ABORTION IN BRAZIL: legal framework
ABORTO EN BRASIL: MARCO LEGAL
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7374547
Weslane Vitória Alves e Silva1
Orientadora: Priscila Francisco Silva2
RESUMO
A presente pesquisa tem como tema ABORTO NO BRASIL, ORDENAMENTO JURÍDICO. O interesse se deu por tratar – se de um assunto bastante complexo causa grande repercussão social. O Objetivo do trabalho é analisar os aspectos sobre a legalização do aborto para a sociedade brasileira, levando em consideração questionamentos religiosos, sociais, de saúde pública, científicos e legais envolvidos. Para isso foi realizado levantamento bibliográfico sobre o tema com a análise de leis presentes no ordenamento jurídico pátrio e do direito internacional. Diante do conflito existente entre Direitos Fundamentais e/ou Princípios Constitucionais, é necessário valer-se do Princípio Instrumental da Razoabilidade ou Proporcionalidade. Observando a ineficácia da criminalização do aborto na proteção dos direitos das mulheres e do próprio feto, exige-se a elaboração e aplicação de outros instrumentos capazes de interferir nessa realidade. A descriminalização do aborto é o resultado racional da aplicação do Princípio Instrumental da Razoabilidade ou Proporcionalidade.
ABSTRACT
This research has as its theme ABORTION IN BRAZIL, LEGAL FRAMEWORK. The interest was due to the fact that it is a very complex subject that causes great social repercussions. The objective of this work is to analyze aspects of the legalization of abortion for Brazilian society, taking into account the religious, social, public health, scientific and legal issues involved. For this, a bibliographic survey was carried out on the subject with the analysis of laws present in the national legal system and international law. Faced with the existing conflict between Fundamental Rights and/or Constitutional Principles, it is necessary to make use of the Instrumental Principle of Reasonability or Proportionality. Observing the ineffectiveness of criminalizing abortion in protecting the rights of women and the fetus itself, it is required the development and application of other instruments capable of interfering in this reality. The decriminalization of abortion is the rational result of applying the Instrumental Principle of Reasonability or Proportionality.
RESUMEN
Esta investigación tiene como tema ABORTO EN BRASIL, MARCO JURÍDICO. El interés se debió a que es un tema muy complejo que provoca una gran repercusión social. El objetivo de este trabajo es analizar aspectos de la legalización del aborto para la sociedad brasileña, teniendo en cuenta las cuestiones religiosas, sociales, de salud pública, científicas y jurídicas involucradas. Para ello se realizó un levantamiento bibliográfico sobre el tema con el análisis de leyes presentes en el ordenamiento jurídico nacional y el derecho internacional. Ante el conflicto existente entre Derechos Fundamentales y/o Principios Constitucionales, es necesario hacer uso del Principio Instrumental de Razonabilidad o Proporcionalidad. Observando la ineficacia de la penalización del aborto en la protección de los derechos de la mujer y del propio feto, se requiere el desarrollo y aplicación de otros instrumentos capaces de interferir en esta realidad. La despenalización del aborto es el resultado racional de la aplicación del Principio Instrumental de Razonabilidad o Proporcionalidad.
1. INTRODUÇÃO
Falar sobre o aborto no Brasil não é nem de longe uma tarefa fácil. O tema divide opiniões pois são levados em consideração na discussão desse assunto aspectos pessoais como valores culturais, religiosos, morais e aspectos coletivos como aqueles relacionados a questões de saúde pública, sociais, de direitos humanos e científicos. Esses fatores acabam determinando a construção do arcabouço legal sobre o tema já que refletem a sociedade em seu tempo.
No Censo de 2010, realizado pelo IBGE, 64,99% da população se declarou católica, enquanto 22,89% afirmou ser evangélica. Sendo assim, na discussão do tema em nosso país os aspectos religiosos/culturais/morais são levados em grande consideração já que a maior parte da população professa crenças religiosas que são contrárias ao aborto.
