A TEORIA DAS NECESSIDADES E DA MOTIVAÇÃO:  CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

THE THEORY OF NEEDS AND MOTIVATION: CONTRIBUTIONS TO THE TRAINING OF PHYSICAL EDUCATION TEACHERS

LA TEORÍA DE LAS NECESIDADES Y LA MOTIVACIÓN: APORTACIONES A LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO DE EDUCACIÓN FÍSICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7454346


Joubert de Oliveira Viana


RESUMO 

A teoria das necessidades e da motivação tem ampliado seu alcance nas pesquisas sobre formação de professores na atualidade. Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral: elaborar uma síntese das contribuições da teoria das necessidades e das emoções, a partir das contribuições de L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev, A. V. Petrovsky, A. A. Smirnov e L. Bozhovich para formação dos professores de Educação Física. A metodologia consistiu na combinação de dois métodos muito afins, a pesquisa bibliográfica e a documental. Como resultado da pesquisa elaborou-se uma síntese das contribuições da teoria das necessidades e da motivação para a formação dos professores de Educação Física. Destacou-se algumas notas para uma mudança na formação de professores de Educação Física. As conclusões apontam para o cumprimento dos objetivos e as mudanças necessárias na proposta curricular para introduzir a teoria das necessidades e da motivação na formação dos professores de Educação Física. 

Palavras-chave: Formação de professores de Educação Física. Educação Básica. Teoria das necessidades e da motivação.

ABSTRACT

The theory of needs and motivation has expanded its scope in research on teacher education today. Thus, this research has as a general objective: to elaborate a synthesis of the contributions of the theory of needs and emotions, based on the contributions of L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev, A. V. Petrovsky, A. A. Smirnov and L. Bozhovich to the training of Physical Education teachers. The methodology consisted of a combination of two closely related methods, the bibliographic and the documentary research. As a result of the research, a synthesis of the contributions of the theory of needs and motivation to the training of Physical Education teachers was elaborated. Some notes for a change in the training of Physical Education teachers were highlighted. The conclusions point to the accomplishment of the objectives and the necessary changes in the curricular proposal to introduce the theory of needs and motivation in the formation of Physical Education teachers. 

Key-words: Physical Education teacher education. Basic Education. Theory of needs and motivation.

RESUMEN

La teoría de las necesidades y la motivación ha ampliado su alcance en la investigación sobre la formación del profesorado en la actualidad. Así, esta investigación tiene como objetivo general: elaborar una síntesis de las aportaciones de la teoría de las necesidades y emociones, a partir de las contribuciones de L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev, A. V. Petrovsky, A. A. Smirnov y L. Bozhovich a la formación del profesorado de Educación Física. La metodología consistió en la combinación de dos métodos muy similares, la investigación bibliográfica y la documental. Como resultado de la investigación se elaboró una síntesis de los aportes de la teoría de las necesidades y la motivación para la formación de los profesores de Educación Física. Se destacaron algunas notas para un cambio en la formación de los profesores de Educación Física. Las conclusiones apuntan al cumplimiento de los objetivos y a los cambios necesarios en la propuesta curricular para introducir la teoría de las necesidades y la motivación en la formación del profesorado de Educación Física. 

Palabras-clave: Formación de profesores de Educación Física. Educación básica. Teoría de las necesidades y la motivación.

Introdução

Esta pesquisa parte do reconhecimento de que, nos últimos anos, tem ocorrido um crescimento na busca pela formação em Educação Física, o que tem como desdobramento o crescimento do número de profissionais. Isso demanda uma reflexão mais ampla sobre a formação desses profissionais, de forma a contribuir com melhorias na mesma. Dessa forma, esta pesquisa tem como hipótese central o reconhecimento que de a Teoria das Necessidades e do Motivação pode implicam em avanços no futuro professor de educação física.

Os autores que foram utilizados para a construção do quadro teórico da pesquisa foram Lev Vygotsky (1896-1934); Alexis Nikolaevich Leontiev (1903-1979); Artur Vladimirovich Petrovsky (1924-2006), Anatoli Smirnov (1894-1980) e Lídia Bozhovich (1908-1981) e contribuíram para cumprir os dois objetivos da pesquisa, que são 1) Analisar o embasamento legal nas normativas educacionais sobre a formação de professores e especialmente dos professores de Educação Física e 2) a) Avaliar de que forma a Teoria Histórico-Cultural de autores como L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev, A. V. Petrovsky, A. A. Smirnov e L. Bozhovich pode contribuir para a formação do profissional da educação física. 

