, o barro, ao secar, estalou, partindo-se!
-Rachou? – Indagou, curiosa, Mme. Castro Sobreira.
-Rachou! – Confirmou o magistrado. Cada senhora curvou-se, meditativa, sobre sua chavena, tomando, em silêncio, o seu gole de chá… CAMPOS (1920, P.17-18).
Autor de múltiplas facetas, suas obras, além de cômicas, eram uma reflexão acercas dos diversos temas abordados no século XX, como a política. Campos possui uma coletânea diversificada e transitou em todos os gêneros literários. Como em toda a sua obra, é observador nato da realidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de não ter uma única definição de mímesis, esta é de suma importância para as análises literárias. A mimética literária é uma representação, um processo, pelo qual as ações do homem e a resulta em uma narratividade.
Dessa forma, a presente pesquisa busca analisar o cômico e como ele está presente nas obras de Campos. Será analisada suas marcas linguísticas e como abordava os aspectos socioculturais do século XX. De forma simples, às vezes direta, com uma linguagem coloquial, mas com traços de requinte, Humberto de Campos deixou um legado imprescindível para o estudo do humor presente na literatura brasileira.
É frequente o uso desse fenômeno, o cômico, nos corporas recolhidos, analisando de que maneira o uso desses registros linguísticos influenciou a sociedade do século XX e como esse estilo de escrever era aceito pelos leitores de uma época conservadora. Considerado um autodidata e com um pensamento à frente do seu tempo, Campos escreveu sobre várias temáticas, tais como: política, os aspectos sociais, a figura da mulher, o dia a dia da sociedade XX, ademais os escritos bíblicos, com o certo traço de ironia.
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