Considerando os aspectos de saúde pública, importante lembrarmos que o aborto induzido ocorre com muita frequência. Apesar das várias pesquisas sobre o tema, diferenças metodológicas, dados não padronizados nos sistemas de informações de saúde e outras fontes de dados, entre outros fatores, contribuem para que ainda exista divergência à cerca da estimativa do número de abortos no Brasil.
Segundo os dados obtidos a partir da PNA – Pesquisa Nacional de Aborto 2016, 1 em cada 5,4 mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Cerca de metade das mulheres precisou ser internada para finalizar o aborto: 48% das mulheres foram internadas no último aborto. O número de mulheres que o fizeram aborto somente no ano de 2015 seria de aproximadamente 503 mil 1. Outros estudos presumem que cerca de 1 milhão de abortos sejam praticados a cada ano, no Brasil 2. Considerando as estimativas apresentadas e a subnotificação dos casos, difícil desconsiderar o aborto no Brasil como um problema de saúde pública já que ocorrem em números elevados e com graves consequências para a saúde da mulher.
As taxas de realização do aborto não são uniformes segundo grupos como a cor da pele, o nível de escolaridade e a região em que a mulher vive demostrando assim o caráter social do tema 1.
Fator importante na construção de uma nova perspectiva sobre o tema é o fortalecimento do Movimento Feminista no mundo. O conceito de direitos reprodutivos foi estabelecido por esse movimento como parte dos direitos humanos das mulheres. O aborto é um dos direitos contemplados pela concepção de direitos reprodutivos. O argumento central para a sua defesa é o da autonomia das mulheres sobre o próprio corpo 3.
Há ainda a incerteza sobre a definição clara da vida humana, ou seja, quando pode o produto da concepção ser definido como um ser humano com plenos direitos médico-legais sendo um ponto de controvérsia a respeito do tema.
Devemos considerar que o ordenamento jurídico brasileiro é construção social de seu tempo e é fruto da representação de sua sociedade. Acredita-se que o ordenamento jurídico brasileiro protege o direito à vida do nascituro desde a concepção. Essa proteção não é vista como uma concessão jurídica. Trata-se de um direito inerente à condição humana, antes e após o nascimento, desde o momento em que o ser humano é concebido. Apesar desse entendimento majoritário, grandes questionamentos são feitos se de fato o ordenamento jurídico brasileiro garante a proteção ao direito à vida do nascituro da forma como é entendida majoritariamente.
Segundo o artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940, o aborto é considerado legal quando a gravidez é resultado de abuso sexual ou põe em risco a saúde da mulher. Em 2012, um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que é permitido interromper a gestação quando se nota que o feto é anencéfalo, ou seja, não possui cérebro.
Este trabalho tem o objetivo de contribuir para a discussão dos aspectos levantados sobre o tema. Cabe ressaltar que não tem a pretensão de esgotar a discussão de todos os fatores que devem ser considerados sobre um assunto tão complexo e de tamanha repercussão social. Abordaremos os prós e contra – pontos apresentados diante das novas visões de mundo que pressionam para a construção de um novo ordenamento jurídico sobre o aborto considerando as revoluções sociais como, por exemplo, a revolução feminista, além dos aspectos sociais e jurídicos implicados.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 PERSPECTIVA LAICA SOBRE O ABORTO
Levando em consideração o ordenamento jurídico brasileiro o tema do abordo deveria ocorrer em uma perspectiva laica a medida que a liberdade de consciência é assegurada na Constituição Federal. Desta forma, o Estado deve contemplar a diversidade de visões que provém das diferentes religiões assim como assegurar as divergências existentes no seio de uma mesma religião .
A manutenção do Estado de maneira equidistante das diferentes posições religiosas não só possibilita o convívio pacífico entre ideias conflitantes mas garante que as pessoas recebam tratamento igualitário independente de sua crença religiosa.
De se ressaltar que os posicionamentos de instituições religiosas quanto ao aborto não são predominantes nem no seio de suas congregações. Importantes vozes dissonantes questionam seus posicionamentos e os fiéis também aumentam tais questionamentos.