Essa pesquisa tem o objetivo contribuir para a discussão acerca da formação dos educadores, apresentando uma abordagem original, através da Teoria das Necessidades e da Motivação para a formação dos professores de Educação Física, ressignificando as políticas de educação básica e suas propostas para a formação do professor de Educação Física.  Também se estabelece como objetivo a inserção no debate sobre a formação dos educadores de Educação Física que ocorre na literatura, mostrando como contribuições da teoria das Necessidade e da Motivação podem ser significativas para rever a formação de professores na área.

Metodologia

Sobre a metodologia, a orientação geral da pesquisa segue o paradigma dialético materialista, que possibilita visualizar as contradições, interioridades e relações com as políticas e com a teoria proposta para sua análise. Ao confrontar a legislação e políticas educacionais com a literatura na perspectiva histórico-cultural, podemos avaliar que avanços no âmbito das políticas de formação docente e nas políticas de currículo são necessárias.  

Para operacionalizar a pesquisa, dois métodos particulares foram usados na presente investigação, o método de revisão bibliográfica e o método de análise documental. No presente caso, a pesquisa documental foi utilizada para o estudo da análise das políticas educacionais e resoluções ministeriais sobre formação de professores. 

Resultados 

1. A teoria das necessidades e da motivação: sua importância para a formação dos professores de Educação Física

Para refletir sobre uma nova proposta de formação dos professores de educação física, retomamos a Teoria das Necessidades e das Emoções Humanas, que faz parte da obra de L. S. Vygotsky (1896-1934), A. N. Leontiev (1903-1979), L. I. Bozchovich (1908-1981), A. V. Petrosvky (1924-2006) e A. A. Smirnov (1894-1980). Com isso, extraímos uma síntese das contribuições desses estudiosos sobre o tema para compreender suas vantagens para a formação dos professores de Educação Física. 

A obra de Vygotsky foi o desenvolvimento de uma teoria da mente como um sistema cuja gênese é histórico-cultural. Ele desenvolveu o conceito funções psíquicas superiores e se baseou na mediação semiótica e nos conceitos de signos, ferramentas e interiorização, enfatizando a natureza social dessas funções. Segundo González Rey (2009), ainda nesses anos, os temas da unidade do cognitivo-afetivo, da natureza geradora das emoções e a referência à fantasia e à imaginação não foram tratados pelo estudioso; destacando, principalmente, a natureza cognitiva das funções psíquicas.

Vygotsky enfatiza ainda que as emoções se constituem em novas relações com outros elementos da vida subjetiva dos indivíduos que elas acabam por ser protagonistas dos processos, definindo decisões e comportamentos.  

Por sua parte, Longarezi e Puentes (2013) mostram que as ideias de autores como V. I. Lenin, M. I. Kalinin, M. N. Petrovski, N. K. Krupskai, A. S. Mahárenko criaram novos desenvolvimento para a pedagogia e para a psicologia na antiga União Soviética, no Período Revolucionário (1917), assim como ao longo do Período Pós-revolucionário (1922 – 1991). Há, portanto, o reconhecimento de autores da Teoria Psicológica Histórico-Cultural. 

Os autores supramencionados indicam que, a partir de 1924, há o movimento denominado “Troika”, protagonizado por L.S. Vygotsky (1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N. Leontiev (1903-1979), que desejam incentivar pesquisas no campo da psicologia marxista, com métodos próprios, “mediante a análise das necessidades da realidade do mundo prático-objetivo e do projeto social da nova sociedade socialista” (LONGAREZI; PUENTES, 2013, p.34).

Na psicologia de tradição soviética, que ficou conhecida como Psicologia Histórico-Cultural, é defendida a essência sociocultural do ser humano e o foco na socialização para o desenvolvimento pleno das potencialidades dos sujeitos.  Para os teóricos dessa tradição, é necessário que os seres passem por um processo denominado “humanização” para que alcancem sua verdadeira humanidade.

A partir das pesquisas de A. N. Leontiev, desenvolveu-se a Teoria da Atividade. Essa teoria tornou possível separar os instrumentos humanos dos animais e possibilitou a identificação dos processos psíquicos internos e externos, assim como a estrutura da atividade. A participação de Leontiev na construção e na consolidação de uma nova psicologia e percepção sobre a psique humana.

A base sob a qual alicerçou as suas ideias está na relação de interdependência que estabelece entre a atividade humana e o desenvolvimento do homem. Para Leontiev, o homem nasce homem enquanto espécie, pois em seu processo de hominização evoluiu biologicamente e desenvolveu as características que assim o constituem. No entanto, para ele, o processo de humanização é que faz do homem espécie, o homem humano. (LONGAREZI; PUENTES, 2013, p. 23).

Vygotsky também contribuiu para estudar essa ideia de atividade como a responsável pelo ser humano desenvolver a sua potencialidade. Para Daniels (2002, p. 11), pode-se dizer que, com o pensador bielorrusso, “[…] as atividades dos seres humanos, em todos os estágios de desenvolvimento e organização, são produtos sociais e devem ser vistos como desenvolvimentos históricos”.

Na perspectiva de Vygotsky, a atividade contribui para a compreensão do desenvolvimento da linguagem na criança e, também, pela sua formação de conceitos:

Até agora, tanto as ciências naturais como a filosofia, disse Engels, têm desdenhado completamente a influência que a atividade do homem exerce sobre seu pensamento, e conhece tão somente, de uma parte, a natureza, e da outra, só o pensamento. Porém, o fundamento mais essencial e mais próximo do pensamento humano é precisamente a transformação da natureza pelo homem e não a natureza por si só, a natureza enquanto tal; a inteligência humana tem sido crescente na mesma proporção em que o homem aprendia a transformar a natureza. (VYGOTSKY apud MEDEIROS, 2021, p. 04).

É fundamental perceber as respostas dados pelos seres humanos às suas atividades e aos problemas culturais propostos são mediadas pela cultura. Dessa forma, o pensamento de Vygotsky faz uma crítica biologismo simplista, que ignora as dimensões sociais e subjetivas do comportamento humano e traz em sua obra a crítica à atividade histórica a partir do materialismo histórico dialético. Rompe-se com a perspectiva naturalizante do comportamento humano. 

Na concepção do pensador bielorrusso, a interação entre sujeito e objeto não se dá de forma direta, mas é mediada pela atividade. Rompe-se, portanto, com o mecanismo cartesiano e pode-se dizer, então, que o processo é este: sujeito / atividade/ objeto. Dessa forma há uma ruptura da perspectiva cartesiana que propunha que o conhecimento se dá a partir da interação entre sujeito e objeto. Nesse contexto, atividade é o instrumento pelo qual se dá a comunicação entre sujeito e objeto.

Davídov foi também um pensador que desenvolver as ideias de Vygotsky, especialmente a partir da década de 70, estabeleceu que:

Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse ensino de “desenvolvi mental” (DAVIDOV apud LIBANEO, 2004, p. 03).

Para esse autor, é a mediação da atividade que traz autonomia para o educando. 

Ela torna o aluno capaz de se colocar no centro não do processo de aprendizagem e também no mundo, sendo um agente de transformação, como espera o materialismo histórico dialético.  Davídov (1988) mostra que é a atividade desenvolvimento intelectual do educando e impacta os seus processos e estruturas cognitivas.

Assim, para Davídov, é necessária uma ruptura com a abordagem tecnicista e empirista do ensino. 

Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações mentais (abstração, generalização e etc.) formam uma unidade. Segundo Rubinstein, “o conhecimento (…) não surge em decorrência da atividade cognitiva do indivíduo e não existe sem referência a ele”. Por tanto, é justificável considerar os conhecimentos como o resultado das ações mentais que implicitamente abrange o conhecimento e, por outro lado, como um processo através do qual podemos obter este resultado no qual reflete o funcionamento das ações mentais. Consequentemente, é totalmente aceitável usar o termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do pensamento (a reflexão da realidade), quanto o processo através do qual se obtém este resultado (ou seja, as ações mentais) (DAVÍDOV apud LIBANEO, 2004, p. 07).

Essa percepção nos leva a olhar criticamente para a aprendizagem escolar, pois o educador deve compreender que o educando deve agir como um cientista, lançando mão de abstrações e conceitos teóricos, mas se ancorando em exercícios lógicos na realidade dos alunos com o intuito de facilitar a sua aprendizagem. 

 Leontiev (2004) sistematiza o conceito de atividade, cuja estrutura geral é composta por duas características principais: a de orientação e a de execução. Nesse contexto, na orientação a atividade compreende as necessidades, os motivos e as tarefas, por sua vez, em termos de execução, a atividade é constituída pelas ações e suas operações. 