Como exemplo temos uma pesquisa realizada pela ONG – (Organização Não Governamental) Católicas pelo Direito de Decidir que estudou o pensamento dos católicos sobre o aborto e outros temas ligados a sexualidade. Segundo a pesquisa realizada em 2017, a opinião dos fiéis católicos sobre a decisão da interrupção da gestação ser mulher era de 65%. Dentre os evangélicos, 58% também acredita que a decisão deve ser da mulher. Quando questionados a respeito da prisão de uma mulher que precisou recorrer ao aborto, 64% discordaram totalmente ou parcialmente com essa afirmação 5.
Sendo assim, levando em consideração nosso próprio ordenamento jurídico, é importante diferenciarmos os aspectos individuais e aqueles coletivos e, neste caso, a necessidade de abordarmos o assunto sob uma perspectiva laica.
2.2 ABORTO: QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA
Entre 2015 e 2019, ocorreram aproximadamente 73,3 milhões de abortos a cada ano, no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desses, 45% foram considerados abortos inseguros, ou seja, realizados por pessoas sem habilidades e/ou em ambientes inapropriados. Estes casos são responsáveis por 4,7% a 13% das mortes maternas a cada ano . De acordo com um estudo realizado em 13 países em desenvolvimento da África, Ásia, América Latina e Caribe, considerando-se o período de 1989 a 2003, uma a cada quatro mulheres que se submeteram a um aborto inseguro poderá ter sequelas, temporárias ou permanentes, que requeiram assistência médica 7.
No Brasil, apesar dos sistemas de informação em saúde fornecerem dados importantes para análise do tema, esses dados não possibilitam estimar com mais precisão o número de abortos realizados no país. De acordo com a PNA – Pesquisa Nacional de Aborto 2016, 1 em cada 5,4 mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Cerca de metade das mulheres precisou ser internada para finalizar o aborto: 48% das mulheres foram internadas no último aborto. O número de mulheres que o fizeram aborto somente no ano de 2015 seria de aproximadamente 503 mil 1.
Em estimativas mais recentes, o Ministério da Saúde afirma que, no País, 1 milhão de abortos induzidos ocorrem todos os anos e levam 250 mil mulheres à hospitalização. Dados foram apresentados em audiência pública da ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental- 442 no STF realizada em 03/08/2018 11. Impossível desconsiderar o caráter relacionado à saúde pública de tal tema.
2.3 ABORTO: HETEROGEINIDADE SOCIAL
Em um estudo realizado em Minas Gerais, as características das mulheres que foram a óbito relacionado ao aborto são mulheres de 20-34 anos, solteiras (68%) e negras (70,5%), em sua maioria com menos de 7 anos de estudos 10. Segundo o estudo, o óbito por aborto caracteriza uma situação que está diretamente relacionada a caracterização social da mulher. Ocorre maior número de óbitos nos grupos de maior vulnerabilidade, como aquelas de baixa escolaridade e raça/cor negra.
Em estudos mais recentes, segundo o Ministério da Saúde, a cada dois dias, uma brasileira pobre morre vítima do aborto inseguro. É a quinta causa de morte materna no país. Ainda de acordo com Mistério da Saúde, 1 (um) milhão de abortos induzidos ocorrem independente de classe social mas matam principalmente mulheres jovens e negras com apenas o Ensino Fundamental. O órgão federal constata ainda que 250 (duzentas e cinquenta) mil mulheres morrem por ano em decorrência de abortos clandestinos 11.
Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto de 2016 (PNA 2016), conduzida pela antropóloga Débora Diniz e o sociólogo e economista Marcelo Madeiro, o aborto ocorre entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões: No entanto, o aborto ocorre com maior frequência entre mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, vivendo nas regiões norte, nordeste e centro-oeste como já mostrado pela PNA 2010 1. Diante do exposto, deve-se levar em consideração a importância do aspecto social do tema.
2.4 DO DIREITO DO NASCITURO
Consideraremos inicialmente os dispositivos legais que têm sido utilizados para que se justifique a inviabilidade jurídica da descriminalização do aborto no Brasil.