O autor também conceito necessidade e apresentou suas quatro dimensões fundamentais, que são a sua estrutura: a necessidade que se tem em ter um objetivo; a necessidade de um conteúdo empírico, de acordo com as condições e com a maneira como se satisfaz; o terceiro ponto é a necessidade como uma forma de repetição, ou seja, é algo que o indivíduo não possui um controle, como a necessidade de alimentação. Por fim, temos a necessidade de que consiste no fato de que ela se desenvolve à medida que se amplia o círculo de objetivos e os meios para satisfazê-las.

Neste ponto Leontiev (1983) passa a desenvolver dois esquemas centrais que expressam a relação entre necessidade e atividade.  Tudo começa com necessidade e, com ela, inaugura-se cria um círculo necessidade-atividade-necessidade, que tem como objetivo potencializar a formação de educadores. 

O autor também estudou a estrutura motivacional da personalidade e explica que pode haver movimentos de interpenetração entre significado original e sentido pessoal, de produção do sentido a partir do significado, a proposição de novos sentidos a significados existentes ressignificando-se ou, ainda, a ruptura, a alienação entre significados e significado pessoal. Por esse movimento, tanto os significados quanto os sentidos pessoais se afirmam como processos psicológicos mediadores da hierarquia de motivos e de atividades, núcleo da estrutura motivacional da personalidade. Por meio dessa reflexão, ele pode entender o que motiva os estudos. Dessa forma, os interesses para o estudo de determinado tema surgem no desenvolvimento dos motivos em torno daquele tópico. Contudo, a existência de uma necessidade que se transforma em desejo para que se realize uma atividade ainda não é suficiente. Para isso, é indispensável que se estabeleça objetivo que, atendendo à necessidade, seja a motivação para atuar e lhe dê à ação uma direção concreta, ou seja, uma finalidade. 

Essas reflexões dos autores, no contexto do materialismo dialético, nos levam a pensar sobre os processos escolares. Eles nos levam a pensar na escola como uma instituição social que se apropria e gera cultura, mas ela precisa se ressignificar e entender que não pode ficar limitada à reprodução de conteúdo, mas que reconheça sua responsabilidade social de promover a formação de agentes sociais, com projetos transformativos da realidade. O aluno não vai à escola apenas para aquisição de conhecimento; pelo contrário, ele vai se transformar enquanto ser humano. Assim, não basta que a escola aborde, apenas, conteúdos já pré determinados e definidos em um currículo arbitrariamente apresentado, mas sim que trabalhar a questão do desenvolvimento emocional e cognitivos dos educandos, com o fim de promover aquilo que se costuma chamar de formação integral, ou seja, formar indivíduos capazes de realizar a transformação da vida, como queria o marxismo. 

Nesse contexto, o trabalho com sentimentos também deve ser feito na escola. Petrovsky (1985) observa que os sentimentos são reações dos indivíduos a situações que lhes são externas que são ressignificados subjetivamente, no sentido de que aparecem da relação do indivíduo com o meio que o cerca, mas que ele se apropria dessas relações e atribuem sentidos a elas, que se transformam em sentimentos. Através destas construções subjetivas é que o mundo produz efeitos de sentido aos indivíduos e nossa ação é determinada por esses sentidos. Smirnov (1976) explica que o educador deve, portanto, entender os sentimentos que motivam seus estudantes, porque a aprendizagem é mais ou menos motivada por eles.  

São de fato diversos autores que fundam essas novas reflexões sobre a necessidade e a motivação humana, mas o que nos importa agora é avaliar as políticas educacionais brasileiras, as normativas e resoluções, a partir das concepções desses teóricos. 

  1. Fundamentação legal da formação dos professores de Educação Física

O Brasil tem ampla legislação sobre a educação, começando pelo próprio texto constitucional, passando pela legislação infraconstitucional e indo até portaria e resoluções do Ministério da Educação. Para se compreender as contradições entre as políticas educacionais  e a teoria das necessidades e da motivação, elaborou-se o seguinte quadro:

Quadro 1: Comparativo entre os documentos de política educacional selecionados

NOME DO DOCUMENTORESUMO DO DOCUMENTORELAÇÃO DOS DOCUMENTOS COM O TEMA DE PESQUISA
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9.394, LDB)Este documento possui vários propósitos, entre os quais o de assegurar os direitos dos educadores em território nacional.Trata-se de um documento que visa discutir a formação dos educadores seja a inicial, seja a continuada.  
Parâmetros Curriculares NacionaisTrata-se de um documento que é referencial de qualidade para a Educação do Ensino Fundamental em todo o país. A intenção é garantir a coerência dos investimentos em educação, democratizando as discussões e contribuindo para a implementação de um sistema coerente em todo o território nacional.Uma vez que se trata de produzir educandos que sejam críticos e docentes capazes de desenvolver tal habilidade nos educandos, deve-se pensar a formação docente como capaz de estimular sujeitos críticos e pensantes. 
Diretrizes Curriculares Nacionais de 2015 e 2019Embora tenha muitos outros propósitos, as DCN As diretrizes definem-se como um conjunto de normas responsáveis pela formação inicial dos professores da Educação Básica.Entre as inovações das DCN’s estão o direcionamento de 800 horas para as práticas educacionais, o que contribui para o desenvolvimento de habilidades didáticas nos educadores.
BNCC FormaçãoDescreve diretrizes para a formação de educadores tendo em vista a BNCCOs educadores, quando de sua formação, precisam estar atentos à aquisição de habilidades que se voltam em geral para o desenvolvimento da cultura cidadã.

Fonte: Elaborado pelo autor (2022)

A LDB é certamente uma das mais importantes leis que se considera, mas ela, não raro, submete-se à lógica neoliberal ao se focar de forma constante nos sistemas de avaliação, mais do que na aprendizagem significativa. Contudo, a formalização proposta pela LDB foi de extrema importância no que diz respeito à organização da formação dos educadores e ao desenho descentralizado e cooperativo da gestão e financiamento das políticas educacionais. No entanto, deixou a desejar no quesito de questionamento e problematização de tal formação. De certa forma, afirma Carvalho (1998, p. 92):

pode, com facilidade, se ajustar à conjuntura, ou seja, aos acontecimentos, cenários, atores, relações de forças e de articulação entre estrutura e conjuntura e, desta forma, ser capaz de proporcionar aos governantes os meios necessários para a implementação de políticas educacionais adequadas à redução do Estado, inclusive na área da educação obrigatória e gratuita.

Contudo, ao prever que os próprios estados e municípios financiam suas próprias políticas públicas, a partir de sua própria capacidade arrecadatória, a LDB dá um passo além da consolidação do neoliberalismo, porque os municípios têm capacidade arrecadatória diferente no país, o que amplia desigualdades educacionais. 

Além dessa legislação, de caráter geral, temos as diretrizes curriculares para a formação do professor de educação física. 

No artigo 8 das Diretrizes Curriculares observa-se a seguinte descrição, dentre as quais se destacam as questões sociais e culturais:

Para a Formação de Professores de Educação Básica, licenciatura plena em Educação Física, as unidades de conhecimento específico que constituem o objeto de ensino no componente curricular Educação Física serão aquelas que tratam das dimensões biológicas, sociais, culturais, didático- pedagógicas, técnico- instrumentais do movimento humano. 

Contudo, tais princípios tão humanizados nem sempre estão alinhados à prática, pois espera-se um professor que seja adaptável às necessidades mais diversas do mercado, nem sempre considerando a necessidade da educação promover a emancipação do aluno. Os professores acabam tendo que se submeter à apreensão de conteúdos pré-determinados, de forma que não tem espaço para a inventividade. Vê-se que é preciso, sempre, manter o espírito crítico alertando para estas transformações no processo de formação de educadores. A área de educação física tem potencial para criar inúmeros atividades que tragam temos como diversidade cultural, os diversos usos do corpo em cada cultural, de trabalhar com a alteridade e com o espaço do corpo na sociedade pós-moderna e de trabalhar com temas de educação sexual, de cuidado do corpo do outro, dentro tantos outros temas que são fundamentais para que o aluno saia do estado de alienação que a sociedade capitalista nos mantém. Contudo, sem espaço para a autonomia do docente dentro da escola e sem que haja compromisso da mesma com a emancipação, não há mudanças efetivas.

Uma sólida formação teórica/prática de base multidisciplinar e interdisciplinar é central para que o profissional de Educação Física atue de forma mais “omnilateral” (termo comum na literatura gramsciana), ou seja, o homem transformador de si e da realidade que o cerca.