O artigo 5º da Constituição Federal estabelece que:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (….) 12.
O direito à vida aí estabelecida se refere às pessoas elencadas, brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, não trazendo qualquer referência expressa à proteção à vida desde a concepção. Desta forma, tal entendimento não foi recepcionado constitucionalmente.
Importante lembrarmos que à época da constituinte o então deputado Meira Filho fez propositura para que a proteção à vida desde a concepção tivesse referência expressa na Constituição Federal. Tal proposta foi rejeitada pela Assembleia Nacional Constituinte 13.
Outros pensadores utilizam o Pacto de San José da Costa Rica para justificar a inexistência de previsão constitucional para a defesa do direito da vida do nascituro desde a concepção mas esquecem-se que o próprio pacto se adequou aos códigos penais já vigentes à época que já admitiam o direito ao aborto em algumas hipóteses.
Ainda nessa linha de raciocínio, a CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável por interpretar o Pacto de São José da Costa Rica, ao apreciar o caso 2141, em que figurava como demandado os Estados Unidos da América, decidiu, através da Resolução 23/81, de 6 de março de 1981, que o direito ao aborto não viola o artigo 4º, inciso I, do Pacto de São José, nem o artigo 1º da Declaração Americana dos Direitos do Homem.
Lembramos que o artigo 4º, inciso I, do Pacto de São José estabelece:
“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente 14.”
Sendo assim, tal dispositivo não garante de forma absoluta o direito à vida do nascituro.O termo “em geral” estabelecido no dispositivo, não define de forma expressa em que casos o aborto seria permitido. Tal termo foi empregado para que o pacto se coaduna se com os códigos penais pátrios já existentes que estabeleciam algumas previsões nesse sentido. Assim sendo, existe abertura jurídica quantos aos critérios a serem estabelecidos para o aborto considerando o Pacto San José da Costa Rica.
Restrição se dá de fato quando consideramos o artigo 2º do Código Civil brasileiro que estabelece:
“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.15”
Existe a sustentação que seria incompatível que a lei ordinária protegesse o direito à herança do nascituro, mas não lhe assegura a proteção da vida. Esse argumento é bem lógico e correto. O que questiona – se a respeito desse argumento é que: como poderia a legislação ordinária estabelecer o direito à vida do nascituro se a própria Assembleia Nacional Constituinte o rejeitou quando da sua propositura pelo então deputado Meira Filho? Não seria lógico que o legislador constituinte o rejeitasse se pretendesse a proteção da vida desde a concepção e deixar para fazê-lo na legislação ordinária.
Fato é que, a legislação ordinária foi estabelecida em desconformidade com o espírito constitucional, mas que não a impede necessariamente de regular tal fato. Se encontra posta em nosso ordenamento jurídico como representação social do tempo que em que se deu. A expectativa de evolução de nosso ordenamento jurídico para aqueles que desejam a descriminalização do aborto não pode ser proposta apenas utilizando o argumento de que a legislação ordinária contraria o espírito constitucional, mas todos os aspectos tratados anteriormente já que a complexidade do tema exige.
Outro questionamento levantado é: se o Código Civil garante o direito à vida desde a concepção, quando de fato isso ocorreria? Tal questionamento será abordado a seguir.
2.5 DA VIDA DO EMBRIÃO E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MULHERES
Existem inúmeros entendimentos a respeito do momento em que de fato se dá a vida que se baseiam em critérios de toda ordem. A questão sobre o início da vida humana é essencialmente filosófica e existem duas correntes mais fortes no Brasil que buscam estabelecer juridicamente o entendimento sobre o assunto. Vide a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 124.306, conforme voto proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso:
“21. Torna-se importante aqui uma breve anotação sobre o status jurídico do embrião durante a fase inicial da gestação. Há duas posições antagônicas em relação ao ponto. De um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozóide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. De outro lado estão os que sustentam que, antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência – o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação –, não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. ” 17
O segundo critério abordado é importante porque estabelece um limite para que não se relativize o aborto sem considerar a expressão da complexidade que tem o tema. Assim, não coaduna com o assassinato intrauterino de forma indiscriminada tendo como única justificativa a violação dos direitos fundamentais das mulheres. Permite que tais direitos sejam considerados não de forma absoluta, porque nenhum direito existe nessa perspectiva, mas levando-se em conta um aspecto científico, que define a vida observando o sistema nervoso central como aspecto de consciência da vida.