Análises diversas apontam para a carência na formação de professores e um desprestígio da formação docente. Ainda assim, deve-se considerar o aumento do número de educadores em função dos cursos de EaD (Ensino à Distância) que, de certa forma, democratizaram o acesso à formação de nível superior. Contudo, fazem parte de um projeto neoliberal de formação rápida para o mercado de trabalho e fortalecimento do setor privado de educação superior, que nem sempre tem compromisso com a educação integral e dialética. 

Constata-se que a conjuntura política que o Brasil entre os anos de 2016 e 2017, com crescente conservadorismo político, contribuíram para que houvesse uma e fragmentação do currículo de Educação Física. Interessante apontar que o colegiado que definiu as diretrizes mostrou-se conservador e corporativista. Para reverter esse quadro, é preciso repensar o ensino de educação física em uma abordagem baseada no materialismo dialético, que esteja realmente comprometido com a formação de um aluno que se coloque como protagonista nessa sociedade.

Esse conservadorismo também está evidente na BNCC. Segundo Heleno (2017), a Base Nacional Comum Curricular cria um projeto neoliberal da sociedade pós- moderna e instituições educacionais, como um projeto alinhado à mundialização e acumulação do capital. Para a estudiosa, as políticas educacionais, utilizadas na BNCC, apontam para a concepção de uma cidadania burguesa, que baseiam-se na necessidade do capitalismo continuar se reproduzindo. Para a pesquisadora HELENO (2017, p. 1):

Supomos que a influência do órgão multilateral seja direta na elaboração e aplicação das políticas educacionais e que as teorias educacionais utilizadas na BNCC são uma expressão resultante da última crise do sistema capitalista de produção. Sendo assim, a concepção de educação na perspectiva da educação humana estará relacionada com a contraposição às políticas neoliberais.

Assim, pode-se apontar que os autores da Teoria das Necessidades e Motivação podem contribuir no trabalho com as crianças adolescentes no que diz respeito à aceitação da autoimagem corporal, já que mostram que a subjetividade define nossas ações e motivações. Uma vez que os educandos compreendam os próprios limites corporais, poderão consolidar sua identidade a partir daquilo que o torna mais forte e lhe dá autonomia. Além disso, os autores mencionados, quando propõem que o currículo escolar diga respeito à realidade dos educandos e os potencializam para a transformação social, estimulam que se pense, por exemplo, em aula de Educação Física que tenham como  foco para o cuidado de si e  do outro, construindo o pensamento coletivo, não individualista, típico da subjetividade capitalista. 

Portanto, a formação continuada precisa fazer parte das políticas educacionais, para esses novos saberes que sejam levados até os profissionais da educação. Romper com a educação neoliberal é central e o professor de educação física, que está em uma área de pensar o homem em todas as suas dimensões, tem ferramentas para isso em suas mãos. 

3. Contribuições para a formação do professor de Educação Física

Na análise realizada acerca dos documentos pedagógicos em questão, sobretudo o da Base Nacional Comum Curricular (2018), é notória a falta de compromisso das políticas educacionais no cultivo da esfera afetivo-motivacional dos profissionais da Educação e em especial dos professores de Educação Física. O foco das políticas é sobretudo na apropriação corporal, prática, cognitiva e de desenvolvimento de habilidades para a prática esportiva. 

Essas competências não são necessárias, mas são insuficientes para a formação do profissional. Portanto, a teoria das necessidades e da motivação humana, na esteira de autores da psicologia histórico-cultural como L. S. Vygotsky e A. N. Leontiev, potencializa pensar sobre a contribuições para ressignificar a formação dos professores de Educação Física a partir do materialismo histórico-dialético. Essas contribuições são as seguintes.

A Teoria Histórico-Cultural de L. S. Vygotsky e continuadores apontam que o ser humano precisa ser compreendido em sua dimensão biológica, mas, para o professor, é preciso estranhar qualquer tipo de olhar para o ser humano que naturaliza seu comportamento e nega que nossos comportamentos, sentimentos e motivação são culturalmente definidas.

Nesta linha de pensamento, que começa com Vygotsky (2004) e chega até González Rey, reconhece-se que a subjetiva tem um papel ativo na motivação e nas atividades humanas. Dessa vez, o professor deve aprender a levar em conta a subjetividade humana nos processos de aprendizagem. 

O professor de Educação Física precisa ter claro que sua formação não acontece no vácuo histórico, mas deve ser concebida como uma atividade sócio-histórica, complexa, que supõe a participação ativa e consciente dos sujeitos no seu desenvolvimento e transformação como profissionais da área.

A formação dos futuros professores de Educação Física não se apoia unicamente no desenvolvimento cognitivo, técnico e na aquisição de habilidades esportivas para seu ensino nos processos de escolarização básica. Esse futuro professor deve ser capaz de desenvolver a personalidade desses alunos e aprender a colocar seu foco na identificação e posterior desenvolvimento de suas necessidades e motivações psicológicas. Esse professor precisa entender as relações entre necessidades, atividades e motivação para despertar em seu aluno a consciência social.

A base verdadeira do desenvolvimento da personalidade dos futuros professores de Educação Física encontra-se na capacidade e possibilidade de que os alunos sejam protagonistas nas atividades formativas e que coloquem em jogo os componentes da estrutura da atividade: necessidades, motivos, ações, objetivos, objetos, procedimentos. Para isso, é preciso superar a formação tradicional, focada apenas no currículo e não no desenvolvimento profissional emancipatório. Esse profissional deverá seguir as normativas em educação, mas não deve se submeter a elas sem criticismo.

A. N. Leontiev aponta que as necessidades e a motivação são aquilo que alinha os indivíduos à sua subjetividade e sentimentos.  O autor explica que, na medida em que o desenvolvimento humano ocorre, as necessidades se tornam cada vez mais complexas e relacionais e que elas não são uma configuração estável do desenvolvimento, porque o desenvolvimento não é linear. Do mesmo modo, as motivações humanas de todo tipo são também sempre distintas e crescentes. Ou seja, dada a característica prática e competitiva da Educação Física, o professor pode compreender e desenvolver as necessidades e motivos dos futuros professores de Educação Física. Com isso, sua experiência pedagógica será mais significativa.

Por outra parte, há que se considerar nos processos formativos a relação entre a atividade humana e a promoção da emancipação dos sujeitos, por meio do seu desenvolvimento. Do ponto de vista dialético, consciência e atividade formam uma unidade que não deve passar em branco, pois no seu desenvolvimento comum, eles se potencializam. É por meio da consciência que o ser humano faz a representação da realidade; ou seja, ela cria símbolos da relação entre o sujeito e trajetória cultural em que se insere. Neste sentido, é por meio da consciência que o homem desenvolve atividades transformativas de si mesmo e da realidade. Por isso, a compreensão da dialética entre atividade e consciência é um fundamento essencial que deve se ter em conta na formação dos professores de Educação Física. 

Considerações Finais

O Brasil tem um claro compromisso com o neoliberalismo em suas políticas educacionais. Nesse padrão conservador, aproximação com a pedagogia crítica não é interessante aos interesses da acumulação de capital. Isso tem impacto na formação do professor de Educação Física. Como essa pesquisa mostrou, a formação de educadores no Brasil e, especialmente dos docentes de Educação Física, mantém-se ainda numa matriz tradicional, na qual não se incorporam as pedagogias materialistas, especialmente os conhecimentos como os fornecidos pela teoria histórico-cultural de Lev. S. Vygotsky e continuadores. 

Os autores estudados têm em comum a preocupação com o caráter subjetivo, social e cultural da formação humana e a necessidade de ter em conta a participação protagonistas dos sujeitos nos processos formativos do qual fazem parte. Todos apontam a importância da atenção às necessidades psicológicas, afetivas, cognitivas, volitivas, morais e cidadãs dos alunos, para que eles sejam efetivamente transformados nos processos educativos. Não podemos desconsiderar, obviamente, a influência dos componentes biológicos na formação da personalidade, mas não podemos naturalizar o comportamento humano. A naturalização de questões sociais evita que o indivíduo se perceba parte de um processo de exclusão social, repleto de contradições, promovidos pela reprodução do capital. Dessa forma, o professor de Educação Física precisa desnaturalizar tudo isso. 

Essa pesquisa recuperou o caráter das políticas educacionais no Brasil, em especial, sobre a formação dos professores de Educação Física e constata-se que os governos brasileiros criam abundantes legislações. Contudo, o compromisso neoliberal impede a formação cultural ampla, as necessidades e as motivações dos professores em formação não são uma prioridade nas políticas educacionais. Contudo, as contribuições da teoria histórico-cultural, a partir de uma leitura pautada no materialismo dialético, pode implicar em importantes rupturas no desenho dessas políticas públicas.

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