Direitos fundamentais, inclusive o da vida, estão sujeitos a limites e a restrições. Podem, eventualmente, entrar em conflito entre si ou com princípios constitucionais. A solução das situações concretas deverá valer-se do princípio instrumental da razoabilidade ou proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade destina-se a assegurar a razoabilidade substantiva dos atos estatais seu equilíbrio ou justa medida considerando a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. A adequação identifica a capacidade da medida para atingir o fim visado. A partir disso, evidente que a criminalização do aborto não tem garantido a vida do embrião. A criminalização do aborto não influencia de maneira significativa sobre o número de abortos realizados. Estudo do Guttmacher Institute e da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstram isso 16.
Em relação a necessidade, e levando em consideração que a criminalização do aborto não garante a redução dessa prática, devemos observar outros instrumentos possíveis para que tal prática seja desincentivada visando a proteção aos direitos do feto e que sejam menos lesivas aos direitos das mulheres. A descriminalização do aborto nos três primeiros meses e o cumprimento de requisitos estabelecidos que a mulher tome sua decisão após aconselhamento e a reflexão sobre o assunto é um exemplo.
A atuação do Estado sobre os fatores sociais e econômicos que causam a gravidez indesejada é outro instrumento que deve ser utilizado. A rede de assistência colocado à disposição da mãe e da criança, por exemplo, pode minorar os aspectos socioeconômicos que levariam à decisão do aborto. Assim, a rede de assistência médica, de creches, de programas de planejamento familiar, à informação e ao acesso a métodos contraceptivos auxiliam nesse sentido.
Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, é preciso avaliar se as restrições aos direitos fundamentais das mulheres decorrentes da criminalização são ou não compensadas pela proteção à vida do feto. Desta forma devemos analisar todo o espectro de informações dentro do contexto em que o caso está inserido. Assim devemos observar a violação aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher assim como as questões sociais que têm reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, não podemos desconsiderar os custos sociais e para o sistema de saúde gerados que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inseguros, com aumento da morbidade e da letalidade.
A criminalização do aborto não tem garantido a proteção aos direitos da mulher e do nascituro.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perceptível que o objetivo da norma e a realidade se encontram em disparidade. A repressão da conduta é ineficiente em coibir a prática do aborto, não garantido assim, a proteção dos direitos do nascituro e ferindo também os direitos fundamentais da mulher. Acarreta danos colaterais à medida que gera um alto custo ao Estado devido a cuidados prestados às mulheres pós aborto mal procedido, encarceramento daquelas presas por abortar, à morte das mulheres que optam por interromper a gravidez de forma clandestina etc 17. Demonstrado que a criminalização do aborto é ineficaz para o combate de tal prática, exige-se a elaboração e aplicação de outros instrumentos capazes de interferir nessa realidade.
Uma demonstração clara de como é falha a ideia de que proibir o aborto coíbe sua prática, é o fato de que a média global de abortos caiu no ano de 2017 em consequência da queda expressiva em países desenvolvidos onde a prática é permitida 17.
A medida que adotamos uma postura laica diante do fato e analisamos o caso em concreto buscando o equilíbrio dos direitos fundamentais colidentes e a minoração dos efeitos negativos aplicados aos direitos fundamentais em questão, evidente a necessidade que o ordenamento jurídico acompanhe a evolução dos tempos e encare de frente a realidade.
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1Acadêmica de Direito na Faculdade Católica Dom Orione – FACDO. Email: weslanevitoriasilva@catolicaorioneedu.br.
2Professora do curso de Direito da Faculdade Católica Dom Orione – FACDO. Mestre em Ciências do Meio Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Email: Priscilasilva@catolicaorione.edu.br